Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3779/10.8TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
Data do Acordão: 05/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 1353º E 1354º DO C. CIVIL.
Sumário: I – A norma do art.º 1353º do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.

II - Visando efectivar esse direito, as acções de demarcação apresentam uma causa de pedir complexa, traduzindo-se na invocação da titularidade de prédios distintos, da confinância e, por último, da controvérsia quanto aos limites, sendo certo que se trata da acção adequada ainda naquelas situações em que a linha limite é conhecida e indiscutida, destinando-se a acção a obter o concurso do dono do prédio vizinho para a mera aposição dos marcos.

III - Por via da norma do artº 1354º, nº 2, do C. Civ. vê-se que o direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si - tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado artº 1354º.

IV - Desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles (seja porque, indiscutida entre os proprietários confinantes, não está marcada, sinalizada no terreno, seja porque ela (isto é, a sua localização), é objecto de controvérsia entre eles, seja porque eles pura e simplesmente desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação.

V - Se a divisão da área conflituante não puder ser resolvida pelos títulos de cada um, será sucessivamente resolvida pela posse ou outros meios de prova; no limite, não podendo ser resolvida por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes.

Decisão Texto Integral: 1.Relatório

A…, residente na Rua …, demanda R… e mulher M…, residentes na Avenida ...

Fundamenta, assim, a sua pretensão: O autor é dono de um prédio (artigo matricial 9..) que resultou da desanexação de um outro prédio (artigo matricial 4…). Este último prédio foi herdado pelo autor de seus pais. Deste prédio foi também desanexado o prédio dos réus (artigo matricial 6…). Aquando do inventário subsequente ao divórcio do autor com a sua então mulher foi adjudicado ao autor o primeiro prédio e à sua ex-mulher o segundo. Ambos os prédios deveriam, porém, ter áreas idênticas, cada um de 270m2. A sua ex-mulher, porém, em 1998, construiu um muro que separou o seu prédio do restante. Com essa divisão ficou o prédio dela a ter uma área de 497,40m2, sendo o do autor passou a ter apenas 202 m2. Assim, o prédio da ex-mulher do autor ficou com 68m2 que deveriam pertencer ao prédio deste, sendo o remanescente do excesso pertença do prédio com o artigo matricial ...

Os réus são os atuais proprietários do prédio que pertenceu à ex-mulher do autor porque o compraram a esta e continuam a ocupar ilegalmente aquela área (68m2).

O autor sempre se opôs à divisão efetuada unilateralmente pela sua ex-mulher.

O autor indica a linha delimitadora que, entre os dois prédios, deverá ser fixada.

Termina pedindo a condenação dos réus a:

a) A ver demarcados os prédios identificados em 1º e 9º da petição inicial, devendo os réus ser citados para contestarem, querendo, a linha delimitadora definida no art. 27º da petição inicial, indicando para tanto uma linha alternativa, sob pena de não o fazendo, serem condenados a reconhecer que é pela linha indicada pelo autor que se delimitam os mencionados prédios.

b) A reconhecer o direito de propriedade do autor sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial até à linha delimitadora que vier a ser fixada, abstendo-se, consequentemente de praticar qualquer ato que, de qualquer modo, impeça, dificulte ou diminua o livre exercício do direito do autor sobre tal prédio até tal linha delimitadora.

c) A demolirem e retirarem tudo o que, depois de definida a linha delimitadora, estiver a ocupar o prédio do autor, no prazo de 15 dias, entregando-o ao autor completamente livre e desimpedido.

d) A pagarem ao autor, a título de sanção pecuniária, a quantia de €100,00 por cada dia além dos 15 dias acima referidos, que demorarem a limpar e desimpedir o prédio deste.

Os réus contestam alegando:

O prédio … após a desanexação dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 9… e 6… também ficou a pertencer à ex-mulher do autor na partilha efetuada na sequência do divórcio. Aquele prédio tinha uma área de 3.227m2. As áreas dos dois prédios resultantes da desanexação sempre foram muito diferentes. A isto acresce que a demarcação só poderia ser efetuada com os atuais proprietários do prédio inscrito na matriz no artigo ...

Os réus alegam que há mais de 20 anos que andam na posse do prédio com a área que atualmente tem e que o autor alega de má-fé.

Os réus requereram a intervenção provocada do vendedor do prédio de que são proprietários.

Assim, foram admitidos a intervir acessoriamente os vendedores do prédio … como auxiliares na defesa dos réus.

O autor requereu a intervenção provocada dos proprietários do prédio inscrito na matriz no artigo …, do qual foram desanexados os prédios de autor e réus e com os quais confinam.

Assim, foram admitidos a intervir a título principal ...

O Sr. Juiz do Tribunal Judicial de Viseu proferiu a seguinte decisão final:

“Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide:

- Julgar improcedente, por não provada, a presente ação.

- Absolver os réus do pedido.”.

