Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/13.7PAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: SENTENÇA
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 09/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 379º CPP
Sumário: 1.- A sentença não tem que constituir um repositório de todas as possíveis penas previstas em abstrato no Código. Bastando que da motivação resulte, de forma fundamentada, em concreto, aquela que dentro das múltiplas penas de substituição é tida por mais ajustada ao caso concreto;

2.- Não faz sentido exigir que o tribunal enuncie, em abstrato, todas as penas aplicáveis e afaste, uma a uma, a sua aplicação, quando da opção fundamentada por uma elas resulta o afastamento das restantes ou quando os pressupostos das não aplicadas não se mostram verificados em concreto.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I.
Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença na qual o tribunal de 1ª instância decidiu condenar o arguido, A… , pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292°, do C. Penal
- na pena de 6 meses de prisão, substituída pela suspensão da sua execução por um período de 6 meses; e
- na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, pelo período de 20 meses.
*
Inconformados com a sentença, dela recorrem o arguido e o MºPº.
*
No recurso que interpõe o arguido formula as seguintes CONCLUSÕES:
1- Para dar como provado que o arguido trabalha como vendedor de automóveis, o tribunal a quo teve em conta o depoimento do arguido, que, no seu entender, se mostrou credível.
2 - No entanto, das declarações do arguido prestadas em audiência de discussão e julgamento, ocorrida em 12 de Fevereiro de 2013, registadas no sistema de gravação Habilus Media Studio, conforme ata da predita audiência, consta igualmente que o arguido necessita diariamente de conduzir veículos automóveis no exercício da sua profissão, designadamente porque faz demonstrações do funcionamento e utilização de veículos automóveis e faz entregas de veículos automóveis aos clientes da sua entidade empregadora, pelo que a aplicação de u ma sanção de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de tempo prolongado teria como consequência a perda do seu posto de trabalho.
3 - Consta Igualmente das suas declarações que o arguido está profundamente arrependido dos atos que praticou;
4 - Acontece que, o tribunal a quo não fez qualquer referência a estes factos, quer considerando-os provados, quer não provados, pelo que violou o nº 2 do art. 374º do CPC.
5 - Ora, atendendo a que as declarações do arguido se mostraram credíveis, no dizer do próprio tribunal recorrido, este deveria ter dado como provado os factos supra descritos, uma vez que os mesmos são relevantes, no nosso modesto entendimento, para a determinação da medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
6 - Neste conspecto, deverá o tribunal a quem dar como provado que
«o arguido necessita diariamente de conduzir veículos automóveis no exercício da sua profissão, designadamente porque faz demonstrações do funcionamento e utilização de veículos automóveis e faz entregas de veículos automóveis aos clientes da sua entidade empregadora»;
«a aplicação de uma sanção de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de tempo prolongado terá como consequência a perda do posto de trabalho do Arguido»;
«o arguido mostrou-se arrependido»;
7 - O tribunal a quo, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 69º do CP, poderia ter condenado o Arguido na proibição de conduzir veículos por um período fixado entre 3 meses e 3 anos.
8 - Optou por condená-lo numa elevada pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 20 meses, sem tomar em consideração que,
- não ficou provado que da condução levada a cabo pelo arguido tivessem advindo quaisquer consequências para terceiros ou para a comunidade em geral;
- o arguido confessou integralmente os factos de que vinha acusado, colaborando com a justiça e mostrou-se arrependido de forma credível;
- as condições pessoais do arguido, designadamente, o facto de ser vendedor de veículos automóveis, de necessitar de conduzir veículos automóveis no exercício das suas funções, da inibição de conduzir veículos automóveis conduzir à perda do seu posto de trabalho, numa altura em que o país apresenta uma taxa de desemprego elevadíssima, sobretudo entre os Jovens, colocando o arguido numa situação quase certa de pobreza inevitável;
- de a primeira condenação do arguido ter ocorrido há mais de cinco anos e da segunda ter ocorrido há cerca de um ano; isto é, não são condenações recentes, e nenhum dos atos ilícitos praticados provocaram quaisquer consequências muito menos graves, para terceiros;
- a taxa de alcoolemia no sangue verificada e confessada (2,16 g/l não é de tal modo grave que seja proporcional à pena aplicada - mais de ano e meio sem conduzir!
