Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
670/08.1TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CADUCIDADE
DIREITO DE ACÇÃO
RETRIBUIÇÃO
CONCEITO JURÍDICO
ÂMBITO
Data do Acordão: 10/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO E AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 26º, Nº 3, E 32º, Nº 1 DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 (LAT); ART.ºS 26º, Nº 3, E 99º, Nº 1 DO CPT; 249º DO CT/2003.
Sumário: I – Ocorrendo a morte do sinistrado, a caducidade a que alude o artº 32º/1 da LAT reporta-se ao exercício do direito de acção dos eventuais beneficiários do sinistrado, sendo que o evento que determina o início da contagem do prazo de caducidade é o da alta clínica ou a morte do sinistrado.

II – Como decorre dos artºs 26º, nº 3, e 99º, nº 1 do CPT, nas acções emergentes de acidentes de trabalho a instância inicia-se com o recebimento da participação.

III – O acto impeditivo da caducidade é a participação do acidente no tribunal de trabalho competente.

IV – A partir da participação inicial, o processo emergente de acidente de trabalho corre oficiosamente e jamais pode reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção.

V – A retribuição do trabalho é o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada, integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas.

VI – Não se consideram retribuição as gratificações nem as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A... apresentou, no Tribunal do Trabalho de Tomar e patrocinada pelo MºPº, petição inicial para impulsionar a fase contenciosa da presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra B..., Ldª., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 1.882,87, com início em 7 de Novembro de 2008, actualizada para € 1.937,47, a partir de 1/1/2009, € 1.961,69, a partir de 1/1/2010, e € 1.985,23, a partir de 1/1/2011, bem como os respectivos juros de mora.

Alegou, para tanto, e em síntese:

É o cônjuge do sinistrado C..., que faleceu em 6/11/2008, vítima de acidente de trabalho.

Na tentativa de conciliação efectuada, foi obtido acordo parcial em torno das questões inerentes ao acidente de trabalho que vitimou o malogrado C.... Tal acordo, oportunamente homologado, foi parcial, na medida em que a entidade patronal, a Ré, não aceitou o montante proposto em tal acordo, como sendo aquele correspondente à remuneração anual auferida pelo falecido, já que apenas reconheceu o montante transferido para a Ré seguradora- D....

Entendeu que os valores correspondentes a ajudas de custo, auferidos pelo falecido, se destinavam ao pagamento das despesas efectuadas com a sua deslocação no estrangeiro, não podendo jamais ser considerados parte da sua remuneração mensal base, posto que apenas eram auferidas quando o falecido se encontrava deslocado.

Contestou a Ré, excepcionando a caducidade do direito à pensão.

O acidente encontra-se descaracterizado.

Sustentou o entendimento, já expresso em sede de tentativa de conciliação, de que as ajudas de custo auferidas pelo sinistrado não podem integrar o conceito de retribuição .

Terminou formulado pedido de intervenção provocada da E... Seguros, S.A., responsável civil pelo acidente de viação, a que na sua tese se reconduz o versado nos autos.

Respondeu a Autora ao pedido de intervenção provocada da E... Seguros, S.A., concluindo não poder o mesmo ser deferido pela não verificação do legal condicionalismo para tanto.

Veio a ser admitido a requerida intervenção provocada da E... Seguros, S.A., tendo esta apresentado articulado próprio, onde discrimina as quantias por si já pagas à Autora com fundamento no acidente de viação em que o falecido esteve envolvido. No mais, adere à matéria atinente à caducidade do direito pretendido fazer valer pela Autora, matéria essa alegada pela Ré.

Foi proferido despacho saneador no qual se apreciou e decidiu, no sentido da sua improcedência, a matéria de excepção aduzida pela Ré,

Desta decisão veio a Ré interpor recurso de agravo, formulando as seguintes conclusões.

[…]

A Autora contra-alegou.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

“Julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência condeno a entidade patronal B..., Ld.ª a pagar à Autora A... a sua quota parte na pensão anual e vitalícia a esta devida desde 7 de Novembro de 2008, ou seja, € 1.882,27 a pagar adiantada e mensalmente até ao 3.º dia útil de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, devendo os subsídios de ferias e de natal naquele mesmo valor de 1/14 da pensão anual ser pagos nos meses de Maio e de Novembro, conforme ao disposto no art. 20.º, n.º1, al. a) da Lei 100/97, de 13.09 e arts. 49.º e 51.º do DL 143/99 de 30.04. acrescida tal quantia de juros de mora vencidos e vincendos sobre as prestações em atraso, nos termos do disposto no art. 135.º do Cód. Proc. Trab.

