Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
629/23.9T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: COMPRA E VENDA DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
VÍCIOS DA COISA VENDIDA/ADULTERAÇÃO DA QUILOMETRAGEM
CADUCIDADE
RECONHECIMENTO DO DIREITO
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 331.º; 905.º E 913.º A 918.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 6.º, 1 E 2; 195.º, 1; 547º, 6; 576.º, 3; 591.º, D), E) E F); 592.º, 593.º, 3; 597.º; 598.º E 615.º, 1, DO CPC.
Sumário: I - Numa ação de valor inferior a metade do valor da alçada da Relação, a realização da audiência prévia não é obrigatória, conforme decorre no art.º 598, do C.P.C.
II - Nestas ações, findos os articulados, o juiz pode, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo, designar audiência prévia ou, desde logo, proferir despacho, nos termos do art.º 595.º, n.º 1, do C.P.C., incluindo para decisão de mérito da causa, ou proferir despacho de adequação formal do processo, nos termos previstos no art.º 6.º, n.º 2 e 547.º, do C.P.C., prosseguindo de imediato para a audiência final.

III - A denúncia dos defeitos, por parte do comprador, está sujeita a um duplo prazo: tem de ser feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e não pode exceder-se o prazo de seis meses após a entrega da coisa (cf. artigo 916.º, n.os 1 e 2 do Código Civil).

IV - O reconhecimento do direito, por banda daquele contra quem o mesmo deve ser exercido, para ter eficácia impeditiva da caducidade (art.º 331.º n.º 2 do C.C.), tem de ser concreto, preciso, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, antes de findo o prazo de caducidade.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra                    

                                                Proc.º n.º 629/23.9T8LRA.C1

1.- Relatório

            1.1. - AA, casado, contribuinte nº ...23, residente em Rua ..., ..., ..., ... ..., Vem instaurar e fazer seguir contra:

1 - A..., S.A., pessoa coletiva Nº ...87, com sede em Rua ... ... e estabelecimento comercial em Rua ... ...,

2 – B..., LDA, sociedade comercial por quotas, pessoa coletiva nº ...09, com sede em Edifício ..., Zona Industrial ..., ... ..., ...;

3 – C..., LDA, sociedade comercial por quotas, pessoa coletiva nº ...31, com sede em ... – ..., ..., ... ..., ...; pedindo solidariamente condenação das RR., em:

1 – Pagarem-lhe a quantia de € 3.050,00 (três mil e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais sofridos pelo mesmo, referidos nos artigos 6º e 8º desta petição, acrescido de juros legais vincendos a partir da citação. E,

2 – Pagarem-lhe o custo de reparação do motor da viatura marca ..., modelo ... e com matrícula ..-OZ-.., no montante mínimo de € 8.000,00 (oito mil euros), ou em alternativa o custo de um motor reparado e garantido, do mesmo valor de € 8.000,00 (oito mil euros), acrescido de juros legais vincendos a partir da citação.

3 – No pagamento das custas do processo, e no mais que for devido, sempre com todas as legais consequências.

Para o efeito, e em síntese, o autor alega que, no exercício da sua atividade de comércio automóvel, no dia 14/05/2021, adquiriu à 1ª ré (A..., S.A.) a viatura suprarreferida, pagando pela mesma o preço de € 13.500,00; em 23/06/2021, vendeu essa viatura a BB, por € 15.000,00; em 12/05/2022 tomou conhecimento da causa das avarias cujo custo suportou, no valor global de € 3.050,00, que se traduz na adulteração da quilometragem, que se verificava já quando, no dia 14/05/2021, adquiriu a viatura à 1.ª ré, e que implica ainda a reparação ou substituição do motor, no montante de € 8.000,00; em 01/07/2022 e 19/09/2022 apresentou reclamação à 1.ª ré, que nada respondeu; o que a impeliu a instaurar a presente ação, em 10/02/2023, contra a 1.ª ré, que vendeu a viatura ao autor; a 2.ª ré, que terá adulterado a informação sobre a quilometragem do veículo, e a 3.ª ré enquanto transmitente de tal veículo adulterado.

                                                           ***

1.2. – Citadas contestaram as RR.

- As rés C... Ld.ª, e B..., Ld.ª invocaram a exceção da respetiva ilegitimidade processual passiva; e

- As rés A..., S.A. e C... Ld.ª invocaram a exceção perentória da caducidade da ação, alegando a primeira que o defeito não foi denunciado no prazo de seis meses após a entrega da coisa (até novembro de 2021), nos termos do artigo 916.º do Código Civil, e a segunda que os defeitos já existiam em 12/05/2021, tendo a ação sido instaurada para além do prazo de seis meses para instaurar a presente ação, previsto no artigo 917.º do mesmo diploma legal.

                                                           ***

1.3. - O autor pronunciou-se quanto a ambas as exceções.

- Quanto à exceção de ilegitimidade afirma não se verificar essa exceção, por todas as rés terem interesse direto na presente causa, uma vez que foi alegada, além da responsabilidade contratual, a responsabilidade civil extracontratual pela prática de factos ilícitos, e

- Quanto à exceção perentória da caducidade da ação refere não se verificar, ter invocado, além da responsabilidade contratual, também a responsabilidade extracontratual, e que só em 12/05/2022 se apercebeu do defeito que, de imediato comunicou à ré A..., S.A..

                                                           ***

1.4. – Em 9/7/2023 proferiu decisão, onde previamente refere:

            - Atendendo ao valor da ação e ao estado dos autos, dar-se-á cumprimento ao disposto no artigo 597.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil.

- Fixa o valor da causa em € 11.050,00 (onze mil e cinquenta euros) (cf. artigos 296.º, 297.º, n.º 1 e 306.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil), mais refere:

Ser o Tribunal absolutamente competente, o processo o próprio e não ocorrem nulidades que invalidem todo o processado. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.

Após proferiu decisão, onde julgou verificada a exceção perentória da caducidade, relativamente à 1.ª ré, e não resultando da causa de pedir alegada pelo autor factos constitutivos suscetíveis de constituir fundamento de responsabilização das 2.ª e/ou 3.ª rés, absolvem-se todas as rés do pedido.

Custas processuais pelo autor, enquanto parte vencida na ação (artigo 527.º, n.os 1 e 2 do Código do Processo Civil).

Registe e notifique.

                                                           ***

1.5. - Inconformado com tal decisão dela recorreu o A. - AA – terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

1 – Mostra-se inadmissível, por infundado, o despacho constante dos autos, proferido pelo Meritíssimo Juiz “ a quo “ , onde decidiu que :

Atendendo ao valor da causa e do estado dos autos, dar-se-á cumprimento ao disposto no artº 597 nº 1 alínea c) do C.P.C.

