Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
78/17.8T8LMG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
ATITUDE ABUSIVA DO PROCESSO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LAMEGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 531.º E 616.º, DO CPC
Sumário: I – A taxa sancionatória excecional prevista no art. 531º do n.C.P.Civil destina-se a sancionar condutas da parte que, pese embora não justifiquem uma condenação em litigância de má-fé, correspondem a pretensões infundadas e abusivas que não teriam sido formuladas e/ou praticados caso aquela tivesse atuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis, nessa medida se revelando excecionalmente censuráveis.
II – Uma litigância anómala e imponderada não se confunde com o exercício de uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses em causa.

III – Com a taxa sancionatória excecional não se pretende responder/sancionar “erros técnicos”, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.

Decisão Texto Integral: Apelação em processo comum e especial (2013)

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            Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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            1 – RELATÓRIO

AA e seu falecido marido (BB), intentaram em 31/01/2017 ação de processo comum contra CC e DD, pedindo a condenação destes no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre determinado prédio rústico e bem assim a condenação no reconhecimento do direito de compropriedade sobre determinadas águas existentes no prédio dos Réus.

Na pendência da causa, mais concretamente na data de 23/01/2021, faleceu o Autor BB, o que foi comunicado aos autos a 08/03/2021, na sequência do que foi ordenada a suspensão da instância até à prolação da decisão que habilitasse os sucessores do falecido.

Posteriormente foi requerida a habilitação de herdeiros do falecido Autor, que se processou por apenso aos presentes autos, na qual veio a ser proferida sentença que julgou habilitados para com eles prosseguir a causa em substituição do Autor:

a) a cônjuge sobreviva e também Autora originária nos autos; e

b) a filha comum de ambos - EE.

Citada para os termos do incidente de habilitação de herdeiros e para os termos da causa principal esta referida habilitada não apresentou qualquer articulado, nem constituiu mandatário judicial.

Transitada em julgado a decisão que habilitou as referidas sucessoras foi designada audiência de discussão e julgamento, que teve lugar nos autos no pretérito dia 28/09/2022, no âmbito da qual as partes lograram obter uma transacção que foi homologada por sentença.

Na referida transacção, foi acordado entre as partes o seguinte:

«l.º

Autora e Habilitada desistem de todos os pedidos formulados nos autos e prescindem de qualquer direito às águas provenientes do prédio dos Réus melhor identificado nestes autos.

2.º

Os Réus, por força de tal desistência, compensarão a Autora e Habilitada com uma quantia de € 2.375,00 (dois mil trezentos e setenta e cinco euros), quantia essa que·será paga em 7 (sete) prestações mensais e sucessivas, sendo as 6 (seis) primeiras no valor de€ 350,00€ (trezentos e cinquenta euros) e a 7ª (sétima) e última no valor de€ 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros).

3.º

O pagamento das prestações referidas na cláusula 2ª será realizado por transferência bancária para a conta da Autora ou Habilitada, cujo IBAN o mandatário da Autora comunicará aos mandatários dos Réus, vencendo-se a 1 ª até ao dia 15 de outubro de 2022 e as restantes até ao mesmo dia dos meses subsequentes, até efetivo e integral pagamento.

4.º

Custas a cargo dos Autores e Réus em partes iguais, prescindindo ambos de custas de parte.»

Após o que foi proferida a seguinte sentença homologatória:

«Na presente ação de processo comum nº 78/17... - que os autores AA e EE (habilitada) moveram contra os réus CC e DD -, quer pela qualidade dos intervenientes como pelo seu objeto que é livre e disponível, considera-se válida e eficaz a transação que antecede, pelo que se homologa a mesma por sentença e, consequentemente, condenam-se as partes a cumpri-la nos precisos termos em que se vinculam e com as legais consequências, com a consequente extinção da presente instância- cfr. artºs 277°, ai. d), 283º, nº. 2, 284º., 289º, nº. 1 a contrário, e 290º, nº.s 1, 3 e 4, todos do Código de Processo Civil.

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Custas na forma acordada, de harmonia com o disposto no artº. 537°. nº 2, do C. P. Civil.

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Registe, notifique.»

                                                           *

Transitada em julgado a prolatada sentença foram os autos remetidos à conta, tendo o Exmo. Contador fixado à habilitada EE a quantia de € 533,20 (quinhentos e trinta e três euros e vinte cêntimos), invocando o disposto nos arts. 19.º e 20.º do RCP a título de reembolso ao IGFEJ por adiantamentos (50% dos encargos com a peritagem).

Considerando a Autora que a conta estava mal elaborada, já que, em seu entendimento a habilitada não teve qualquer intervenção processual, tendo aceite e continuado o processo em substituição da parte falecida, apresentou a 30/11/2022 reclamação contra a referida conta de custas, concluindo no sentido de «TERMOS EM QUE REQUER A V. EXA. SE DIGNE ORDENAR A ANULAÇÃO DA CONTA DE CUSTAS N.º ...22, POR NÃO SEREM DEVIDAS QUAISQUER CUSTAS OU ENCARGOS PELA HABILITADA EE E A AQUI AUTORA BENEFICIAR DE APOIO JUDICIÁRIO NA MODALIDADE DE DISPENSA DE TAXA DE JUSTIÇA E DEMAIS ENCARGOS COM O PROCESSO.»