Julgo a presente acção improcedente por não provada no que à interveniente E... – Companhia de Seguros, S.A concerne, absolvendo-a do pedido.

Suportará a entidade responsável o pagamento das custas da acção.

x

Novamente inconformada, veio a Ré interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

[…]

A Autora contra-alegou, propugnando pela improcedência do recurso

Foram colhidos os vistos legais.

x

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:

- no agravo:

- se se verifica a caducidade do direito de acção;

- na apelação:

- se no cálculo do montante da pensão se deve incluir o pagamento da quantia de € 30,00 diários, efectuada pela Ré a título de “ajudas de custo”.

x

A 1ª instância deu como provados os seguintes factos, não objecto de impugnação, e que este Tribunal de recurso aqui acolhe:

[…]

x

- o direito:

- o agravo:

Entende a recorrente, contrariamente ao decidido na sentença, que se verificou a caducidade do direito de acção, por se ter passado mais de um ano entre a dada do acidente que vitimou mortalmente o sinistrado (em 6/11/2008) e o início da fase contenciosa, com a apresentação da petição inicial (em 2/1/2012).

Não lhe assiste razão.

Ao acidente é aplicável a Lei nº 100/97, de 13/9 (LAT), que dispõe no seu artº 32º, nº 1:

"O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta."

Ocorrendo a morte do sinistrado, a caducidade a que alude a norma em questão reporta-se ao exercício do direito de acção dos eventuais beneficiários do sinistrado, sendo que o evento que determina o início da contagem do prazo de caducidade é o da alta clínica ou a morte do sinistrado.

No caso dos autos, o sinistrado faleceu no dia 6/11/2008.

A ocorrência do sinistro foi oficiosamente comunicada ao Tribunal logo no dia seguinte - 7/11/2008, facto este que deu origem à instauração da presente acção emergente de acidente de trabalho.

Tal como decorre dos art°s 26°, nº 3, e 99°, nº 1 do CPT, nas acções emergentes de acidentes de trabalho a instância inicia-se com o recebimento da participação. O acto impeditivo da caducidade é assim a participação do acidente no tribunal de trabalho competente - cfr. , entre outros, os Ac. do STJ de 6/2/2008 e 18/5/2011, in www.dgsi.pt, citando-se no último abundante doutrina e jurisprudência sobre a matéria.

A partir da participação inicial, o processo emergente de acidente de trabalho corre oficiosamente e jamais pode reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção. Na situação em apreço, a participação da ocorrência do acidente ao Tribunal do Trabalho ocorreu no dia imediato ao acidente, ou seja, muito antes de esgotado o prazo de um ano a que alude o referido artº 32, nº1, da LAT.

E não colhe o argumento da inconstitucionalidade invocado pela apelante, não só porque a mesma não especifica qual a norma que estaria abrangida pela mesma, como porque se não vislumbra que a circunstância de só em 2/1/2012 se ter dado início à fase contenciosa tenha, por si só, cerceado o direito de defesa da Ré- apelante, sendo que esta também não invoca em que termos concretos se verificou essa pretensa ofensa.

Termos em que improcedem as conclusões deste recurso.

- a apelação:

Reage a apelante contra o facto de, para o cálculo da pensão devida à beneficiária se ter tido em conta, como retribuição, o montante auferido pelo sinistrado a título de ajudas de custo.

Vejamos.

Dispõe o artº 26º , nº 3, da LAT:

“3 - Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.

Desta redacção legal é legítimo extrair o entendimento de que se adoptou um conceito de retribuição mais abrangente do que o previsto no artigo 249º do CT de 2003 (aqui aplicável), abarcando, para além do salário normalmente auferido pelo trabalhador, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias – designadamente as que correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente – e pagamentos em espécie (habitação, automóvel, alimentação, etc.). Têm é de corresponder a uma vantagem económica do trabalhador. (Vide Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2ª ed. p. 822 e ss.)- cfr, neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto de 30/1/2006, in www.dgsi.pt.

No regime jurídico estabelecido no art. 26.º da LAT o legislador conferiu especial atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento. Esta característica da regularidade ou periodicidade que assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador não se verifica quando as prestações têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.