2 – Nos termos do artº 593 nº 3 do C.P.C, e apesar do constante do artº 597, do mesmo diploma legal a audiência prévia só é dispensável, quando o processo haja de prosseguir e se destina a fixar despacho (alínea e) e f) artº 591 C.P.C).

3 – O recorrente não pôde efectivar o necessário debate sobre as excepções invocadas, e nem sobre a invocada falta de causa de pedir em relação às 2ª e 3ª Rés.

4 – Se se tivesse efectuado a audiência prévia, teria o recorrente tido a possibilidade de explicitar melhor a data do conhecimento da adulteração da quilometragem da viatura, e explicitar também melhor os factos e completá-los, tendente a demonstrar acção concertada e até dolosa das Rés.

5 - O conhecimento do facto da adulteração da quilometragem, é facto posterior à compra e venda da viatura, tendo sido de imediato 23/05/2022, dado conhecimento do mesmo à Ré A... . (Doc. Nº 8 junto à petição inicial)

6 – O Tribunal nenhum relevo deu a tal acto.

7 – O A. recorrente, teria tido sempre a possibilidade de ampliar o pedido, pedindo a anulação do contrato de compra e venda da viatura, nos termos do previsto no artº 905 do C.C, o que se viu impedido de fazer, face à referida situação – surpresa, e à não marcação da necessária audiência prévia.

8 – A acção é tempestiva, face ao reconhecimento do direito do A. , até tácito, por parte da Ré A... S.A.

9 – Assim, nos termos do disposto no artº 195 nº 1 do C.P.C, deve sempre ser declarada a nulidade do processado após a apresentação das contestações das Rés, e revogado assim o presente saneador-sentença, com todas as legais consequências, nomeadamente o da marcação da necessária audiência prévia.

10 – Não pode existir decisão sobre uma excepção peremptória, sem a existência da referida audiência prévia, além do mais para a efectivação do necessário contraditório.

11 – Todas as Rés, bem entenderam a fundamentação do pedido do A. e os contra-factos, alegados não se mostram discutidos nem se mostram provados.

12 – Nesta medida mostra-se estar vedado ao Tribunal ultrapassar a própria visão das partes, devendo assim prosseguirem os autos.

13 – Donde a intempestividade da denúncia da caducidade do direito da acção por parte da Ré A..., no artº 23 da sua contestação, é matéria a provar e não do conhecimento imediato do tribunal.

14 – Haverá sempre factos instrumentais deste, que podem constituir outros dados adquiridos, que na relação contratual, demonstrem a inexistência de caducidade, tudo nos termos do disposto nos artº 331 do C.C.

15 – O tribunal “ a quo “ proferiu decisão surpresa, ao concluir inesperadamente inexistirem factos – causa de pedir – que pudessem fazer responsabilizar extracontratualmente as 2ª e 3ª Rés , tal constitui apreciação de questão de que o Tribunal, não tinha de conhecer, sendo assim a sentença nula e como tal deve ser declarada nos precisos termos do artº 615 nº 1 alínea d) do C.P.C, e substituída por outra que marque audiência prévia, e mande prosseguir os autos, para melhor conhecimento dos factos alegados.

16 – Não pode aceitar-se que sem a devida discussão e prova, tenha o Meritíssimo Juiz assentado que em 23-06-2021 o A. teve conhecimento da existência dos defeitos, quando tal conclusão, para efeitos do pedido dos autos, não pode ser desassociada do facto de só em 12-05-2022, ter percebido da adulteração da quilometragem, facto que nesta data e de imediato deu conhecimento à mesma Ré A..., conforme Doc. Nº 8 junto à petição inicial.

17 - É que, mesmo em relação à A... S.A, não pode tal caducidade ser declarada, pois com a comunicação de 12/05/2023, recebida a 23/05/2022 ( Doc. Nº 8 junto à petição inicial), foi aquela mesma Ré tempestivamente interpelada, não se opondo ao reclamado tendo assim a mesma sido aceite, em conformidade com o disposto no artº 331 do C.C.

18 – Para além do que, também se mostra inaceitável, poder o Meritíssimo Juiz sem indagação e investigação dos factos, considerar ser aplicável apenas em relação à Ré A... S.A, a responsabilidade civil contratual, afirmando a caducidade do direito de acção, o que não aceitamos, até porque não se ignoram os deveres resultantes também do disposto no artº 6 nº 2 do C.P.C

19 – O A. existisse audiência prévia, sempre estaria em tempo de ampliar e alterar o pedido, desenvolvendo a factualidade inerente à história dos autos, no sentido de provar que a conhecida adulteração da quilometragem da viatura, se tratou de ma acção dolosa e concertada e bem conhecida das Rés.

20 - É assim prematura a declaração por parte do Tribunal da existência da caducidade do direito de Acção, por se tratar ainda de um facto a indagar e a provar.

21 – Bem como o accionamento das Rés por via da responsabilidade civil  extracontratual se mostra, legal, face aos factos já alegados, e aos que melhor poderão ser explicitados, constituindo verdadeira causa de pedir, contrariamente ao entendimento do Meritíssimo Juiz “ a quo” .

22 – Deve assim sempre a sentença ser revogada e substituída por outra que mande prosseguir os autos, marcando-se para todos os efeitos a necessária audiência prévia.

23 - De verdade a aliás douta sentença, viola o disposto nos artº 597 alínea b) 593, 595, 590 nº 2 e artº6 nº2, 615 nº 1 alínea d) e artº 195, artrº3 todos do C.P.C, 913, 916, 917, 325, 331, 483, 498, 905, 251, 253, 287 todos do C.C, e demais legislação aplicável.

NESTES TERMOS, e nos demais de direito, deverá o presente RECURSO, ser julgado procedente e em consequência ser alterada a decisão, declarando nulo todo o processado após as contestações das Rés, marcando-se a audiência prévia, para os efeitos legais e ainda anular a sentença, por excesso de pronúncia, e no mais revogando-se sempre a sentença, mandando-se prosseguir os autos com marcação da respectiva audiência prévia, tudo para melhor julgamento dos factos.

Só assim decidindo, será cumprido o Direito e será feita

JUSTIÇA”

                                                           ***

1.6. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. as RR. não responderam.

                                                           ***

1.7. – Foi proferido despacho a receber o recurso, onde se tomou posição quanto à nulidade invocada do seguinte teor:

“ O autor arguiu a nulidade da sentença proferida nestes autos, alegando a violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, por ter sido apreciada questão que o tribunal não tinha que conhecer, sendo necessária a marcação de audiência prévia.

