Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | FALCÃO DE MAGALHÃES | ||
| Descritores: | ARROLAMENTO DIREITO AOS BENS A ARROLAR | ||
| Data do Acordão: | 09/13/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE PORTO DE MÓS DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 403.º, 404.º, N.º 1 E 405.º, N.ºS 1 E 2, DO CPC. | ||
| Sumário: | O que for instituído, por testamento, como único herdeiro do remanescente da quota disponível dos bens do sócio de uma sociedade não tem o direito de pedir o arrolamento dos bens móveis que constituíram o património de tal sociedade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:
I - A) – 2«[…]AA instaurou o presente procedimento cautelar de arrolamento contra BB, CC e B..., Ldª alegando para o efeito que tais bens pertenciam à extinta sociedade E... Unipessoal, Ldª., sociedade de que era sócio único o falecido DD, tendo tal sociedade sido constituída na constância do matrimónio com a 2.ª requerida. Alega igualmente que é herdeira testamentária do falecido e que este faleceu no estado de divorciado da 2.ª requerida, pese embora não se tenha procedido à separação de meações entre os ex-cônjuges, pertencendo a quota na referida sociedade ao património comum do ex-casal. Alega, ademais, que a 1.ª requerida, filha do ex-casal, outorgou escritura de habilitação como única herdeira do falecido DD, requereu o registo da aquisição da quota da sociedade E... Unipessoal, Ldª em seu nome, registou-se como gerente e, na qualidade de única sócia e detentora da quota social, deliberou a dissolução e liquidação da referida sociedade, tendo, previamente e em conjunto com a 2.ª requerente, constituído a 3.ª requerida (a sociedade B..., Ldª e
Conclui a requerente que: i) o ato de aquisição de quota por sucessão é ineficaz em relação à requerente, porque com base na preterição desta como herdeira, e é ineficaz em relação à 2.ª requerida, enquanto contitular do património comum do ex-casal, não partilhado; ii) a dissolução e liquidação da sociedade E... Unipessoal, Ldª também é nula/ineficaz quanto à requerente, na medida em que a tal deliberação foi tomada por quem falsamente se arrogou como única sócia dessa sociedade. Mais conclui que o encadeamento de atos descrito teve como propósito o prejuízo da requerente, porquanto esta é herdeira testamentária da quota disponível do falecido, desviando do património comum do ex-casal – de cuja meação a requerente e 1.ª requerida são herdeiras – a sociedade E... Unipessoal, Ldª e o património desta, permitindo à 1.ª e 2.ª requerida a repartição entre si dos lucros gerados por aquela sociedade, tendo, pois, receio de que as requeridas se desfaçam do património e do know how que pertencia à sociedade E... Unipessoal, Ldª, causando uma lesão dificilmente reparável do direito da requerente, herdeira do falecido DD. Alega a requerente que o presente procedimento é preliminar à propositura da ação para declarar nulas ou ineficazes a aquisição da quota pela 1.ª Requerida e a dissolução e liquidação da sociedade E... Unipessoal, Ldª e as alterações registrais efetuadas na sequência da escritura de transmissão de quota e da dissolução da sociedade e requerer a restituição à mesma de todo o equipamento e veículos que abusiva e fraudulentamente se encontram em poder da nova sociedade. Requereu, consequentemente, o arrolamento dos bens que elenca e que pertenciam à sociedade E... Unipessoal, Ldª à data do óbito de DD e que se encontram atualmente na posse da 3.ª requerida. […]». * B) - Decidido, favoravelmente, o pedido de dispensa da audiência prévia das Requeridas, procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, após o que, por decisão proferida em 12.07.2022, pelo Juízo Local Cível ..., o procedimento cautelar foi julgado totalmente improcedente.