Não deixa esse artº 26º de remeter, necessariamente e neste particular aspecto, para o critério geral constante do artº 249º do CT de 2003:

“1- Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

2 - Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”.
A retribuição do trabalho é "o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)" - cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Vol. 1º, 10ª ed., pág. 395), integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas directa ou indirectamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário- neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 410; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2ª Ed., pag. 382).

Este último autor refere, ainda, que “a lei, com a expressão «regular», se referiu a uma remuneração não arbitrária mas que segue uma regra permanente, sendo, portanto, constante. Por outro lado, exigindo um carácter «periódico», a lei considera que ela deve ser relativa a períodos certos no tempo (ou aproximadamente certos), de modo a integrar-se na própria ideia de periodicidade e de repetência ínsita no contrato de trabalho e nas necessidades recíprocas dos dois contraentes que este contrato se destina a servir. (…) Excluem-se do conceito de retribuição certas atribuições anormais e problemáticas, que por isso mesmo não devem ser computadas num rendimento com que se pode seguramente contar. Mas essas exclusões são compensadas pela abrangência de prestações, que muito embora não sejam à partida retribuição, nela acabam por ser integradas dado o seu carácter regular e permanente, que faz com que o trabalhador as preveja como normais no seu orçamento, isto é, conte com elas”.

Ainda a propósito daquele elemento integrador do conceito de retribuição, refere, por seu lado, Motta Veiga (Lições de Direito do Trabalho, 6ª Edição, pag. 470) que o “carácter regular e periódico das prestações salariais decorre da própria natureza do contrato de trabalho, como contrato de execução duradoura ou continuada. Assim, situam-se fora do conceito de retribuição “stricto sensu” os pagamentos eventuais, a título de liberalidade ou recompensa, e os extraordinários ou meramente compensatórios de despesas realizadas pelo trabalhador», acrescenta, todavia noutro passo, este autor, que «as remunerações complementares somente podem fazer parte da retribuição, “stricto sensu”, ficando sujeitas à respectiva disciplina legal, se, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual, e devem portanto considerar-se como elemento integrante da remuneração do trabalhador, sobretudo se forem pagos por forma a criar no espírito deste a convicção de que constituem complemento normal do salário”.
E o nº 3 do artº 249º do CT de 2003 estabelece uma presunção legal de que constitui retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Do que resulta, tendo em conta os princípios de repartição do ónus de prova, e, especificamente, o disposto no nº 1 do artº 344º do Código Civil, que sobre o empregador impende o ónus de provar que certa prestação que o mesmo fez ao seu trabalhador não tem a natureza de retribuição- cfr. Ac. do STJ de 4/7/2002, disponível em www.dgsi.pt.

São, assim, características da retribuição a regularidade, a periodicidade e o ser devida como contrapartida do trabalho prestado.

Para que uma qualquer prestação paga pela entidade empregadora ao trabalhador possa ser qualificada como retribuição, e assim dever integrar a mesma, carece, então, de revestir certas e determinadas características.

Desde logo, tem de tratar-se de uma prestação regular e periódica. A retribuição está conexionada com a satisfação de necessidades do trabalhador, o qual cria uma legítima expectativa no sentido de poder contar com a retribuição para garantir o seu sustento e outras necessidades, suas e do seu agregado familiar. Estão, assim, excluídas do conceito de retribuição todas as prestações de carácter esporádico.

Aliás, com a expressão regular a lei refere-se a uma prestação constante, não arbitrária, permanente. É, assim, de excluir do conceito de retribuição toda e qualquer prestação esporádica ou atípica, anormal ou problemática que, por isso mesmo, não pode ser computada no rendimento com que, regularmente, se pode contar.

Não se consideram retribuição as gratificações nem as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador – arts. 260.º e 261.º do Código do Trabalho

Deste modo, se a importância recebida pelo trabalhador respeitar, v.g., a uma compensação ou reembolso pelas despesas a que foi obrigado por força das circunstâncias em que prestou a sua actividade (deslocações ao serviço do empregador, ‘inter alia’), não existirá qualquer correspectividade com a sua prestação funcional, ficando tal valor fora do cômputo da retribuição.

Além disso, valem também como retribuição, neste âmbito da LAT, todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios - cfr. Ac. desta Relação de Coimbra de 10/9/2009, in www.dgsi.pt.

