Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
248/09.2JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
PENA ACESSÓRIA
PENA UNITÁRIA
Data do Acordão: 06/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 205.º DA CRP; ART. 97.º, N.º 5, 374.º, N.º 2, E 358.º, N.ºS 1 E 3 DO CPP
Sumário: I - Visando a fundamentação evidenciar as razões da bondade da decisão e dar satisfação à exigência da sua total transparência, facultando aos seus destinatário imediatos e à comunidade a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador, e viabilizando o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto, não pode esquecer-se que não existem fórmulas sacramentais para a sua explicitação. Ela variará, necessariamente, em função, designadamente, do maior ou menor poder de síntese do julgador e da melhor ou menos boa capacidade de expressão do mesmo, bastando-se a lei processual com uma possibilidade efectiva de compreensão do raciocínio exposto.

II - Tendo, in casu, sido o arguido condenado, além do mais, numa pena acessória que não constava da acusação, e não tendo sido efectuada a comunicação da alteração da qualificação jurídica, nos termos do citado art. 379.º, n.º 1, b), do C. Processo Penal, e porque se entende igualmente aplicável o princípio estabelecido na jurisprudência fixada [Acórdão nº 7/2008 (DR I, nº 146, de 30 de Julho de 2008], dada a identidade de razões, padece a sentença em crise de nulidade parcial, tendo por objecto, exclusivamente, a condenação do recorrente na referida pena acessória.

III - A convicção do tribunal deve resultar da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida, relevando, designadamente, a razão de ciência dos declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, os sinais e reacções comportamentais revelados, e a coerência do seu raciocínio.

IV - Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, face ao termos da decisão isto é, tem que resultar clara e inequivocamente do texto da decisão que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.

V - Em qualquer caso, a dúvida relevante, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar e fez constar da sentença.

VI - O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é a personalidade do agente. Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

No [já extinto] 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha [agora, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Caldas da Rainha – Instância Local – Secção Criminal] o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, a) e b), com referência ao art. 170º, do C. Penal, e de um crime de pornografia de menores na forma agravada, p. e p. pelos arts. 176º, nºs 1, b) e 4 e 177º, nº 6, do mesmo código.

Por sentença de 10 de Julho de 2014 foi o arguido condenado, pela prática dos três imputados crimes de abuso sexual de crianças, na pena de dez meses de prisão por cada um deles, pela prática de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nºs 1, b) e 4, na pena de quatro meses e quinze dias de prisão, e em cúmulo, na pena única de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período com regime de prova e acompanhamento, e ainda na pena acessória de proibição do exercício de funções docentes e outras que obriguem ou possibilitem ter menores sob a sua responsabilidade, educação ou vigilância, pelo período de oito anos.  


*


            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

1. O arguido não se conforma com a sua condenação como autor de três crimes de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 171º, nº 3, als a) e b), com referencia ao artigo 170º, do Código Penal na pena de 10 (dez) meses de prisão por cada crime;

2. O Arguido recorrente não concorda, com a conclusão do Tribunal a quo, que deu como provados os seguintes factos "4 a 11) dos factos dados como provados", porquanto,

3. No entender do arguido recorrente, o depoimento da Testemunha C... , constante da Gravação dia 18/06/2014, foi incoerente fazendo um relato ilógico e não consentâneo com os restantes elementos de prova junto aos autos, e por isso, deveria o Tribunal a quo ter do mesmo tirado as seguintes conclusões:

a. O Arguido Recorrente não demonstrou em qualquer fase do factos ter mostrado interesse em conhecer a menor (ponto 4);

b. O Arguido Recorrente, Nesse mesmo contacto ciente da idade da menor, questionou a se já tinha maminhas e pelos na vagina (ponto 5)

c. O Arguido Recorrente, tenha passados uns dias enviado duas mensagens para conta de correio electrónico com duas fotos suas, sendo uma delas, desnudado dentro de um carro; (Ponto 6)

d. O arguido recorrente, tenha Conversado no MSN com a menor; (ponto 8)

e. O arguido recorrente, tenha na conversa com a menor perguntado se à mesma se a sua mãe estava em casa (ponto 9)

f. Que tenha de forma alguma conversado com a menor no MSN;

4. O Arguido Recorrente entende, com o devido respeito por opinião contrária, que do depoimento de C... o tribunal a quo poderia apenas concluir que:

a. Que o seu depoimento não foi esclarecedor dos factos, aliás o mesmo foi contraditório em todas as suas vertentes;

b. Que o documento junto aos autos (print das conversações) com a foto da testemunha e respectivo nome, deveria o tribunal apurar quem tratou o mesmo informaticamente e em que moldes o mesmo foi imprimido;

c. Facto só provado por técnico informático com conhecimentos técnicos para o efeito;

d. Não pode o tribunal considerar um documento válido para efeitos de prova quando tal documento não emana de quem o produz;

5. O Arguido Recorrente entende, com o devido respeito por opinião contrária, que do depoimento das restantes testemunhas de acusação (inspectores da Policia Judiciária) quanto aos factos nada trouxeram ao processo que ajudasse a esclarecer os factos;

6. O Arguido Recorrente entende o depoimento da testemunha não foi credível;

7. O Arguido Recorrente entende que ficaram por provar os factos constantes da acusação e constantes da sentença nos pontos 4. a 11 e que deve levar à sua absolvição.

8. O Arguido Recorrente, entende que a versão dos factos relatados pela testemunha, documentos e declarações para memória futura estão perfeitamente opostas, mas o tribunal recorrido, fazendo uma errada aplicação do direito, valorizou a versão da testemunha e em consequência condenou o arguido, ou seja, existindo uma situação em que era a palavra do arguido contra a do denunciante, sem outra qualquer prova, deveria o tribunal reconhecer a dúvida e perante duas versões contrárias entre si, o Tribunal a quo condenou o arguido, em clara violação do princípio do in dubio pro reo, do princípio da presunção da inocência, previsto pelo artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa;

9. O Arguido Recorrente entende que a prova testemunhal deveria ter sido suportada por prova documental, uma vez que constavam dos autos dados informáticos que apenas poderiam ser comprovados por técnicos, pelo que se verificou ausência total de prova, quanto aos factos susceptíveis dessa prova, designadamente quanto ao registo documental das conversas no MSN;

10. Por outro lado, por aplicação do disposto no artigo 53º, nº 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Penal, ao Ministério Público competia sustentar a acusação de forma objectiva, fazendo prova dos factos alegados por si na acusação, não bastando para a prova dos crimes imputados ao arguido a prova testemunhal, pelo que violou a douta sentença, o previsto no aludido artigo, por omissão total de prova quanto a abuso;

11. O Arguido Recorrente entende que as declarações da única testemunha destes factos foram contraditórias quanto à data em que ocorreram os factos e à forma como ocorreram;

12. A motivação da Douta sentença, no caso dos autos, como resulta da sua leitura, é meramente expositiva, não aprofundando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca do acervo fáctico que deu como assente e não assente. A motivação dos factos limita-se a enunciar e elencar testemunhos, não tendo procedido a uma análise crítica dos mesmos, comparando-os, o tribunal a quo bastou-se com as suas certezas, mas não devia esquecer que a decisão deve assentar numa avaliação real dos factos. O grau de certeza afirmado pela decisão não equivale à verdade, nem pode tomar o seu lugar.

13. O uso de adjectivos como credibilidade, não passa de uso de conceitos genéricos, impregnados de subjectivismo, certezas resultantes da íntima convicção, inescrutável e não racionalizável, portanto, não analisável e incontrolável, em torno do facto a apurar.

14. O tribunal dá crédito ao arguido apenas na parte relativa à sua actual situação pessoal. Já quanto aos restantes factos relatados, nenhuma credibilidade mereceu, no entender do Tribunal face à restante prova produzida, ora, se nenhum dos depoimentos das testemunhas inquiridas, imputou directamente ao arguido qualquer facto, o tribunal a quo tinha que explicar como chegou à conclusão de que ele foi o agente do crime

15. A imposição do dever de fundamentação tem assento constitucional, art.º 205º n.º 1 da Constituição, devendo ser levado a cabo «na forma prevista na lei», dizendo o art.º 97º, n.º 5 do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Concretizando o dever de fundamentação, dispõe o art.º 374º n.º 2 do Código Processo Penal, relativamente aos requisitos da sentença, que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

16. A decisão recorrida, em sede de fundamentação, não procedeu ao exame crítico das provas ou ausência delas, exigido no art.º 374º n.º 2 do Código Processo Penal, como consequência do dever de fundamentação das decisões dos tribunais imposto pelo art.º 205º, n.º 1 da Constituição, violando o disposto nos referidos artigos art.º 205º, n.º 1 da Constituição, art.º 97º, n.º 5 e o art.º 374º n.º 2 ambos do Código de Processo Penal.

17. O princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127º do Código Processo Penal, pressupõe e exige uma indicação dos meios de prova e um complementar e exigente exame crítico, de modo a que permita avaliar o porquê da decisão e o processo lógico mental que possibilitou a decisão da matéria de facto, de acordo como o aí previsto "a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente". Assim, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.

18. Este Principio não pode colidir com principias fundamentais do direito como o Principio da Presunção de Inocência e ao decidir como o fez o tribunal a quo, violou do disposto no referido artigo 127º do Código de Processo Penal.

19. No caso dos presentes autos, a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, foi insuficiente para provar os indícios da acusação nos que diz respeito aos crimes de abuso sexual de crianças;

20. O princípio da presunção de inocência é um dos principias fundamentais em que se sustenta o processo penal num Estado de Direito. O que está em causa neste princípio é, na persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «actuar em sentido favorável ao arguido» (cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1981, p. 215).

21. Na verdade e no caso em apreço a convicção do Tribunal a quo foi fundamentada na prova de que ao arguido havia cometido os factos, no MSN da Menor, quando consta do processo elementos documentais em sentido contrario

22. O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do principio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

23. Quanto à prova a análise desta entronca, necessariamente, em vários preceitos constitucionais, a saber, o da presunção da inocência; da dignidade da pessoa humana; da legalidade; da imediação; da contraditoriedade; da sua livre apreciação, sendo que este último constitui um dever do julgador que axiologicamente se lhe impõe por força do principio do Estado de Direito e da dignidade da pessoa humana – isto é, emerge dos arts. 1.º e 2.º da CRP –, traduzindo-se na possibilidade de formar uma convicção pessoal de verdade dos facto, convicção essa ainda assim racional, assente em regras de lógica e experiência, objectiva e comunicacional.

24. Para ser assente em regras de lógica e experiência, tem que ser inexpugnavelmente compatível com os princípios que se reconhece regularem mentalmente a gnose. Daí que o processo de valoração começa com a própria admissão dos meios de prova, seguindo pela aferição da respectiva credibilidade, e concluindo pela conferência dos respectivos resultados com os demais meios probatórios – resolvendo-se nessa sede qualquer contradição ou incompatibilidade entre os meios em presença.

25. Para ser objectiva, tem de ser desprovida de subjectivismo injustificável, ser assente em elementos reais ou externos ao Tribunal, afastando-se de meros conhecimentos ou presunções privadas do Homem que ocupa a posição de julgador. O objectivismo aqui convocado é aquele, aliás, que justifica a imparcialidade soberana, e elevada, do Juiz, não prejudicada pelo seu poder de investigação ex officio, mas antes por ele potenciada (aqui o entrecruzamento máximo entre o princípio da livre apreciação da prova e o princípio do acusatório).

26. Para ser comunicacional, tem de ser intrinsecamente reflectida e claramente compreensível por terceiros, com o que se procura garantir, ao limite, a inexistência de falhas ou erros de julgamento e se permite que a pena infligida possa cumprir os fins para que foi criada: a retribuição devida ao criminoso, pelo mal do crime, a prevenção espacial e a prevenção geral. Nisto se consubstancia a essência da motivação.