                                                           *

Na sequência teve lugar promoção do Digno MºPº manifestando-se no sentido de que concordava com a posição do Exmo. Contador.

                                                           *

Após o que foi proferido despacho judicial, em 13/02/2023, a decidir a referida reclamação, do seguinte teor:

«O requerimento que antecede, para apreciação, consubstancia um incidente processual de reclamação da conta de custas.

Dispõe o artº 31 ° do RCP que 1 - A conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento

A conta foi notificada, além do mais à A. habilitada EE que, sendo a responsável pelo pagamento da quantia em causa, nada veio dizer.

A Autora AA, cremos, não sendo ela a responsável pelo pagamento, carece de legitimidade processual para a dedução deste incidente.

Percebe-se que tenha sido tomada a opção de ser ela a reclamar da conta já que EE não mandatou o II Causídico e não tendo apoio judiciário teria de pagar a taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação.

Contudo, não poderá ser a parte não condenada (ou com valores a receber não incluídos) a reclamar da conta, seja por falta de legitimidade seja por falta de interesse em agir.

Mas para além disso, dispõe o art.º 11 º nº 1 a) da Lei do Apoio Judiciário: 1 - A protecção jurídica caduca nas seguintes situações: a) Pelo falecimento da pessoa singular ou pela extinção ou dissolução da pessoa colectiva a quem foi concedida, salvo se os sucessores na lide, no incidente da sua habilitação, juntarem cópia do requerimento de apoio judiciário e os mesmos vierem a ser deferidos.

Norma essa que terá sido ignorada e que tem a solução de mérito para a decisão deste incidente.

Com efeito, a habilitada não pediu nem lhe foi deferido o apoio judiciário.

O apoio judiciário "não se transmite" aos herdeiros habilitados, mas caduca.

Mas já no que concerne ao impulso processual, a habilitada ocupa exatamente a posição processual de Autora, assumindo a mesma posição do "de cujos", que intentou esta ação.

Por conseguinte, é responsável pelas custas do processo na proporção da sentença.

Face ao exposto, decide-se, não obstante a falta de legitimidade, julgar total e manifestamente improcedente a reclamação deduzida.

Custas pela reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário, não se taxando em taxa sancionatória especial, não abrangida pelo apoio judiciário, pela simplicidade da questão.»

                                                           *

Notificada de tal, a Autora suscitou pedido de reforma/aclaração, por requerimento de 27/02/2023, alegando para o efeito o seguinte:

«1. Por intermédio do douto despacho em referência, foi indeferida a reclamação apresentada pela aqui Autora, constante do requerimento de ref.ª 44040110, de 30.11.2022, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2. Apesar da sindicada falta de legitimidade da aqui Autora, quanto a esta matéria, interpretação que não acompanhamos, tendo presente o disposto no art. 31.º do RCP e o facto de a questão em mérito não se reconduzir à conta em si mesma, mas antes à responsabilidade pelo pagamento das custas, sempre a apreciação de mérito da questão por parte do douto Tribunal pacifica a referida legitimidade.

3. Concorreu para a decisão proferida pelo Tribunal a convocação do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 11.º da Lei do Acesso ao Direito, segundo a qual, o direito à protecção jurídica caduca pelo falecimento do seu beneficiário e por conseguinte não se transmite aos seus herdeiros.

4. Ora, a aqui Autora em momento algum sufragou que a habilitada estaria abrangida pela protecção jurídica conferida ao seu pai e Autor, mas antes que, sendo habilitada no processo e estando no mesmo apenas para com ela seguir a causa, não lhe devem ser imputadas responsabilidades tributárias, a não ser as que se acham estabelecidas no art. 539.º do Cód. de Proc. Civ., nas quais, não está (nem estão nos arts. 19.º e 20.º do RCP) o reembolso de quantias adiantadas pelo IGFEJ.

5. De todo o modo, a nossa anterior reclamação encontra na jurisprudência nacional uma situação manifestamente semelhante, como se pode ver no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.01.2003, proferido no processo n.º 1624/02-2, que teve por relator o Juiz Desembargador António Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt no âmbito do qual se escreveu o seguinte:

"A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito (art.º 446.º n.º 1, do C.P. Civil).

Emana da disciplina deste normativo legal o afloramento do princípio da causalidade - paga as custas a parte que não tem razão - paga as custas a parte que lhes deu causa, isto é, quem pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada (Ac. do S.T.J de 12.01.1995; B.MJ; 443.º pág. 264), ou seja, a actuação da lei não deve traduzir-se num sacrificio patrimonial para a parte em beneficio da qual essa actuação se realizou, pois é de interesse do Estado que a utilização do processo não acarreta prejuízo ao litigante que tem razão (Chiovenda, citado pelo Prof A. dos Reis in Código P. Civil Anotado, li, pág. 198 e segs.).