Importa apreciar a questão da nulidade da sentença no presente despacho (cf. artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras) e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras) (cf. artigo 608.º n.º 2 do Código Processo Civil).

Na sequência da decisão proferida a 14/05/2023, o autor foi notificado para, no prazo de dez dias, exercer o direito de contraditório relativamente às exceções deduzidas pelas rés nas contestações (cf. artigos 3.º, n.º 3 e 597.º, al. a) do Código de Processo Civil), direito que o autor exerceu através do requerimento apresentou a 29/05/2023 (cf. ref. 103742820 e 9789146).

Exercido esse contraditório, e entendendo-se que os autos reuniam já os elementos suficientes para o efeito, foi proferido despacho de saneador, no qual foram conhecidas as exceções de ilegitimidade processual passiva e da caducidade e se concluiu pela absolvição das rés do pedido, pela procedência da exceção perentória da caducidade relativamente à 1.ª ré e pela ausência, na causa de pedir alegada, dos factos constitutivos suscetíveis de constituir fundamento de responsabilização das 2.ª e/ou 3.ª rés.

Essa decisão foi proferida considerando o valor da causa (€ 11.050,00) e o disposto no artigo 597.º, que prevê os termos em que as ações de valor não superior a metade da alçada da Relação devem prosseguir, nomeadamente, proferindo despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º (cuja alínea b) prevê, como uma das finalidades daquela peça processual, conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória, sendo que havia já sido assegurado o exercício do contraditório quanto às exceções invocadas nas contestações).

Neste contexto, entendendo-se que o estado do processo viabilizava o conhecimento das exceções dilatória e perentória invocadas, assim como a apreciação do mérito do restante objeto do litígio, não sendo o juízo sobre a suficiência do facto jurídico invocado para alcançar os efeitos jurídicos pretendidos com a ação uma questão não suscitada pelas partes – sendo exatamente essa a questão que o autor submeteu à apreciação jurisdicional (e, como tal, não se conceberia que não esperasse que fosse apreciada, nos exatos termos em que ele mesmo a configurou) –, nem estando previsto o prosseguimento dos autos, nessas circunstâncias, para que o autor, na fase de saneamento, reconfigurasse uma causa de pedir insubsistente, não se reconhece qualquer violação das normas jurídicas indicadas nas conclusões do recurso.

Pelo exposto, entende-se não existir na sentença a nulidade invocada.

*

Por ser recorrível a decisão, o recorrente ter legitimidade e ser tempestivo, admite-se o recurso da sentença, o qual é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. artigos 627.º, n.º 1, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Notifique.

Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, remetendo-se ainda o suporte físico do processo”.

                                                           ***

1.8. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                                 2. – Fundamentação

Factos com interesse para esta decisão (exceção de caducidade), invocados pelo A. aqui recorrente na P.I.

2.1. - No dia 14 de Maio de 2021, o A., que atua no ramo do comércio automóvel, adquiriu à 1ª Ré A..., S.A., por compra e venda, a viatura marca ..., modelo ... e com matrícula ..-OZ-...

2.2. -Em 23 de Junho de 2021, no exercício da sua atividade, o A. vendeu a mencionada viatura a BB.

2.3.- Esta após 23 de Junho de 2021, reclamou ao A. que o veículo consumia, em média, 6 litros de óleo por 5.000 km.

2.4. -Na tentativa de resolução deste problema procedeu o A. em Julho de 2021 à instalação de um turbo novo na viatura com o intuito de suprir aquele defeito.

2.5. - Mesmo assim, e após tal reparação, continuou a viatura a consumir óleo de modo anormal.

2.6. O A. em 12-05-2022, solicitou ao IMT o relatório das inspeções técnicas do veículo

2.7. - Ao analisar esse mesmo relatório constatou-se que, do ano de 2017 para 2018 a quilometragem diminuiu de 97.873 km para 36.013 km.

2.8. - Após esta constatação, o mandatário do A., em 19/05/2022, na tentativa de resolução amigável da situação suprarreferida, enviou missiva através de carta registada com aviso de recepção à 1ª Ré expondo os factos.

2.9. – O mandatário da R., em 31/5/2022 respondeu à missiva, referindo a 31/05/2022, o mandatário da Ré A..., Lda, Dr. CC, referiu desconhecer, a sua representada, em absoluto tal situação.

2.10. – Assim, os defeitos que deram origem às reparações, existiam na data da compra em Maio de 2021, mas o A. só verdadeiramente teve conhecimento das suas causas em 12 de Maio de 2022, data da informação do IMT.

2.11. - A 1ª Ré, apesar da reclamação feita ao seu mandatário, Dr. CC, em 01/07/2022 e 19/09/2022, nada respondeu, quando bem sabia que o devia fazer.

(Factos resultantes dos autos)

2.11. – Em 14/5/2023 foi proferido despacho para o A., querendo responder às exceções invocadas pelas RR.

2.12. – Aquele em 29/5/2023 respondeu às mesmas.

            2.13. – Na decisão datada de 9/7/2023, (decisão recorrida) refere-se, entre o mais “ Atendendo ao valor da ação e ao estado dos autos, dar-se-á cumprimento ao disposto no artigo 597.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil”.  

2.14. – Não houve despacho a dispensar a audiência prévia.

2.15. – Não houve lugar à audiência prévia.

2.16. – Petição Inicial deu entrada em 10/2/2023

2.17. – Sentença proferida em 9/7/2023

2.18. – Notificação da sentença (Citius) 11/7/2023

2.19. – Interposição do recurso em 29/9/2023.

                                                         ***

   3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.”

Assim, as questões a decidir são:

A)- Saber se a decisão recorrida é nula por violação da alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

B) – Saber se não se verifica a exceção de caducidade.

Tendo presente que são duas as questões a decidir, poe uma questão de método iremos analisar cada uma de per si.

O Tribunal à quo proferiu despacho nos termos do n.º 1, do art.º 617.º do C.P.C., referindo não se verificar a nulidade invocada, na medida em que, essa decisão foi proferida considerando o valor da causa (€ 11.050,00) e o disposto no artigo 597.º, que prevê os termos em que as ações de valor não superior a metade da alçada da Relação devem prosseguir, nomeadamente, proferindo despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º (cuja alínea b) prevê, como uma das finalidades daquela peça processual, conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória, sendo que havia já sido assegurado o exercício do contraditório quanto às exceções invocadas nas contestações).