27. Trata-se, assim, de um princípio de liberdade para a objectividade, e não para o arbítrio como justamente realçam Castanheira Neves e Figueiredo Dias, rematando este último que «a liberdade de apreciação da prova é, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo», capaz de impor-se aos outros.

28. A motivação da decisão do tribunal não é, nem pode ser mais, um acto de fé, um puro exercício de íntima convicção.

29. Ora, por todo o exposto, entende o arguido recorrente não ter sido feita prova da prática dos crimes de abuso sexual de criança.

30. Verificando-se uma total ausência de prova, e assim ser a prova insuficiente para a condenação do arguido, além de que o depoimento da Testemunha C... foram claramente contraditórios, devendo operar o. princípio do in dubio pro reo, e como tal por todas as razões expostas ser o arguido absolvido dos crimes de que vinha acusado.

31. Caso tal não se entenda, o que só por mera hipótese académica se admite, SENDO QUE QUANTO À PENA ACESSÓRIA

32. A mesma é manifestamente grave;

33. É manifestamente desproporcional em relação à pena principal;

34. Deve a mesma ser aplicada pelo seu limite mínimo, atento ao caso concreto;

Face a todos os fundamentos expostos neste recurso e face ao que fica dito, deverá a sentença ora proferida, ser revista no sentido de:

O arguido ser absolvido dos crimes de Abuso Sexual de Crianças que vinha acusado, por aplicação do princípio do in dubio pro reo e total ausência de prova;

Ou tal assim não se entenda deverá a Pena Acessória ser revista, aplicando-se a mesma pelos seus limites mínimos;

Só assim se fazendo a devida e costumada JUSTICA!


*

            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

                I. Perante as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo, as questões a decidir respeitam a saber: se foram correctamente apreciados os factos dados como provados, nomeadamente os respeitantes aos pontos 4 a 11; se existiu violação do princípio in dubio pro reo; se existe desproporcionalidade da pena acessória relativamente à pena principal; e se existiu nulidade da sentença em virtude da violação do dever de fundamentação previsto no artigo 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, designadamente a ausência do exame crítico das provas.

II. Relativamente à primeira questão, a fundamentação da matéria de facto da douta sentença recorrida relativa aos pontos dados como provados e impugnados pelo Recorrente, nomeadamente os pontos 4 a 11, resultou da conjugação das declarações prestadas pelo arguido, das declarações para memória futura da ofendida B... e do depoimento das testemunhas inquiridas, inclusive o da testemunha C... , bem como da prova documental junta aos autos, nomeadamente o auto de visionamento de CD de fls. 22 a 47.

III. No que respeita às conversas referidas nos pontos 4, 5, 8, 9, 10 e 11, dos factos provados, o arguido referiu, e passamos a citar a douta sentença recorrida, que "pensava estar a conversar com um adulto e que tudo se tratava de uma brincadeira, um «jogo erótico», no qual quis participar. Porém, confrontado com a duração da conversa e a impossibilidade de, em face da constância do diálogo se mostrar altamente improvável tratar-se de uma mera brincadeira sexual, o arguido referiu que nunca equacionou a possibilidade de estar efetivamente a conversar com uma criança".

IV. Ora, sufragamos o entendimento do Tribunal relativamente a tais declarações, nomeadamente que as mesmas não merecem credibilidade uma vez que "decorre do mais elementar bom-senso e do princípio do homem médio que qualquer pessoa, colocada na exata posição do arguido, após uma ou duas frases de conversações deste teor, se enfastiaria do tipo de diálogo ou, quando muito, começaria a desconfiar de algo de errado, designadamente, de que o interlocutor seria, efetivamente, menor. Porém, estes factos aparentemente não incomodaram o arguido, que manteve a conversação, insistindo nas características de menoridade da sua interlocutora (veja-se, designadamente, as referências a «este mail é da minha mãe»; «idade»; «tenho 9 anos tu?»; «30»; «dava te minhas mas tu so tens 9 anos»; «com 9 anos já deves ter pêlos»; «ainda não? Ao pé da vagina?» e, não obstante as repetidas referências à mesma, não se coibiu de lhe enviar fotografias do seu pénis, enquanto se masturbava".

V. No tocante ao depoimento da testemunha C... , mãe da ofendida, consideramos que o mesmo foi consistente, coerente e credível, encontrando-se em absoluta consonância com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida B... .

VI. O teor das citadas conversações consta ainda da prova documental, nomeadamente do auto de visionamento do CD que contém a conversação mantida no MSN entre o arguido e a ofendida B... e posteriormente a mãe desta, sem que o arguido de tal tivesse conhecimento porquanto a mesma fez-se passar pela sua filha (cfr. fls. 22 a 47).

VII. O Recorrente argumenta, ainda, que "tal conversação não é mais do que aquela que foi printada pela testemunha e que foi passada para o CD pelos senhores inspectores da Policia Judiciária; Não existiu registo de qualquer conversa entre o arguido e a ofendida B... que tivesse sido retirada do sistema informático do Arguido".

VIII. Ora, como é sabido vigora em processo penal o princípio da liberdade de prova, previsto no artigo 125.º do Código de Processo Penal, nomeadamente "São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei".

IX. Por conseguinte, a impressão das referidas conversas do MSN e a sua junção aos autos não consubstancia qualquer ilegalidade porquanto não é um método proibido de prova nos termos do artigo 126.º do Código de Processo Penal.

X. Relativamente ao ponto 6 dos factos provados ao contrário do que alega o Recorrente o mesmo resulta das declarações para memória futura da ofendida B... (fls. 224 a 226). Acresce que o próprio arguido reconheceu ter enviado fotos suas nu (cfr. Acta da Sessão de 18.6.2014, de rotação 12m'22s" a 12m' 40s" relativamente às declarações do arguido).

XI. Em suma, no que se refere à matéria de facto impugnada, nomeadamente os pontos 4 a 11 dos factos provados, em nosso entender, o Tribunal apreciou bem a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente ao considerar pouco credível a versão apresentada pelo Recorrente – que referiu ter considerado que se tratava de um jogo erótico mantido com uma pessoa adulta – e fundar a sua convicção pelas declarações para memória futura da ofendida B... , pelos depoimentos das testemunhas inquiridas, inclusive o depoimento da testemunha C... , uma vez que estas apresentaram uma versão dos factos muito mais coerente com as circunstâncias concretas e consentâneas com a prova documental dos autos, nomeadamente o auto de visionamento de CD constante de fls. 22 a 47.

XII. No tocante à segunda questão, no caso em apreço, em face da análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de julgamento em conjugação com os demais elementos probatórios constantes dos autos nenhumas dúvidas se suscitaram ao Tribunal relativamente à prática pelo arguido dos três crimes de abuso sexual de crianças, pelos quais foi (e em nosso entender bem) condenado.

XIII. Por conseguinte, atendendo a que nenhumas dúvidas se suscitaram ao Tribunal, quer quanto à prática dos factos imputados ao arguido que vieram a ser dados como provados, quer quanto à vontade livre e consciente como os praticou, sabedor da ilicitude da sua conduta, não faz qualquer sentido a invocação pelo Recorrente da violação do princípio in dubio pro reo.

XIV. No que respeita à terceira questão, em nosso entender, a sanção acessória aplicada ao arguido de proibição do exercício de funções docentes e outras que obriguem ou possibilitem ter menores sob sua responsabilidade, educação ou vigilância, pelo período de 8 (oito) anos não é desproporcional e deverá ser mantida atendendo sobretudo à perigosidade do arguido e, também, para salvaguarda da paz social.

XV. Citando a douta sentença recorrida "No caso vertente, o arguido é professor do ensino básico. Tal implica ter, a seu encargo e sob sua responsabilidade, crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 10 anos de idade, precisamente a faixa etária que se provou nos presentes autos o arguido ter interesse e nela procurar satisfazer os seus instintos libidinosos. Assim, verifica-se que a manutenção da possibilidade do exercício funcional para o arguido traduz um verdadeiro risco social, principalmente para as crianças que fiquem sob a sua alçada".

XVI. Acresce que o arguido negou a prática dos crimes de abuso sexual de crianças. Na verdade, como refere a douta sentença recorrida o arguido afirmou que "pensava estar a conversar com um adulto e que tudo se tratava de uma brincadeira, um «jogo erótico», no qual quis participar". Ora, tal é revelador de que o arguido, ainda, não interiorizou o desvalor da sua conduta, pelo que a perigosidade do mesmo voltar a delinquir é bastante elevada.

XVII. Por outro lado, como entende a douta sentença recorrida é, também, necessário salvaguardar a paz social "e, neste contexto, não pode desconsiderar-se que o arguido é professor na cidade de que é natural que este é um meio social relativamente pequeno, o arguido é conhecido e estes factos serão certamente alvo de comentários pela sociedade e do conhecimento da população que tem filhos nesta faixa etária, estando o arguido afeto a um dos dois agrupamentos de escolas (...), o que determina uma grande perturbação da ordem e tranquilidade públicas".

XVIII. Relativamente à quarta questão, a sentença recorrida, sob a epígrafe, "Fundamentação", descreveu os factos que deu como provados e não provados (fls. 380 a 388) e, de seguida, na respectiva motivação da decisão de facto, sob a epígrafe "Convicção do Tribunal e exame crítico das provas", indicou as razões que justificaram a sua convicção (fls. 388 a 393).

XIX. O Tribunal indicou de forma clara as razões pelas quais, e em que medida, valorou as declarações do arguido, as declarações para memória futura da ofendida B... , os depoimentos das testemunhas inquiridas, a prova documental e ainda exp6s e explicitou os critérios lógicos e racionais utilizados na apreciação efectuada.

XX. Na verdade, "o exame crítico da prova não se pode confundir com o exame correcto da prova. Não está (nesta fase) em causa a exactidão da convicção do julgador, mas apenas a sua exteriorização e, portanto, o exame crítico da prova deve ser de molde a ficar clara a razão de o julgador ter formado aquela convicção e não outra" (Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 20 de Junho de 2012, Processo n.º 25/11.0TAVNH.P1, relatado por ÉLIA SÃO PEDRO, disponível in www.dgsi.pt).

XXI. Saber se o juiz analisou bem ou mal a prova produzida é já outra questão que, de resto, entendemos pelo supra exposto que foi bem apreciada. Na verdade, a prova produzida em julgamento, foi analisada de forma séria e ponderada pelo tribunal, que formou a sua convicção livremente, segundo as regras técnico-jurídicas temperadas pelas regras de experiência de vida.

Deverá pois manter-se a douta sentença.

Contudo, Vossas Excelências decidirão, conforme for de JUSTIÇA.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a contramotivação do Ministério Público, expressando o entendimento da suficiência da prova produzida, da inexistência de erro na sua apreciação e da bondade da decisão de facto proferida, da não violação do pro reo, a justeza das penas aplicadas, e concluiu pela improcedência do recurso.


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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são:

- A nulidade da sentença por falta de fundamentação;

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a violação do princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência;

- A excessiva medida da pena acessória.


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Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1. B... nasceu no dia 14 de Agosto de 1999 e, à data da prática dos factos, contava com 9 anos de idade.

2. Durante o ano de 2009, a ofendida B... criou uma conta de correio eletrónico designada por B... @hotmail.com que utilizava para estabelecer conversações por via informática através do sistema de mensagens instantâneas da Microsoft, denominado “Windows Live Messenger” (vulgarmente conhecido por MSN) com os seus colegas de turma e professores.