Ora, quem recorreu a Tribunal, accionando os mecanismos jurídico-processuais com o intuito de fazer valer o seu pretenso direito foi a autora EE ... e só ela, porque decaiu, é a responsável pelo pagamento das custas da acção.

Tendo falecido no decurso da acção, continua a demandante - a sua herança - a arcar com este ónus, pois que os herdeiros dela, devidamente habilitados, aparecem na acção num momento posterior e tão-só para, em representação dela, continuar a lide até final.

Deste modo, a condenação em custas deverá sempre, apesar da sua morte, ser atribuída à parte vencida na acção, dela se retirando os seus herdeiros que foram habilitados para, em sua representação, prosseguirem a lide." (negrito e sublinhado nosso).

6. Assim, conforme aí se decidiu e com o que se concorda, a responsabilidade pelas custas (aí se incluindo eventuais reembolsos) é da herança e não dos habilitados.

7. Foi neste conspecto que se deduziu a reclamação em referência, pelo que, cremos ter havido erro na determinação da norma aplicável e respectiva qualificação jurídica dos factos, o que demanda a presente aclaração.

8. Acresce que, foi referido no douto despacho em análise que "por conseguinte, é responsável pelas custas do processo na proporção da sentença", donde se infere que a habilitada deve pagar as custas processuais na proporção da sentença proferida nos autos.

9. Ora, desde logo, a sentença proferida nos autos (homologatória) não condena em custas a habilitada e nos termos do supra referido é a herança do falecido Autor BB a responsável pelo pagamento de eventuais custas que sejam devidas a juízo, cabendo, dentro desta aquilatar a proporção a que cada herdeiro (habilitado) cabe.

10. Com efeito, foi acordado com respeito às custas o seguinte: "custas a cargo dos Autores e Réus em partes iguais, prescindindo ambos de custas de parte", vide cláusula 4.8 da transação de 28.09.2022 e subsequente sentença.

11. Vertendo ao caso dos autos, temos que o valor do reembolso devido ao IGFEJ é de € 1.066,40, sendo imputável a cada uma das partes (AA. e RR.) a quantia de € 533,20, referente a 50% desses encargos.

12. Os encargos imputados aos Réus foram bem calculados.

13. Já os encargos imputados à habilitada foram mal calculados e estão em desarmonia com a decisão agora proferida (que sufraga e bem que as custas devem ser pagas na proporção da sentença – in casu Autores ... ).

14. Assim, antes da habilitação eram Autores:

a. BB;

b. AA.

15. Após o falecimento do Autor BB, foram habilitados os seus sucessores, a saber:

a. AA (cônjuge sobreviva) também Autora originária; e

b. EE (descendente).

16. Ora, a Autora AA não só é Autora originária dos presentes autos, como habilitada (enquanto cônjuge sobreviva), da herança do Autor BB.

17. Assim, a proporção nos 50%, e no valor de € 533,20, que cabe a esta Autora em ambas as qualidades em que intervém há que ser determinada, para se apurar a proporção das custas a seu cargo e a cargo da habilitada EE.

18. Com efeito, correspondendo o referido valor de € 533,20 à totalidade da responsabilidade dos Autores, há que encontrar a sua responsabilidade proporcional, em face do decesso do Autor BB.

19. De facto, enquanto Autora original tem a mesma a pender sobre si a responsabilidade de ½ desse valor, o que corresponde à quantia de € 266,60.

20. Os outros € 266,60 devem ser imputados à herança do falecido BB, cabendo à aqui Autora, enquanto cônjuge sobreviva a quantia de € 199,95, porquanto, 50% desse valor corresponde à meação e dos restantes 50% do quinhão hereditário, como apenas sucedeu a cônjuge e uma descendente o valor é repartido em partes iguais, ou seja, 25% para cada uma delas, num total de 75%.

21. Já no que diz respeito à habilitada EE a sua responsabilidade resume-se a 25% do valor imputável à herança de que é herdeira e se traduz no montante de€ 66,65.

22. Assim, o valor proporcional que cabe a cada um dos Autores é de:

a. À Autora AA (por si e enquanto cônjuge sobreviva da herança de BB) a quantia de € 466,61; e

b. À Autora habilitada EE (apenas e só enquanto herdeira de BB) a quantia de € 66,65.

23. Ora, a proporção que a cada uma das Autores (nas diversas qualidades que ocupam) detém na causa e nas custas a que haja lugar deve ser aferida daquela forma e não da constante na conta elaborada, assim tendo sido determinado na sentença e nas normas legais aplicáveis.

24. Considerando que, a Autora AA está isenta do pagamento de custas, por beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a proporção que lhe cabe fica a cargo do IGFEJ, por delas estar isenta.

