Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2935/15.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO SUPLEMENTAR
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 17-A, 17-D, 17-F, 194 CIRE, 139 Nº5 CPC
Sumário: 1. A faculdade de apresentação da peça processual nos três dias seguintes, prevista no artigo 139º, nº5 do CPC, não é aplicável ao prazo para dedução de impugnações à lista de credores provisória no âmbito do PER.

2. A atribuição de um tratamento diferenciado por parte do plano de revitalização a determinados credores, terá de ser fundamentada, ou seja, terá de ser acompanhada da exposição das razões que o justificam e o tornam imprescindível à revitalização do devedor.

3. A consagração de um perdão de 90% dos valores das indemnizações devidas pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa dos trabalhadores, sem o respetivo consentimento, quando não se encontra previsto qualquer perdão de capital para os demais créditos, constituiu uma grave violação do princípio da igualdade entre os credores previsto no artigo 194º do CIRE.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

No presente processo especial de revitalização respeitante a Q (…), Lda.,

Os credores A (…), C (…), L (…), O (…), R (…), V (…) e W (…), vieram deduzir impugnação à lista provisória de créditos reconhecidos apresentada pela Sra. Administradora Judicial Provisória, por esta não ter reconhecido alguns dos valores dos créditos por si reclamados, nomeadamente parte das quantias por si peticionadas a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho nos termos do artigo 396º do CT.

Por despacho de 24.06.2015, tal impugnação foi indeferida por extemporânea.

Notificados de tal requerimento, os impugnantes vieram alegar terem enviado a sua impugnação não no dia 15, mas no dia 12.06.2015, e não antes, por motivos técnicos relacionados com a comunicações eletrónicas de dados, requerendo que se digne considerar tal impugnação por tempestiva.

Por despacho de 15.07.2015, o juiz a quo, apreciando este último requerimento, mantém o indeferimento da impugnação de créditos.

Por despacho de 17.07.2015, o juiz a quo apreciou as impugnações apresentadas por alguns trabalhadores e pela C (…), referindo que, quanto aos créditos que não foram objeto de impugnação, a lista provisória se converteu em lista definitiva.

Por requerimento enviado pelo correio a 14.07.2015 (fls. 622 e ss.), os referidos credores impugnantes, declararam interpor recurso de apelação do despacho que indeferiu a impugnação da lista provisória, juntando as respetivas alegações.

Por requerimento enviado pelo correio a 07.07.2015 (fls. 670 e ss.), os referidos credores impugnantes, vieram declarar interpor recurso de apelação do despacho que converteu a lista provisória de credores em definitiva.

Por despacho de 18.09.2015 (fls. 770), o juiz a quo veio a proferir a decisão da qua se recorre:

- indeferiu ambos os recursos interpostos pelos credores/Apelantes;

- proferiu decisão de homologação do plano de revitalização.


*

Inconformados com tal decisão, os referidos credores impugnantes dela interpõem recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]:

1 - Vem o presente recurso interposto dos despachos proferidos por V. Exa que indeferiram os dois recursos pelos mesmos interpostos e os condenou em custas fixando a taxa de justiça, em cada um, em 2UC, e, bem assim, do despacho de homologação do plano de revitalização constante de fls. 713-769 dos autos, não concordando os recorrentes nem se conformando com qualquer dos referidos despachos.

2 – Com efeito, considerou o Tribunal a quo que a decisão de indeferimento do recurso interposto pelos recorrentes sobre o despacho que indeferiu as impugnações, pelos mesmos, apresentadas à lista provisória de créditos, não era recorrível e em consequência indeferiu o recurso interposto, o que fundamentou no facto de considerar que a mesma não se encontra prevista nos ns. 1 e 2 do art. 644º do C.P.C., e por se seguir de perto a doutrina de Fátima Reis Silva que considera que a decisão de impugnação da lista provisória de créditos não é autonomamente recorrível.

3 – Ora o despacho em causa, impediu que a impugnação dos ora recorrentes à lista de créditos provisória fosse devidamente apreciada, impediu que os mesmos tivessem visto reconhecido o valor total de que se consideram ser credores para com a sociedade requerente, abstendo-se de sindicar uma decisão de não reconhecimento tomada pela Senhora Administradora Judicial Provisória.