3. No início do mês de Julho de 2009, fazendo uso da ligação a internet que possuía na sua residência sita na Rua (...) Caldas da Rainha, o arguido, professor de educação física do ensino básico e treinador de futebol do escalão “Escolas A” (onde se inserem as crianças com idades compreendidas entre os 9 e os 11 anos de idade) utilizando o endereço de correio eletrónico denominado ... @live.com.pt abordou a menor B... através do MSN.

4. Nesse contacto, o arguido logo demonstrou interesse em conhecê-la e indagou a menor sobre a sua identidade e idade, tendo esta informado que tinha nove anos de idade.

5. Nesse mesmo contacto e ciente da idade da menor, questionou-a se já tinha “maminhas e pelos na vagina”.

6. Passados uns dias, em data não concretamente apurada, a menor B... recebeu na caixa de entrada da sua conta de correio eletrónico B... @hotmail.com duas mensagens provenientes da conta de correio eletrónico pertencente ao arguido ( ... @live.com.pt) com duas fotografias suas, sendo que numa delas, surgia desnudado dentro de um carro, no lugar do condutor segurando o seu pénis ereto.

7. Assustada com o teor das conversações e com as imagens recebidas, a B... contou o sucedido à sua mãe, C... , que resolveu bloquear o contacto do arguido da lista de contactos do MSN da filha e adicioná-lo à sua própria lista de contactos identificando o arguido como “ B... like”.

8. No dia 13 de Julho de 2009, entre as 17 horas e as 18 horas, após B... ter recebido uma mensagem do arguido C... , fazendo-se passar pela sua filha B... , continuou as conversações com o arguido A... via informática através do MSN.

9. Nessa conversa, o arguido ciente que conversava com a menor, perguntou-lhe se a sua mãe estava em casa e convidou-a para ir a sua casa para com ele manter relações sexuais.

10. No decorrer dessa conversa, o arguido solicitou à sua interlocutora (que pensava ser B... ) que ligasse a câmara de vídeo sugerindo que o fizesse através do computador “Magalhães” (pois “com 9 anos andaria na escola”) e que lhe enviasse fotografias dela para a conhecer, ao mesmo tempo que lhe perguntava se ela gostaria de ver fotografias suas nu e se “com 9 anos já tinha pelos ao pé da vagina”.

11. Nessa altura, através ao recurso à câmara de vídeo acoplada ao seu computador, o arguido transmitiu e exibiu em tempo real à sua interlocutora (que julgava ser B... ) o seu pénis ereto e enquanto com ele fazia movimentos repetidos com uma das mãos, perguntava à menor se “gostava da sua pila, se gostava de fazer amor consigo, se a deixava tocar no seu corpo e encostar a sua pila na vagina dela”, convidando-a “a experimentar mexer na vagina devagarinho até ficar molhada e excitada e prometendo-lhe “que na 1ª vez (referindo-se a relações sexuais) deitaria um pouquinho de sangue mas que a sensação era muito boa.”.

12. No dia 13 de Julho de 2010, na sua residência sita na Rua (...) Caldas da Rainha, o arguido tinha na sua posse diverso material informático, encontrando-se entre outros um computador portátil marca “TARGA VISIONARY”, modelo N251C2, com o n.° de série A240403S251C230042, acompanhado do respetivo cabo de alimentação e bateria acoplada, contendo no seu interior um disco rígido da marca “TOSHIBA”, modelo “MK4018GAS” e s.n. “43614458S” com capacidade física de 40 GB’s e uma câmara de vídeo preparada para a utilização em computadores portáteis, da marca “MICROSOFT”, modelo 1357(LifecamVX-500).

13. No acima mencionado computador portátil, o arguido A... guardava entre outros, 4 (quatro) ficheiros de vídeo (denominados por 20397.avi, 25832.avi, 36640.avi e 56594.avi) e 13 (treze) ficheiros de imagem (denominados por 35384.jpg, 35403.jpg, 35433.jpg, 47790.jpg, 49589.jpg, 19591.jpg, 50827.jpg, 51357.jpg, 51360.jpg, 51379.jpg, 51384.jpg, 51391.jpg 51381.jpg) onde intervêm menores do sexo masculino e feminino com idades inferiores a 14 anos em atos que exibem os seus corpos nus em poses eróticas, exibindo os órgãos genitais, a praticar atos de masturbação, a praticar atos sexuais de cópula entre menores e entre estes e adultos e a praticar atos sexuais de coito oral com adultos – conforme print das imagens e “frames” dos vídeos de fls. 303 a 308 para as quais se remete.

14. O arguido detinha os ficheiros de fotogramas e filmes de abusos sexuais de menores acima identificados para os visionar e assim obter satisfação sexual.

15. O arguido quis agir como agiu, ao abordar a ofendida B... no sistema de mensagens instantâneas da Microsoft, denominado “Windows Live Messenger” (vulgarmente conhecido por MSN) com o propósito de a conhecer e alcançar a sua confiança, para posteriormente lhe enviar fotos suas de cariz pornográfico como fez, e manter conversas instantâneas com a mesma, como fez, diretamente ou através da mãe de B... e assim, aliciá-la a enviar fotografias suas, convidando-a a praticar atos de masturbação e a praticar relações sexuais com ele apesar de ter conhecimento que a mesma era menor de 14 anos de idade e que não tinha a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão, nem tão pouco capacidade para entender a gravidade dos seus atos e as consequências que daí podiam advir.

16. O arguido sabia que tais condutas eram contrárias aos interesses de B... e prejudiciais ao seu normal desenvolvimento, agindo com a intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos, querendo ainda exibir-lhe naqueles contactos o seu pénis e masturbar-se diante a câmara de vídeo, como fez, bem sabendo que tais imagens eram vistas pela mesma e ainda constrangê-la, o que logrou, a ver fotografias suas de caráter sexual e pornográfico.

17. O arguido pôs em causa o sentimento de vergonha e pudor sexual, bem como a liberdade de autodeterminação sexual da ofendida B... , prejudicando, deste modo, o livre desenvolvimento da sua personalidade.

18. O arguido quis ainda agir como agiu, ao deter os filmes e as imagens acima mencionados, que sabia que envolviam menores de idade em atos sexuais, incluindo menores de 14 anos, com a intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos.

19. O arguido tem averbado ao seu certificado de registo criminal um crime de desobediência praticado em 7.10.2013, pelo qual foi julgado no âmbito do processo n.º 633/13.5 GBCLD, que correu termos pelo 1.º juízo deste tribunal.

20. A... é oriundo de uma família de mediana condição social, constituída pelos progenitores – funcionária administrativa e operário fabril – e dois irmãos mais velhos.

21. Cresceu num ambiente familiar estável e organizado, embora com sujeição a estilos educativos diferenciados: a proteção materna e a rigidez e o autoritarismo paterno.

22. O seu percurso escolar decorreu de forma linear até ao início da frequência universitária.

23. O efeito desestabilizador de uma problemática aditiva, entretanto iniciada pelo arguido, determinou a interrupção dessa frequência, retomada quatro anos mais tarde, obtendo a licenciatura em Educação Física.

24. O contacto com substâncias estupefacientes ocorreu na adolescência em contexto de sociabilidade com pares, evoluindo do consumo de haxixe para a dependência de cocaína.

25. Com o suporte e o acompanhamento parental próximo, o arguido foi encaminhado para o IDT (hoje SICAD) tendo conseguido consolidar a abstinência de estupefacientes alguns anos mais tarde.

26. Iniciou-se laboralmente na idade adulta, após uma tentativa de prestar serviço militar em regime de voluntariado que abandonou sem concluir, tendo desempenhado atividade operária e de operador de caixa até à retoma da frequência universitária.

27. Após a obtenção de licenciatura passou a exercer funções docentes no primeiro ciclo do ensino básico e a prestar serviços nas áreas da formação e treino desportivo e da manutenção física em ginásios.

28. Neste contexto atingiu uma situação de autonomia e relativa estabilidade e desafogo económicos.

29. A iniciação sexual ocorreu na adolescência, no âmbito de uma relação de namoro, recordada de forma positiva.

30. A vivência posterior da sexualidade é associada, pelo próprio, a diversos contextos relacionais envolvendo, em regra, proximidade afetiva e consentimento.

31. Aos vinte nove anos de idade, após um período prolongado de namoro, o arguido assumiu uma relação conjugal, que se manteve estável até ao nascimento de um filho do casal.

32. A alegada diminuição do interesse sexual do cônjuge e o posterior envolvimento do arguido numa situação de infidelidade afetou a relação que se dissolveu por divórcio em Janeiro de 2009.

33. O arguido privilegiou, até data recente, um padrão de ocupação do tempo livre associado à frequência de espaços de diversão e a sociabilidades diversas não conotadas com condutas antissociais.

34. No período temporal dos factos que lhe são imputados, o arguido vivia sozinho.

35. A par de uma atividade profissional intensa, protagonizava um estilo de vida em que as práticas de jogo e visionamento de conteúdos pornográficos na internet eram as formas de ocupação do tempo livre.

36. Em 2010 o arguido iniciou um novo relacionamento afetivo com uma colega docente, de trinta e três anos de idade, que mantém.

37. Apesar de vivenciarem problemas diversos de natureza económica e relacionados com problemas de saúde da companheira, doente renal, o casal avalia de forma gratificante a dinâmica marital, não tendo mencionado dificuldades relacionais ou da intimidade sexual.

38. Segundo a companheira, e por imposição sua, o arguido cessou as práticas de jogo e de visionamento de conteúdos pornográficos após terem decidido iniciar vida em comum.

39. Para além do contacto regular com o filho de oito anos de idade, entregue ao ex-cônjuge, o arguido mantém o relacionamento próximo com os progenitores, que continuam a ser figuras de referência (e de suporte afetivo e material) para o arguido.

40. Durante o ano de 2011 o arguido recaiu no consumo de cocaína, tendo recorrido ao SICAD /Centro de Respostas Integradas de Leiria para tratamento, que abandonou no final desse ano.

41. Em Novembro de 2013 protagonizou nova recaída, tendo retomado o contato com os mesmos serviços médicos e tendo ficado sujeito a medicação específica (antagonista opiáceo e psicofármacos por agravamento de quadro depressivo), sem descontinuidades até à data.

42. Manifesta motivação para dar continuidade ao tratamento prescrito, incluindo comparência a consultas em regime ambulatório, contando com o suporte que a companheira e os progenitores lhe têm prestado.

43. À data dos factos exercia funções como professor do primeiro ciclo do ensino básico, na Escola (...), onde se encontrava afeto desde 2006/2007.

44. Posteriormente manteve a atividade docente designadamente no (...) (ano letivo 2010/2011) e no Agrupamento (...) (anos letivos 2011/2012 e 2012/2013).

45. No ano letivo 2013/2014 foi novamente afeto ao Agrupamento (...)

46. Encontra-se de baixa médica desde Maio de 2013.

47. Não lhe são imputadas pela atual Direção do Agrupamento (...) condutas irregulares com colegas ou figuras de autoridade, nem existe conhecimento de incidentes com alunos para além dos envolvidos na presente situação jurídico-penal.

48. O arguido manifesta insatisfação por não exercer funções docentes ligadas à educação física.

49. Por esse facto, tem aceite ofertas de trabalho remunerado nas áreas da formação e treino desportivo e de manutenção física em ginásios.

50. A situação económica ao arguido tem-se degradado no último ano devido a diminuição de rendimentos decorrente da cessação da atividade profissional paralela às funções docentes e a penhora parcial do seu vencimento para regularização de empréstimo contraído junto de entidades financeiras.

51. Foram referidos rendimentos mensais no valor global e aproximado de 1500 euros, correspondentes aos salários líquidos do arguido (600 euros) e companheira (900 euros).