25. Ademais, tendo presente a repartição referida em 22.º a imputação da totalidade dos encargos (que foram acometidos a ambos os Autores e não apenas e só à habilitada) crê-se ilegal e indevida, já que, por essa via a mesma teria de pagar a totalidade do reembolso que cabe a todos os Autores, quando uma dessas Autoras, beneficia de isenção total de custas.

26. Assim, tendo presente o requerimento antecedente, o douto despacho proferido, a sentença homologatória proferida e bem assim o incidente de habilitação de herdeiros processado nos autos, é por demais evidente que constam do processo elementos de prova que impunham decisão diversa da proferida, o que motiva a presente aclaração .

TERMOS EM QUE DEVE SER ADMITIDA A PRESENTE ACLARAÇÃO/REFORMA E POR VIA DA MESMA SER REPARADO O DOUTO DESPACHO DE REF.ª 92401669, DE 13.02.2023 E CONSEQUENTEMENTE SER:

1. DECLARADA COMO RESPONSÁVEL DAS CUSTAS IMPUTÁVEIS AO AUTOR BB A SUA HERANÇA, REPRESENTADA NOS AUTOS PELA AQUI AUTORA E PELA SUA FILHA EE;

2. SER FIXADA A RESPONSABILIDADE DA HABILITADA NAS CUSTAS PROCESSUAIS, NA QUANTIA DE 66,65, POR CORRESPONDER À PROPORÇÃO EM QlJE FOI CONDENADA NA HERANÇA DE QUE É HERDEIRA;

3. SER ANULADA A GUIA ANTERIORMENTE ELABORADA PARA O EFEITO E SUBSTITUÍDA POR OUTRA COM O MONTANTE REFERIDO SUPRA.»

                                                           *

Na sequência foi determinada a audição do Exmo. Contador e MºPº (o qual manteve a anterior posição), e facultado ainda à Autora exercer o direito ao contraditório quanto à anunciada eventual aplicação de taxa sancionatória excecional, o que a mesma fez, manifestando-se no sentido da sua não aplicação.

                                                           *

Por despacho judicial de 13/09/2023 foi decidido o pedido de reforma nos seguintes termos:

«Vi a promoção que antecede e a pronúncia da autora junta sob a ref.ª 6102420.

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Vem a autora requerer a aclaração/reforma do despacho de ref.ª 92401669, alegando, em súmula que na dita decisão de indeferimento da reclamação da conta de custas por si deduzida foi erradamente convocado o disposto no artigo 11.º, nº 1, alínea a), da Lei de Acesso ao Direito, sem que a reclamação se tenha sufragado no âmbito desse normativo, mas sim no argumento de que a responsabilidade pelas custas é da herança e não dos habilitados.

Mais discorre a autora, nesta sequência, acerca das percentagens, na responsabilidade por custas, que caberão às partes na conta correspondente, requerendo, a final, que se declare como responsável das custas imputáveis ao autor BB a sua herança, representada pela autora e filha EE; que se fixe a responsabilidade da habilitada nas custas em 66,65%; e ser anulada a guia anteriormente elaborada.

Cumpre apreciar e decidir:

O artigo 613 .º do Código de Processo Civil estabelece que:

1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2 - É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.

O artigo 616.º do Código de Processo Civil dispõe que:

1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n. º 1 é feito na alegação.

Considerando o teor do preceito legal ora transcrito, temos que as partes podem requerer a reforma da sentença e é lícito ao Juiz reformar a sentença, nos termos legalmente previstos.

Considerando o teor do despacho proferido nos autos e os argumentos ali aduzidos, e em face do concreto o teor da reclamação apreciada, não se vislumbra que tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, muito menos que existam elementos de prova que impunham decisão diversa da proferida.

Desta feita, no despacho em crise, o Tribunal justificou a aplicação da lei à situação dos autos, precisamente com base nos argumentos oferecidos na reclamação que analisou e decidiu, mais dali constando, transcreve-se, «mas já no que concerne ao impulso processual, a habilitada ocupa exatamente a posição processual de Autora, assumindo a mesma posição do "de cujos", que intentou esta ação. Por conseguinte, é responsável pelas custas do processo na proporção da sentença»,

Daqui se retira que, face à reclamação deduzida, os argumentos que da mesma constam (que perpassaram pela atuação e impulso, ou falta dele, por parte da autora visada - que não a reclamante) foram devidamente ponderados no despacho proferido, encontrando-se ali definitivamente debatidos e considerados.

Refira-se e saliente-se, que ao contrário do que alega a autora, e analisada por várias vezes a reclamação por si deduzida, que aqui se deixa vertida e reproduzida, não se invoca ali o argumento de que a responsabilidade pelas custas é da herança e não dos habilitados.