8 (A) - Afigura-se-nos assim que, tendo em consideração o disposto no art. 71º do CP, e todas as circunstâncias que deverão ser tomadas em atenção na determinação da medida da pena, de forma a respeitar o disposto naquele normativo legal, deveria ter sido aplicada uma pena acessória por um período de 6 a 8 meses, que consideramos suficiente, atendendo às circunstâncias pessoais do arguido, para atuar psicologicamente sobre o condutor, influindo preventivamente na sua conduta futura,
9 - Não o tendo feito, e optando por aplicar uma pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 20 meses, o tribunal a quo violou o disposto no art. 71º do CP,
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente Recurso merecer provimento, revogando-se o aresto recorrido, condenando-se o Réu numa pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período que deverá ser fixado entre 6 a oito meses.
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Por sua vez o MºPº, no recurso que interpõe, formula as seguintes CONCLUSÕES:
O Tribunal a quo condenou o arguido como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo aplicado uma pena de 06 meses de prisão, substituída pela suspensão da sua execução pelo período de 06 meses e uma pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 20 meses, não fazendo qualquer advertência quanto à obrigação de o arguido ter de proceder à entrega da sua carta de condução no prazo legal, de 10 dias após o transito em julgado, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência;
Na sentença condenatória para além da delimitação e aplicação da pena - principal e acessória - deve o Tribunal ordenar a notificação do arguido para que este apresente o seu título de condução sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência;
Devendo tal facto ser notificado ao arguido aquando da leitura da sentença;
Ao não fazê-lo, nem tendo justificado por qualquer modo a razão do afastamento da posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão nº 2/2013, processo 146/1l.0GCGMR-A.G 1-A.51, publicado a 08 de Janeiro de 2013 no DR, lª serie, Nº 5 o Tribunal a quo violou as normas constantes dos artigos 374°, 375°, nº 1, 379°, nº 1, alínea c), 445°, nº 3, 97°, nº 4 do Código de Processo Penal e artigos 292°, nº 1 e 69°, nº 1 alínea a) do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser corrigida, passando dela a constar a expressa advertência de que o arguido deverá proceder à entrega da sua carta de condução no prazo legal de 10 dias após o transito em julgado, sob a cominação de, não o fazendo, o mesmo cometer o crime de desobediência do art. 348º, nº 1, al. b), do Código Penal, e consequente notificação da mesma, julgando-se, assim, o recurso ora interposto procedente.
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Respondeu o MºPº ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela sua improcedência.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual sufraga a procedência do recurso interposto pelo MºPº e a improcedência do recurso interposto pelo arguido. Invoca ainda a nulidade da sentença por não ter apreciado a possibilidade de substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, bem como a ilegalidade da suspensão da execução da prisão por apenas 6 meses quando nos termos do art. 50º, nº5 tal período nunca pode ser inferior a 1 ano.  
Corridos vistos e realizado o julgamento, em conferência, cumpre decidir.
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II.

1. Vistas as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, no recurso interposto pelo MºPº está em causa a omissão, na sentença, da notificação com advertência de que não entregando a carta de condução incorre em crime de desobediência.
O recurso do arguido incide sobre a decisão da matéria de facto e a medida concreta da pena acessória.
No seu douto parecer, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto suscita ainda duas questões novas: nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a substituição da prisão por prestação a favor da comunidade e suspensão da execução da prisão por um período inferior ao mínimo legal. Podendo a primeira delas obstar à apreciação de mérito, procede-se desde já à sua apreciação como questão prévia.
Enunciando os requisitos da sentença, postula o art. 374º do CPP:
(…)
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Por sua vez o art. 379º do CPP postula:
1. É nula a sentença:
(…)
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Relativamente á necessidade de à motivação da decisão quanto a penas não aplicadas, o Ac. T.C. n.º61/2006 de 18.01 (DR IIS de 28.02.2006) julgou inconstitucionais, por violação do art. 205º,n.º1 da C.R.P., as normas dos artigos 250º, n.º1 do C. Penal e 374º, n.º2 e 375º, n.º1 do CPP quando interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.
