Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
419/07.6TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
LETRA DE CÂMBIO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 03/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.46º Nº1 C) CPC, 220º, 289º, 458º E 1143º CC
Sumário: I- A letra de câmbio prescrita vale como título executivo na qualidade de documento de reconhecimento de dívida ao abrigo do artigo 46º c) do CPC, nas relações imediatas entre devedor e credor, desde que seja invocada a relação causal no requerimento executivo, se não constar já do título.

II- Não terá, porém, essa força executiva a letra prescrita, se o negócio causal for um negócio formal, pois, nesse caso, é o próprio documento mediante o qual foi celebrado o negócio que serve de título executivo e, não existindo esse documento, o negócio será nulo, sendo a nulidade de conhecimento oficioso.

III- Contudo, no caso do mútuo nulo por violação da forma exigida no artigo 1143º do CC, a força executiva do documento não fica inquinada, por se manter a obrigação de restituição do prestado, por imposição do artigo 289º do CC.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Por apenso à acção executiva que A (…) intentou contra B (…), veio a executada deduzir oposição “`penhora e à execução”, alegando, em síntese, que o título executivo não tem o preenchimento dos requisitos formais exigíveis e está prescrito.

Concluiu pedindo a extinção da execução.  

O exequente contestou, alegando, em síntese, que a oponente não indicou quais os requisitos do título que não estão preenchidos e que, embora prescrita, a letra em causa continua a ter força de título executivo, na qualidade de documento com reconhecimento de dívida, nos termos dos artigos 458º do CC e 46º nº1 c) do CPC, uma vez que o exequente no requerimento executivo menciona que a promessa de pagamento se reporta a um empréstimo e a oponente não impugna este facto, limitando-se a invocar a prescrição da letra.

Concluiu pedindo a improcedência da oposição.

No despacho saneador foi proferida sentença que julgou a oposição procedente e determinou a extinção da execução.  

                                                            *    

Inconformado com esta decisão, o exequente interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:

A- Tendo o douto despacho ora em crise ordenado a extinção da presente execução, face à procedência da oposição à execução apresentada não se conforma o ora recorrente.

B- Servindo de base à presente, letra de câmbio, datada de 15.02.2000, sacada por conta de um empréstimo pessoal concedido à executada nos autos, pelo valor de 10 000,00 euros veio esta opor-se à mesma, alegando, numa única página manuscrita, referida obrigação cartular.

C- Ocorre contudo, que não obstante prescrita, dada a assinatura aposta na referida letra pela executada, mantém-se a validade do título executivo, como mero escrito particular assinado pela devedora, nos ermos do artigo 46º nº1 al c) do CPC.

D- Entendimento diverso sufragou o despacho em crise, porquanto não obstante concluir que um título em tais condições, apresentado como quirografo assinado pelo executado e se encontre no âmbito das relações devedor originário e credor originário, deva ser considerado como dotado de força executiva por consubstanciar um documento particular previsto no citado artº 46º nº1 al c) do CPC, concluiu pela inexistência no caso em apreço de indicação e ou alegação da causa de pedir subjacente à emissão da letra.  

E- Ora tal constatação não é, com o devido respeito correcta, porquanto foi efectivamente indicada, ainda que sumariamente, a causa de pedir pela invocação no requerimento executivo, da existência de um empréstimo pessoal concedido à executada, causal da emissão da referida letra.

F- Ainda que sumariamente invocada, permite esta, o conhecimento pleno da causa de pedir, constatando-se que a executada ainda assim, não se pronunciou sobre este, porquanto assim não quis, encontrando-se cabalmente assegurada a sua defesa processual.

G- Ademais, a incerteza da obrigação exequenda podia ter fundamentado a oposição à execução, nos termos do artº 814 al e) e 816º, contudo não o tendo sido feito, presume-se a sua aceitação.

H- Se assim não fosse, e naturalmente por dever de patrocínio, poderia esta ter negado a existência do referido empréstimo, o seu valor, contudo limitou-se a alegar da prescrição do título cambiário.

I- Não se concebendo que o Tribunal surja aqui, com o devido respeito, como guardião dos interesses da ora executada, quando ela própria, podendo fazê-lo, não o fez, encontrando-se a nosso ver, preenchido o escopo da certeza e segurança jurídica, a menção de que a letra sacada no valor de 10 000, o foi por conta de um empréstimo pessoal.