Ora, atento o teor do requerimento em apreciação, temos que, a nosso ver, o que perpassa pelo mesmo será uma tentativa de a autora pretender alterar o sentido da decisão tomada, sob a capa de um pedido de reforma/aclaração do despacho.

Face ao exposto, indefere-se a requerida reforma do despacho.

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Custas do incidente pela autora, em taxa de justiça que se fixa em 2 UC (duas unidades de conta) - artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.

                                                                                          ***

Ainda, o artigo 531.º, do Código de Processo Civil, dispõe que, por decisão fundamentada do Juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.

A taxa sancionatória excecional é fixada entre 2 a 15 UC, pelo artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais.

Materialmente a sanção em causa é aplicada quando o requerimento, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a diligência devida.

Conforme supramencionado, a autora apresenta requerimento para reforma/aclaração do despacho que à mesma indeferiu a reclamação da conta de custas.

Fá-lo, além do mais, invocando a convocação errada de norma aplicável ao caso e respetiva qualificação jurídica, tudo com base, essencialmente, em novo argumento que não foi aventado na reclamação deduzida.

Temos que o requerimento apresentado pela autora é manifestamente improcedente, considerando-se, perante todo o referido supra, e as finalidades que presidem ao instituto da reforma da sentença, que resulta de incumprimento do dever de diligência e prudência da parte, havendo que penalizar o uso indevido do processo nos termos em que o foi.

Atenta a moldura supra aludida, considerando o incidente suscitado pela autora e os elementos já supramencionados, afigura-se-nos adequada e proporcional à sua atuação, a sua condenação numa taxa sancionatória no valor de 3 UC.

Face ao exposto, decide-se aplicar à autora uma taxa sancionatória excecional no montante de 3 UC (três unidades de conta).

Notifique, com a advertência que incidentes idênticos ao presente serão novamente tributados com taxa sancionatória excecional, de montante superior.»

                                                           *

           Inconformada com a aplicação da taxa sancionatória excecional, apresentou a Autora recurso de apelação, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões:

«1. A Autora/Recorrente inconformada com a condenação em taxa sancionatória excepcional, de que foi alvo, fixada em 3 UC's, por intermédio do despacho de refª 93673358, de 13/09/202.'3, dele interpõe o presente recurso, por entender, por um lado, que não estão verificados os pressupostos que presidiram à aplicação dessa sanção processual e por outro que a decisão não se mostra devidamente fundamentada, como determina o legislador.

2. A taxa sancionatória excepcional encontra previsão legal no art. 531.º do Cód. de Proc. Civ., sendo a sua verificação sancionável com multa fixada entre um mínimo de 2 UC's e um máximo de 15 UC's, nos termos do art. 10.º do Regulamento das Custas Processuais.

3. Os pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excepcional, de natureza cumulativa são: a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, visando a prática de actos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que de antemão serão insusceptíveis de conduzir ao resultado pretendido, salvaguardando-se assim o princípio da economia processual e a actuação imprudente, desprovida de diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os apresenta/ formula.

4. A taxa sancionatória excepcional é um mecanismo de penalizar os intervenientes processuais que não visa sancionar erros técnicos, porque esses sempre foram punidos através do pagamento de custas, além do desfecho que tivessem no desfecho da questão controvertida .

5. No caso sub judice o Tribunal a quo a1icerçou a aplicação do mencionado instituto estribando-se no facto de "o requerimento apresentado pela autora é manifestamente improcedente" e "as finalidades que presidiriam. ao instituto da reforma da sentença, que resulta do incumprimento do dever de diligência e prudência da parte, havendo que penalizar o uso indevido do processo nos termos em que o foi".

6. É por demais evidente, salvo o devido respeito, que o despacho recorrido não se monstra minimamente fundamentado para a aplicação da sanção processual em causa, pois que, a justificação/fundamentação do Tribunal a quo, mais não é do que um decalque da lei.

7. De facto, por mais que o requerimento de reforma suscitado pela Recorrente fosse manifestamente improcedente ( que não era, repete-se), tinha de revelar uma actuação imprudente e desprovida de diligência, ao ponto de um tal comportamento ser censurável, o que não se verifica in casu, nem o Tribunal a quo fornece elementos de fundamentação sólidos a esse respeito.

8. Com efeito, para fundamentar uma eventual actuação imprudente da parte e censurável, não basta dizer-se ( como resulta do despacho colocado em crise) que foram subvertidas as "finalidades que presidiram ao instituto da reforma da sentença".

9. Analisado o caso concreto temos por certo que, a aqui Recorrente, reclamou da conta de custas que foi elaborada à habilitada EE, por a mesma não ter tido qualquer intervenção processual, nem ter constituído mandatário judicial, reclamação que veio a ser julgada improcedente e na qual, apesar de o Tribunal a quo ter aventado uma eventual ilegitimidade, dela não extraiu qualquer consequência jurídica (nem o poderia face ao disposto no art. 31.º, n.º 1 do RCP), tendo ao invés se debruçado sobre o mérito da reclamação.