Também o Supremo tem decidido que é nula a sentença que não fundamenta a não aplicação da suspensão a penas a que seja aplicável – cfr., entre outros, Ac. STJ 02.12.2004, processo 4219; Ac. de 19.01.2005, Processo 4000/04; Ac. de 20.01.2005, processo 123/05; Ac. de 09.11.2005, CJ tomo III/2005, p. 209; Ac. RC de 18.01.2006, processo 3381/05; Ac. do STJ de 11.01.2006, CJ/STJ tomo I/2006, p. 160.
Doutrina aplicável, por identidade de razão, a outras penas de substituição que o tribunal cujos pressupostos de aplicação o tribunal tivesse o dever de apreciar em concreto.
No caso, se é certo que a apreciação da substituição constitui um poder/dever do tribunal, no sentido de evitar, quanto possível, a aplicação da pena de prisão, a sentença não tem que constituir um repositório de enunciação, em abstracto, de todas as penas aplicáveis em abstracto. Em obediência ao dever de fundamentação, quando aplicáveis várias em abstracto, deve justificar não só qual elege como a mais ajustada ao caso concreto bem como as razões dessa eleição dentro das opções possíveis.
Para que a sentença devesse ter-se pronunciado quanto à aplicação de determinada pena aplicável em abstracto, exige-se que se demonstrem os pressupostos da sua aplicação em concreto, em função das circunstâncias concretas do caso, no sentido de que, vistas as circunstâncias concretas do caso, se impusesse a sua aplicação e - por isso – não se tendo pronunciado, a sentença deixou de conhecer daquele fundamento de que devia ter conhecido. Não abstractamente, de todas as penas de substituição possíveis, mas daquelas que pudessem/devessem ser aplicadas no caso concreto, como á da natureza da função jurisdicional.
Ora, no caso, para além de não ter sido aplicada pena efectiva de prisão – foi aplicada uma pena de substituição – ninguém em audiência, teve como ajustada ao caso concreto a substituição por prestação de trabalho. Nem vem especificado que devesse efectivamente ser aplicada porque verificados os pressupostos de aplicação e porque mais ajustada ao caso concreto. Não se justificando, pois, a necessidade de a sentença afastar, num mero exercício de retórica, uma pena cujos pressupostos de aplicação não são demonstrados em concreto.
Aliás repare-se que a substituição por prestação de trabalho depende da “aceitação” do condenado, nos termos do art. 58º n.º5 do C. Penal. E nem se pretende demonstrar que seja a adequada, nem é invocada, sequer, a sua exequibilidade ou a possibilidade de aceitação do arguido. Ou que o arguido “queira” ou tenha condições materiais e psicológicas para executá-la. 
Por outro lado o tribunal recorrido fundamenta a sua opção pela suspensão da execução. E tal fundamentação não é posta em causa. Não tendo a sentença que constituir um repositório de todas as possíveis penas previstas em abstracto no código. Bastando que da motivação resulte, de forma fundamentada, em concreto, aquela que dentro das múltiplas penas de substituição é tida por mais ajustada ao caso concreto. Não fazendo sentido exigir que o tribunal enuncie, em abstracto, todas as penas aplicáveis e afaste, uma a uma, a sua aplicação, quando da opção fundamentada por uma elas resulta o afastamento das restantes ou quando os pressupostos das não aplicadas não se mostram verificados em concreto.
Assim, no caso, não tendo sido objecto de discussão nem se mostrando verificados os pressupostos da substituição por prestação de trabalho, deixando a sentença claras as razões pela eleição de outra pena de substituição que, também ela, não é privativa da liberdade e cujos fundamentos não são materialmente discutidos, conclui-se que a sentença não enferma da apontada nulidade. 
Pelo que improcede a arguição da nulidade da sentença.
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A apreciação das restantes questões, sobre o mérito da causa, exige que se convoque a decisão da matéria de facto.

3. A decisão da matéria de facto com a motivação probatória que a suporta, é a seguinte:

A) Matéria de facto provada:
No dia 12 de Fevereiro de 2013, cerca da 04horas e 40 minutos, o arguido conduzia no Viaduto Engenheiro Guilherme Santos, em Pombal, o veículo automóvel, de matrícula (...)DF, com uma taxa de alcoolemia no sangue de 2,16 g/l.
Ao actuar da forma descrita, bem sabia o arguido que havia ingerido bebidas alcoólicas e que conduzia aquele veículo sob o seu efeito, o que, não obstante, não o impediu de efectuar tal condução.