4 – Não obstante a posição doutrinária constante da decisão proferida, o certo é que a maioria da doutrina tem posição totalmente oposta, ou seja, no sentido da recorribilidade autónoma desta decisão (…)

5 – (…).

6 – Consideram ainda os recorrentes que o despacho em causa, tem de se considerar um despacho de rejeição de um articulado nos termos previstos na alínea d) do nº 2 do art. 644º do C.P.C., e como tal, encontra-se expressamente prevista a admissão do recurso de apelação da mesma.

7 - Face ao que não podem os recorrentes deixar de considerar que o despacho que indeferiu o recurso interposto do despacho que indeferiu a admissão das impugnações apresentadas pelos recorrentes à lista provisória de créditos, viola o disposto nos art.os 17.o, 17.o- D do CIRE, e 644.o do C.P.C., devendo ser revogado e substituído por outro que admita o referido recurso.

8 – Consideram consequentemente os recorrentes que não deviam ser condenados custas, por na realidade não terem dado origem a qualquer incidente, mas mesmo que assim não venha a ser considerado, sempre consideram que o montante de custas fixado, é manifestamente excessivo face à situação em concreto e à previsão constante do RCJ.

9 – Pugnando assim pela revogação da decisão de condenação em custas.

10 – Quanto ao recurso interposto do despacho que converteu em definitiva a lista provisória de créditos, decidiu o Tribunal a quo que tal despacho é de mero expediente, pelo que não é admissível recurso do mesmo nos termos do disposto no art. 630º, nº1 do C.P.C.. E ainda por, mesmo que assim não fosse entendido, considerar que a decisão em causa não se encontra elencada nos ns. 1 e 2 do art. 644º do C.P.C..

11 – O referido despacho foi proferido em 17/07/2015, ou seja em data em que já os recorrentes haviam interposto nos autos recurso sobre a decisão de indeferimento das impugnações pelos mesmos apresentadas à lista provisória de créditos reconhecidos, sem que sobre esse mesmo recurso tivesse sido proferida qualquer decisão, sequer a decisão de não admissão do mesmo.

12 – Razão pela qual não poderia ter-se por adquirido que a lista não tinha sido impugnada, e consequentemente considerá-la, assim, convertida em lista definitiva, nos termos do disposto no nº 4 do art. 17º-D do CIRE.

13 – Estando pendente questão relacionada com a impugnação dos valores dos créditos constantes da referida lista, sem que sequer tivesse sido proferido qualquer despacho sobre o recurso interposto, não podia a referida lista provisória ter sido, sem mais, convertida em lista definitiva.

14 – Ao ter convertido em definitiva aquela lista provisória, naturalmente que tal decisão teve implicações para os momentos seguintes do processo, nomeadamente a nível do processo de negociação e aprovação do plano, pelo que consideram os recorrentes que não se trata de um mero despacho de expediente, e que a impugnação da mesma apenas com o recurso da decisão final será inútil, a não ser que o recurso da decisão final venha a ser procedente.

15 – Face ao que não podem os recorrentes deixar de considerar que o despacho que indeferiu o recurso interposto do despacho que converteu em definitiva a lista provisória de créditos constante dos autos, viola igualmente o disposto nos art.os 17.o, 17.o- D do CIRE, 644.o do C.P.C., devendo ser revogado e substituído por outro que admita o referido recurso.

16 – Consideram também aqui os recorrentes que não deviam ser condenados em custas, por na realidade não terem dado origem a qualquer incidente, mas mesmo que assim não venha a ser considerado, sempre consideram que o montante de custas fixado é manifestamente excessivo face à situação em concreto e à previsão constante do RCJ.

Pugnando assim pela revogação da decisão de condenação em multa pelo alegado incidente, ou se assim não for entendido, pela isenção ou pelo menos redução da mesma.

17 – Na hipótese de os recursos já interpostos não virem efetivamente a ser apreciados, e se considerar que a impugnação dos mesmos deveria ser feita com o recurso da decisão final, expressamente impugnam os recorrentes as decisões proferidas sobre as quais apresentaram recurso.

18 – Quanto à decisão de indeferimento das impugnações pelos mesmos apresentadas à lista provisória de créditos reconhecidos consideram os recorrentes que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 17º do CIRE e 139º, nº 5 do C.P.C..