10.E, é nessa análise de mérito que o Tribunal a quo efectua sobre os argumentos vertidos na reclamação que, entre outros, convoca as normas da Lei do Acesso ao Direito.

11.É assim que, entendendo a aqui Recorrente que a questão jurídica não foi correctamente julgada (maxime porque no seu entender constarem dos autos elementos de prova que impunham decisão diversa da proferida e ter sido equacionadas as normas do acesso ao direito, sem que tenham sido suscitadas) e tratando-se de despacho que indeferiu uma reclamação de conta de custas, cujo valor era insusceptível de recurso ordinário, lançou mão do pedido de reforma/ aclaração do referido despacho, ao abrigo do art. 616.º do Cód. de Proc. Civ., com os fundamentos de facto e de direito aí elencados e aqui se dão por reproduzidos.

12. Foi esta actividade processual da Recorrente (pedido de reforma/ aclaração) que o Tribunal a quo sancionou, quando se trata de articulado que está à disposição das partes e não constitui qualquer expediente dilatório para bloquear ou entorpecer a acção da justiça.

13.Sancionar a Recorrente pela utilização do referido instituto da reforma da sentença (aqui extensível a despacho que decide de questão de mérito) é manifestamente ilegal, já que, a requerida reforma é um direito que a lei adjectiva confere a qualquer parte na causa e no caso em concreto dela se lançou mão sem desviar ou desvirtuar a normal tramitação dos autos.

14. Crê-se de especial relevância o facto de a esta e àquela data a causa estar FINDA (terminaria com a sentença homologatória de transacção em 28/09/2022), apenas pendente de decisão de questão atinente às custas imputadas à referida habilitada.

15.Assim, apesar de o requerimento de reforma/ aclaração ter sido julgado improcedente, o mesmo não era manifestamente improcedente e em nada bloqueou e/ ou retardou o desfecho da causa.

16.Em suma, com todo o respeito por opinião contrária, nenhuma das circunstâncias mencionadas no despacho recorrido justifica - quer por não se configurarem como pretensões manifestamente improcedentes; quer por, não se extrair uma conduta intencionalmente dirigida a retardar o andamento do processo ou o seu entorpecimento (requisitos cumulativos da figura] – a condenação decretada a título de taxa sancionatória excepcional.

17.A utilização abusiva do processo terá de traduzir-se num uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais (como é o caso da reforma/aclaração de qualquer acórdão, sentença ou despacho), com o fim de conseguir um objetivo ilegal, situação insusceptível de ser confundida, como atrás se disse, com posições que podem ser encaradas como erros técnicos.

18.Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, entende a Recorrente que in casu não ocorreu qualquer falta de prudência ou diligência devida, na utilização do meio processual sancionado e apesar de o mesmo ter sido julgado improcedente, não era manifestamente improcedente, porque bem fundamentado de facto e de direito, donde não resultarem demonstrados os pressupostos necessários à aplicação de taxa sancionatória excepcional.

19.Não obstante, tal como diz o preceito legal, a aplicação desse instituto deve ser por "decisão fundamentada do juiz", o que não ocorreu na situação colocada em crise, já que essa fundamentação mais não é do que o decalque do que resulta do preceito legal, manifestamente insuficiente para fundamentar a utilização da aludida sanção processual.

20.Ante o exposto, deve ser revogado o despacho recorrido com as legais consequências.

21. Para o caso de assim não se entender, o que não se concede, mas se admite para efeitos do presente raciocínio e apenas se deixa consignado por cautela de patrocínio, sempre a quantia fixada é exagerada e em caso de eventual manutenção do decidido o valor deve ser reduzido para o mínimo legal.

22. Ocorreu incorrecta interpretação e aplicação, entre outros, dos comandos legais dos arts. 531.º e 616.º do Cód. de Proc. Civ., art. 10.º, 19.º e 20.º do Regulamento das Custas Processuais e art. 20.º da Constituição.

TERMOS EM QUE DEVE MERECER PROVIMENTO O PRESENTE RECURSO E POR VIA DO MESMO DEVE SER REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO NA PARTE EM QUE CONDENOU A RECORRENTE EM TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL QUE FIXOU EM 3 UC'S, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, OU CASO ASSIM NÃO VENHA A SER ENTENDIDO, O QUE NÃO SE CONCEDE, MAS APENAS DE ADUZ POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO E CASO VENHA A SER MANTIDO O DECIDO (O QUE NÃO SE ESPERA) DEVE A QUANTIA SER REDUZIDA PARA O MÍNIMO LEGAL.

MAS COMO SEMPRE, V. EXAS. FARÃO A ESPERADA E ACOSTUMADA,

JUSTIÇA!!! »

                                                                       *

            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

           2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

            - erro de decisão quanto à aplicação da taxa sancionatória excecional [e, no limite, redução do seu montante para o mínimo legal].                                                                                                                    *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os vindos de enunciar.