2.O Objecto da instância de recurso

A…, notificado de tal decisão, interpôs a sua apelação, alinhavando as seguintes conclusões:

Os apelados R… E M… , responderam ao recurso, dizendo:

O Sr. Juiz do Tribunal de Viseu alinhavou os seguintes factos:

Como sabemos, a norma do art.º 1353.º do Código Civil possibilita que, “O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles”.

Consagra esta disposição legal o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.

Visando efectivar aquele direito, as acções de demarcação apresentam uma causa de pedir complexa, traduzindo-se na invocação da titularidade de prédios distintos, da confinância e, por último, da controvérsia quanto aos limites, sendo certo que se trata da acção adequada ainda naquelas situações em que a linha limite é conhecida e indiscutida, destinando-se a acção a obter o concurso do dono do prédio vizinho para a mera aposição dos marcos.

Logo por via da norma do artº 1354º nº2 CCiv se vê que o direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si - tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado artº 1354º.

Com a inexistência de uma linha demarcatória, o tribunal deve pronunciar-se nos termos dos artºs 1353º e 1354º Código Civil.

Isto é assim, de facto, também porque nos encontramos perante um direito potestativo, isto é, “direito que o titular exerce por sua livre vontade, desencadeando determinados efeitos na esfera jurídica de outrem, independentemente da vontade deste” – sobre esta matéria, ver Profª Ana Prata, Dicionário Jurídico, 3ª ed., pg. 371 -.

A natureza do direito de demarcação e a sua mais geral inserção na área dos direitos potestativos impõem ao tribunal uma decisão em concreto, que obedeça aos comandos legais já supra citados.

A acção de demarcação vem a constituir uma acção pessoal e não real, porquanto não tem como fito principal ou acessório o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos (reais) definidos no art.º 2.º do C. Reg. Pred., por reporte ao art.º 3.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma; não se pretende obter através dela a declaração de um qualquer direito real ou a definição da sua amplitude; a qualidade de proprietário (de um dado terreno ou prédio), invocada pelo autor, é apenas condição da sua legitimatio ad causam; daí que a respectiva causa de pedir resida no facto complexo da existência de prédios confiantes, de proprietários distintos e de estremas incertas ou duvidosas», que não no facto que originou o invocado direito de propriedade - neste preciso sentido, por ex., Acórdão do S.T.J. de 29.6.00, publicado no BMJ 499.º pág. 294 -.

Os títulos existentes é que concorrerão para definição das estremas, e esta definição não faz nascer um novo domínio, respeitando antes o domínio pré-existente.

O conflito acerca do título é típico da acção de reivindicação, sendo que o conflito acerca dos prédios – v.g., a extensão dos mesmos – é próprio da acção de demarcação.

É certo que, a pretexto da definição de confrontações, a acção de demarcação não pode ser utilizada para um reconhecimento da propriedade sobre uma qualquer parcela de terreno, isto porque o pressuposto da demarcação é o do respeito pelos títulos existentes.

Esta constatação implica, pois, que não se deva aceitar a demarcação que, ao menos pelos limites do pedido ou das consequências do julgado, venha a constituir uma verdadeira acção de reconhecimento de propriedade, ao menos em contra do já decidido na prévia acção de reivindicação.

Vamos aos autos.

Existiu um prédio rústico inscrito na matriz predial respetiva da freguesia de Fragosela sob o artigo ... Este prédio foi adquirido por via sucessória pelo autor da presente ação (ponto 9 dos factos provados). Foi alegada pelo autor a usucapião sobre o mesmo prédio, a fim de afastar a incerteza decorrente do princípio nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet. Nesta matéria, e que não é essencial para a questão que aqui se discute, o autor logrou provar que foi o titular do direito de propriedade sobre o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, o qual tinha uma área de 3.227m2, porque o adquiriu por usucapião (pontos 9, 10 e 11 dos factos provados e artigos 1287º, 1296º e 1297º do C. Civil).

O autor divorciou-se.

 No inventário subsequente ao divórcio, aquele prédio (artigo …) integrou o património comum a partilhar e foi dividido em 3 partes, sendo que os interessados quiseram que duas delas fossem iguais em área (ponto 20 dos factos provados).

Para esse efeito, em 10-11-1993 foram desanexadas do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, e que pertencia ao autor, duas delas, as quais deram origem aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 9… e 6... O primeiro foi adjudicado ao autor, o segundo à ex-mulher do autor, M... A esta foi ainda adjudicado o prédio rústico correspondente ao remanescente do prédio inscrito na matriz sob o artigo ... Esta, posteriormente, alienou esses prédios, sendo que o correspondente ao artigo 9… pertence hoje aos réus (ponto 3 dos factos provados), e o correspondente ao … pertence hoje aos intervenientes principais … e é um prédio urbano inscrito na matriz predial sob ao artigo … (ponto 8 dos factos provados).

Ora, à data daquele inventário, o prédio do qual foram destacados os prédios de autor (artigo 9..) e réus (artigo 6…) tinha a área de 3.227m2 (ponto 16 dos factos provados). Os prédios de autor e dos réus deveriam ter, cada um deles, a área de 270m2, como resulta dos títulos respetivos (inventário e inscrição matricial). Os três prédios são confinantes entre si (pontos 2, 3 e 8 dos factos provados), ou seja, não só os prédios de autores e réus confinam entre si como também confinam, ambos, com o prédio que hoje pertence aos intervenientes ...