Assim,

A)- Saber se a decisão recorrida é nula por violação da alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Segundo o recorrente verifica-se a citada nulidade, desde logo, por nos termos  do artº 593 nº 3 do C.P.C, e apesar do constante do artº 597, do mesmo diploma legal a audiência prévia só é dispensável, quando o processo haja de prosseguir e se destina a fixar despacho (alínea e) e f) artº 591 C.P.C), o recorrente não pôde efectivar o necessário debate sobre as excepções invocadas, e nem sobre a invocada falta de causa de pedir em relação às 2ª e 3ª Rés. Se se tivesse efectuado a audiência prévia, teria o recorrente tido a possibilidade de explicitar melhor a data do conhecimento da adulteração da quilometragem da viatura, e explicitar também melhor os factos e completá-los, tendente a demonstrar acção concertada e até dolosa das Rés. O  recorrente, teria tido sempre a possibilidade de ampliar o pedido, pedindo a anulação do contrato de compra e venda da viatura, nos termos do previsto no artº 905 do C.C, o que se viu impedido de fazer, face à referida situação – surpresa, e à não marcação da necessária audiência prévia.

 Assim, nos termos do disposto no artº 195 nº 1 do C.P.C, deve sempre ser declarada a nulidade do processado após a apresentação das contestações das Rés, e revogado assim o presente saneador-sentença, com todas as legais consequências, nomeadamente o da marcação da necessária audiência prévia.

Apreciando.

Na decisão recorrida refere-se:

            “Atendendo ao valor da ação e ao estado dos autos, dar-se-á cumprimento ao disposto no artigo 597.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil.

Fixa-se o valor da causa em € 11.050,00 (onze mil e cinquenta euros) (cf. artigos 296.º, 297.º, n.º 1 e 306.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*

O Tribunal é absolutamente competente.

O processo é próprio e não ocorrem nulidades que invalidem todo o processado.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias,
*

As rés C... Ld.ª, e B..., Ld.ª invocaram a exceção da respetiva ilegitimidade processual passiva.

O autor pronunciou-se no sentido de não se verificar essa exceção, por todas as rés terem interesse direto na presente causa, uma vez que foi alegada, além da responsabilidade contratual, a responsabilidade civil extracontratual pela prática de factos ilícitos.

A apreciação do pressuposto da legitimidade processual deve ser referida à relação jurídica objeto do pleito delineada pelo autor e determina-se averiguando quais são os fundamentos da ação e qual a posição das partes relativamente a esses fundamentos (cf. artigo 30.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Civil).

Independentemente da efetiva titularidade da relação jurídica invocada pelo autor, partindo da alegação que este fez constar da petição inicial, todas as rés são parte legítima, julgando-se improcedente a invocada exceção de ilegitimidade processual passiva.

                                                           *

Após passou a conhecer da exceção de caducidade invocada.

Como se sabe, no Código Processo, vigente, passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia (cfr. art.º 591.º, do diploma, nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” ( cfr. alínea b), do n.º 1, do preceito).

 Nos artigos seguintes, mormente nos art.ºs 592 e 593 do C.P.C., estipulam-se as excepções à regra acima prevista. Estipula o art.º 592 do C.P.C., os casos em que a audiência prévia não tem lugar e o artigo 593.º da definição dos casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.

A lei processual apenas autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.

 “A forma expressa e taxativa como estas disposições estão redigidas permite concluir com segurança que quando a acção houver de prosseguir (isto é, não deva findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados) e o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa (ou apreciar excepção dilatória que não tenha sido debatida nos articulados ou que vá julgar improcedente) deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento.

É o que resulta claro da não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º e da relação necessária entre o artigo 592.º e o artigo 593.º.

Preside a esta opção a intenção de facultar às partes a última oportunidade de exporem os seus argumentos para convencer o juiz sobre a solução de mérito a proferir, tendo o legislador optado pela solução de que isso se processe em sede de audiência prévia e, portanto, de forma oral através da discussão entre os intervenientes. Esta última oportunidade encontra-se, por exemplo, nas acções não contestadas em que a revelia é operante, caso em que não obstante o réu não tenha apresentado contestação lhe é permitido apresentar alegações, nessa ocasião por escrito (artigo 567.º).” – Ac. da R. do Porto de 27/09/2017, proc. nº 136/16.6T8MAI-A.P1, relator Aristides Rodrigues de Almeida, disponível para consulta in www.dsgi.pt.

A obrigatoriedade de realização da audiência prévia, por contraponto à possibilidade de dispensa prevista no artº 508-B nº1 b) do C.P.C. (na versão anterior à Lei 41/2013), tem sido defendida de forma unânime pela nossa jurisprudência (Ac. R. Évora de 30/06/2016, relator Mário Serrano, proc. nº 309/15.9T8PTG-A.E1; Acs. R. Lisboa de 9/10/2014, relator Jorge Leal, Proc. 2164/12.1TVLSB.L1-2, de 5/5/2015, relatora Cristina Coelho, Proc. 1386/13.2TBALQ.L1-7, e de 19/10/17, 155421-14.5YIPRT.L1-8., bem como os Acs. R. Porto de 24/9/2015, Proc. 128/14.0T8PVZ.P1, de 12/11/2015, Proc. 4507/13.1TBMTS-A.P1 e de 24/09/2015, Proc. nº 128/14.0T8PVZ.P1 e Ac. da Rel. de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2018, proc.º 3054/17.7T8LSB-A-L1-6, relatado por Cristina Neves, neste sentido vai também a doutrina cfr. Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pág. 190, JOÃO CORREIA, PAULO PIMENTA e SÉRGIO CASTANHEIRA, in Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, p. 73, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, págs.. 231, 232).

No caso em apreço, estamos perante uma exceção perentória de caducidade, que leva á absolvição do pedido (cfr. art.º 576.º, n.º 3, do C.P.C.).

Como já referimos, embora a regra seja a obrigatoriedade de marcação de audiência prévia, permite-se, conforme dispõe o nº 1 do art. 593º, e como já referimos, que o juiz possa dispensar a realização de tal audiência, (sendo que no caso em apreço, nem sequer houve despacho a dispensar a mesma), quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º, ou seja, quando se destine a um dos seguintes fins: proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º (d); determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º (e) e proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes (f).