52. As despesas mensais incluem amortização de empréstimo da habitação (650 euros), a pensão do filho do arguido (170 euros), a amortização de empréstimos pessoais (330 euros) e encargos de natureza variável relacionados com consumos domésticos, despesas médicas e manutenção do casal.

53. O arguido alterou entretanto o seu padrão de ocupação do tempo, mais restrito ao espaço do domicílio, denotando sintomatologia depressiva.

54. Em termos de funcionamento pessoal, o arguido é conotado com fragilidade emocional, fraca autoestima e alguma dificuldade em lidar com frustrações, sendo também descrito como uma pessoa reservada.

55. O arguido manifesta preocupação e incómodo face à situação jurídico-penal em que se encontra envolvido, demarcando-se da conduta indiciada.

56. Não foram referidos impactos negativos dessa situação no plano familiar, embora o arguido manifeste receio por eventuais consequências desfavoráveis ao nível da sua imagem e empregabilidade.

57. O arguido manifesta alguma ambivalência na abordagem da presente situação jurídico-penal, revelando consciência da sua ilicitude mas minimizando o seu impacto junto de potenciais vítimas.

58. Recusa a existência de problemas de natureza comportamental, designadamente no âmbito da sexualidade.

59. Contudo, num hipotético cenário de condenação, manifesta abertura para uma obrigação que o vincule a contacto com serviços especializados, para avaliação e tratamento de problemática que venha a ser diagnosticada nesse âmbito.

60. De acordo com as conclusões retiradas pelo GML o arguido não possui doença psiquiátrica grave e está e condições de se autodeterminar.

61. Mais concluiu esta entidade que o comportamento do arguido (pesquisa em sítios da internet com crianças e acompanhamento indistinto com mulheres não têm relação com o consumo de substâncias estupefacientes, reunindo o arguido os pressupostos médico-legais de imputabilidade.

62. O arguido é considerado pela sua companheira uma pessoa companheira e amiga.

(…).

B) Não existindo factos não provados, dela consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

Subordinado sempre ao princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artº127º do Código de Processo Penal, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência em conjugação com os demais elementos probatórios constantes dos autos.

Para além dos elementos que é possível extrair do auto de visionamento do CD que contém a conversação mantida no MSN entre o arguido e a ofendida B... e posteriormente a mãe desta, sem que o arguido de tal tivesse conhecimento porquanto a mesma se fez passar pela sua filha (fls. 21 a 47), verifica-se que foi possível apurar que o interlocutor em tal conversação é o arguido, sendo que o endereço de correio eletrónico descrito no mesmo é de sua titularidade facto que, aliás, o próprio arguido confirmou em audiência de discussão e julgamento.

Sobre esta conversa, o arguido prestou declarações, às quais não foi atribuída qualquer credibilidade. Referiu o arguido que pensava estar a conversar com um adulto e que tudo e tratava de uma brincadeira, um “jogo erótico”, no qual quis participar. Porém, confrontado com a duração da conversa e a impossibilidade de, em face da constância do diálogo se mostrar altamente improvável tratar-se de uma mera brincadeira sexual, o arguido referiu que nunca equacionou a possibilidade de estar efetivamente a conversar com uma criança, facto que não mereceu qualquer credibilidade já que decorre do mais elementar bom-senso e do princípio do homem médio que qualquer pessoa, colocada na exata posição do arguido, após uma ou duas frases de conversações deste teor, se enfastiaria do tipo de diálogo ou, quando muito, começaria a desconfiar de algo de errado, designadamente, de que o interlocutor seria, efetivamente, menor. Porém, estes factos aparentemente não incomodaram o arguido, que manteve a conversação, insistindo nas características de menoridade da sua interlocutora (veja-se, designadamente, as referências a “este mail é da minha mãe”; “idade”; “tenho 9 anos e tu?”; “30”; “dava te minhas mas tu so tens 9 anos”; “com 9 anos já deves ter pêlos”; “ainda não? Ao pé da vagina?”) e, não obstante as repetidas referências à mesma, não se coibiu de lhe enviar fotografias do seu pénis, enquanto se masturbava.

Sobre toda esta situação o arguido apresentou uma versão inconsistente e incoerente, insistindo referir pensar que estava a conversar com um adulto e que este passar-se por uma criança de 9 anos mais não era do que uma brincadeira sexual. Todavia, esta sua versão não convenceu, nem minimamente, o tribunal.

Ao invés, temos as declarações prestadas pela testemunha C... , mãe da ofendida, a qual confirmou que visionou algumas das fotografias que o arguido enviou para o endereço de e-mail da sua filha, que utilizava para manter conversações com os colegas e professores sobre assuntos relacionados com a escola. Mais esclareceu que, na data referida nos autos, a sua filha se encontrava no seu escritório (local de trabalho), ligada à internet, quando entrou no MSN o arguido, enviando fotos suas nu, concretamente do seu pénis ereto. Perante este facto que a sua filha lhe relatou, a mãe entrou na conversação, fazendo-se passar pela menor, facto de que o arguido se não apercebeu, mantendo as conversações.

Para além da consistência, coerência e credibilidade deste testemunho há a referir que o mesmo tem absoluta consistência com as declarações para memória futura prestadas pela própria menor e que constam a fls. 217 e ss. dos autos, as quais revestem consistência e credibilidade, em clara oposição com a total ausência destes aspetos no que às declarações do arguido respeita.

Aliás, impõe-se aqui referir que as declarações do arguido se mostram isoladas nos autos não sendo apoiadas por qualquer outro elemento probatório: desde as justificações perfeitamente desrazoáveis que o mesmo aponta para os conteúdos identificados terem sido detetados em seu poder, até ao modo como os mesmos foram parar aos suportes informático que tinha consigo, até chegar ao ponto de referir que os mesmos estavam num computador guardado num roupeiro, estragado e sem uso o que não tem assento em qualquer outro elemento probatório recolhido nos autos.

Em franca oposição, está a versão da ofendida, esta sim, para além de coerente e credível, sustentada nos demais elementos de prova constantes dos autos, como se tem vindo a referir.

Na sequência da denúncia efetivada pela mãe da ofendida, foi determinada a realização de busca à residência do arguido e apreensão do material informático que o mesmo tivesse em seu poder (cfr. fls. 135 e ss.). Efetivada a busca foi apreendido, com interesse para os autos o computador “Targa Visionary”, acompanhado do cabo de alimentação e bateria acoplada, uma webcam e ainda vários CD. Conforme consta deste mesmo auto, não obstante tenha sido efetivada a busca a todas as divisões da residência do arguido, todo o material informático apreendido se encontrava numa única divisão – o escritório, inexistindo qualquer referência ao eventual facto de qualquer deste material se encontrar escondido ou arrecadado em local capaz de revelar falta de uso. Aliás, este mesmo facto resulta igualmente do depoimento da testemunha D... , inspetora da PJ que presidiu a esta diligência de busca e apreensão, a qual referiu que todo o material informático apreendido se encontrava no escritório, não se recordando da circunstância de algum computador se encontrar guardado num lugar separado do demais material. Porém e não obstante não ser feita qualquer menção especial reativo ao computador Targa, o arguido referiu que o mesmo se encontrava guardado na sua casa, no fundo de um roupeiro, com uma série de livros em cima, versão esta que não se encontra minimamente corroborada quer pelo depoimento da testemunha referida, quer pelo auto de busca e apreensão constante dos autos.

Resulta igualmente dos autos (cfr. fls. 302 e ss.) que, neste mesmo computador, se encontravam diversas imagens e ficheiros de vídeo com caráter pornográfico, onde intervêm menores com idades ostensivamente inferiores a 18 anos.

Sobre estas imagens, pelo arguido foi avançado que teve que entregar temporariamente o seu computador (por cerca de 1 a 2 meses) em troca de fornecimento de estupefacientes sendo que, decorrido este tempo, foi reaver o mesmo junto da pessoa a quem tinha entregue o computador, nunca mais o tendo ligado porque o computador não funcionava, desconhecendo as imagens que se encontravam nos eu interior. Ora, esta explicação é tudo menos consentânea com as regras da experiência: primeiro, há que ter em conta que o computador em causa não é de uma marca conhecida no mercado (computador “Targa Visionary”); segundo, os traficantes de estupefacientes não retêm material informático em seu poder: o seu negócio é realizar capital com a venda de estupefacientes pelo que, recebendo um computador em troca, rapidamente diligenciam por se desfazer do mesmo à troca de dinheiro; ora, segundo referiu o arguido, cerca de 1 a 2 meses mais tarde veio a recuperar o computador. Esta possibilidade é absolutamente remota e não encontra apoio nem assento no modus operandi habitual dos negociantes de estupefacientes. Por fim, o arguido referiu que não chegou a ligar o computador porque o mesmo não funcionava. Questiona-se então: se o arguido teve a preocupação de reaver o computador, porque razão não tentou repará-lo? Se o arguido foi reaver o computador é porque necessitava do mesmo. Por que razão, então, optou por o guardar no fundo de um roupeiro? Esta versão do arguido não se nos afigura minimamente credível. Aliás, cumpre referir que, ao longo de todo o seu depoimento, o arguido manifestou ideias persecutórias em relação a todas as pessoas que o rodeiam com o intuito de o prejudicar, alegadamente, por razões de inveja da sua pessoa: refere que a mãe do seu filho deixou na sua casa diversos CDs (que o arguido diz nunca ter visionado) com conteúdos pornográficos, para que os mesmos fossem encontrados e, assim, o arguido prejudicado; refere que as imagens e vídeos que se encontravam no disco rígido deste seu computador não haviam sido por si ali colocadas mas sim, ou pelo traficante que lhe vendia os estupefacientes e a quem entregou o computador ou mesmo pela mãe do seu filho, novamente com o intuito de o prejudicar e, por fim, que as conversações com a menor B... foram com a mãe desta e que esta lhe arranjou uma armadilha com vista a prejudicá-lo, uma vez que já tinha tentado fazê-lo em momento anterior na escola onde o mesmo à data lecionava, mas sem sucesso.

Estas ideias, para além de consubstanciarem construções reveladoras de manias persecutórias detidas pelo arguido, não são minimamente credíveis nem razoáveis, como aliás resulta das declarações do próprio que, quando confrontado para apresentar uma razão válida para que todas estas pessoas criassem este tipo de armadilha para, exclusivamente, o prejudicar, não consegue apontar uma justificação razoável ou plausível para este tipo de comportamento (para além de o arguido, aquando do exame médico legal a que foi submetido, ter referido não conhecer a mãe da ofendida e ter relatado nunca ter tido com a mesma qualquer tipo de conflito, em expressa contradição com o que afirmou em audiência de discussão e julgamento – cfr. último §, última frase, fls. 340).

Por outro lado, o exame digital efetuado ao computador do arguido, à saciedade de outro elemento de prova seria o bastante para determinar que foi o arguido, efetivamente, o autor da instalação destes conteúdos pornográficos com menores no seu computador. É que resulta deste exame, não só que o computador teve utilização intensiva no exato período em que ocorreram as conversações com a menor como resulta igualmente da datação dos ficheiros de imagem e vídeo detetados no mesmo que os mesmos foram aí instalados naquele exatos período temporal, o que rebate integralmente a versão do arguido no sentido de que não fazia utilização do computador porque o mesmo estava avariado.

Assim, sem a necessidade de qualquer outro elemento para contrapor a versão frágil e incoerente do arguido, encontra-se neste exame a prova cabal de que as imagens (fotogramas e vídeos) de conteúdo pornográfico com menores instalados no computador do arguido foram pelo próprio ali colocadas.

No que respeita à demais prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, há a referir que os depoimentos das testemunhas E... , F... , G... , todos inspetores da PJ e H... , especialista informático da PJ nenhum elemento verdadeiramente novo ou essencial trouxeram aos autos, servindo o seu depoimento de confirmação e complemento dos elementos documentais e periciais juntos aos autos.