Mais sabia que os seus reflexos e acuidade visual se encontravam diminuídos devido ao álcool ingerido e que, desse modo, não se encontrava em condições de efectuar uma condução segura.
Agiu de modo livre e consciente, bem sabendo que lhe estava vedada tal conduta.
O arguido trabalha como vendedor de automóveis, auferindo um salário mensal de €526,00.
Vive em casa arrendada pagando uma renda mensal de €165,00.
Contraiu um empréstimo para aquisição de viatura própria, pagando urna prestação mensal de €70,00.
O arguido foi condenado em 09/03/2007 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 50 dias de multa.
O arguido foi condenado em 03/01/2012 pela prática de um crime de condução veículo em estado de embriaguez na pena de 100 dias de multa.
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B) Motivação
A convicção do tribunal sobre a factualidade dada como provada resultou da prova documental junta a fls. 5 — resultado do exame efectuado ao arguido — bem corno das declarações pelo mesmo prestadas confirmando os factos em causa nos autos.
No que toca às condições de vida do arguido teve-se em conta o seu depoimento que se mostrou credível.
Relativamente aos seus antecedentes criminais foi relevante o teor do CRC que consta de fls. 26 e segs.
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3. O arguido impugna a decisão da matéria de facto
Os tribunais da relação conhecem de facto e de direito – art. 428º do CPP.
A decisão da matéria de facto pode ser impugnada/sindicada com fundamento nos vícios do art. 410º, n.º2 do CPP ou com base na efectiva reapreciação dos meios de prova, nos termos previstos nos artigos 431ºdo CPP.
Os vícios do art. 410º têm como campo de aplicação privilegiado os casos em que o tribunal de recurso carece de competência para a reapreciação da matéria de facto (“nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” diz o corpo do n.º2 do preceito). Designadamente os casos em que, na versão originária do CPP havia recurso “per saltum” da decisão do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal, no regime da chamada “revista alargada”. Trata-se de vícios que emergem da própria estrutura da decisão recorrida ou do mero confronto da mesma com as regras da experiência comum, sem necessidade de análise ou reapreciação dos meios de prova produzidos. Constituindo “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.Sendo, aliás, de conhecimento oficioso – cfr. Acórdão do STJ de para fixação de jurisprudência 19.10.1995, publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.
Já no que toca ao recurso com base na reapreciação da prova, postula o art. 431º do CPP: Sem prejuízo do disposto no art. 410º, a decisão do tribunal e 1ªinstância sobre matéria de facto pode ser alterada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do art. 412º n.º3 do CPP.
No recurso com base na reapreciação dos meios de prova, ao contrário do que sucede com os vícios do art. 410º (aparentes, manifestos, de conhecimento oficioso) incide sobre o recorrente o ónus de identificar o erro apontado á decisão recorrida, como ainda o de o comprovar, especificando o conteúdo dos meios de prova tido por não valorado ou valorado erradamente pela decisão posta em crise, capaz de, numa apreciação conforme aos critérios legais em vigor, “impor” a revogação e/ou a substituição da decisão recorrida em conformidade com a pretensão formulada.
Com efeito, sobre a motivação do recurso com base na reapreciação da prova, dispõe o art. 412º do CPP (redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29.08):
(…)
3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O recurso não se confunde, como sucede na praxis diária, com um novo ou segundo julgamento da mesma coisa. Constituindo antes o instrumento para obter a correcção de erros de procedimento ou de julgamento – concretos, identificados e comprovados, com base numa argumentação minimamente persuasiva, na motivação do recurso – cometidos na decisão recorrida.
Com efeito, parafraseando Cunha Rodrigues (Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 387) “Como remédios jurídicos os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de melhor justiça. O recorrente tem que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação dos recursos consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in operando ou in judicando. A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação de direito material. Esta natureza dos recursos justifica, por outro lado, que se lhes aplique o princípio dispositivo e que se reconheça às partes um importante papel conformador”.
Como pondera criteriosamente Germano Marques da Silva (in Revista Julgar, n.º1, Janeiro-Abril 2007 p.150) “Nem sequer parece importante o registo audiovisual da prova, porque no recurso não está em causa o princípio da livre convicção do julgador, mas apenas a correcção de julgamento em função das provas produzidas em audiência. Não se trata tanto da interpretação de provas produzidas, mas da comprovação de que o juízo se fundou nas provas produzidas ou examinadas em audiência”.