19 - Nos presentes autos de processo especial de revitalização, no âmbito do qual os ora recorrentes reclamaram créditos para com a requerente, foi publicada no portal Citius no dia 03.06.2015, a competente lista provisória de créditos reconhecidos.

20 - Por considerarem que da mesma não constavam valores por si reclamados e que efetivamente lhes são devidos apresentaram a competente impugnação da referida lista, impugnação que o Tribunal a quo jugou extemporânea e indeferiu, por considerar que o prazo para a apresentação das impugnações terminou no dia 11/06/2015 e que a referida impugnação foi “enviada a Juízo no dia 15.06.2015, pelas 20:44 horas (cf. fls. 534)”.

21 - Considerou ainda que “dadas a natureza do processo e sua finalidade, e ainda a previsão expressa do citado artigo 17.o-D, nº 3, do CIRE, não se aplica a este tipo de processos (e a este prazo em concreto) o disposto no artigo 139.o, nº 5, do Código de Processo Civil, atento o disposto no artigo 17.o do CIRE – (…)”.

22- A impugnação dos ora recorrentes não foi enviada a juízo em 15/06/2015, mas antes em 12/06/2015 (conforme cópia do email já junto ao processo em 03/07/2015 que aqui se dá por integralmente reproduzido);

23- A apresentação da impugnação mencionada, (naturalmente feita pela mandatária constituída) foi feita apenas nesse dia e por correio eletrónico por ter sido impossível a respetiva apresentação através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, denominado citius, face a motivos técnicos a que a mesma foi ( e é) totalmente alheia;

24- No dia 11/06/2015 foram encetadas, sem sucesso, várias tentativas no sentido de entregar a referida impugnação por transmissão eletrónica de dados através do aludido sistema, através das peças com as referências 19883389, 19883391, 19883393, 19883396, 19883397, 19883414, 19883415, 19883431;

25 - Contudo, por motivo técnico a que, sabe-se agora, a mandatária é totalmente alheia, não lhe foi possível proceder a essa apresentação pela via devida.

26- Todas as peças processuais criadas pela aqui mandatária no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais - citius – com destino ao presente processo acabaram por não ser transmitidas por um “erro de validação estrutural”.

27 - Atestou o serviço de apoio ao utilizador do citius que “ No âmbito do processo 2935/15.7T8CBR que corre termos na Comarca de Coimbra, Inst-Central – Sec. Comércio-J2 confirma-se que as peças com as referências 19883389, 19883391, 19883393, 19883397, 19883414, 19883415, 19883431 não puderam ser enviadas via Citius pela Ilustre mandatária Dr.a (…) por impossibilidade técnica devido ao elevado número de intervenientes do processo”.

28 - Tais peças foram criadas no final do dia 11/06/2015 pelo que já não foi possível à mandatária utilizar, nesse dia, qualquer dos meios alternativos para a apresentação da impugnação em causa.

29 - Por uma questão de precaução e dever de patrocínio foi junto à impugnação apresentada, comprovativo de pagamento devido nos termos do disposto no art.o139.o, n.o5 do C.P.C..

30 - Pelo que, e face ao exposto e à prova que já consta dos autos, entendem os recorrentes que a impugnação pelos mesmos apresentada não pode ser considerada extemporânea e consequentemente deve ser admitida.

31 – (…).

32 -Não há dúvidas que o processo em causa é um processo de natureza urgente, mas tal natureza não coloca em causa a aplicação ao mesmo dos princípios adjetivos aplicáveis a todo o nosso sistema judicial, mormente quanto à contagem e modalidade de prazos, a menos que o respectivo regime processual contivesse previsão especial diferente.

33 - Com efeito, estabelece o n.o1 do art. 138º do C. P. Civil, que “(…)”, determinando o n.o2 do mesmo artigo que “ (…)”.

34 - E estabelece ainda o art.139 C. P. Civil, que “ O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto” (no.3) e que “ Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento (...) de uma multa” (...)” ( no5).

35- Do cotejo destas normas, que contêm os princípios gerais adjectivos vigentes, resulta claro que, mesmo não ocorrendo justo impedimento, o decurso do prazo perentório a que alude o citado art.138o, no.1, só extingue o direito de praticar o respetivo acto, se este não for levado a cabo nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do referido prazo.

36 – (…).