Por fim, foram ainda tidos em conta o teor dos exames periciais constantes dos autos, quer o exame pericial de que foram objeto os materiais informáticos apreendidos ao arguido (cfr. fls. 283 e ss.), quer o exame pericial, médico-legal a que foi submetido o próprio arguido (cfr. Fls. 337 e ss.). a convicção relativa aos antecedentes criminais do arguido foi formada com base no teor objetivo do seu certificado de registo criminal junto aos autos a fls. e as referentes ao seu caráter, personalidade e condições pessoais, as declarações que o mesmo prestou, conjugadas com as declarações prestadas pela testemunha de defesa I... e o relatório social de fls. 315 e ss.

(…).

C) E a seguinte fundamentação quanto à escolha e medida das penas:

“ (…).

A determinação da medida da pena concreta, faz-se nos termos do art. 71º do Código Penal, em função da culpa do agente, do grau de ilicitude do facto, da intensidade do dolo, das condições pessoais dos arguidos, tudo sem que se esqueçam as exigências de prevenção e reprovação do crime.

Por sua vez, determina o n.º 2 do mesmo normativo legal que, "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,...”

Para avaliar da medida da pena no caso concreto, Anabela Miranda Rodrigues, (A determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pág. 658 e segs.), entende que há que indagar fatores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.

Como fatores atinentes ao facto e por forma a efetuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau da ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.

Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.

No que concerne aos fatores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.

Assim, neste caso, e como fatores de graduação da pena, importa considerar desde logo o modo de execução do crime. O arguido aproveitou-se do facto de ser professor na escola em que a ofendida era aluna e, sabendo que os alunos tinham um endereço de correio eletrónico para trocar informações entre colegas e professores, utilizou-o para enviar imagens pornográficas à ofendida e encetou conversações com esta incitando-a a praticar masturbação. Por outro lado trata-se de uma criança com apenas 9 anos de idade, ainda por cima aluna da escola em que o arguido lecionava e que havia já sido, inclusivamente, sua própria aluna pelo que o juízo de censura é elevado.

Apesar de não estar com a menor sabia que, na sua qualidade de professor era também seu dever, como pedagogo, de proteger a mesma.

Não sopesam quaisquer fatores favoravelmente ao arguido, a nosso ver já que o mesmo apenas não levou mais longe os seus intentos, por ausência de resposta adequada por parte da menor para tanto.

Acresce que ss características da personalidade do arguido, tal como vêm descritas em ambos os relatórios, acabam por se revelar na própria atitude e postura em julgamento, em que é visível um distancionamento emocional em relação aos factos, um discurso onde não se vislumbra o mínimo sinal de arrependimento e apresentando uma versão dos factos sem a mínima de consistência, mais adotando manifestações comportamentais de megalomania e de manias e ideias persecutórias.

Ora, este tipo de crimes em que o bem jurídico, que é o desenvolvimento sem entraves da personalidade da criança, requer especiais necessidades de prevenção e exige da sociedade uma resposta adequada, de modo a desmotivar comportamentos deste tipo.

O arguido actuou com intenção de satisfazer os seus impulsos sexuais, pelo que é necessário fazê-lo sentir que errou e que a sociedade não tolera comportamentos como o dos autos.

Relativamente aos antecedentes criminais, apenas se regista a prática de crime de outra natureza, que não pode, no entanto, deixar de ser levado em conta.

Por outro lado, resultou patente que este não foi o único caso de “desvio de personalidade”, por assim dizer, do arguido: uma das fotografias remetidas à menor era uma fotografia do arguido, sentado ao volante de um veículo, a masturbar-se; o arguido tinha um conjunto elevado de imagens e de vídeos de pornografia infantil no seu computador, que visionava para satisfazer os seus impulsos sexuais e deixou ainda transparecer, na conversa com a menor, que tinha já mantido atos de natureza sexual com outras menores.

Por fim há ainda a considerar que o arguido é professor do ensino básico, contactando na sua atividade profissional, de forma próxima e constante com menores cuja idade se situa no alvo dos seus interesses sexuais.

Tudo ponderado, é nosso entendimento que sempre terá de ser aplicada ao arguido uma pena próxima aos limites médios da moldura abstrata mas, ainda assim, inferior a estes, face à factualidade dada como provada e à ausência de consequências mais gravosas que o tipo de crime poderia supor.

No que respeita ao crime de pornografia de menores, pese embora a opção legislativa por pena de multa ou prisão, atenta a gravidade dos demais factos, a falta de consciencialização do arguido quer da gravidade, quer do próprio cometimento do ilícito, o contexto global da sua prática, entendo que deverá ser igualmente aplicada um a pena de prisão, por a de multa não ser suficientemente adequada a suprir as necessidades e punição que o caso reclama.

O crime de abuso sexual de menores é, no caso vertente, punível com pena de prisão de 1 (um) mês a 3 (três) anos e o crime de pornografia de menores, com pena de prisão de 1 (um) mês a 1 (um) ano ou multa de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias.

Assim, considera-se adequado aplicar, pela prática de cada um dos crimes de abuso sexual de menores, a pena de 10 (dez) meses de prisão e, para a prática do crime de pornografia de menores, a pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão.

Em cúmulo jurídico e observando os critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, do Código Penal, devendo ser aplicada ao arguido uma pena única situada entre o mínimo de 10 (dez) meses de prisão e o máximo de 34 (trinta e quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, atendendo a tudo quanto acima se expôs, considero adequada a aplicação da pena única de 26 (vinte e seis) meses de prisão, i.e., de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.

Finalmente, importa, no entanto, ponderar sobre a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão aplicada, tendo em conta que a pena encontrada não excede o máximo de 5 anos referido no art. 50º, nº 1, do Código Penal.

Aqui refira-se desde já que o Tribunal entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, porquanto se trata da primeira condenação do arguido por este tipo de ilícito e do relatório social e exame médico-legal que lhe foi realizado não foram assinalados comportamentos associais que obriguem a que a pena encontrada seja, efetivamente, cumprida. Assim, ao abrigo do disposto no artº 50º do Cód. Penal, o Tribunal tem como adequado suspender a execução da pena de prisão ora decretada por idêntico período 2 anos e 2 meses de prisão, mediante acompanhamento por parte da DGRS, com sujeição a regime de prova.

Da pena acessória

Nos termos do art.º 179.º, al. b), do Código Penal, quem for condenado por crime previsto nos art.ºs 163.º a 176.º pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser proibido do exercício de profissão, função ou atividade que impliquem ter menores sob sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância, por um período de dois a quinze anos.

No caso vertente, o arguido é professor do ensino básico. Tal implica ter, a seu encargo e sob sua responsabilidade, crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 10 anos de idade, precisamente a faixa etária que se provou nos presentes autos o arguido ter interesse e nela procurar satisfazer os seus instintos libidinosos.

Assim, verifica-se que a manutenção da possibilidade do exercício funcional para o arguido traduz um verdadeiro risco social, principalmente para as crianças que fiquem sob a sua alçada.

Acresce salvaguardar aqui a paz social e, neste contexto, não pode desconsiderar-se que o arguido é professor na cidade de que é natural que este é um meio social relativamente pequeno, o arguido é conhecido e estes factos serão certamente alvo de comentários pela sociedade e do conhecimento da população que tem filhos nesta faixa etária, estando o arguido afeto a um dos dois agrupamentos de escolas (...), o que determina uma grande perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

Por fim, importa referir que nada na lei obriga a que a duração da pena acessória acompanhe a duração da pena principal, antes devendo o critério que preside à sua duração ser avaliado autonomamente e tendo por base, designadamente, o acima acabado de expor.

Tudo visto e ponderado, entendo adequado aplicar ao arguido a pena acessória de 8 (oito) anos de proibição do exercício da função de professor do ensino básico ou de qualquer outra que implique ter menores sob a sua responsabilidade, educação ou vigilância.

(…)”.


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Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

            1. Alega o recorrente – conclusões 12 a 17 – que a sentença recorrida é meramente expositiva quanto aos fundamentos sustentadores da formação da convicção do tribunal, limitando-se a enunciar testemunhos sem que tenha feito a respectiva análise crítica, recorrendo a conceitos genéricos e subjectivos, desconsiderando injustificadamente as suas declarações quando nenhuma testemunha lhe imputou directamente qualquer facto, assim tendo sido violados os arts. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e os arts. 97º, nº 5 e 374º, nº 2, estes do C. Processo Penal. Deste modo, sem, contudo, nunca o afirmar expressamente, suscita o recorrente a questão da nulidade da sentença por falta ou insuficiência de fundamentação.

            Contrária é, como se disse, a posição do Ministério Público para quem a sentença se encontra própria e devidamente fundamentada.

            Vejamos de que lado, em nosso entender, está a razão.

2. O dever de fundamentação das decisões judiciais é um imperativo constitucional com assento no art. 205º, nº 1, da Lei Fundamental que dispõe, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Ao nível infraconstitucional, e no que ao processo penal diz respeito, encontramos reflexos daquele imperativo no art. 97º, nº 5 do C. Processo Penal que contém o princípio geral de que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

 

Dirigido especificamente para a sentença penal, temos o art. 374º, nº 2 do C. Processo Penal que impõe que da respectiva fundamentação conste a enumeração dos factos provados e não provados e uma exposição completa mas concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que formaram a convicção do tribunal.

A enumeração dos factos consiste na narração metódica dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base os que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda os que, com relevo para a decisão, resultaram da discussão da causa.

A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão deve conter, de modo completo e conciso, a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, entendendo-se por esta, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros.

A exposição dos motivos de direito mais não é do que a determinação do direito aplicável aos factos e sua aplicação ao caso concreto.

Por outro lado, o C. Processo Penal prevê no seu art. 379º o regime privativo da nulidade da sentença, vício que só ocorre nas situações mencionadas nas três alíneas do seu nº 1. E a primeira delas, é a de a sentença não conter as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º portanto, além do mais, de não conter fundamentação.

Posto isto.

3. A sentença recorrida contém a enumeração dos factos provados [de 1 a 62] e afirma a inexistência de factos não provados.

A sentença recorrida contém também a indicação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal: prova documental [o teor do auto de visionamento do CD de fls. 21 a 47, o teor do auto de busca e apreensão de fls. 135 a 136, o auto de visionamento de DVD de fls. 302 a 308, o relatório social de fls. 315 a 320, e o certificado do registo criminal de fls. 333 a 334]; prova por declarações [do arguido, da ofendida B... , das testemunhas C... , D... , E... , F... , G... , H... e I... ]; prova pericial [exame pericial de fls. 283 a 292 e exame pericial psiquiátrico de fls. 338 a 349].

A sentença contém ainda a explicação da relevância probatória atribuída a cada um dos meios de prova indicados. Assim, por exemplo, as declarações do arguido relevaram apenas na parte em que admitiu ter mantido a conversação via MSN e quanto à sua personalidade e condições pessoais, os depoimentos da ofendida e da testemunha C... , sua mãe, relevaram quanto ao conteúdo escrito e imagens da conversação, quer porque foram coerentes e consistentes e por isso credíveis – e neste ponto, convém não esquecer que foi o tribunal a quo quem beneficiou da imediação da prova – quer porque plenamente suportadas pela prova documental objectivada no auto de visionamento de CD de fls. 21 a 47, e o exame pericial de fls. 283 a 292 releva para a fixação do período temporal de instalação dos conteúdos pornográficos no computador apreendido. 