À primeira vista, lendo o nº 1 do citado art. 593º em conjugação com a alínea d) do nº 1 do citado art. 591º e o nº 1 do art. 595º, poderíamos ser levados a pensar que o juiz poderia dispensar a audiência quando ela se destinasse a proferir despacho saneador onde se conhecesse do mérito da causa, uma vez que esta situação está prevista na alínea b) do nº 1 do art. 595º e os artigos anteriores – onde se delimitam as situações em que a audiência pode ser dispensada – remetem para o nº 1 do art. 595º sem fazer distinção entre cada uma das alíneas que o compõem. Mas, uma leitura mais atenta conduz-nos a outro resultado. Na verdade, a realização da audiência prévia com o fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa está prevista na alínea b) do nº 1 do art. 591º e, portanto, se o legislador tivesse pretendido consignar a possibilidade de dispensa da audiência em tal situação, também se teria referido a essa alínea no nº 1 do art. 593º e a verdade é que não o fez, aludindo apenas às alíneas d), e) e f).

É certo, portanto, em face do exposto, que, estando em causa uma situação em que o juiz pretendia conhecer do mérito da causa no despacho saneador – como foi o caso – não estava verificada nenhuma das situações em que, nos termos previstos no nº 1 do citado art. 593º, a audiência prévia podia ser dispensada, sendo que, no caso em apreço, como já referimos, não houve sequer despacho a dispensar a mesma.

No entanto, uma boa parte da nossa jurisprudência (cfr. entre outros, Acórdãos da Relação de Lisboa de 09/10/2014, 05/05/2015 e 08/02/2018 Acórdãos da Relação do Porto de 24/09/2015, 12/11/2015 e 27/09/2017 e o Acórdão da Relação de Évora de 30/06/2016, proferido no processo nº 309/15.9T8PTG-A.E1, disponível em http://www.dgsi.pt.) tem entendido que, apesar de a lei não prever expressamente – na citada disposição legal – a possibilidade de dispensa da audiência prévia nos casos em que o despacho saneador conhece do mérito da causa, tal audiência poderá, ainda assim, ser dispensada pelo juiz no âmbito dos seus poderes/deveres de gestão processual e adequação formal caso entenda que a questão foi suficientemente debatida nos articulados e desde que as partes sejam ouvidas sobre o propósito de dispensar a audiência e lhes seja concedida a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria da causa que irá ser decidida (alegando por escrito aquilo que iriam alegar oralmente na audiência prévia caso esta fosse realizada).

Consagrando o dever de gestão processual atribuído ao juiz, dispõe o nº 1 do art. 6º do CPC que “Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”. Dispõe, por outro lado, o art. 547º que “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”.

É certo, portanto, que se atribuiu ao juiz o poder de adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. Não se trata, naturalmente, de afastar – a bel prazer do juiz ou das partes – a legalidade das formas processuais e o regime processual legalmente consagrado; trata-se, sim, de proceder a alterações ou desvios pontuais relativamente ao formalismo legalmente consagrado, eliminando ou simplificando alguns formalismos que, no caso, se revelam desnecessários para garantir os direitos das partes e assegurar a justa composição do litígio e que, criando entraves ao normal prosseguimento do processo ou à respectiva celeridade, não contribuem para a obtenção de decisão em prazo razoável.

Assim sendo, não temos dificuldade em admitir que, no âmbito desses poderes, o juiz possa dispensar a realização de audiência nos casos em que, nos termos da lei, ela seria obrigatória, desde que, profira despacho nesse sentido, devidamente fundamentado, determinando-se a notificação das partes para se pronunciarem no sentido de evitar uma decisão surpresa.

É certo, no entanto, que, conforme dissemos, a audiência prévia só poderia ser dispensada ao abrigo dos poderes/deveres – do juiz – de gestão processual e, conforme disposto no art. 6º, nº 1, do CPC, essa decisão tinha que ser precedida de audição das partes, o que aqui não aconteceu.

Contudo, não podemos esquecer-nos, de que estamos, perante uma ação de valor inferior a metade do valor da alçada da Relação 30.000,00€ (cfr. art.º 44, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), sendo por isso, metade de tal valor de 15.000,00€, e o da ação de 11.050,00€.

Assim sendo, a realização da audiência prévia não é obrigatória, conforme decorre no art.º 598, do C.P.C. Nestas ações, findos os articulados, é ao juiz, conforme referem Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol I, Almedina, 3.ª edição, pág 755, “que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e a complexidade da ação e a necessidade e a adequação dos atos ao seu julgamento

Nestes termos, o juiz pode, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo, designar audiência prévia ou, desde logo, proferir despacho, nos termos do art.º 595.º, n.º 1, do C.P.C., inclindo para decisão de mérito da causa, ou proferir despacho de adequação formal do processo, nos termos previstos no art.º 6.º, n.º 2 e 547.º, do C.P.C., prosseguindo de imediato para a audiência final.

Na realidade, volvendo a GERALDES, PIMENTA e PIRES DE SOUSA, in Ob. cit., págs. 756. entre estes dois limites – designação de audiência prévia ou designação imediata da audiência final –“o juiz poderá deparar-se com as mais variadas situações, ou seja, em que será preciso assegurar o contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados, em que será útil convocar audiência prévia, em que se imporá proferir despacho saneador, em que se justificarão outras medidas de adequação formal, de simplificação ou de agilização processual, em que se mostrará conveniente proferir despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova ou ainda casos em que será aconselhável proferir despacho destinado a programar os atos a praticar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas. As hipóteses previstas nas diversas alíneas do art. 597.º não são alternativas, isto é, não se excluem reciprocamente, podendo o juiz conjugá-las entre si”.

Ou seja, neste tipo de ações, podemos dizer, que o juiz tem um poder discricionário.

Neste sentido, entre outros, os Acs. do TRG de 11/11/2021, proc. nº 908/19.0T8PTL-A.G1, relatado por Alexandra Rolim Mendes, do TRP de 27/09/2022, proc. nº 1098/21.3T8PRT-A.P1, relatado por  João Ramos Lopes, Ac. Rel. de Lisboa de Lisboa, 28 de abril de 2022, proc.º n.º 801/21.6T8OER-B.L2, relatado por Carlos Castelo Branco).

Ora, foi precisamente o que sucedeu nos autos, como resulta do despacho datado de 9/7/2023, supra aludido, no ponto 1.4.

Face ao exposto, improcede esta pretensão do recorrente.

     Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                           *

B) – Saber se não se verifica a exceção de caducidade.

Segundo o recorrente não se verifica a exceção perentória de caducidade, ao que acresce que os autos deveriam prosseguir desde logo pela intempestividade da denúncia da caducidade do direito da acção por parte da Ré A..., no artº 23 da sua contestação.