J- Tais exigências – sempre necessárias face a uma concreta situação de ininteligibilidade e aí se impondo – resultam no caso em apreço, numa redundante injustiça.

K- Um segundo argumento serve de base à procedência da oposição à execução e que se traduz na alegação pelo Mmo juiz a quo, da seguinte consideração: “Ademais, se considerarmos que na génese da emissão da letra se encontra um empréstimo, rectius, um contrato de mútuo, impressiona ainda a falta de junção aos autos de qualquer documento nesse sentido, porquanto o referido contrato quando celebrado acima de certos valores legalmente determinados, está sujeito à observância de forma especial, sob pena de nulidade (art.s 220º e 1143º do C. Civil).

L- Mais uma vez se discorda de tal arrazoado tendente à destituição de força executiva à letra de câmbio que serve de base à presente.

M- Pois que, tratando-se de referido empréstimo, situado entre os 2 000,00 euros e os 20 000,00 euros, não carecia nos termos do artº 1143º, da celebração de escritura pública, valendo contudo a referida letra como documento particular assinado pelo devedor, desde invocada na causa de pedir em sede de requerimento executivo.

N- Nesse sentido AC. Da Relação do Porto de 6/10/2008, em caso análogo aos dos autos. “II- Embora a obrigação cartular constante do cheque possa estar prescrita poderá valer como título executivo como mero documento particular assinado pele devedor, se o seu valor se situar entre os 2 000,00 euros e os 20 000,00 euros, para tanto se exigindo que no requerimento executivo se invoque a causa de pedir da obrigação, que pode ser impugnada pelo executado”.

O- Destaque também para estudo efectuado pelo Exmº Sr. Dr. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, Dr. Fernando Nunes Ribeiro publicado no Boletim da ASJP Vª Série/nº6 Abril de 2008, onde entre muitas outras considerações se pode ler em conclusão:

“1- Para que um documento particular preencha os requisitos legais para ser considerado título executivo, basta de acordo com a alínea c) do artº 46º do CPC, que dele conste uma obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético; 2- Uma letra, uma livrança ou um cheque prescrito ou que não reúna todos os requisitos essenciais para poder desempenhar as funções de título de crédito, pode todavia, quando devidamente assinado pelo emitente e com a indicação expressa do numerário a pagar à pessoa a favor de quem foi emitido, valer por si só, nos ermos do artigo 46º do CPC como título executivo, ainda que não contenha a razão da ordem de pagamento, porquanto é de presumir, nos termos do artigo 458º nº1 do CPC que essa ordem de pagamento teve uma causa; 3- Até à reforma da acção executiva levada a cabo pelo DL 38/2003 de 8 de Março, a eficácia executiva de um desses escritos e a promoção da execução não dependia da alegação da relação causal ou subjacente no requerimento inicial; 4- Só com a Reforma da acção executiva levada a cabo pelo DL 38/2003 de 8 de Março é que passou a ser obrigatório de acordo com o artº 810 nº3 do CPC, a alegação no requerimento inicial da execução dos factos que fundamentam o pedido, quando estes não constem de documento; 5- Porém, a omissão dessa alegação não é causa de inexequibilidade do título e constituirá eventualmente tão só uma irregularidade processual suprível.”

P- A sanção para a absoluta falta de menção de causa de pedir é o indeferimento liminar do requerimento executivo e não a inexequibilidade do título.

Q- Que dizer então do caso em apreço, quando a causa de pedir  consta de requerimento executivo, ainda que não esmiuçada?

R- Ainda a propósito da alegada nulidade de contrato de mútuo subjacente atente-se no teor do Ac. do STJ de 13.11.2003:

“2- A nulidade do contrato de mútuo implica ainda a obrigação de restituição da quantia entregue, e a emissão do cheque tem causa justificativa da constituição da obrigação cambiária que envolve, válida e autónoma daquele contrato. 3- A nulidade do contrato de mútuo, não afecta a relação cartular constituída a favor do mutuante a título de datio pro solvendo, ou seja, a fim de realizar mais facilmente o seu direito de crédito”. 