Assim, temos que face aos títulos o prédio dos intervenientes deveria ter a área de 2.687m2 (embora resulte do título de que dispõe apenas a área de 2.685m2).

Em 1998, contra a vontade do autor, foram construídos muros a demarcar unilateralmente os prédios correspondentes ao artigo 9… e ao artigo … do prédio correspondente ao artigo 6.. (ponto 12 dos factos provados).

O que escreveu o Sr. Juiz da 1.ª instância.

“...no caso em apreço, o autor contesta o limite que o muro construído na divisória entre o seu prédio e o prédio dos réus pretende assinalar.

Todavia, já não contesta a linha divisória assinalada pelo muro construído para fazer a divisória entre o seu prédio e o prédio dos intervenientes. E existe alguma lógica nessa posição. Com efeito, face aos títulos existentes, o prédio que tem mais área do que aquela que o respetivo título autoriza é o prédio dos réus. O prédio dos réus tem 497,40m2 quando deveria ter apenas 270m2.

Assim, verificando-se que o prédio do autor tem menos 68m2 do que a área a que o título faz referência, e que o prédio dos intervenientes não tem mais área do que aquela que resulta do título respetivo, então, conclui o autor, a área que falta deverá estar no prédio dos réus. Logo, o limite que importa contestar é aquele definido pela parte do muro que divide o prédio do autor e o prédio dos réus. Tal raciocínio não é, porém, inteiramente exato porque a questão não é puramente matemática. O que importa é adequar os limites materiais dos prédios, no terreno, às áreas que correspondem a cada um deles, por força dos títulos respetivos. A situação de incerteza quanto aos limites dos prédios estende-se aos três prédios confinantes, pese embora em um deles (no caso, no dos intervenientes) os limites materiais (muros) assinalados e visíveis garantam uma área similar (inferior até) àquela a que o título faz referência. É que pode acontecer que a área que falta ao prédio do autor se deva encontrar no prédio dos intervenientes, e a parte que a estes ficaria assim a faltar esteja no prédio dos réus. Aliás, a linha sugerida pelo autor, e que o Sr. Perito julgou inexequível (“na parte traseira das habitações (alçados posteriores) não é possível fazer essa delimitação”), revela bem que, na prática, a demarcação entre os prédios de autor e réus não poderá ser efetuada sem para esse efeito concorrerem também os intervenientes.

Ora, os intervenientes foram admitidos a intervir ao lado dos réus precisamente por se ter considerado que existia uma situação de listisconsórcio necessário passivo entre eles, tendo portanto igual interesse em contestar a ação.

De acordo com o disposto no art. 1353º do C. Civil “O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.” Assim, e como se decidiu no acórdão do STJ de 09/10/2006 (relator Alves Velho) in www.dgsi.pt. na ação de demarcação “o autor indica os limites que entende mas sujeita-se a um resultado que pode ou não coincidir com a linha proposta, podendo obter total ou parcial ganho de causa ou nenhum.”

 Portanto, na ação de demarcação não vigora o princípio actore non probante, reus absolvitur.

Autores, réus e intervenientes principais têm o mesmo ónus de indicar e provar a exequibilidade da linha divisória. Ou seja, neste tipo de ação todos têm o mesmo interesse em definir os limites materiais dos prédios confinantes. Por isso, todos devem concorrer para a demarcação das estremas. Daí que se diga que a ação de demarcação constitui um caso de iudicium duplex. Assim, em caso de total inércia das partes, o juiz deverá supri-la oficiosamente a fim de acertar a estrema entre os prédios das partes, mas ainda aqui sem ultrapassar os limites impostos pelo princípio do dispositivo.

O modo de proceder à demarcação fica confinado ao disposto no art. 1354º do C. Civil.

Em primeiro lugar, de acordo com este preceito há que atender ao que consta dos títulos, se estes não forem suficientes à posse em que andem os confinantes ou à demarcação segundo outros meios de prova (nº1).

No nosso caso, os títulos não são suficientes para fixar as estremas entre os prédios pois eles apenas nos revelam a área de cada um; a posse de autor, réus e intervenientes também não é critério viável pois, como acima se disse, o que o autor contesta são os limites aparentes dos prédios e, consequentemente, a posse que nesses limites se exerce, sendo que esta é incompatível com a área resultante dos títulos; por fim os demais meios de prova não foram suficientes para se poder fixar a linha das estremas, já que até da prova pericial realizada apenas se constata que a linha proposta pelo autor não é exequível.

Em segundo lugar, os nºs 2 e 3 do artigo 1354º do C. Civil estatuem que se a questão não puder ser resolvida nos termos do nº1, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais, sendo que se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.

Ora, face à concreta situação dos prédios e ao que sobre eles se apurou, não é viável a demarcação nestes termos.