* «A – Encontram-se indiciariamente provados os seguintes factos: a) Legatária do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto de casa de ... e ... andar e logradouro, inscrito na matriz sob o artº. ...25 e descrito na C.R.P. ... na ficha 3109, com todas as benfeitorias e b) Única herdeira do remanescente da quota disponível dos seus bens. C.R.P. ... na ficha 2103. B – Encontra-se provado, como se lê na douta sentença, que a requerente logrou demonstrar a provável procedência da sua pretensão principal e o justo receio quanto ao extravio dos bens já concretizado pelas requeridas. D – Ora, a requerente não alegou que era titular dos bens, nem tal vai ser objecto da acção a propôr. E – Como a lei refere (artigo 403, nº 2, 1ª parte do CPC), o arrolamento é dependência da acção à qual interessa a especificação dos bens. F – Na acção anunciada propôr nos presentes autos, não se vai alegar que a requerente é titular dos bens e a sua restituição à Requerente, mas é uma acção à qual interessa a especificação/conservação dos bens para produzir o seu efeito útil – a restituição dos bens à sociedade E... Unipessoal, Ldª depois de declarada a nulidade ou ineficácia dos actos que, sequencialmente, foram praticados até à sua liquidação e da própria dissolução, repristinando a existência da sociedade, com a devolução dos bens referidos no facto provado nº 21 à E... Unipessoal, Ldª. pela B..., Ldª., que os tem em seu poder e utilização (factos provados 27, 28 e 29). G – Assim, provado que está que a requerente, além de cabeça-de-casal, é interessada, porque herdeira testamentária, na partilha (ainda não efectuada) dos bens comuns do extinto casal do testador, património no qual se integra uma sociedade unipessoal (falsamente dissolvida e liquidado o seu património) é manifesto que a requerente tem interesse que a essa sociedade retornem os bens da mesma em posse de terceiros (a B..., Ldª). H – Não estará em causa na acção principal a titularidade dos bens por parte da requerente (e autora na acção a propôr), mas a especificação dos bens ou seja, a conservação dos bens para restituição à E... Unipessoal, Ldª, decidida que seja a nulidade ou ineficácia da sua dissolução. J – Violou, pois, a douta sentença em recurso o disposto nos artºs. 403, nº 2, primeira parte, 404, nº 1 e artº. 2, nº 2, todos do Código de Processo Civil. […]». Terminou requerendo que esta Relação, revogando a douta sentença, decrete a previdência requerida. * Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil,4 o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. facto que a 1ª Instância considerou como assente no despacho recorrido, foi acertado negar procedência ao procedimento cautelar em causa. * II - Fundamentação:A) - O Tribunal “a quo”, no que respeita aos factos indiciariamente provados e não provados consignou o que se segue: «1. A Requerida CC celebrou casamento com DD a 19.12.1982, de quem se divorciou no dia 18.02.2008. “Ficando os livros e demais escrituração da sociedade confiada à guarda da mesma, com o nº de contribuinte ..., residente na Urbanização .... – ..., a qual será encarregada de proceder aos respectivos actos de registo comercial e ficando representante da sociedade para efeitos tributários”. aa. 1 impressora multi-funções bb. 2 computadores de secretária cc. 1 empilhador dd. 1 máquina de calcular registadora ee. barricas para fermentação de choucroute e pickles ff. 1 veículo ligeiro de mercadorias ..., com a matrícula .. - LN-..; gg. 1 veículo ligeiro de mercadorias ..., com a matrícula .. - ..-ZD. C.R.P. ... na ficha 2103. * Com interesse para a presente causa, não resultaram provados os seguintes factos: a) A requerida BB não ignorava a existência do testamento identificado em 8). b) Faziam parte do imobilizado da sociedade E... Unipessoal, Ldª os seguintes bens: a. 2 sofás de madeira e tecido b. 2 cadeirões azuis c. 1 trituradora de papel d. 1 mesa redonda em verga e ferro e 4 cadeiras e. 2 ventoinhas.». * B) – De acordo com o disposto no nº 1 do artº 403.º do NCPC (421, nº 1, do pretérito CPC), “havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.”, sendo que, conforme preceitua o nº 2 do mesmo artigo “o arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.”. Por outro lado, dizendo-nos o nº 1 do artº 404º, que o arrolamento “...pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos...”, de harmonia com o estatuído na 1ª parte do nº 1 do artº 405º, cabe ao Requerente do arrolamento fazer “...prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação”, ao que acrescerá, “se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor”, o ónus de “...convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente.” (2ª parte do nº 1 do artº 405º).