S- Deste modo se conclui em suma que o documento dado à execução reúne as características de título executivo bastante, podendo e devendo ser considerado título executivo para efeitos do artº 46º do CPC.

Termos em que, e com mui douto suprimento de V.XAS, se requer:

a) A revogação de douto despacho que concluiu pela procedência da oposição à execução, e consequentemente extinção da presente execução, por errónea interpretação da lei, em concreto os artigos 458º do CPC, 508º nº3 do CPC e 810 nº3 al b) do CPC;

b) Ordenar-se a sua substituição por outro que considere improcedente a referida oposição e ordene a prossecução da presente execução e seus ulteriores termos.

                                                            * 

O recurso veio a ser recebido como apelação, com subida imediata, nos autos de oposição e com efeito devolutivo e foram admitidas as contra alegações da recorrida, onde esta pugna pela manutenção da decisão recorrida.

                                                            *

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

A questão a decidir consiste em saber se o título apresentado pelo exequente tem força executiva.

                                                            *

FACTOS.

São os seguintes os factos considerados provados pela decisão recorrida:

A) Na acção executiva, à qual estes autos se encontram apensos, foi dado como título executivo uma “letra de câmbio”.

B) Na “letra” constam, como local e data de emissão, respectivamente, Santarém e 2000/06/15; a importância de 2 000 000$00; a data do vencimento de 2000/09/15; a assinatura, morada e nº de contribuinte da oponente nas posições destinadas ao sacado; a assinatura da oponente na face, do lado esquerdo, transversalmente; o nome, a morada, o nº de contribuinte, o NIB e a assinatura do oposto nos campos reservados ao sacador; a assinatura do oposto, bem como os dizeres “sem despesas”, na face anterior. 

C) Na letra, os campos reservados ao “local de pagamento/domiciliação”, “aceite nº”, “saque nº” e “valor” não se encontram preenchidos. 

D) Na letra consta a seguinte ordem de pagamento: “No seu vencimento pagará (…) por esta única via de letra a mim ou à minha ordem a quantia de dois milhões de escudos”

E) A execução, à qual estes autos se encontram apensos, deu entrada neste Tribunal em 12.03.2007.

                                                            *

Deverá ainda ter-se como assente que, no requerimento executivo, o exequente alega que “é legítimo possuidor de letra de câmbio, no valor de 10 000,00 euros, sacada por B (…), para liquidação de empréstimo pessoal. Na data de vencimento, o sacado não logrou obter o seu pagamento, pelo que vencida, a aludida letra de câmbio é título executivo, nos termos do artigo 46º nº1 al. c) do CPC.”

                                                            *

                                                            *

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

Apresentada na execução uma letra de câmbio como título executivo, foi deduzida oposição pela executada, com o fundamento de que não estavam preenchidos todos os requisitos da letra por falta de preenchimento e de que esta se encontra prescrita.

A sentença recorrida julgou procedente a oposição pois, considerando a letra prescrita e prejudicada a questão do preenchimento em falta, entendeu que a mesma não reunia condições para ser utilizada como documento com força executiva ao abrigo do artigo 46º c) do CPC.

Com efeito, como pacificamente está aceite por todos os intervenientes, a letra em causa, tendo o vencimento com data de 2000, há muito que estava prescrita quando a execução foi intentada em 2007, por já ter decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 70º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, prescrição essa que prejudicou a questão da apreciação da falta de preenchimento de outros requisitos cartulares.

Restava apreciar se, embora prescrita, a letra poderia ter força executiva como documento de reconhecimento de dívida, ao abrigo do artigo 46º c) do CPC.

Na verdade, sendo o título executivo a base de toda a execução nos termos do artigo 45º do CPC, o artigo 46º do mesmo código contém as espécies de títulos executivos, dispondo, na sua alínea c), que: “À execução apenas podem servir de base…os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto;…”.

E a função da letra como documento de reconhecimento de dívida foi decerto ponderado pelo exequente, quando este, no requerimento executivo, alegou que a mesma constitui o meio de “liquidação de um empréstimo pessoal” e invocou expressamente o artigo 46º c) do CPC.