Com efeito, o problema que aqui se coloca não é o de distribuir os metros quadrados que os títulos atribuem a autor, réus e intervenientes principais em abstrato.

 A dificuldade é a de os atribuir em concreto, com referência ao terreno da totalidade do prédio a que correspondeu (antes das desanexações) o prédio inscrito na matriz predial rústica de Fragosela sob o artigo ….

Esta dificuldade existe porque nestes foram edificadas casas, anexos e outras construções que não permitem uma divisão geométrica abstrata do terreno.

 Nesta medida, teria sido necessário que ao concorrerem para o estabelecimento da linha divisória os réus e/ou os intervenientes propusessem uma linha divisória diferente da proposta pelo autor (já que a por este indicada se mostra em concreto inviável).

Por seu lado, importaria que o autor propusesse uma linha divisória que tivesse em conta o prédio dos intervenientes. É que ao propor a ação apenas contra os réus a única linha que poderia propor era aquela que efetivamente sugeriu. Todavia, esta não é aceitável como a própria perícia refere e como facilmente se consta ao analisar a planta onde tal linha se encontra desenhada.

Assim, e em nosso entender, não é possível demarcar o prédio do autor não obstante o título de que dispõe, face às condicionantes supra referidas.

Todos os demais pedidos ficam prejudicados, atento o sobredito”.

Para colocarem em causa esta argumentaria, escrevem os recorrentes:

“Ficou provada a titularidade dos prédios e a sua confinância. São três, têm todos proprietários diferentes (A., RR. e interveninetes), confinam entre si e há incerteza quanto à localização da respectiva linha divisória, porque nunca foram demarcados entre si.

Com efeito, o autor alegou que é dono de um prédio (artigo matricial 9…) que resultou da desanexação de um outro prédio (artigo matricial …). Este último prédio foi herdado pelo autor de seus pais. Deste prédio também foi desanexado um outro prédio, que é dos réus (artigo matricial 6..).

Isto aconteceu na sequência do divórcio do A. com a sua então mulher, tendo sido adjudicado ao A. o primeiro (artigo matricial 9…) e a sua ex-mulher foi adjudicado o outro (art. 6..). Mais alegou que ambos deviam ter ainda áreas idênticas (270m2)) e não têm. O do autor (artigo matricial 9…) tem só 202 m2 e o outro (artigo matricial 6…) tem 497,40m2.

O RR. contestaram dizendo que o prédio do art. … ( o prédio mãe) após a desanexação do prédios inscritos na matriz sob os arts. 9… e 6.., também ficou a pertencer à ex-mulher do autor na partilha efectuada na sequência do divórcio.

O autor requereu então a intervenção provocada dos proprietários do prédio inscrito na matriz sob o art. …, do qual foram desanexados os prédios do autor e réus e com os quais confinam.

Temos, assim, que na acção estão todos os proprietários dos prédios que antes da desanexação constituiam o prédio mãe.

E temos também que da matéria de facto resultou provado que o prédio inscrito na matriz sob o art. 9… é propriedade do autor, o prédio inscrito sob o art. 6… é propriedade dos RR. e o prédio inscrito no art. … é propriedade dos intervenientes chamados à acção pelo A. Todos, pois, como proprietários diferentes e todos a confinar uns com os outros.

Também resultou da matéria de facto provada que contra a vontade do autor, em 1998, foi construído um muro a demarcar unilateralmente o prédio correspondente ao art. 6.. e ao art. … do prédio do A. inscrito na matriz sob o art. 9… (v. resposta aoponto 11 da base instrutória).

Ficou provado que o prédio inscrito na matriz sob o art. 6…, devia ter uma área de 270m2 e tem, por força dessa demarcação unilateral 497,40m2 (v.resposta aos nº.s 13, 18 e 19), enquanto que o do autor tem só 202 m2 (v. resposta ao nº 14).

E FICOU TAMBÉM PROVADO QUE COMO OS PRÉDIOS EM CAUSA FORAM DESANEXADOS DE UM QUE ANTES PERTENCIA AO AUTOR E À SUA EX-MULHER, NUNCA AS ESTREMAS DELES, QUE CONFRONTAM UNS COM OS OUTROS ESTIVERAM CONSENSUALMENTE DEMARCADAS (V. RESPOSTA AO Nº 17).

Em suma: estão provados todos os requisitos para que a acção fosse julgada procedente e se procedesse à demarcação.

Porém, o Mº Juíz “a quo” julgou a acção improcedente.

E o que fez com que a acção fosse julgada a improcedente, se bem se percebeu a douta sentença, foi o facto de o A. ter indicado uma linha divisória que, para o Mº Juiz “a quo” é inexequível.

Desde já se adianta que tal nunca pode ser fundamento de improcedência da acção.

Na verdade, a demarcação não está dependente da indicação de linha divisória e muito menos do seu acerto. A linha divisória há - de ser definida pela via da aplicação sucessiva dos critérios previstos no art. 1354º do Código Civil. É que a indicação de linha divisória não integra necessariamente a causa de pedir.