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre entrar sem mais na apreciação da questão supra enunciada, a saber, o erro de decisão quanto à aplicação da taxa sancionatória excecional [e, no limite, redução do seu montante para o mínimo legal].

Vejamos.

O presente recurso vem interposto do segmento decisório em que se condenou a Autora ora recorrente no pagamento de uma taxa sancionatória excecional, nos termos do art. 531º do n.C.P.Civil[2], o qual foi relativo a um pedido de “aclaração/reforma” da decisão anteriormente proferida sobre uma “reclamação da conta de custas” deduzida pela mesma Autora ora recorrente.

Ora, como já foi sublinhado a este propósito em douto aresto, a taxa sancionatória excecional prevista no citado art. 531º do n.C.P.Civil «corresponde à que estava já em vigor no art. 447º-B do anterior CPC, aditado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, e em cujo preâmbulo se esclarecia tratar-se de “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, “bloqueiam” os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial com carácter penalizador».[3]

Clarificando melhor a situação, mais se aduziu nesse aresto o seguinte:

«Sem dissensões, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem procurado fixar os pressupostos limitativos de aplicação da taxa sancionatória excepcional que, de modo genérico, o art. 531º CPC enuncia.

Assim, deverá o processado revelar a presença de pretensões formuladas por um sujeito processual que sejam manifestamente infundadas, abusivas e reveladoras de violação do dever de diligência que dêem azo a assinalável actividade processual.

Mas para fazer essa avaliação é de exigir ao juiz muito rigor e critério na utilização desta medida sancionatória de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual limitando o seu uso a situações que tenham efectivamente, algum relevo na normal marcha processual [[3]].

Somente em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional. O sujeito processual que não tenha agido com a prudência ou diligência devida é o que agiu contra disposição de lei expressa ou sem fundamento legal de forma imperceptível na sua pretensão, ou actuando com fins meramente dilatórios [[4]].

É que, além do mais, à criação da sanção não são de todo estranhas razões de celeridade processual e bem assim de gestão útil dos fundos postos ao serviço da Justiça e suportados por todos os cidadãos contribuintes para as receitas fiscais. E à sua utilização deverá subjazer a patente falta de prudência a respeito da prática de certo acto e a falta de utilidade de que esse dito acto se revestiria importando um acrescido e injustificado atraso no desfecho do processo [[5]].

Se é certo que com a taxa sancionatória excepcional se não pretende sancionar erros técnicos pois a sanção para estes sempre adveio do pagamento de custas, não é menos certo também que com a sua imposição se pretende reagir contra uma atitude claramente abusiva de utilização do processo sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte com uma actuação imprudente, desprovida da diligência exigível e como tal censurável [[6]]

[3] Ac STJ de 2017.01.04, proc 149/05.3PULSB.L1-B.S1 como os demais citados infra consultável em www.dgsi.pt.

[4] Ac STJ de 2017.05.10, proc 12806/04.7DLSB.L2-A.S1.

[5] Ac STJ de 2017.06.08, proc 1246/05.0TASNT.L1-B.S2.

[6] Ac STJ de 2019.05.09, proc 565/12.4TATVR-C.E1-A.S1.

(…)».

Revertendo estes ensinamentos ao caso ajuizado, que dizer?

Quanto a nós, se é certo que o pedido de “aclaração/reforma” [que foi sancionado com a aplicação da taxa sancionatória excecional] revelava, no essencial, o inconformismo da Autora ora recorrente face à tributação no processo com custas da habilitada EE pela quantia de € 533,20, decisão decorrente do apuramento feito pelo Exmo. Contador, tal não invalida que essa reação [leia-se, pedido de “aclaração/reforma”] da Autora ora recorrente não possa nem deva ser qualificada como uso de um meio processual anómalo ou abusivo.

Na verdade, no atual regime processual civil, está previsto o pedido de “Reforma da Sentença”, através do art. 616º do n.C.P.Civil[4], no qual, para o que ora releva (designadamente por não ser admissível recurso), se preceitua pela seguinte forma:

«(…)

2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.  

(…)»

           Sucede que, não obstante a Exma. Juiz a quo ter decidido indeferir o pedido de “aclaração/reforma” requerido, por entender não estarem verificados os requisitos para tanto estabelecidos no normativo vindo de citar, ainda assim não apodou o requerimento/pedido feito pela Autora ora recorrente como “manifestamente improcedente” [cf. art. 531º do n.C.P.Civil].

E bem, porque face ao que materialmente estava em causa, e sendo como era o conhecimento do direito oficioso, era ab limine legítima a pretensão formulada enquanto “erro na qualificação jurídica dos factos”…

Tanto mais que até se invocava um aresto de Tribunal Superior em seu abono.[5]  

           Assim como não nos parece ser caso de fazer corresponder o dito pedido de “aclaração/reforma” a uma situação em que a parte “não tenha agido com a prudência ou diligência devida” [cf. art. 531º do n.C.P.Civil].