Finalmente, o nº 2 do referido artº 405º estabelece que, “produzidas as provas que forem julgadas necessárias, o juiz ordena as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério.”. Este, que se acabou de explanar, o quadro do regime geral do arrolamento. Ora, tendo o Tribunal “a quo” considerado, face à prova produzida, reunidos todos os restantes pressupostos de que dependia o decretamento da providência, negou-a, em suma, por entender que a Requerente não lograra “…demonstrar ter um direito (certo ou eventual) sobre os bens cujo arrolamento requereu…”, conclusão esta cuja que estribou nos fundamentos que constam do extracto que ora se transcreve da decisão recorrida: Não tendo sido realizada partilha dos bens comuns do casal, tais bens, verdadeiramente, não integram o acervo hereditário de DD qua tale, antes integrando o seu acervo hereditário o direito e ação do falecido à sua meação no património comum, entre o mais também por essa quota (cfr. o Acórdão da Relação ... de 06.04.1997, Col. Jur., 1995, 5.º-107, citado elos requeridos). Acresce que, tratando-se de bens pertencentes à herança indivisa, os herdeiros, cada um destes, até ser feita a partilha, apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fração ideal do conjunto. Sendo que enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles (cfr. neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 19.10.2015, proc. n.º 124/14.7T8AMT.P1, disponível em www.dgsi.pt). Mais se diga que os bens cujo arrolamento se pretende pertenciam ao património da sociedade E... Unipessoal, Ldª. Ora, “a titularidade ou contitularidade de uma quota é uma participação no capital social, mas não no património da sociedade e por isso não confere ao sócio qualquer direito sobre os bens, móveis ou imóveis, da sociedade” (Cfr., Acórdão da Relação do Porto de 13.01.2020, proc. n.º 6665/17.7T8VNG-B.P1, disponível em www.dgsi.pt). Ora, como sublinhado, à requerente cabia, antes de mais, fazer prova (ainda que sumária) do direito relativo aos bens cujo arrolamento pediu atento o disposto no artigo 405.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Apesar de ter logrado demonstrar a provável procedência da sua pretensão principal e ter provado o justo receio quanto ao extravio já concretizado pelas requeridas, não logrou demonstrar ter um direito (certo ou eventual) sobre os bens cujo arrolamento requereu, razão pela qual o presente procedimento terá necessariamente de ser improcedente. […]». Temos como correcta a conclusão extraída da exposição precedente, no sentido da ausência da prova, ainda que indiciária, por parte da Requerente, do direito aos bens móveis cujo arrolamento requereu, embora não concordemos com um dos fundamentos invocados, que, aliás, porque tendo-o sido em jeito de “obiter dictum”, não assume efectiva relevância na decisão de julgar improcedente o arrolamento. Vejamos. É certo, como se afirmou na decisão recorrida, que “…tratando-se de bens pertencentes à herança indivisa, os herdeiros, cada um destes, até ser feita a partilha, apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fração ideal do conjunto. Sendo que enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota- parte em cada um deles…”. E, justificando tal conclusão, diz-se nesse aresto: «[…] tratando-se de depósitos bancários pertencentes à herança indivisa, os herdeiros, cada um destes, até ser feita a partilha, apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto. Como se escreve no Ac. RP de 29.01.2015, proc.164/03.1TABGC-C.G1.P1, publicado em www.djsi.pt “Tal direito decorre da posição jurídica de herdeiro em que ingressa e cuja qualidade assume pela aceitação e habilitação. Tem um conteúdo que se analisa em vários outros (como o de alienar o seu quinhão, peticionar bens da herança ou exigir partilha). Não é um direito real, pois não incide sobre as coisas do património, sobre os bens em conjunto dele integrantes, sobre qualquer um ou parte de algum especificado. Só deixa de ser assim, só se quantifica, determina e materializa quando, com o preenchimento do seu quinhão pelos bens concretos que lhe forem realmente atribuídos, em função das operações de partilha e das regras legais aplicáveis, cada herdeiro ingressa na titularidade do direito sobre aqueles e sucede na do de cujus (artº 2119º). Como se diz no Acórdão do STJ, de 26-01-1999 “A comunhão hereditária, geralmente entendida como uma universalidade jurídica, não se confunde Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. Os herdeiros são titulares, apenas, de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficar a pertencer só a alguns ou a um, sendo os demais compensados com tornas. Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem «direitos sobre bens certos e determinados», nem «um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota- parte em cada um deles». Quer dizer, aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário. Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão-somente, do direito «a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que esta fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (…). Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário de determinado bem da herança. Com efeito, a partilha «extingue o património autónomo da herança indivisa», retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão (artº 2119º). O que significa que com a partilha cada um dos herdeiros passa a ser considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, como resulta expressamente do apontado normativo.” Sem embargo, o quinhão hereditário é, enquanto tal e independentemente dos bens que especificadamente venham a preenchê-lo ou dos encargos Com efeito, embora cada um dos vários herdeiros “não tenha um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles, detém todavia um direito de quinhão hereditário, ou seja, à respectiva quota-parte ideal da herança global em si mesma. Direitos estes de que tais herdeiros têm a propriedade”, podendo desta dispor nos termos do artº 1305º e mesmo onerá-la.” Ora, constituindo o depósito bancário (dinheiro) um bem da herança, o requerente/recorrido não tem direito a metade desse dinheiro mas somente, pelo menos, a metade do quinhão hereditário dos bens que constituem a herança. Não tem direito a metade daquele dinheiro em concreto e sim a metade de todos os bens indiscriminados. […]». Só que, as circunstâncias específicas do caso “sub judice” levam a que não aproveite à Requerente, ainda que como cabeça-de-casal do inventário – que não é o processo de que o presente procedimento é instrumental - o entendimento ora reproduzido. É que, para que tal entendimento fosse aplicável necessário seria, para além do mais, que os bens móveis a arrolar fizessem parte do acervo hereditário do falecido titular da quota da “E... Unipessoal, Ldª – ”, coisa que não sucede, desde logo porque ainda não se procedeu ao inventário subsequente ao divórcio, para partilha dos bens do ex-casal formado pela Requerida CC e por esse “de cujus”, e, consequentemente, não se pode ter esse direito como incluído em tal acervo hereditário. Por outro lado, como se disse na decisão recorrida, com apoio no entendimento do Acórdão da Relação do Porto de 13.01.2020, «[…] a titularidade ou contitularidade de uma quota é uma participação no capital social, mas não no património da sociedade e por isso não confere ao sócio qualquer direito sobre os bens, móveis ou imóveis, da sociedade”, e se assim é, como entendemos ser, tal direito não é de ter como conferido ao sucessor hereditário do falecido sócio da sociedade. Do que ficou exposto resulta que, não obstante a Requerente ter sido instituída, por testamento de 26/05/2014, outorgado pelo sócio da sociedade “E... Unipessoal, Ldª”, como única herdeira do remanescente da quota disponível dos bens deste, não tem o direito de pedir o arrolamento dos bens móveis que constituíram o património dessa sociedade e que ora integram o património da Requerida sociedade “B..., Ldª. […]». A tudo isto acresce que, se não considerados os óbices que apontamos ao arrolamento em causa, ainda assim este não seria de decretar, dado que, não vemos, ao invés