As acções de demarcação têm como fim acabar com a situação de incerteza quanto ao traçado da linha divisória ou fixar uma quando ela não existe ainda.

A linha divisória até pode ser desconhecida de um dos proprietários ou até de todos.

No caso dos autos nunca houve nenhuma linha divisória.

A indicada pelo A. na petição inicial era tão só uma linha que permitia com que o seu prédio ficasse com a área que efectivamente deve ter (270 m2) à custa do prédio dos RR. inscrito na matriz sob o art. 9…, que tinha 497,40 m2, ou seja o suficiente para perfazer a área que faltava ao prédio do autor e ainda assim, depois disso, ficar com mais área que a que lhe competia.

 Na douta sentença recorrida observa-se, todavia, e muito bem, que pode não ser assim: “o que importa é adequar os limites materiais dos prédios, no terreno, às áreas que correspondem a cada um deles, por força dos títulos respectivos. A situação de incerteza quanto aos limites dos prédios estende-se aos três prédios confinantes...” . “É que pode acontecer que a área que falta ao prédio do autor se deva encontrar no prédio dos intervenientes, e a parte que a estes assim ficaria a faltar esteja no prédio dos RR.”

 Em suma: o que o Mº Juíz quer dizer – no que o autor está de acordo - é que na fixação da linha divisória não terão que entrar apenas os prédios inscritos na matriz sob os artigos 9… e 6…, mas também o prédio inscrito na matriz sob o artigo 934º ...

Ou seja: para o MºJuiz “a quo” estão reunidas todas as condições para que se faça a demarcação do prédio do A . RR e intervenientes.

Estes estão todos no processo”.

 Mais.

“…Só que, depois, o Mº Juíz “a quo”, sem qualquer fundamentação de facto que o justificasse, proferiu uma sentença em contradição com esta fundamentação.

Diz assim a douta sentença: ”o problema aqui não é o de distribuir os metros quadrados que os títulos atribuem ao autor, réus e intervenientes em abstracto.

A dificuldade é a de os atribuir em concreto com referência ao terreno da totalidade do prédio a que correspondeu (antes da desanexação) o prédio inscrito na matriz predial rústica de Fragosela sob o art. …”.

E termina dizendo - para estupefacção do autor - que a dificuldade existe porque foram edificadas casas, anexos e outras construções (que não se sabe o que é, diz o autor) que não permitem uma divisão geométrica abstracta do terreno.

Ora tais afirmações não têm nenhum fundamento na matéria de facto considerada provada e nem sequer vêm fundamentadas em termos formais. É que não há casas, anexos ou construções que impeçam a demarcação tal como foi proposta pelo autor. E muito embora esta não tenha que ser geométrica, no sentido de que não tem que possuir uma forma semelhante à das configurações precisas e exactas da geometria, o certo é que, como resulta do relatório pericial, sendo feita como o autor propôs, a divisão geométrica é exequível e o seu prédio fica com a área que lhe compete e o dos RR. ainda fica com mais área que a que devia ter, mas agora à custa do prédio dos intervenientes.

Está provado que as estremas nunca estiveram consensualmente demarcadas  (v. resposta ao nº 17).

O M.o Juíz “a quo” equivocou-se claramente quando invocou a resposta que a sra.Perita deu ao nº 19.

 A sra. Perita não quis dizer (nem podia até porque não foi isso que se perguntou) que a linha divisória proposta pelo autor era inexequível.

O que a sra. Perita diz é que “não se apresenta nada no local que indicie essa delimitação” (sic!). Mas é obvio que não. O Autor nunca disse que que a linha divisória era por ali. O que o autor alegou foi que os prédios nunca foram demarcados e que para o seu ter a área que lhe compete a linha divisória a fixar devia ser por ali, o que é totalmente diferente. Portanto, tal linha era uma linha proposta para demarcação – não existente ainda - e não uma linha que já existisse.

E quando a sra. Perita diz que não é possível fazer essa delimitação, quer dizer que não tem lá sinais que revelem qualquer delimitação por ali e não que não possa vir a ser fixada por ali.

 É óbvio que era para ser feita depois. A sra. Perita foi induzida em erro pela forma como estava formulado o quesito 18: ”a linha delimitadora entre os prédios e aquela assinalada a vermelho na planta de fls.35?” E a seguir pelo quesito 19.

Basta ler os esclarecimentos que a propósito desta resposta a sra. Perita deu para se perceber que a razão está do lado do autor.

Na verdade, o autor, na sequência das respostas dadas inicialmente pela sra. Perita, fez o requerimento de 01-10-2012, a solicitar esclarecimentos, assim:

A matéria que consta do nº 18 da base instrutória foi alegada no art. 27º da petição inicial, como aliás também a do nº 19. Tal matéria constitui objecto da perícia. Só que a sra. Perita só deve ter lido tal matéria só como se encontra redigida na base instrutória, pelo que não compreendeu o seu real sentido.