Por outro lado, os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, apenas poderão afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias – jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 13.02.2008, recurso 76/05.4PATNV.C1 2º Juízo Torres Novas. Como decidiu, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.... “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.
No caso, alega o recorrente que o tribunal recorrido devia ter dado como provados os factos que identifica na conclusão n.º6 – em suma a “necessidade da carta de condução” para o exercício da sua actividade profissional de vendedor de automóveis e o “arrependimento”.
Não se trata de factos dados como provados ou não provados pelo tribunal recorrido.
Aliás não contavam nem da acusação nem da contestação que definem a vinculação temática do tribunal e o objecto do julgamento.
Por outro lado nem o recorrente alega que tivesse colocado os aludidos factos à apreciação do tribunal recorrido para que sobre eles tivesse que o dever de se pronunciar como factos relativos ao objecto do processo que tivessem sido objecto de discussão em audiência. Nem o recorrente alega que tivesse requerido a sua inclusão na “base instrutória”, durante a audiência a fim de que o tribunal, uma vez exercido o contraditório, pudesse/devesse ter-se pronunciado sobre os mesmos.
Certo é que o tribunal tem o dever de investigar factos resultantes da discussão da causa relevantes para a decisão. Constituindo a omissão vício de insuficiência previsto no art. 410º n.º2, al. a) do CPP. 
No entanto trata-se de matéria conclusiva e sem relevo – se não precisasse da carta de condução não a tinha obtido e não pela circunstância de dela precisar dela que a sanção definida na lei pode ser alterada. Tanto mais quando o exercício da profissão – vendedor de automóveis – não exige a sua condução, apenas a venda.
Aliás tal matéria teria efeito contrário ao pretendido pelo recorrente: se a carta (e para vender automóveis não é preciso conduzi-los) fosse imprescindível para o exercício da sua actividade, maior exigência de a “preservar” incidia sobre o recorrente, incidindo sobre ele um dever acrescido de não conduzir alcoolizado assim colocando em risco o seu modo de vida.
Assim, por não se tratar de matéria alegada na acusação ou na contestação nem ter sido colocada à apreciação do tribunal recorrido e ser irrelevante para a decisão da causa, não tinha o tribunal que investigá-la, muito menos se impondo dá-la como provada.
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4. Medida da pena acessória
Neste âmbito, sustenta o recorrente que a pena acessória, arbitrada pela sentença recorrida em 20 meses, deve ser fixada entre 6 a 8 meses - cfr. remate das conclusões.
A medida abstracta aplicável é de 3 meses a 3 anos
A determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do C. Penal – cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237.
Dada a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória na respectiva definição haverá, em princípio, uma certa proporcionalidade entre a definição da pena e da sanção acessória que cabem ao caso.
No entanto, como decidiu o Ac. T. Constitucional n.º 667/94 de 14.12, BMJ 446º - suplemento, p. 102, “a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais”.
“não deve procurar-se estabelecer nenhuma coincidência entre a concreta medida da pena a taxa de álcool (…) não obstante o diferencial existente em relação ao patamar inicial da TAS impõe uma diferença em relação ao limite mínimo da pena acessória” – Ac. RC de 05.03.2000, processo 832/20000 disponível em http://www.dgsi.pt/
Apesar da identidade de critério para definição da medida concreta da pena principal e da pena acessória haverá que ter em conta a natureza específica de cada uma delas (incidindo a primeira sobre a liberdade – prisão – ou sobre o património – multa – e a pena acessória sobre o exercício da condução automóvel, em cujo âmbito foi praticado do crime) bem como as finalidades próprias de cada uma delas, por forma a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo art. 40º do CP.
Ora a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias., § 88 e § 232.
Entende-se assim que a determinação da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – cfr., entre outros, Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51.
Aliás trata-se de medida na qual o legislador deposita grandes expectativas, tanto que, depois das alterações operadas pelo DL 48/95 de 15.03 esta pena acessória mereceu novamente a atenção do legislador através da Lei 77/2001 de 13 de Julho que deu nova redacção ao art. 69º do C. Penal, definindo com maior rigor o âmbito da sua aplicação e elevando o limite mínimo e o limite máximo (de 1 para 3 meses e de 1 para 3 anos, respectivamente). O que evidencia o relevo que lhe é dado pelo legislador em termos de política legislativa, perspectivando-a como medida de grande relevo no combate aos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária.