Mais refere que, em relação à A... S.A, não pode tal caducidade ser declarada, pois com a comunicação de 12/05/2022, recebida a 23/05/2022 ( Doc. n.º 8 junto à petição inicial), foi aquela mesma Ré tempestivamente interpelada, não se opondo ao reclamado tendo assim a mesma sido aceite, em conformidade com o disposto no art.º 331 do C.C.

Apreciando.

Afirma o recorrente que os autos deveriam proceder, desde logo, tendo por base, o referido pela R. A... no art.º 23, da sua contestação.

O art.º 23.º, da contestação, desta R., tem de ser analisado em conjunto com o art.º 22, da mesma peça processual, onde se refere - 22.º “-Ainda, sempre se dirá também que, em caso de venda de coisa defeituosa, o comprador deve proceder à denúncia do defeito, no prazo de seis meses após a entrega de coisa” – referindo o art.º 23.º “ou seja, no presente caso, até ao mês de Novembro de 2021, o que não sucedeu”.

Não vemos que assim seja, desde logo, por o conhecimento da procedência ou improcedência da mesma, assentar nos factos, por si referidos, na P.I., como resulta do ponto 2, com a sigla fundamentação.

Mais refere o recorrente que não pode aceitar-se que tenha o Meritíssimo Juiz assentado que em 23-06-2021 o A. teve conhecimento da existência dos defeitos, quando tal conclusão, para efeitos do pedido dos autos, não pode ser desassociada do facto de só em 12-05-2022, ter percebido da adulteração da quilometragem, facto que nesta data e de imediato deu conhecimento à mesma Ré A..., conforme doc. º 8 junto à petição inicial, sendo que, em relação à A... S.A, não pode tal caducidade ser declarada, pois com a comunicação de 12/05/2022, (certamente por erro de escrita alude a 12/5/2022, querendo dizer 19/5/2022, por ser esta data aludida na P.I. art.º 14),  recebida a 23/05/2022 ( doc. nº 8, 9 e 10 junto à petição inicial), foi aquela mesma Ré tempestivamente interpelada, não se opondo ao reclamado tendo assim a mesma sido aceite, em conformidade com o disposto no art.º 331 do C.C.

Analisado.

Como bem se refere na sentença recorrida, citando a propósito os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8/11/2018, proc. 267/12.1TVLSB.L1.S1, relatado por  Ilídio Sacarrão Martins e 30/05/2023, proc. 3807/17.6T8VFR.P1.S1), relatado por Manuel José Aguiar Pereira, www.dgsi.pt, não resultando dos factos alegados que o negócio jurídico celebrado entre o autor e a 1.ª ré se enquadre no âmbito dos artigos 469.º (venda sobre amostra ou por designação de padrão) ou 470.º (compras de coisas que não estejam à vista nem possam designar-se por um padrão) do Código Comercial – afastando o disposto no artigo 471.º do mesmo Código (que estipula o prazo de oito dias para denúncia dos defeitos pelo comprador), pelo que, é aqui aplicável o regime da compra e venda defeituosa previsto nos artigos 913.º a 918.º do Código Civil, o que nem sequer é posto em causa pelo recorrente.

Deste modo, a denúncia dos defeitos, por parte do comprador, está sujeita a um duplo prazo: tem de ser feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e não pode exceder-se o prazo de seis meses após a entrega da coisa (cf. artigo 916.º, n.os 1 e 2 do Código Civil).

Como se sabe o fundamento específico da caducidade é a necessidade de certeza jurídica, impondo-se que certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes (cfr. Manuel de Andrade, in Teoria geral da relação jurídica, Vol. II, Coimbra 1983, pág. 464), pelo que, o decurso do prazo de caducidade, como fenómeno natural, opera a extinção do direito ipso jure, obstando ao seu exercício (cfr. Aníbal de Castro, in A caducidade, na doutrina, na lei e na jurisprudência, Petrony, 1984, págs. 42 e segs.)         A figura da caducidade encontra-se no art.º 331.º, do CC, que estatui:1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo; 2 Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

Quer isto dizer que, estando nós perante um direito disponível, o reconhecimento do direito antes do decurso do prazo de caducidade tem eficácia impeditiva da sua verificação; a circunstância jurídico-factual de tal prerrogativa ter sido reconhecida pelo beneficiário da caducidade faz com que se apague, de modo definitivo, todo o tempo que a caducidade integra, produzindo o renascimento e a efectivação do direito como se nunca se tivesse verificado tal exceção perentória.

Compreende-se que assim seja.

Se o prazo de caducidade é estabelecido no interesse de quem está obrigado a satisfazer específica obrigação, o reconhecimento desse direito por si efectuado faz com que tudo se passe como se o ato tivesse sido praticado em devido tempo. Porém, tal reconhecimento tem de ser indiscutível, evidente, real e categórico, de tal forma que não suscite quaisquer dubiedades sobre a atitude de quem o reconhece.

Como repetidamente tem vindo a ajuizar o Supremo Tribunal de Justiça, o reconhecimento do direito, por banda daquele contra quem o mesmo deve ser exercido, para ter eficácia impeditiva da caducidade (art.º 331.º n.º 2 do C.C.), tem de ser concreto, preciso, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, antes de findo o prazo de caducidade - Acórdão STJ de 07/02/2013, proc.º n.º756/10.2TBFLG.G1-S1, relatado por Ferreira da Silva, in www.dgsi.pt., e Ac. do Acórdão STJ de 19/1/2012 proc.º n.º 1754/06.6TBCBR.C1.S1, relatado por Oliveira Vasconcelos, www.dgsi.pt., onde se escreve “Como o reconhecimento tem como efeito tornar certa uma determinada situação, fazendo as vezes de uma sentença, temos que o mesmo tem que ser claro, não oferecendo quaisquer dúvidas sobre a atitude de quem reconhece”.

Dentro dos princípios supra, que defendemos, temos para nós, não se verificar a pretensão do recorrente, quando afirma que a R. A... S.A, foi tempestivamente interpelada e nada tendo referido, aceitou a mesma com base no n.º 2, do art.º 332.

E não pugnamos o ponto de vista do recorrente por duas ordens de razões, a saber:

i)- Da missiva a que o recorrente alude, datada de 19/5/2022 (art.º 14 da P.I. ponto 2.8) e à qual respondeu o mandatária da R. A... S.A, referindo “referiu desconhecer, a sua representada, em absoluto tal situação” (cfr. art.º 15 da P.I. e ponto 2.9), não se poder tirar a ilação, que esta R. aceitou os defeitos, pois como já referimos, para haja efeito impeditivo da caducidade é necessário, que a aceitação seja indiscutível, evidente, real e categórica, de tal forma que não suscite quaisquer dubiedades sobre a atitude.