do que entendeu o Tribunal “a quo”, que esteja preenchido o requisito do “periculum in mora”, que foi reconhecido pela decisão recorrida em função da circunstância de ser ter já consumado o extravio dos bens móveis em causa, dado que os mesmos passaram a integrar o património da sociedade B..., Ldª, do qual as requeridas BB e CC são as únicas sócias. Note-se o que se salientou no Acórdão da Relação de Guimarães, de 29/04/2021 (Apelação nº 4329/20.3T8BRG.G1): «[…] o arrolamento, tal como a generalidade das providências cautelares de natureza conservatória, visa assegurar a manutenção de uma situação existente, acautelar um perigo actual de lesão de direitos. Do exposto decorre, que, como se refere no citado Acórdão do TRE de 20 - 10-2010 (proc. 13/08.4TMFAR-A.E1), publicado em www.dgsi.pt,: “O arrolamento só pode abranger bens susceptíveis de conservação à data da sua realização”. Sendo evidente, em face da factualidade provada que resultou da prova perfunctória produzida, a ilegalidade das condutas que levaram à extinção da sociedade “E... Unipessoal, Ldª” e à integração, consumada há muito, dos bens móveis em causa, no património da Requerida “B..., Ldª.”, não se vislumbra, contudo, na factualidade dada como indiciariamente provada, quaisquer actos desta sociedade ou das restantes Requeridas, no sentido de ocultar, extraviar, ou dissipar tais bens, que se provou, saliente-se, são utilizados por essa sociedade na prossecução do seu objecto social. E tendo o registo da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “E... Unipessoal, Ldª” ocorrido em 2017 e a integração dos bens desta, cujo arrolamento ora se pretende, no património da B..., Ldª - já constituída desde 2015 -, tido lugar, no máximo, também nesse ano de 2017 (cfr. ponto 29 dos factos provados), não se vê que haja factos indiciariamente provados de onde resulte que se verifique, em Junho de 2022 (o requerimento inicial entrou em juízo em 14/6/2022), decorridos mais de quatro anos sobre essa integração, ou que se venha a verificar, o “periculum in mora” que o decretamento do arrolamento sempre exigiria, vg., a prova de actos, por parte das Requeridas, dos quais resultasse, para a Requerente, o receio objectivamente fundado - a que não serve a mera alegação da “morosidade natural do processo” (principal) -, de que as Requeridas procedessem ao extravio ou à dissipação do património que era da “E... Unipessoal, Ldª” (cfr. artº 54º do requerimento inicial). Dir-se-á, por último, que a Apelante sustenta não ter alegado ser titular dos bens a arrolar, salientando que tal titularidade não vai ser objecto da acção E o artº 405º, nº 1 do NCPC, exige que o Requerente do arrolamento, faça prova dos factos em que fundamenta o receio do extravio ou dissipação dos bens, e faça prova, embora que sumária, do direito relativo a estes, não tendo ora Requerente logrado fazer tal prova. A conclusão a extrair do exposto é que, sem infracção dos preceitos que a Requerente referiu como violados, o Tribunal “a quo” decidiu acertadamente ao julgar improcedente o procedimento cautelar, sendo de confirmar essa decisão. * Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação * Custas pela Apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2).
13/9/20226 (Luiz José Falcão de Magalhães) (António Domingos Pires Robalo) (Sílvia Maria Pereira Pires)
1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando- se, em caso de transcrição, a grafia do texto original. 2 Extracto do relatório da decisão recorrida. 3 Que litiga com o benefício do apoio judiciário. 4 Código este, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, doravante designado com a sigla NCPC, pois que só se utilizará a sigla “CPC” para referir o código pretérito, ou, excepcionalmente, nos casos em que transcrevemos texto onde essa sigla foi já utilizada para identificar o novo Código de Processo Civil. 5 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis - tal como os demais Acórdãos, em texto integral, do STJ, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase. 6 Processado e revisto pelo Relator. |