Ora, visando a fundamentação evidenciar as razões da bondade da decisão e dar satisfação à exigência da sua total transparência, facultando aos seus destinatário imediatos e à comunidade a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador, e viabilizando o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto, não pode esquecer-se que não existem formulas sacramentais para a sua explicitação. Ela variará, necessariamente, em função, designadamente, do maior ou menor poder de síntese do julgador e da melhor ou menos boa capacidade de expressão do mesmo, bastando-se a lei processual com uma possibilidade efectiva de compreensão do raciocínio exposto.

Esta possibilidade tem clara existência nos autos, sendo perfeitamente entendíveis as razões que determinaram a Mma. Juíza a quo a valorar os meios de prova num determinado sentido e não, num outro qualquer. E que assim é, demonstra-o o recurso interposto pelo arguido.

Se a valoração probatória feita na sentença é a correcta ou não, é questão que nada tem já a ver com a nulidade em análise.

Em conclusão, não padece a sentença da nulidade prevista na alínea a) do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal. 

            Porém, a problemática da nulidade da sentença em crise não se queda apenas por este aspecto. Explicando.


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Da nulidade da sentença por condenação por factos diversos dos descritos na acusação

4. Nos termos do art. 179º do C. Penal, o condenado por crime previsto nos arts. 163º a 176º do mesmo diploma pode, atenta a gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente ser, a) inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela, ou b) proibido do exercício de profissão, função ou actividade que impliquem ter menores sob a sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância, por período de dois a quinze anos.  

Trata-se, como é evidente, de uma pena acessória, que acrescerá à condenação em pena principal, verificados que sejam os respectivos pressupostos (cfr. Maria João Antunes, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 900) e como tal, aliás, foi tratada na sentença. 

Na acusação de fls. 318 a 326 a Digna Magistrada do Ministério Público imputou ao arguido a prática de três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, a) e b), com referência ao art. 170º, ambos do C. Penal, e de um crime de pornografia de menores, na forma agravada, p. e p. pelos arts. 176º, nºs 1, b) e 4 e 177º, nº 6, do mesmo código. Portanto, na acusação pública não é referido que os imputados crimes eram também puníveis com a pena acessória prevista no art. 179º do C. Penal.

O despacho de 3 de Fevereiro de 2014 [a fls. 249 a 250], proferido nos termos dos arts. 311º, 312º e 313º do C. Processo Penal, recebeu a acusação pública nos seus precisos termos isto é, designou dia para julgamento do arguido pelos factos e qualificação jurídica dela constantes.

Nas sessões de audiência de julgamento de 17 de Junho de 2014 [acta a fls. 359 a 362], de 8 de Julho de 2014 [acta a fls. 375 a 377] e de 10 de Julho de 2014 [acta a fls. 405] não foi comunicada ao arguido a alteração da qualificação jurídica, passando a incluir o art. 179º, b) do C. Penal.    

Nos termos do art. 379º, nº 1, b) do C. Processo Penal, é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.  

O nº 3 do art. 358º do C. Processo Penal determina a aplicação do regime da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, à alteração da qualificação jurídica dos mesmos. E o Acórdão nº 7/2008 (DR I, nº 146, de 30 de Julho de 2008) uniformizou jurisprudência no sentido de constituir a nulidade prevista no art. 379º, nº 1, b) do C. Processo Penal a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69º, nº 1 do C. Penal, quando esta pena não conste da acusação ou da pronúncia pela prática de crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e não tenha sido comunicada ao arguido, nos termos do art. 358º, nºs 1 e 3 do C. Processo Penal, a respectiva alteração da qualificação jurídica.

Tendo, in casu, sido o arguido condenado, além do mais, numa pena acessória que não constava da acusação, e não tendo sido efectuada a comunicação da alteração da qualificação jurídica, nos termos do citado art. 379º, nº 1, b) do C. Processo Penal, e porque se entende igualmente aplicável o princípio estabelecido na jurisprudência fixada, dada a identidade de razões, padece a sentença em crise de nulidade parcial, tendo por objecto, exclusivamente, a condenação do recorrente na referida pena acessória. 


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Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a violação do princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência

            5. Discorda o recorrente da decisão proferida sobre a matéria de facto – conclusões 2 a 10, 21 e 23 a 30 – relativamente aos pontos 4 a 11 dos factos provados, alegando, no que é essencial, que o depoimento da testemunha C... foi incoerente, ilógico e não consentâneo com os demais meios de prova designadamente, com as declarações para memória futura e com os documentos juntos, que os depoimentos das restantes testemunhas de acusação inspectores da Polícia Judiciária nada trouxeram aos autos, que os dados informáticos existentes nos autos apenas poderiam ser comprovados por técnicos e não por prova testemunhal, e que, por estas razões, não tendo sido feita prova da prática dos crimes de abuso sexual, se impunha a sua absolvição.

Contrária é, mais uma vez, a posição do Ministério Público para quem os factos impugnados se encontram devidamente suportados na prova produzida, correcta e legalmente valorada pelo tribunal.

            Vejamos a quem, em nosso entender, assiste razão.

6. A impugnação ampla da matéria de facto ou, preferindo-se, o recurso da matéria de facto, tal como a lei a configura – fundamentalmente, no art. 412º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal – impõe ao recorrente a observância do ónus de uma tripla especificação, a saber: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio], acrescendo, relativamente às concretas provas, que quando estas tenham sido gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação.

A lei considera o recurso unicamente como um remédio para sanar o que tem por excepcional no julgamento feito pela 1ª instância, o erro na definição do facto. Deste pressuposto decorre, em primeiro lugar, que o recurso não pode ser perspectivado como um novo julgamento, como se o efectuado na 1ª instância não tivesse existido. E em segundo lugar, que compete exclusivamente ao recorrente fixar o objecto do recurso, através da indicação precisa do erro que entende ter sido cometido na decisão [especificação dos factos], e da indicação dos meios que inequivocamente o demonstram [especificação das provas], sendo certo que a modificação da decisão de facto só pode ocorrer se e quando as provas especificadas impuserem decisão diversa da recorrida, não sendo para este efeito suficiente que apenas permitam decisão diversa [o que, não raras vezes, é ignorado pelos recorrentes].

In casu, o arguido impugnou, nas conclusões 2 e 7, os pontos 4 a 11 dos factos provados da sentença recorrida.

O arguido indicou, no corpo da motivação, como meios de prova impositores de diversa decisão, o depoimento da testemunha C... , transcreveu os segmentos do mesmo que reputou de relevantes, e afirmou a incapacidade de qualquer outro meio de prova, testemunhal ou documental, demonstrar a veracidade dos factos sindicados.   

            Deste modo, ainda que o recurso de facto não seja modelar, tem-se por suficientemente cumprido o ónus de especificação imposto e, consequentemente, passamos a dele conhecer, com o objecto e limites que lhe foram fixados pelo recorrente, nos termos que se deixaram assinalados.

            7. É sabido que as provas têm por função a demonstração da verdade dos factos (cfr. art. 341º do C. Civil). Mas a verdade material não é uma verdade absoluta, é antes uma verdade judicial, prática e, sobretudo, processualmente válida (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 194). Na sua busca o tribunal está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, com assento no 127º, do C. Processo Penal segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

O princípio não tem o significado de o julgador poder valorar a prova determinado por um convencimento exclusivamente subjectivo pois a ‘livre convicção’ não corresponde a arbítrio ou decisão irracional. Pelo contrário, a valoração da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência e na percepção da personalidade dos depoentes, tendo como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo, devendo da conjugação de todos estes elementos resultar uma convicção objectivável e motivável, únicas características que permitem que a decisão se imponha, dentro e fora do processo. Esta convicção é também uma convicção pessoal, nela tendo papel de relevo, para além da actividade meramente cognitiva, elementos não racionalmente explicáveis, como a própria intuição, e mesmo elementos exclusivamente emocionais (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 205 e Lições de Direito Processual Penal, pág. 135 e ss).

A convicção do tribunal resulta da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida, relevando designadamente, a razão de ciência dos declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, os sinais e reacções comportamentais revelados, e a coerência do seu raciocínio. Esta conjugação só pode ser alcançada, pelo menos, no grau desejável, através da imediação e da oralidade da prova. Só o contacto directo do julgador com a prova, o ‘frente a frente’ entre o juiz e declarante/testemunha, o coloca em perfeitas condições de proceder, primeiro, à avaliação individual, e depois, à avaliação global da prova.

O princípio da livre apreciação da prova vigora em todas as instâncias que conhecem de facto, mas deve ser reconhecida a substancial diferença entre a valoração da prova por declarações efectuada na 1ª instância e a apreciação que sobre ela pode ser feita pelo tribunal de recurso, limitado que está à audição – mais raramente, à visualização – das passagens concretamente indicadas pelos intervenientes processuais e de outras, eventualmente consideradas relevantes, e nesta medida, incapaz de apreender parte significativa e, não raras vezes, essencial, dos elementos que se deixaram enunciados, por impossibilidade do seu registo audio, elementos que, porém, foram apreendidos, interiorizados e valorados na sua globalidade por quem os presenciou ou seja, pelo juiz do julgamento. E por isso, quando a 1ª instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova por declarações, fundando a opção tomada na imediação, o tribunal de recurso, em princípio, só a deve censurar se for feita a demonstração de que a opção carece de razoabilidade ou viola as regras da experiência comum.

Aqui chegados.

8. Relativamente aos pontos 4 e 5 dos factos provados afirma o arguido que a prova documental é completamente omissa, que o depoimento da testemunha C... , quanto a tais factos, foi exactamente o contrário do que consta, e que as declarações para memória futura da ofendida nada referem.

Os pontos de facto sindicados têm o seguinte teor:

- [4] Nesse contacto, o arguido logo demonstrou interesse em conhecê-la e indagou a menor sobre a sua identidade e idade, tendo esta informado que tinha nove anos de idade;

- [5] Nesse mesmo contacto e ciente da idade da menor, questionou-a se já tinha “maminhas e pelos na vagina”.

Na motivação de facto da sentença recorrida, quanto ao depoimento da testemunha C... escreveu-se: Ao invés, temos as declarações prestadas pela testemunha C... , mãe da ofendida, a qual confirmou que visionou algumas das fotografias que o arguido enviou para o endereço de e-mail da sua filha, que utilizava para manter conversações com os colegas e professores sobre assuntos relacionados com a escola. Mais esclareceu que, na data referida nos autos, a sua filha se encontrava no seu escritório (local de trabalho), ligada à internet, quando entrou no MSN o arguido, enviando fotos suas nu, concretamente do seu pénis ereto. Perante este facto que a sua filha lhe relatou, a mãe entrou na conversação, fazendo-se passar pela menor, facto de que o arguido se não apercebeu, mantendo as conversações. E logo de seguida, referindo as declarações para memória futura da ofendida escreveu-se: Para além da consistência, coerência e credibilidade deste testemunho há a referir que o mesmo tem absoluta consistência com as declarações para memória futura prestadas pela própria menor e que constam a fls. 217 e ss. dos autos, as quais revestem consistência e credibilidade, em clara oposição com a total ausência destes aspetos no que às declarações do arguido respeita. Acresce que na motivação de facto foram também convocadas as declarações do arguido e o auto de visionamento do CD que contém a conversação mantida no MSN.  