Lendo a missiva enviada pelo recorrente e a resposta dada como o próprio A. refere no art.º 15 da sua P.I., não vemos que tenha havido aceitação, e muito menos que fosse, indiscutível, evidente, real e categórica, de tal forma que não suscite quaisquer dubiedades sobre a atitude.

Por esta razão esta pretensão da recorrente não pode proceder.

ii)- Mesmo a aceitar-se, como bom, o entendimento que a missiva e a resposta à mesma, criasse uma situação impeditiva da caducidade, que não foi o caso, como já verificamos, tal reconhecimento já teria ocorrido, para lá dos seis meses a que alude o n.º 2, do art.º 916.º, do C.C. e como se sabe, só o reconhecimento do direito antes do decurso do prazo de caducidade tem eficácia impeditiva da sua verificação.

Pois como bem, refere a decisão recorrida, o prazo de seis meses aludidos no n.º 2, do artigo citado, já há muito havido terminado, o que comungamos, como passaremos a referir.

1.º - O prazo de 6 meses a que alude o n.º 2, do art.º 916.º, do C.P.C., inicia-se logo a entrega da coisa. Pelo que, se iniciou em 14/5/2021 (art.º 1 da P.I. e ponto 2.1).

2.º - A missiva aludida pelo A., aqui recorrente, foi enviada em 19/5/2022 (cfr. art.º 14 da P.I. e ponto 2.8).

3.º - A ação deu entrada em 10/2/2023 (cfr. ponto 2.12)

Dentro deste quadro, temos para, como teve a decisão recorrida, que o prazo de 6 meses a que alude o n.º 2, do art.º 916.º, do C.C., já há muito que tinha decorrido.

Pelo exposto, nesta vertente não assiste razão ao recorrente.

                                                           *

O mesmo pede a alteração da sentença, muito embora, pareça ir no sentido de pedir a nulidade de todo o processado após as contestações das Rés, com marcação de audiência prévia, mas como põe também em causa a verificação da exceção de caducidade, como se referiu in supra e como o mesmo além da responsabilidade contratual, invocou também a responsabilidade extracontratual, sobre esta matéria, diremos, apenas, que nos revemos na análise jurídica da decisão recorrida, quanto a esta matéria e, por isso, aqui transcrevemos tal segmento.

Contudo, não está na disponibilidade do autor definir o modelo de responsabilidade civil aplicável, em função do regime que entenda mais favorável quanto à repercussão do tempo na relação jurídica, nem se mostra aceitável uma ação híbrida (em que o lesado beneficie das normas que considere mais favoráveis da responsabilidade contratual e da extracontratual, afastando as que nos respetivos sistemas – estabelecidas em paralelo e que com elas formam conjuntos orgânicos – repute desvantajosas) (Cf. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9.ª Ed., Almedina, pág. 503.

O facto jurídico em que se suporta o pedido dirigido contra a 1.ª ré assenta no incumprimento das obrigações emergentes do negócio jurídico celebrado com o autor, estando em causa a violação de um direito de crédito, que define a responsabilidade civil contratual (em contraposição à violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos, desligados de qualquer relação pré-existente entre o lesante e o lesado, que caracteriza a responsabilidade extracontratual) (8 Cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 9ª Ed. pág. 536).

Ainda que o mesmo facto humano possa significar, simultaneamente, uma violação do contrato e um facto ilícito extracontratual, o fundamento da pretensão do autor, no caso em apreço, esgota-se na violação da relação de crédito estabelecida com a 1.ª ré, que se traduziu num dano direto no objeto da prestação, enquadrável no âmbito do sinalagma e que não excede o risco contratual (não estando em causa danos extra rem, que respeitem a prejuízos causados na pessoa ou no restante património do credor – incluindo quaisquer indemnizações que este tenha satisfeito em relação a terceiros –, que poderiam justificara a aplicação das regras da responsabilidade aquiliana (Cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, págs. 231 e 235.

Na verdade, ocorrendo um concurso ideal dos dois regimes, o da responsabilidade contratual consumiria o da responsabilidade extracontratual, sendo aquele o aplicável, uma vez que entre lesante e lesado existe uma relação obrigacional na qual ocorreu o facto lesivo, justificando-se, pois, a sobreposição da responsabilidade adequada à violação do contrato (Cfr. 10 Cf. ALMEIDA COSTA, ob. cit., págs. 502 e 503. Cf. ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/1988 (proc. 075669), 08/05/2003 (proc. 03B1021), 07/02/2017 (proc. 4444/03.8TBVIS.C1.S1) e 17/01/2023 (proc. 1728/21.7T8BRG.G1.S1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/01/2017 (proc. 970/13.9TBPTL.G1), do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/04/2005 (proc. 10341/2004-7), 09/06/2005 (proc. 4836/2005-6), 24/09/2019 (proc. 9773/16.8T8LSB.L1-7) e 24/10/2019 (proc. 2069/13.9TCLRS.L1-6) e do Tribunal da Relação do Porto de 08/02/2021 (proc. 274/17.8T8AVR.P1), www.dgsi.pt

Neste sentido, “se, de um vínculo negocial, resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual. A mesma diretriz se impõe quando o facto que produz a violação do negócio jurídico - ou melhor, da relação que dele deriva - simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana” ( Cf. ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 503).

Constatando-se que a obrigação de indemnizar imputada à 1.ª ré se refere a um dano que se circunscreve ao incumprimento contratual, e não estando o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, considera-se ser aplicável apenas o regime da responsabilidade civil contratual, do qual decorre a caducidade do direito do autor, nos termos expostos (cf. artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Também em relação às restantes rés, o autor invocou a responsabilidade civil extracontratual.

Estando em causa a alegada violação de um direito de crédito do autor a eventual responsabilidade civil imputável às 2.ª e 3.ª rés pelo incumprimento contratual da 1.ª ré pressupunha a admissibilidade do efeito externo da obrigação contratual incumprida por esta.

No entanto, da relatividade dos direitos de crédito decorre que as correspetivas obrigações só podem ser infringidas pelo próprio devedor, e não por terceiros (na medida que estes também não estão adstritos para com o credor à realização da prestação que este acordou com o devedor) (cf. artigos 397.º, 398.º, n.º 1, 405.º e 406.º, n.º 2 do Código Civil).