Com efeito a pena acessória incide sobre o instrumento da condução automóvel, privando o agente de exercer temporariamente a actividade em cujo exercício praticou a infracção. O que numa sociedade economicista – em que a pena de multa vê o seu efeito diluído, sendo incorporado como mais um entre os custos da condução automóvel - assume especial relevo, como factor de prevenção geral e especial e correspondente motivação pela norma.
Por outro lado a frequência da condução sob o efeito do álcool revela que o sistema sancionatório não tem funcionado adequadamente. Tanto que continua a ser uma das infracções que, em termos estatísticos, maior relevo tem nas condenações proferidas pelos tribunais.
Não podendo esquecer-se que numa taxa de álcool no sangue acima de 2 gr./l. pode afirmar-se a realidade da embriaguês, sem a presença de qualquer outro dado clínico – cfr. J.ª Gisbert Calabuig, Medicina Legal e Toxicologia, Salvat Editores, S.A., 4ª ed. Barcelona, 1991.  E com apenas 1,20 g/l o risco de acidente aumenta 16 vezes – cfr. estudo da DGV acessível em htt://www.agroportal.pt.  
Ora, no caso, a taxa de alcoolemia verificada (2,16 g/l) situa-se muito acima do limite punido dentro da moldura (1,20). O que representa o elevado grau de ilicitude do facto bem como da culpa e perigosidade da conduta do agente ao decidir exercer a condução automóvel naquele estado.
Por outro lado, a condenação nos presentes autos constitui a terceira condenação do arguido pelo mesmo tipo de crime. O que revela uma acentuada tendência – e como tal perigosidade do arguido - para a prática deste tipo de crime.
Assim, a pena acessória arbitrada, ligeiramente acima do meio da moldura abstracta (3 meses a 3 anos) mostra-se ajustada e proporcionada à perigosidade do recorrente revelada no facto e no desrespeito pelas advertências solenes contidas nas anteriores condenações bem como às elevadas necessidades de prevenção geral.
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4. No que toca à segunda questão suscitada no douto parecer - período da suspensão da execução da prisão - certo é que o período mínimo aplicável é de um ano, nos termos do art. 50º, n.º 5 parte final, do CPP. E que a sentença suspendeu por apenas seis meses (igual á pena de prisão).
No entanto a prorrogação ex ofício do prazo da suspensão por um período superior ao fixado na sentença não foi objecto de recurso. Pelo que fazê-lo agora constituiria uma verdadeira reformatio in pejus, vedada pelo disposto no art. 409º do CPP.
Pelo que improcede também esta questão prévia.
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5. Recurso interposto pelo MºPº
O AC.STJ para fixação de jurisprudência n.º 2/2013, de 08.01.2012, in DR IS de 08.01.2013, decidiu fixar jurisprudência nos seguintes termos:
Em caso de condenação pelo crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas do art. 292.ºdo CP e aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, nº 1, al. a) do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada da lei (art. 69.º, nº 3 do CP e art. 500.º, nº 2 do CPP), deverá ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo legal previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art. 348.º, nº 1, al. b), do CP.
Ora tal entendimento não foi observado na sentença recorrida.
Não se trata propriamente de um requisito formal da sentença no sentido dos previstos no art. 374º do CPP. Trata-se antes de pressuposto de natureza material para o crime de desobediência (futuro, incerto) para o caso o arguido não vir a proceder à entrega do título de habilitação legal de condução. Podendo a correcção da omissão ser ordenada na apreciação do recurso - não se justifica a declaração de nulidade da sentença mas antes a sua correcção por força do princípio geral da substituição do tribunal de recurso.
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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido; ---
- conceder provimento ao recurso interposto pelo MºPº, devendo o tribunal recorrido ordenar ao arguido a entrega do título de condução, no prazo legal, sob a cominação de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência do art. 348.º, nº 1, al. b), do CP.
O arguido suportará as custas do recurso por si interposto, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.

Belmiro Andrade (Relator)

Abílio Ramalho