Assim, com vista à descoberta da verdade material, requer a V.a Ex.a que a sra. Perita esclareça as respostas aos quesitos 18 e 19, mas enquadrados no seu contexto.

O que se retende saber é se, para o prédio do autor ter 270m2 a linha tem que ter a que consta dos quesitos 18 e 19 ou se com uma linha assim definida o prédio do A. tem 270m2. Daí ter-se alegado no art. 27º da petição inicial. “Para tal deve a linha delimitadora entre os dois prédios.......” .

Sendo este o enquadramento desta matéria, devia o sra. perita responder tendo em  conta o mesmo, ou seja: Se para o prédio do A. (inscrito na matriz sob o art. 9…) ter 270m2. “A linha delimitadora entre os dois prédios e aquela assinalada a vermelho na planta de fls.35” (quesito 18).

“ A qual se inicia à frente das casas, a norte, num ponto que dista da estrema poente da do prédio do autor, 12,987m, segue no sentido sul até atingir a esquina da casa dos RR., na parte em que está mais próxima da do A., flecte, depois de contornar aquela, para nascente junto à parte de trás dos anexos, até um ponto situado a 8 metros, e a partir deste flecte para sul até um ponto situado a 7,28m da estrema nascente do prédio dos RR” (Quesito 19º).

Ou se com uma linha assim definida o prédio do A. fica a medir 270m2.”

E a sra. Perita esclareceu: “Enquanto na zona frontal dos prédios a linha delimitadora apresentada na planta da folha 35 como limite dos dois artigos é perceptível nolocal, como mostra a foto 1, o mesmo não acontece na parte posterior dos prédios em que essa delimitação é impercebível (foto 2). Posso no entanto afirmar que com essa linha delimitadora o prédio do A. fica a medir os 270 m2” .

Portanto, não tem qualquer fundamento de facto o que vem dito na douta sentença, quando se refere que a sra. Perita considerou a linha divisória inexequível.

Mas mesmo que assim fosse, daqui não se segue que os prédios tenham de ficar por demarcar. Lá por não ser exequível – que não é – o autor tem direito a ver os prédios demarcados. Se a linha proposta pelo autor não for exequível terá de se encontrar uma que o seja, com recurso aos critérios do art. 1354º do C.Civil.

 Por isso, o autor não esperava que depois da fundamentação de facto e do enquadramento jurídico quanto aos requisitos da demarcação (todos eles alegados e provados) o Mº Juíz “a quo” concluísse daquela forma: os prédios não serão demarcados porque a linha alegada pelo autor não se provou e não é sequer exequível.

Desde logo, repete-se, não é isso que diz a sra. Perita. A sra. Perita diz que se a divisão fôr pela linha indicada pelo autor, o prédio deste fica com a área que lhe compete (270 m2) e o dos RR. ainda fica com mais área que a que lhe pertence.

Mas se ainda assim se entender ser outra a linha divisória, nomeadamente na parte posterior do prédio do autor, onde confronta com o prédio dos intervenientes, com a “cedência” de área deste, a qual por sua vez seria “compensada” com igual área do prédio dos réus, na parte em que estes confrontam com aqueles, o autor não tem nada a opor. É que, ou por um lado (o proposto pelo autor), ou por outro, tudo é possível na pratica e em concreto para que se proceda à efectiva demarcação, não se percebendo como é que é possível dizer-se coisa diferente.

Ao A. pareceu que sendo “compensado” directamente pelos RR. seria mais fácil, já que os intervenientes também têm área a menos. Mas o A. não tem nada a opor que a linha divisória entre o seu prédio e o dos intervenientes seja feita à custa de área deste, sendo depois “compensado” no outro lado com igual área dos RR.

Tem é que se passar agora – provados que estão os pressupostos para que a acção seja julgada procedente ao segundo “momento” que é o do estabelecimento da linha de demarcação, e não, dizer-se, como na douta sentença, que não é possível estabelecer a mesma.

Ora, o relatório da sra. Perita diz que a linha proposta pelo autor alcança o desiderato pretendido. Se o Mº Juíz “a quo” entende que não, devia fundamentar e não fundamentou, e definir outra linha divisória. E se entendesse que não dispunha de elementos, devia essa concreta fixação ser a fixar em incidente de liquidação de sentença.

Paradigmático a este propósito é, entre outros que também o são, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-09- 2008 (Proc. 139/05.6TBVZL, in www.dgsi.pt), onde se pode ler:

“Num “primeiro momento” tratando-se da caracterização da sua causa de pedir da acção de demarcação, vale à partida em matéria de ónus da prova, o art.342º, nº1 do CC, com a consequente necessidade de o autor provar os factos constitutivos do direito que alega (o seu direito de demarcação), ou seja, (…) a)que os prédios a demarcar são confinantes e pertencem a distintos titulares; b) que as estremas desses prédios são incertas ou duvidosas.

Subsequentemente, no “segundo momento” correspondente já à concretização da demarcação através dos critérios da decisão plasmados no art. 1354º do CC, deixa de valer enquanto critério de decisão, o sucesso ou insucesso da actividade probatória da parte que, propondo a acção, forneça ao tribunal uma determinada forma (ou local) de fixação das estremas dos prédios.