O tribunal de recurso ouviu as declarações do arguido, prestadas na audiência de julgamento. Delas resulta, em síntese e na parte relevante, ter o arguido declarado: usava o MSN para fazer conhecimento com mulheres adultas, recebeu convite para aceitar fazer parte e passou a fazer parte dos contactos dessa pessoa, aceitou e apareceu a identificação e fotografia de pessoa adulta [circa 00:07:40 das declarações], posteriormente, num outro contacto, pelo tipo de conversa mantida pensou que se tratava de uma brincadeira, entrou na brincadeira e resultou no que resultou  [circa 00:08:05 das declarações], usava o endereço ... @live.com.pt, quer como correio, quer no MSN  [circa 00:10:20 das declarações]; a gravação em CD da conversação, feita no outro computador tem a ver com a conversa do MSN, com o convite que recebeu e aceitou e com a ‘brincadeira’ que se seguiu [circa 00:11:54 das declarações]; o computador onde foram encontradas as imagens de crianças, imagens que só viu no processo, foi por si entregue em troca de droga e quando o recuperou não conseguiu pô-lo a trabalhar [circa 00:15:12 das declarações]; enviou uma fotografia sua, no carro, a segurar os órgãos genitais, mas já a tinha quando a enviou [circa 00:15:40 das declarações]; entendeu a conversa como se fosse um jogo erótico [circa 00:18:03 das declarações]; os DVDs apreendidos eram seus mas a ex-mulher vinha-o ameaçando com a apresentação de DVDs com essas imagens se pedisse a guarda partilhada do filho [circa 00:22:08 das declarações]; nas conversas anteriores ela dizia se a K..., divorciada e das Caldas e só falou com ela duas vezes [circa 00:28:35 das declarações]; na primeira conversa não houve ‘brincadeira’, foi só apresentação [circa 00:36:50 das declarações].      

Como se vê, o arguido admitiu expressamente ter tido as conversações e ter enviado fotografias suas, desnudado.

O CD cujo visionamento é referido no auto de fls. 21 a 47 foi, como logo se explica no início de fls. 21, entregue à Polícia Judiciária pela testemunha C... . E resulta do depoimento desta testemunha, cujo registo gravado foi também ouvido por este tribunal de recurso, que a gravação foi feita pelo técnico de informática da empresa onde trabalhava, tendo sido entregue o que se passou naquela tarde ou seja, na tarde de 13 de Julho de 2009 [circa 00:30:20 do depoimento].   

Nenhuma norma de natureza processual penal impõe que dados informáticos que constem dos autos tenham que ser obtidos, tratados e muito menos, ‘comprovados’, por técnicos informáticos.

Deste modo, tendo o arguido admitido a sua intervenção nas conversações, e não tendo sequer questionado que a impressão delas feita a fls. 21 a 47, quer a autenticidade do respectivo teor quando confrontado com este [ouçam-se, a propósito, a longa instância da Mma. Juíza a quo, e a resposta dada pelo arguido, circa 00:39:16 a 00:41:20 das declarações], não subsistem dúvidas de que tal impressão teve por objecto os elementos registados no computador em uso pela ofendida e pela testemunha C... em 13 de Julho de 2009.

Por outro lado, valendo aqui o princípio geral previsto no art. 127º do C. Processo Penal, já que a lei não exige qualquer meio de prova tarifada para a demonstração do facto, não assiste razão ao recorrente quando afirma que a prova testemunhal teria que ser suportada por prova documental comprovada por técnicos. Em suma, a prova documental em que se traduz o auto de visionamento de fls. 21 a 47 é legalmente admissível 8art. 125º do C. Processo Penal) e não foi obtido mediante método proibido de prova (art. 126º, nºs 1 e 3 do C. Processo Penal) sendo por isso, livremente apreciável pelo tribunal a quo, como o foi.    

Resulta das declarações para memória futura prestadas pela ofendida B... [fls. 217 a 232] que existiram vários contactos, via MSN, entre ela e o arguido, nos dias que antecederam 13 de Julho de 2009 [fls. 227 a 228], uns para o computador existente no local de trabalho da mãe, a testemunha C... , outros, depois de ter internet na residência, para o computador aí existente [fls. 222 a 223]. Quanto a estes contactos, a ofendida referiu apenas, até porque nada de concreto lhe foi perguntado, que o arguido perguntava como estava e onde morava [fls. 222], a convidá-lo para ir ter com ele [fls. 223], que lhe respondeu muitas vezes que só tinha nove ou dez anos [fls. 223], que ele enviou uma fotografia nu, dentro de um carro, mostrando o pénis [fls. 224 a 225], tendo então avisado a mãe que apagou a fotografia [fls. 224 a 225], e que algumas das primeiras conversas, antes de enviar a fotografia, foram estranhas, dizia que só custava à primeira e que lá havia amigas suas [da ofendida] mas que não percebia bem o que ele dizia [fls. 226].

Por sua vez, a testemunha C... , referindo o sucedido a 13 de Julho de 2009, disse que, a dada altura da conversação que então era mantida com a ofendida sua filha, o arguido perguntou se ela tinha pêlos púbicos e maminhas [circa 00:11:52 do depoimento].

Lido o auto de visionamento de fls. 21 a 47, apenas encontramos a pergunta feita pelo arguido sobre se a ofendida já tinha pêlos ao pé da vagina [fls. 23, 27 e 41]. A única referência a mamas é feita noutro contexto, e não, como pergunta [fls. 45]. Por outro lado, resulta do depoimento da testemunha C... [circa 00:10:00, 00:11:52 e 00:13:40 do depoimento] e do auto de denúncia de fls. 3 a 5, que a gravação feita no CD a que respeita o auto de visionamento de fls. 21 a 47, tem por objecto a conversação estabelecida no dia 13 de Julho de 2009. Aliás, a própria testemunha admitiu que, até ao envio da primeira fotografia à ofendida [situação descrita no art. 6º da acusação e constante do ponto 6 dos factos provados da sentença] nada teria antes acontecido, foi esta a primeira situação concreta [circa 00:20:35].   

Podendo admitir-se que noutra conversação, que não a ocorrida a 13 de Julho de 2009, o arguido tenha perguntado à ofendida se já tinha maminhas e pêlos púbicos, certo é que, se tal aconteceu, a ofendida não o confirmou nas declarações para memória futura que prestou e assim, mesmo que a este circunstancialismo se reportasse o depoimento da testemunha C... – e não parece ser o caso –, o mesmo não poderia ser, neste aspecto, relevado, por ser indirecto (cfr. art. 129º, nº 1 do C. Processo Penal). Por outro lado, ainda que tal conversação pudesse ter, e muito provavelmente, teria, ao menos em parte, um cunho sexual [como resulta das declarações da ofendida a fls. 226], ela não contempla a concreta factualidade em análise ou seja, a pergunta imputada ao arguido.

Assim, mantém-se o teor do ponto 4 dos factos provados, e o ponto 5 dos factos provados passa a facto não provado.

9. Relativamente aos pontos 6 e 7 dos factos provados afirma o arguido que a prova produzida não resulta que tenha enviado fotos suas para a ofendida, que a testemunha C... sempre referiu a existência de dois contactos e não de três, como se refere na sentença, e que não se percebe em que circunstância a testemunha bloqueou o contacto do arguido no MSN da ofendida.

Os pontos de facto sindicados têm o seguinte teor:

- [6] Passados uns dias, em data não concretamente apurada, a menor B... recebeu na caixa de entrada da sua conta de correio eletrónico B... @hotmail.com duas mensagens provenientes da conta de correio eletrónico pertencente ao arguido ( ... @live.com.pt) com duas fotografias suas, sendo que numa delas, surgia desnudado dentro de um carro, no lugar do condutor segurando o seu pénis ereto;

- [7] Assustada com o teor das conversações e com as imagens recebidas, a B... contou o sucedido à sua mãe, C... , que resolveu bloquear o contacto do arguido da lista de contactos do MSN da filha e adicioná-lo à sua própria lista de contactos identificando o arguido como “ B... like”.

Pois bem.

Que o arguido enviou da sua conta de correio electrónico várias mensagens para a caixa de correio electrónico da ofendida, entre elas, uma fotografia sua, sentado no interior de um veículo automóvel, desnudado no baixo ventre e segurando o pénis erecto, é um facto abundantemente provado, quer pelas declarações do próprio arguido, que expressamente admitiu ter uma fotografia dessas e tê-la enviado [circa 00:15:40 das declarações], quer pelas declarações para memória futura da ofendida que afirmou o facto [fls. 224 a 225], quer pelo depoimento da testemunha C... que afirmou tê-la visto – alertada pela irmã, que, por sua vez, tinha sido alertada pela ofendida –, tê-la apagado e bloqueado o contacto, ainda que, por desconhecimento, só temporariamente, no MSN e apenas na escrita e não, nas mensagens [circa 00:09:36, 00:20:20 e 00:24:55].

E que a ofendida, fosse directamente, fosse, primeiro, através da tia, revelou o sucedido á mãe, tendo a C... bloqueado o contacto e passado a identificá-lo como “ B... like”, resulta do depoimento da testemunha.

Assim, mantém-se o teor do ponto 7 dos factos provados, e o ponto 6 dos mesmos factos passa a ter a seguinte redacção:

- Passados uns dias, em data não concretamente apurada, a menor B... recebeu na caixa de entrada da sua conta de correio eletrónico B... @hotmail.com uma mensagem proveniente da conta de correio eletrónico pertencente ao arguido ( ... @live.com.pt) com uma fotografia sua em que surgia desnudado dentro de um carro, no lugar do condutor segurando o seu pénis ereto.

10. Relativamente aos pontos 8, 9, 10 e 11 dos factos provados alega o arguido não vislumbrar em que meios de prova se fundou a convicção do tribunal, apontando contradição no depoimento da testemunha C... que, num primeiro momento, afirmou que mal se apercebeu do pedido do arguido no MSN, mandou sair a menor, e em momento posterior, afirmou que ainda antes de ter mandado sair a filha, já esta tinha iniciado a conversação com o arguido. Mais alega que, estando documentado nos autos que a foto que aparece na página do MSN que contém as conversações tem a foto e o nome da testemunha e não da menor, pelo que as conversas foram tidas com aquela e não com esta.

No que respeita à apontada contradição, o que a testemunha disse, referindo-se ao dia 13 de Julho de 2009, foi que a filha estava no MSN e apareceu um pedido, perguntou-lhe se era o indivíduo que lhe costumava falar, confirmou que era e pediu-lhe para ela sair [circa 00:10:04 do depoimento], para logo esclarecer que, quando se apercebeu da origem do pedido, já a menor havia estabelecido conversação com o arguido, dizendo-lhe que tinha nove anos e que não queria que mandasse coisas para ela [circa 00:10:54 do depoimento], e que o arguido dizia que se queria encontrar com ela e perguntava se já tinha pêlos e maminhas, e então interveio [circa 00:11:49 do depoimento]. Esta intervenção só pode ser, no contexto, o pedido de saída feito à filha.

Ora, afastando, pelas razões já expostas, que o arguido possa ter perguntado sobre as ‘maminhas’, tudo o mais, com maior ou menor riqueza de pormenor e ordenamento cronológico, encontra-se referido no auto de visionamento de fls. fls. 21 a 47, e em momento anterior ao início da conversação feita em tempo real através da webcam.  

Assim, e ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, entendemos que não existiu a apontada contradição, limitando-se a testemunha a precisar o conteúdo do seu depoimento.

Por outro lado, se é verdade que a fotografia feminina que se vê a fls. 29 a 38, sempre da mesma cidadã, não é a fotografia de uma menor, mas de uma mulher adulta, e se a designação B... like é, como a testemunha C... afirmou, o nick name que deu aos contactos provenientes do ... ike.com, sendo este o e-mail do arguido, como este expressamente reconheceu nas suas declarações, podendo a menor usar no computador da mãe o seu MSN, é evidente que esta podia entrar na conversação, como sucedeu.

Assim, tendo os pontos sindicados suporte pleno na prova testemunhal – ofendida e C... – e na prova documental – auto de visionamento de fls. 21 a 47 foi – produzidas, devem manter-se nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.

11. Alega o arguido que a existência de versões antagónicas – a sua e a da testemunha C... – apenas poderiam ter dado lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência, com a sua consequente absolvição.