           Atente-se que neste particular está em vista sancionar-se uma atuação que assuma um carácter excecionalmente reprovável por constituir um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo mediante a utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva para dificultar a sua marcha mormente com a prática de atos meramente dilatórios e completamente infundados.[6]

           Ora, s.m.j., na avaliação/apreciação da situação ajuizada não pode olvidar-se nem postergar-se que, como bem aduziu a Autora/recorrente nas suas alegações recursivas, à data em que formulou o pedido de “aclaração/reforma”, a causa estava «(…) FINDA, apenas pendente da questão atinente às custas imputadas à referida habilitada, pelo que, o requerimento de reforma/ aclaração, embora julgado improcedente (mas não manifestamente improcedente) em nada bloqueou e/ ou retardou o desfecho da causa».

           Ademais, a condenação numa taxa sancionatória excecional só se justificaria no caso de o acto praticado poder ser qualificado como inusitado, abusivo ou imprudente, o que manifestamente não sucede.

Ao invés, salvo o devido respeito, procedeu-se através do despacho sob recurso à tributação em taxa sancionatória excecional por referência e após aferição da valia dos argumentos que constavam do pedido de “aclaração/reforma”.

Contudo, com a tributação em taxa sancionatória excecional não se pretende sancionar erros técnico-jurídicos[7], pois estes são sancionados através do pagamento de custas[8], o que não está em causa neste recurso!

Sendo certo que não se deve confundir a defesa enérgica e exaustiva dos interesses dos sujeitos processuais com um uso desviante dos mesmos…

Dito de outra forma: não se deve confundir a mera defesa enérgica e exaustiva desses interesses com um uso desviante e perverso dos mesmos, sendo que só neste último caso se justificará o sancionamento nos termos do já referido art. 531º do n.C.P.Civil.

Consabidamente, os referidos dois requisitos do art. 531º do n.C.P.Civil, são de verificação cumulativa para que que possa ter lugar a condenação em taxa sancionatória excecional ao abrigo desse normativo.

Acresce que se acentua no texto desse artigo, como também na epígrafe, o carácter “excecional” da sanção, o que deve funcionar como elemento integrante da própria cominação.

E já foi doutamente sublinhado a este respeito que a taxa sancionatória excecional visa «(…) penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo pelas partes, em quadro de falta de prudência ou diligência censurável do ponto de vista ético-jurídico. Deve tratar-se de pretensões manifestamente improcedentes, em que se não vislumbra interesse razoável na formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta da mínima diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da sua falta de fundamento. Mas a mera desconformidade argumentativa das partes com as posições jurídicas antes tidas por pacíficas não justifica a aplicação desta sanção, tal como seria insusceptível de justificar a condenação de alguma das partes por litigância de má-fé. Na análise da censurabilidade das partes na formulação das aludidas pretensões, o juiz, ou o coletivo de juízes, conforme os casos, deve ter em conta o quadro de facto disponível, as normas jurídicas aplicáveis e as várias soluções plausíveis das questões de direito.»[9]

Assim sendo, não tem justificação a condenação da Autora ora recorrente, em taxa sancionatória excecional, procedendo, pois, sem necessidade de maiores considerações, as alegações recursivas e o recurso interposto.

                                                           *

(…)

                                                                                                           *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida que condenou a Autora/recorrente na taxa sancionatória excecional de 3 UC´s.

Sem custas.

                                                            Coimbra, 19 de Março de 2024

          Luís Filipe Cravo

            Vítor Amaral

           Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Vítor Amaral
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
 
[2] Com a epígrafe de “Taxa sancionatória excecional”, e onde se dispõe que «Por decisão  fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida». [com sublinhados nossos]
[3] Trata-se do acórdão do STJ de 05-09-2019, proferido no proc. n.º 222/18.8YUSTR.L1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] Também aplicável aos “despachos”, conforme previsto pelo nº3 do art. 613º do mesmo n.C.P.Civil.
[5] O acórdão do TRG de 29/01/2003, proferido no proc. nº 1624/02-2, acessível em www.dgsi.pt/jtrg.
[6] Cf.., inter alia, o acórdão do TRL de 09.09.2022 (proferido no proc. nº 1356/12.8TBPDL-O.L1-1), o acórdão do STJ de 4/01/2017 (proferido no proc. nº 149/05.3PULSB.L1-B.S1) e o acórdão do STJ de  10/05/2017 (proferido no proc. nº 12806/04.7DLSB.L2-A.S1), todos igualmente acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido vide o acórdão do STJ de 18/12/2019, proferido no proc. nº 136/13.8JDLSB.L2-A.S1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[8] E recorde-se que também teve lugar a condenação da Autora em 2 UC's de taxa de justiça pela improcedência da “reforma” apresentada (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia)…
[9] Assim por SALVADOR DA COSTA, in “As Custas Processuais – Análise e Comentário”, 8.ª Edição, Almedina, 2021, a págs. 19-20.