A sentença recorrida começa por expor as correntes doutrinais e jurisprudenciais que tomaram posição sobre a validade, como documento com força de executiva, dos títulos de crédito prescritos.

E, tal como aí se expõe, existe uma corrente que entende que, prescrito o título de crédito, este não pode valer como título executivo ao abrigo o artigo 46º c) do CPC, pois a reforma processual de 1995 não alterou a natureza dos títulos de crédito, que vêm regulados nas leis uniformes das letras e livranças e dos cheques, pelo que o título prescrito apenas poderá valer como meio de prova na acção declarativa para cobrança do crédito, mas nunca como título executivo (cfr. neste sentido acs STJ de 16/01/2001 e 18/10/2007, RL de 26/12/2004 e 20/03/2007, todos em www.dgsi.pt).

Existe depois outra corrente que entende que, prescrito o título de crédito, poderá este ter força executiva como documento de reconhecimento de dívida, ao abrigo do artigo 46º c) do CPC e na sequência da reforma processual de 1995, que alargou o âmbito dos títulos executivos, desde que, no âmbito das relações imediatas, a relação causal conste do título ou seja alegada no requerimento executivo (cfr. acs STJ de 19/01/2004, 15/05/2003, 25/10/2007, 27/11/2007, 4/12/2007, 10/07/2008, 28/04/2009, RC de 27/06/2006, 19/05/2009, RL de 21/04/2005, 9/07/2009, 3/11/2009, RP de 16/05/2005, 13/02/2007, 6/10/2008, 21/10/2008, todos em www.dgsi.pt e Lebre de Freitas, “A acção executiva”, página 54).

Finalmente, existe ainda uma corrente, no sentido de que, prescrito o título de crédito, este poderá valer como título executivo ao abrigo do artigo 46º c), sem que seja necessário invocar a relação causal, pois tal documento constitui um reconhecimento de dívida ao abrigo do artigo 458º do CC, cabendo ao devedor o ónus de impugnar a existência da dívida, por meio da oposição à execução (cfr. ac. RP 23/05/2006 e RC 12/06/2007, ambos em www.dgsi.pt).

Optou a sentença recorrida pela segunda tese ora enunciada, que nos parece também a mais correcta, para além de ser representativa de uma clara maioria da jurisprudência.

A exigência de que o exequente alegue a relação causal no requerimento executivo (se não constar já do próprio título) constitui uma forma de assegurar a defesa do executado, que assim saberá o que impugnar na oposição à execução e, por outro lado, mostra-se reforçada depois da reforma introduzida pelo DL 38/2003 de 8/3, por força da qual o artigo 810 nº3 b) do CPC passou a exigir que no requerimento executivo conste a “exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”.

Contudo, apesar de perfilhar este entendimento doutrinário e jurisprudencial, a sentença recorrida concluiu que o título dos presentes autos não reúne as condições para ter força executiva.

Para tal, apresenta dois fundamentos.

O primeiro fundamento é o de que os factos alegados no título executivo seriam insuficientes para integrar de forma completa uma relação causal.

O segundo fundamento é o de que, face ao valor em causa, tratando-se de um mútuo, o mesmo deveria constar de documento, não tendo sido apresentado o documento respectivo, nem tendo sido alegada a sua existência.

No que diz respeito ao primeiro fundamento, não nos parece que assista razão ao tribunal a quo.

A redacção constante do requerimento executivo contém lapsos quando diz que a letra foi sacada pela executada e que o sacado não logrou obter pagamento; mas verifica-se dos factos provados e da própria letra que esta foi sacada pelo exequente e que a executada é sacada e aceitante.

Quanto ao facto alegado de que a letra se destina a liquidação de empréstimo pessoal, não sendo muito pormenorizado (sendo certo que a lei fala em exposição sucinta) é suficiente para integrar uma causa susceptível de ser impugnada pela executada, que, aliás, não o fez, limitando-se a arguir excepções relacionadas com o documento como título de crédito e não como reconhecimento de dívida, apesar de o exequente o ter apresentado já nesta última qualidade.

O segundo fundamento apresentado pela sentença recorrida é mais delicado.

O contrato em que se integra o “empréstimo” alegado no requerimento executivo é um contrato de mútuo, previsto no artigo 1142º do CC.