 Importa ter presente que a aplicação genérica à acção de demarcação dos arts. 342º CC e 516º do CPC obrigaria o autor a alegar e demonstrar uma concreta forma ou local de demarcação dos dois prédios e, face ao fracasso (do autor) em provar essa concreta forma ou local de separação, a suportar, mesmo que por ficção, uma decisão – rectius, uma demarcação de sentido contrário à por ele propugnada, ou uma “não decisão” traduzida no perpetuar da incerteza quanto aos limites dos dois prédios.”

Com todo o respeito pelo ilustre colega da 1.ª instância, parece-nos que a razão está da parte do recorrente e do seu ilustre mandatário.

De facto, tendo as acções de demarcação por escopo pôr fim à incerteza sobre o traçado da linha divisória, logo se intui que pode haver casos em que a mesma é desconhecida de um dos donos ou até de ambos, sendo todavia mais frequentes as situações em que existe controvérsia sobre os limites, litígio que carece de ser previamente resolvido.

Seja como for, num e noutro casos, devem os proprietários confinantes exibir os títulos ou provas que legitimam a extensão do respectivo domínio, assim concorrendo para a definição das estremas, delimitação que é a finalidade da acção.

Deste modo,“…desde que, portanto, se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles (seja porque, indiscutida entre os proprietários confinantes, não está marcada, sinalizada no terreno, seja porque ela (isto é, a sua localização), é objecto de controvérsia entre eles, seja porque eles pura e simplesmente desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação – retirámos o texto do acórdão do STJ de 10.5.2012, proferido no processo n.º 725/04.1 TBSSB.L1.S1, disponível no site www.dgsi.pt -.

Se a divisão da área conflituante não puder ser resolvida pelos títulos de cada um, será sucessivamente resolvida pela posse ou outros meios de prova; no limite, não podendo ser resolvida por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes.

Ora, se assim é, afigura-se que o autor só tem que alegar e provar os factos constitutivos do direito à demarcação, a saber: a confinância dos prédios, a titularidade do respectivo direito de propriedade na sua própria pessoa e do demandado e, finalmente, a inexistência, incerteza, controvérsia, ou tão só desconhecimento sobre a (localização da) respectiva linha divisória – neste sentido, por ex. o Acórdão desta Relação de Coimbra de 15.10.2013, no site referido -.

Mais, é sabido que a reforma processual de 95/96 pôs termo à previsão da acção de demarcação como um processo especial, mas, a actual acção comum de demarcação tem que, em abstracto, continuar a considerar-se os vários “momentos” que antes existiam, autonomamente, no processo especial: no primeiro “momento” resolve-se a questão do direito à demarcação, de acordo com a prova da existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são incertas ou duvidosas; no segundo “momento” passa-se, então, ao estabelecimento da linha de demarcação – Acórdão desta Relação de Coimbra de 7.2.2012, retirado do site www.dgsi.pt.

Acresce que, na acção de demarcação, nos termos do art. 1534º, em particular do seu nº 2, as situações de incerteza resolvem-se necessariamente pela solução salomónica da divisão do terreno em litígio por partes iguais, pelo que não é concebível que um “non liquet” probatório em matéria de demarcação dê lugar à improcedência da acção, como se estivesse em causa a mera aplicação do artº 342º, nº 1, do C. Civil, segundo o qual aquele “non liquet” se resolve por um “liquet” contra a parte a quem incumbe o ónus da prova do facto - neste preciso sentido, o Acórdão da Relação de Évora de 4.11.2009, retirado do site www.dgsi.pt -.

Aí se escreve que, “...o caso particular da acção de demarcação – e também por estar em causa o exercício de um direito potestativo – duas consequências desse ponto de vista se assinalam: não pode nunca a acção terminar com uma decisão de improcedência, por falta de prova quanto aos limites ou área dos prédios, sob pena de ficar definitivamente comprometida (por força do caso julgado) a possibilidade de as partes obterem a concretização do seu direito de demarcação; sempre aquela terá de culminar com a decisão de uma concreta demarcação, pelo que terá sempre de se definir uma concreta parcela de terreno em litígio, mediante a realização de todas as diligências probatórias adequadas, e, na impossibilidade de definição dos limites dos prédios com base em qualquer meio de prova, essa carência de prova implicará, no limite, a divisão do terreno litigioso em partes iguais (segundo o critério do artº 1354º, nº 2, do C. Civil) (…) O preceito (o artigo 1354º, nº 2) deve ser usado para ilustrar o carácter inaceitável de uma (não) solução a que a ”teoria das normas” conduziria.