E, indo de encontro a esta previsão legal, o S.T.J., por acórdão de 2 de Dezembro de 2004, in CJ/STJ, Tomo III, pg. 286, decidiu que as ‘ajudas de custo’ não podem ser consideradas no cálculo de uma pensão emergente de acidente de trabalho se não assumirem a natureza de prestações de carácter retributivo.

Será o caso na situação que nos ocupa?

Está provado que:

- a Ré pagava ao sinistrado um quantia a título de “ajudas de custo”, quando o sinistrado se encontrava fora de território nacional, no montante de €30,00 diários;

- o trabalho do sinistrado era predominantemente prestado em França, fazendo-o ainda em qualquer outro local de trabalho da Ré, em Portugal ou no estrangeiro;

- permanecia no estrangeiro por períodos que iam até três a quatro semanas seguidas, sendo que a Ré pagou ao sinistrado as “ajudas de custo” diárias considerando os fins-de-semana que se intercalaram, mesmo quando aquele não trabalhava nesses dia.

Perante tal factualidade, será possível considerar que essa quantia paga a título de ajudas de custo se destinava a compensar o sinistrado por custos aleatórios?

A resposta parece-nos que terá de ser negativa.

Estamos perante uma prestação de montante diário fixo, que era paga sempre e quando o sinistrado se encontrasse no estrangeiro, mesmo nos fins de semana, quando não trabalhava.

Aleatório é aquilo que está sujeito a contingências, dependente do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis; …que é casual ou fortuito - cfr. citado Ac. desta Relação.

Embora formalmente apelidada de “ajuda de custo”, tal não significa que essa simples denominação confira, sem mais, tal característica a esse pagamento de 30 euros diários. Verifica-se a natureza periódica e regular do seu pagamento, e nada ficou provado acerca de se, com esse pagamento, a Ré procurava compensar as despesas concretas que o sinistrado suportava na sua estadia no estrangeiro (onde trabalhava predominantemente, mais frequentemente em França). A factualidade à nossa disposição não permite concluir que o seu pagamento se destinava a compensar o trabalhador/sinistrado por custos aleatórios, em sentido próprio. E o que é facto é que ele sabia que fossem quais fossem as suas despesas com alimentação ou alojamento – que poderiam ser de montante variável ou até inexistentes, receberia sempre aquele montante fixo diário, também não tendo ficado provado que tivesse que prestar contas desses seus gastos à entidade empregadora. E recebia mesmo nos dias em que não trabalhava, desde que se encontrasse no estrangeiro.

Assim sendo, não se pode considerar afastada a presunção de que tal pagamento constituía retribuição do sinistrado, constituindo ónus da Ré- apelante elidir a mesma, o que não fez. Teria de ser esta a alegar e provar que a quantia paga a título de ajudas de custo se destinava a compensar o trabalhador /sinistrado pelas despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho no estrangeiro ou por causa dele - cfr. Ac. do STJ de 6/2/2008, in www.dgsi.pt.

E, face a esse non liquet probatório, devendo considerar-se como uma componente de cariz retributivo, bem andou a sentença ao proceder ao cálculo da pensão da beneficiária tendo em conta esse montante auferido pelo sinistrado a título de “ajudas de custo”

Invoca a apelante que as declarações fiscais dos contribuintes gozam da presunção de veracidade – artº 75.º da Lei Geral Tributária, pelo que, tendo o sinistrado feito declaração fiscal, junta aos autos, em que reconheceu que a sua retribuição era de € 600,00 mensais, não considerando as ajudas de custo como retribuição, lhe cabia fazer prova do contrário, nestes autos.

Para além do que já se disse e sendo certo que não se encontra junta aos autos a declaração Mod. 3 de IRS do trabalhador, a presunção do artº 75º da Lei Geral Tributária invocada visa, como se refere nas contra-alegações, proteger o contribuinte relativamente ao fisco, fazendo recair sobre este (e não sobre o contribuinte) o ónus de provar que foi auferido maior rendimento sujeito a tributação, mas em sede de procedimento tributário.

Também não há que fazer apelo, como pretende a apelante, ao regime do DL 192/95, de 28/7, uma vez que o mesmo é unicamente aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, e por virtude do exercício das mesmas, o que não é manifestamente o caso.

Com a consequente improcedência do recurso.

x

Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao agravo e em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho e sentença recorridos.

Custas pela Ré- apelante.

Coimbra, 17/10/2013

(Ramalho Pinto - Relator)

(Azevedo Mendes)

(Joaquim José Felizardo Paiva)