Vejamos.

O pro reo decorre do princípio da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa) e dá resposta à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido. Produzida a prova, se no espírito do juiz subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.
Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, face ao termos da decisão isto é, tem que resultar clara e inequivocamente do texto da decisão que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.
Em qualquer caso, a dúvida relevante, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar e fez constar da sentença.

Lida a sentença recorrida e particularmente, a sua motivação de facto, dela não resulta que a Mma. Juíza a quo tenha permanecido na dúvida quanto a qualquer dos factos que considerou provados na decisão e foram impugnados no recurso. Pelo contrário, na motivação de facto foi exposto de forma clara todo o processo lógico que conduziu à certeza alcançada sobre os factos integradores do objecto do processo, plasmados na decisão de facto proferida.

Em conclusão, não se mostrar violado o in dubio pro reo nem, por via dele, violada a presunção de inocência constitucionalmente consagrada.

Assim, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto, nos termos em que o foi pela 1ª instância, com as alterações operadas por via do presente recurso e que supra se deixaram mencionadas.

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            Da qualificação jurídica da provada conduta do arguido
            12. Aqui chegados, cumpre verificar se as alterações introduzidas pelo recurso à decisão proferida sobre a matéria de facto têm ou não relevância na qualificação da conduta do arguido.
            Como se viu, o arguido vinha acusado da prática, além do mais, de três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, a) e b), com referência ao art. 170º, do C. Penal, e foi condenado, na sentença em crise, pela prática, além do mais, destes três imputados crimes.

            Na discussão do aspecto jurídico-penal da causa, quanto a estes três crimes, escreveu-se na sentença que, o elemento do tipo objectivo de ilícito é incomodar ou importunar outrem, com idade inferior a 14 anos, praticando, designadamente, perante ela, atos de caráter exibicionista ou constrangendo-a a ato de natureza sexual, por meio de conversa ou escrito. No caso dos autos estão em causa três crimes desta tipologia, reportando-se dois aos fotogramas que o arguido enviou para o endereço de correio eletrónico da ofendida e um para a conversa que com a mesma manteve, através do MSN, incitando-a a masturbar-se. É manifesto e não impõe maior exame, considerar que estes atos se subsumem indubitavelmente ao conceito apontado assim se impondo desde já determinar o arguido, com o comportamento que adotou perante a ofendida B... , preencheu estes elementos

            O abuso sexual de crianças é um crime comum que tutela o bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual referidas ao livre desenvolvimento da personalidade do menor (cfr. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 711), e tem como elementos constitutivos do respectivo tipo:
            [Tipo objectivo]
            - A acção típica, que comporta as seguintes modalidades;
i) Que o agente pratique acto sexual de relevo com um menor de catorze anos, ou o leve a praticá-lo com outra pessoa;
            ii) Que o agente o agente importune menor de catorze anos, praticando perante ele actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual;
            iii) Que o agente actue sobre menor de catorze anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
            [Tipo subjectivo]
            - O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.

            Lendo a acusação pública que, como se sabe, define, tendencialmente, o objecto do processo, verificamos que aí, no que ao crime em análise respeita, se distinguiram, se bem a entendemos, três distintas condutas: a primeira, levada aos arts. 3º a 5º, descreve os contactos iniciais entre arguido e ofendida, incluindo a averiguação da idade desta e do seu desenvolvimento sexual físico [pergunta sobre a existência de maminhas e pêlos na vagina]; a segunda, levada ao art. 6º, descreve o envio, pelo arguido à menor, de duas mensagens com fotografias suas, estando numa delas, desnudado e segurando o pénis erecto; a terceira, levada aos arts. 8º a 11º, descreve um contacto entre o arguido e a ofendida em que aquele a convida para ir a sua casa e manter relações sexuais, contacto que passou de seguida, com a utilização pelo arguido de uma web cam, à transmissão, em tempo real, de imagens suas, masturbando-se, ao mesmo tempo que incentivava a interlocutora, que supunha ser a ofendida, quando era já a mãe, a masturbar-se também e lhe perguntava se gostava de o ver e se o deixava encostar-se a ela.
            A sentença recorrida manteve esta descrição tripartida da conduta do arguido, constando dos pontos 3 a 5 dos factos provados, quase que integralmente, os arts. 3º a 5º da acusação, constando do ponto 6 dos factos provados o teor do art. 6º da acusação, e constando dos pontos 8 a 11 dos factos provados, quase que integralmente, os arts. 8 a 11 da acusação.

            Não sendo crível a desconsideração jurídico-penal da conduta que consta dos arts. 3º a 5º da acusação e dos pontos 3 a 5 dos factos provados e que na sentença, face à referência feita no art. 6º da acusação e no ponto 6 dos factos provados a duas fotografias, se considerasse cada uma delas preenchedora de um ilícito típico [até porque, quer na acusação, quer na sentença, não obstante a referência a duas fotografias, só numa delas se afirma estar o arguido nu e em pose exibicionista], a referência feita pela Mma. Juíza a quo, na parte da discussão supra transcrita, a que dois dos crimes se reportam aos fotogramas que o arguido enviou para o endereço de correio eletrónico da ofendida e que o crime restante se refere à que com a mesma manteve, através do MSN, incitando-a a masturbar-se, enferma de erro de subsunção. Explicando.

            Uma fotografia com o conteúdo descrito no ponto 6 dos factos provados é, obviamente, uma fotografia pornográfica, na medida em que é, objectivamente e atentas as concretas circunstâncias, apta a excitar sexualmente a ofendida (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 838). Por outro lado, ao enviar a fotografia à ofendida, o arguido actuou sobre ela, no sentido de que, através dela, e por meio de processo com características sexuais, tentou satisfazer impulso também, in casu, de natureza sexual.
Em suma, um dos crimes vê o respectivo tipo objectivo preenchido com o facto descrito no ponto 6 dos factos provados [envio de fotografia]. 

A pergunta feita pelo arguido à ofendida sobre se já tinha maminhas e pêlos na vagina, nas circunstâncias levadas ao ponto 5 dos factos provados é, obviamente, uma conversa pornográfica e também aqui o arguido actuou sobre a ofendida, em ambos os casos, pelas razões já expostas.
Deste modo, um dos crimes veria o respectivo tipo objectivo preenchido com o facto descrito no ponto 5 dos factos provados.
Sucede que este ponto de facto, objecto da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pelo arguido, foi eliminado dos factos provados e passou para os factos não provados.
Em conclusão, deixou de estar preenchido o tipo do crime que tinha por objecto a pergunta feita pelo arguido, logo no início das conversações que passou a ter com a ofendida – constante dos arts. 3º a 5º da acusação – pelo que se impõe a sua absolvição pela respectiva prática.
Finalmente, no que respeita à conduta verificada no dia 13 de Julho de 2009, levada aos pontos 8 a 11 dos factos provados, cumpre dizer que o segmento da conversação que o arguido travou com a menor, ainda antes da intervenção da mãe, convidando-a a ir a sua casa e a manter relações sexuais é, pela razões já mencionadas, uma conversa pornográfica, através da qual o arguido actuou sobre ela, para satisfação de impulso de natureza sexual. Já o segmento da conversação continuada com a mãe da ofendida, e apenas com ela [mãe da ofendida], referente ao incitamento à masturbação, porque não tida com menor de catorze anos, se tornou irrelevante [nesta parte, entraríamos no campo da tentativa, em concreto, não punível].    
Em suma, o terceiro crime tem o respectivo tipo objectivo preenchido com o facto descrito no ponto 9 dos factos provados [convite feito à ofendida]. 

Do que antecede resulta que a conduta do arguido, definitivamente fixada nos termos do presente recurso, preenche, em duas distintas ocasiões, o tipo objectivo e subjectivo do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b) do C. Penal.

13. Na sentença recorrida o arguido foi condenado, a título principal, pela prática de três crimes de abuso sexual de crianças e pela prática de um crime de pornografia de menores, na pena de dez meses de prisão por cada um dos três primeiros, e na pena de quatro meses e quinze dias de prisão pelo último e em cúmulo, na pena única de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período com regime de prova e acompanhamento.
Devendo o arguido ser condenado apenas pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças e pela prática de um crime de pornografia de menores, impõe-se a reformulação da pena única.

Começaremos por dizer que as penas únicas decretadas pela 1ª instância respeitam integralmente, os princípios previstos nos arts. 40º, 70º e 71º do C. Penal. Quanto aos mais.

A punição do concurso de crimes é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – (art. 77º, nº 2 do C. Penal), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (art. 77º, nº 1 do C. Penal).
O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é portanto, a personalidade do agente. Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Os crimes de abuso sexual de crianças que integram o concurso estão geneticamente unidos. Já o crime de pornografia de menores não comunga da mesma origem. Mas uns e outros têm como ponto objectivamente comum, a propensão do arguido para procurar satisfação sexual em conteúdos que visam menores.
A revelada personalidade do arguido e a sua específica actividade profissional elevam as exigências de prevenção especial, ainda que não existam elementos que, com a necessária segurança, permitam já concluir pela existência de uma tendência criminosa.
Cremos com isto significar que, se o concurso não deve funcionar como agravante, também nada justifica franca benevolência.
Assim, atenta a moldura penal proposta – 10 meses a 2 anos e 15 dias de prisão – entendemos que a pena única a decretar se deve situar próximo do seu ponto médio, fixando-se a mesma em 19 meses de prisão.

Mantém-se a suspensão da execução da pena única de prisão, sujeita às condições impostas pela 1ª instância.
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Da excessiva medida da pena acessória

14. Por último, alega o arguido – conclusões 31 a 34 – que a pena acessória decretada é manifestamente grave e desproporcional em relação à pena principal, devendo ser fixada no seu limite mínimo.

Como se deixou dito em 4., que antecede, a sentença recorrida padece de nulidade parcial, relativamente à condenação do recorrente na pena acessória pelo que, as consequências de tal nulidade prejudicam o conhecimento da questão da medida da pena decretada.


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            III. DECISÃO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Em consequência:

A) Declararam a nulidade parcial da sentença recorrida, exclusivamente na parte relativa à condenação do arguido na pena acessória prevista no art. 179º do C. Penal, e determinam a sua substituição por outra que, reaberta a audiência e cumprida a comunicação prevista no art. 358º, nºs 1 e 3 do C. Processo Penal, a supra. 


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B) Alteram a decisão proferida sobre a matéria de facto,
1. Eliminando o ponto 5 dos factos provados que passa, com a mesma redacção, a figurar como facto não provado.

2. Alterando a redacção do ponto 6 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

- Passados uns dias, em data não concretamente apurada, a menor B... recebeu na caixa de entrada da sua conta de correio eletrónico B... @hotmail.com uma mensagem proveniente da conta de correio eletrónico pertencente ao arguido ( ... @live.com.pt) com uma fotografia sua em que surgia desnudado dentro de um carro, no lugar do condutor segurando o seu pénis ereto.


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C) Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido pela prática de um crime de abuso de sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, a) e b) do C. Penal [tendo por objecto, além do mais, a factualidade descrita no art. 5º da acusação].

D) Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido na pena principal única de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período com regime de prova e acompanhamento.


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E) Condenam o arguido, reformulando o cúmulo jurídico das penas parcelares principais – pelo cometimento de dois crimes de abuso de sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, a) e b) do C. Penal e de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nºs 1, b) e 4 do mesmo código –, na pena principal única de 19 (dezanove) meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, a contar do trânsito do presente acórdão, com regime de prova e acompanhamento.

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F) Confirmam, quanto ao mais, a sentença recorrida.

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Recurso sem tributação, atenta a sua parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal)

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Coimbra, 3 de Junho de 2015



(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)