Pressupõe-se, na lei, que a demarcação não possa “ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova”, ou seja, prevê-se um non liquet que escapa às presunções dos artigos 1268º/1 e 1252º/2 (do CC). Os postulados rosenberguianos implicariam que quem pedisse a demarcação provasse a constituição da propriedade sobre aquela fracção de terreno e que, não podendo fazê-lo, a sua pretensão fosse desatendida. A outra parte teria de fazer prova simétrica, não conseguindo demarcação favorável na sua falta. Note-se que não estamos perante “contranormas”, mas sim “normas autónomas incompatíveis”, que se distinguem por o preenchimento de uma impedir o preenchimento da outra, daí resultando que, num confronto de “normas incompatíveis”, a incerteza incida sempre simultaneamente sobre a verificação de ambas as facti species. O resultado seria uma decisão de “improcedência”, o que, no caso da demarcação, é claramente inadequado, pois não se pede a declaração de certo direito, mas sim a dos limites do seu objecto, pelo que “improcedência” seria sinónimo de “não decisão”, i.e., conservação da incerteza anterior ao processo. (…). Quer dizer: a “manutenção do estado actual” (a pura indeterminação, mesmo em termos “fácticos”) não merece tutela jurídica. Não intervindo outro princípio de distribuição do ónus da prova (pense-se, p. ex., no artigo 344º/2 (do CC)), o único meio disponível é uma atribuição material segundo a ideia de igualdade”.

Cremos estar suficientemente demonstrada a impossibilidade de uma decisão de improcedência como a que teve lugar nos presentes autos.

Ficou feita a prova dos pressupostos exigidos para efeitos do primeiro momento da acção de demarcação: carácter confinante dos prédios e incerteza das estremas.

Logo, estamos já no segundo momento, em que não funcionam as regras do ónus da prova, mas antes se deve proceder à averiguação dos limites e áreas dos prédios, bem como delimitar a parcela de terreno sob litígio, e, caso não se apurem aqueles limites e áreas, far-se-á aplicação da divisão salomónica da referida parcela.

E para essa averiguação devem contribuir as partes, mas também o próprio tribunal pode realizar diligências de iniciativa oficiosa – terá de funcionar, nesta matéria, a plenitude dos princípios do inquisitório e da cooperação -, mesmo que, como é o caso dos autos, da matéria de facto assente pela 1.ª instância não decorra uma exacta delimitação da parcela de terreno em litígio.

Como ensina o citado acórdão da Relação de Évora, “...na vigência do antigo artº 1058º do CPC, o tribunal determinava a realização de perícia, tendo os peritos papel fundamental na definição dos limites e áreas dos prédios. Hoje, nada obsta a que o tribunal determine oficiosamente a produção de prova pericial (cfr. artº 579º do CPC), desde logo para obter a delimitação da parcela em litígio – sendo ainda de promover e acolher a colaboração das partes nesse desiderato, que é do seu interesse alcançar.

Como enquadrar, então, processualmente a necessidade de adequar a tramitação da presente acção ao cumprimento do artº 1354º do C. Civil?

Cremos que a situação presente se traduz numa carência de ampliação da matéria de facto, insuprível pela simples reapreciação dos elementos de facto disponíveis, de modo a alcançar-se o conhecimento sobre a delimitação da parcela de terreno em litígio – cabendo ao tribunal a quo realizar todas as diligências que se lhe afigure necessárias para alcançar esse desiderato, com vista ao cabal cumprimento do disposto no artº 1354º, nº 2, do C. Civil. Note-se que não constitui obstáculo a essa ampliação uma eventual carência de alegação de factos pelas partes (atento o disposto no artº 264º, nº 2, 1ª parte, do CPC), já que a matéria a apurar se enquadrará no conceito de factos instrumentais (ao abrigo do artº 264º, nº 2, 2ª parte, do CPC), sendo por isso perfeitamente cognoscível pelo tribunal”.

Daí que se entenda haver fundamento para a anulação da decisão proferida na 1ª instância e a determinação da repetição do julgamento, ainda que apenas na parte necessária ao apuramento da nova matéria.

Assim sendo, ao abrigo do artº 712º, nº 4, do Código do Processo Civil, anulamos a sentença recorrida, determinando:

i. a ampliação da matéria de facto, com vista a apurar a delimitação das parcelas de terreno em litígio;

ii. e a repetição do julgamento, apenas na parte necessária ao apuramento da nova matéria, com a realização pelo tribunal da 1.ª instância de todas as diligências que se lhe afigure necessárias para alcançar esse desiderato, com vista ao cabal cumprimento do disposto no artº 1354º, nº 2, do Código Civil.

3.Decisão

Pelas razões expostas, na procedência do recurso interposto pelo autor, anulamos a decisão proferida pela 1.ª instância determinando:

i. a ampliação da matéria de facto, com vista a apurar a delimitação das parcelas de terreno em litígio;

ii. e a repetição do julgamento, apenas na parte necessária ao apuramento da nova matéria, com a realização pelo tribunal da 1.ª instância de todas as diligências que se lhe afigure necessárias para alcançar esse desiderato, com vista ao cabal cumprimento do disposto no artº 1354º, nº 2, do Código Civil.

Sem custas.

Coimbra, 13 de Maio de 2014.

(José Avelino Gonçalves – Relator -)

(Regina Rosa)

(Jaime Carlos Ferreira)