Sendo o empréstimo do ano de 2000, estava em vigor o código civil na redacção da lei 59/99 de 30/6, sendo, na altura a seguinte a redacção do artigo 1143º: “o contrato de mútuo de valor superior a 20 000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2 000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário”.

Para ser válido, o contrato de mútuo invocado pelo exequente, no valor de 10 000 euros, deveria, portanto, constar de documento assinado pelo mutuário, o que não foi demonstrado.

O entendimento jurisprudencial adoptado e acima indicado tem entendido também que, mesmo que se trate de documento de reconhecimento de dívida no âmbito das relações imediatas de credor e devedor originários e seja alegada a respectiva causa no requerimento inicial, o documento não terá força executiva se o negócio causal invocado constitua negócio formal (cfr. entre outros, os já citados acs do STJ de 28/04/2009, 27/11/2007, 15/05/2003, RC de 19/05/2009, RL de 21/04/2005, 9/07/2009, 3/11/2009, RP de 13/12/2007 e 6/10/2008).

Compreende-se que assim seja, pois, tratando-se de negócio formal, será o próprio documento mediante o qual o negócio foi celebrado que constituirá o título executivo e, se esse documento não existir, o negócio será nulo, invalidade esta que é de conhecimento oficioso (artigos 220º e 286º do CC).

Contudo, se este raciocínio é válido para a generalidade dos negócios formais, haverá que considerar o caso específico do mútuo.

É que, sendo o mútuo nulo, a obrigação de restituir o capital entregue mantém-se, sendo a respectiva causa, não o mútuo, que é nulo, mas sim a obrigação de restituição do prestado prevista no artigo 289º do CC.

Nesta linha de pensamento, decidiu-se no acórdão do STJ de 13/11/2003, em www.dgsi.pt, citado pelo recorrente nas suas alegações, relativamente a um cheque não prescrito, válido como título de crédito, que, sendo discutida a validade do negócio causal por o mútuo ser nulo, a nulidade do mútuo não inquina a exequibilidade do título, face à obrigação de restituição do prestado.

Também no acórdão do STJ de 19/02/2009, igualmente em www.dgsi.pt, foi decidido que um escrito particular de reconhecimento de uma dívida, proveniente de um mútuo nulo, tem força executiva, apesar dessa nulidade, face à obrigação de restituição do prestado prevista no artigo 289º do CC.

O mesmo se passa no caso em apreço. Não estamos perante um título de crédito válido como tal (como acontecia no acórdão do STJ de 13/11/2003), nem perante um escrito particular em sentido estrito (como acontecia no acórdão do STJ de 19/02/2009); mas estamos perante um título que, não tendo validade como título de crédito, é equivalente a um escrito particular de reconhecimento de dívida e, sendo esta dívida constituída por um mútuo nulo, a obrigação de restituição do capital subsiste por força do artigo 289º do CC e, por isso, não inquina a validade do documento enquanto título executivo.

Conclui-se, então, que não tendo a executada impugnado na oposição a relação causal invocada pelo exequente no requerimento executivo, a letra, embora prescrita, tem força executiva como reconhecimento de dívida ao abrigo do artigo 46º c) do CPC, devendo improceder a oposição e prosseguir a execução.     

                                                            *

                                                            *                                                               

SUMÁRIO.

I- A letra de câmbio prescrita vale como título executivo na qualidade de documento de reconhecimento de dívida ao abrigo do artigo 46º c) do CPC, nas relações imediatas entre devedor e credor, desde que seja invocada a relação causal no requerimento executivo, se não constar já do título.  

II- Não terá, porém, essa força executiva a letra prescrita, se o negócio causal for um negócio formal, pois, nesse caso, é o próprio documento mediante o qual foi celebrado o negócio que serve de título executivo e, não existindo esse documento, o negócio será nulo, sendo a nulidade de conhecimento oficioso. 

III- Contudo, no caso do mútuo nulo por violação da forma exigida no artigo 1143º do CC, a força executiva do documento não fica inquinada, por se manter a obrigação de restituição do prestado, por imposição do artigo 289º do CC.

                                                            *

                                                            *

                                                            *

DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e em revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente a oposição e determinando o prosseguimento da execução.  

                                                            *

Custas pela recorrida.