Consequentemente, apenas a 1.ª ré, enquanto parte outorgante do contrato de compra e venda que celebrou com o autor, poderia responder pelo não cumprimento do direito de crédito emergente desse negócio, não podendo, em princípio, as restantes rés, enquanto terceiros relativamente a esse contrato, ser responsabilizadas pelo seu cumprimento defeituoso (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/1993 (proc. 082874), 21/10/2003 (proc. 03A2822), 20/01/2010 (proc 239/2002.S1), 20/09/2011 (proc. 245/07.2TBSBG.C1.S1), 29/05/2012 (proc. 3987/07.9TBAVR.C1.S1), 11/12/2012 (proc. 165/1995.L1.S1.), do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/03/2007 (proc. 1795/05.0TBPMS-C1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/07/2017 (proc. 2603/16.2TBGMR-A.G1), do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/06/1997 (proc. 009822), 09/03/2006 (proc. 659/2006-6) e 16/05/2006 (proc. 3834/2006-7) e do Tribunal da Relação do Porto de 01/10/1998 (proc. 9830815), 01/02/2012 (proc. 1961/08.7TVLSB-A.L1-6) e 09/06/2016 (proc. 1754/13.0TVLSB.L1-2), www.dgsi.pt

Neste contexto, ainda que o devedor não cumpra por causa de terceiro, este apenas incorrerá em responsabilidade civil extracontratual (ou contratual) para com o devedor, só podendo este ser responsabilizado perante o credor nos termos da responsabilidade civil obrigacional. Desta forma, apenas indiretamente, através do património do devedor, poderá o credor aproveitar da indemnização de um terceiro que impediu ou embaraçou o cumprimento da obrigação.” (cfr. ALMEIDA COSTA, ob. cit. pág. 80), ou seja, “se o devedor não cumpre por culpa de terceira pessoa, esta pode incorrer certamente em responsabilidade extracontratual” mas “responsabilidade para com o devedor, pelos prejuízos que lhe tenha causado o ato ilícito de terceiro. Da respetiva indemnização, o credor só pode aproveitar indiretamente, através do património do devedor” (MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, 2ª edição, Coimbra, 1963, págs. 51/52).

Com efeito, a simples violação do direito de crédito do autor não preenche qualquer das formas da ilicitude que a condenação da 2.ª ou 3ª rés pressupõe, porquanto o direito de outrem cuja violação ilícita e culposa poderia determinar a responsabilidade civil extracontratual refere-se apenas aos direitos absolutos e as normas legais que sancionam a adulteração da quilometragem dos veículos automóveis não se destinam à tutela dos interesses privados de modo direto e imediato (cf. artigo 483.º do Código Civil) (cfr. Cf. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, «Ilicitude Extracontratual (umas breves notas)», Novos olhares sobre a responsabilidade civil, Centro de Estudos Judiciários, outubro de 2018, pág. 9, https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/eb_reponscivil_2018.pdf. Cf. ainda ANTUNES VARELA, ob. cit. págs. 552 e segs., ALMEIDA COSTA, ob. cit. págs. 514 e segs. e SINDE MONTEIRO, «Rudimentos da responsabilidade civil», Revista da FDUP - A.2 (2005), pág. 364, https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/23773/2/49738.pdf).

Nestas circunstâncias, não bastando identificar um qualquer ato de um terceiro que possa ter contribuído para a violação de um direito de crédito para, em si mesmo e sem mais, se considerar esse ato ilícito e, assim, fundamentar a responsabilidade extracontratual, só nos casos em que a interferência daquele no âmbito da relação obrigacional constitui um abuso do direito poderia viabilizar essa responsabilização (cf. artigo 334.º do Código Civil) (Cf. ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 83, MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações…, pág. 53, PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pág. 234, SANTOS JÚNIOR “Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito” Almedina 2003, pags. 436 e FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, ob. cit., pág. 11 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/04/2009 (proc. 09A0526), 20/09/2011 (proc. 245/07.2TBSBG.C1.S1), 29/05/2012 (proc. 3987/07.9TBAVR.C1.S1), 11/12/2012 (proc. 165/1995.L1.S1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/03/2007 (proc. 1795/05.0TBPMS-C1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/07/2017 (proc. 2603/16.2TBGMR-A.G1), do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/05/2006 (proc. 3834/2006-7) e do do Tribunal da Relação do Porto de 01/10/1998 (proc. 9830815)

Para o efeito, a responsabilização daquelas rés pela frustração contratual do direito invocado pelo autor exigia uma interferência consciente no seio do contrato, cuja verificação pressupunha a demonstração (e prévia alegação) dos factos que permitissem afirmar que a atuação daquelas foi dolosa, visando a frustração do interesse do autor (o que dependia do conhecimento por aquelas rés do crédito do autor e da intencionalidade da ação, no sentido de quererem a lesão desse crédito, como consequência direta, necessária ou eventual da ação que a cada uma dessas rés é imputada) (Cf. SANTOS JÚNIOR, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito”, Almedina, págs. 414 e segs., 509 e 510).

A alegação que a 2.ª ré terá adulterado a informação sobre a quilometragem, do veículo (por ser proprietária da viatura na data da referida falsificação) e que a 3.ª ré foi transmitente de tal veículo adulterado, com base na qual o autor conclui que todas as rés são responsáveis pelos danos referentes à reparação da viatura, não se mostra apta para fundamentar a responsabilização dessas rés (que, nos termos explanados, impunha a alegação e prova da cognoscibilidade, por aquelas rés, do direito do autor constituído na relação contratual com a 1.ª ré e da vontade de lesarem esse direito, como consequência direta, necessária ou eventual das respetivas condutas, sendo que da petição inicial não resulta sequer que a 3.ª ré soubesse da adulteração da quilometragem e, mesmo em relação à 2.ª ré, não lhe é explicitamente imputado o facto voluntário que que provocou a alegada falsificação, que apenas lhe é atribuída em termos conjeturais, por ser a proprietária na data em que aquela teria ocorrido).

Ademais, sem prejuízo do exposto quanto à ausência de factos constitutivos que sustentem a eventual responsabilidade civil imputada à 3.ª ré, pelo menos em relação a esta, seria ainda incongruente que o autor ainda a pudesse responsabilizar (apenas enquanto prévia transmitente) pelo dano decorrente do defeito do veículo que aquele comprou à 1.ª ré, quando, em relação a esta, como vendedora desse veículo, já não o poderia fazer, pela caducidade da ação.

Face ao exposto, não vislumbramos razão para alterar a decisão recorrida, pelo que a mantemos.

                                                           ***

                                                    4. Decisão

Pelo exposto julga-se, por acórdão, o recurso improcedente mantendo na integra a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 6/2/2024

Pires Robalo (relator)

Teresa Albuquerque (adjunta)

Cristina Neves (adjunta)