37 - Inexiste na lei qualquer limitação à aplicação deste dispositivo, mesmo que no caso de processos considerados urgentes, muito menos o existe no CIRE por referência ao processo especial de revitalização e sequer por referência ao processo de insolvência.

38- No art. 138º do C.P.C. expressamente se faz uma ressalva quanto à regra geral da continuidade dos prazos para os processos que a lei considere como urgentes, considerando-se que nestes processos o prazo não se suspende nas férias judiciais, naturalmente que se fosse intenção do legislador que a regra prevista no n.o 5 do art.o 139.o do mesmo Código não fosse aplicável a estes processos urgentes naturalmente que o teria expressamente previsto.

39 - Não existe, assim, sequer qualquer fundamento verdadeiramente plausível que justifique a sua não aplicação, apenas pelo facto de se tratar de um processo urgente, já que na sua base está a proteção de direitos que se impõem mesmo que à natureza urgente de um processo.

 (…).

42 – E tão pouco se pode alegar que dada a natureza e finalidade do processo ( como consta do despacho recorrido) a aplicação do disposto no art.o 139., n.o 5 do C.P.C. iria trazer algum atraso ou delonga ao processo, já que não obstante a não admissão das impugnações dos ora recorrentes, outras impugnações à lista provisória existiram e a decisão sobre as mesmas só veio a ocorrer em 17/07/2015 - mais de um mês depois de as impugnações do aqui recorrentes terem dado entrada em juízo.

43 - Do que resulta que, não era o facto de as impugnações dos ora recorrentes terem dado entrada no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo para a respetiva apresentação que a sua apreciação iria trazer qualquer atraso para o processo, ou iria implicar uma decisão sobre as impugnações mais tardia...

44 – Tendo para todos os efeitos sido liquidada a multa respetiva, mesmo que não fosse julgado justificado o motivo que levou à apresentação apenas no referido dia, pelo menos, e nos termos do disposto no nº 5 do artº 139.o sempre deveria ser o acto praticado admitido, por praticado dentro dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, e ter sido liquidada a multa correspondente.

45– Violou assim o despacho recorrido o disposto nos arts. 17º do CIRE e 139º do C.P.C..

46 - Face ao que entendem os recorrentes que o despacho proferido deve ser revogado e substituído por outro que admita a impugnação apresentada.

47 - Quanto à decisão que converteu em definitiva a lista provisória de créditos, ao terem os ora recorrentes apresentado recurso do despacho de indeferimento das impugnações apresentadas, em 14/07/2015, e ao ter o Tribunal a quo, por despacho datado de 17/07/2015, e sem atender ao recurso já interposto, considerar, sem mais, que os créditos dos aqui recorrentes constantes de tal lista provisória não foram impugnados (face ao despacho antes proferido de que a impugnação pelos mesmos apresentada era extemporânea), decidiu em clara violação do disposto nos art.os 644.o e ss do C.P.C., por não se ter pronunciado antes sobre o referido recurso.

48 - Com efeito, consideraram os recorrentes que a apreciação daquela interposição de recurso era decisiva e imprescindível para que pudesse ser proferida a decisão de converter em definitiva a lista provisória de créditos.

49 - A ser julgado procedente o recurso antes apresentado pelos recorrentes, tal implicaria para o Tribunal a quo a apreciação das suas impugnações, e igualmente em caso de procedência do mesmo, o reconhecimento de um crédito aos impugnantes superior ao constante da referida lista provisória junta aos autos, pelo que sem essa decisão, ou pelo menos sem se pronunciar sobre o recurso antes interposto não podia ter sido convertida em definitiva aquela lista.

50 - Razão pela qual não podem deixar de considerar que o despacho em causa violou o disposto no art.o 17.o-D do CIRE, e deve, consequentemente, ser igualmente revogado com as devidas e legais consequências.

51 – Quanto ao despacho de homologação do plano de revitalização constante de fls. 713-769 dos autos, consideram os recorrentes que viola flagrantemente o disposto nos artss 17º-F, 24.o, 194º, 211º e 215 do CIRE, e bem assim os arts. 393º, 394º, 395º e 396º do C.T., devendo consequentemente ser revogado por outro que não homologue o referido plano.

52 – (…).

53- E sendo certo que o Tribunal a quo considera no despacho proferido que todos os procedimentos legais foram cumpridos, acaba por não se referir especificamente a tais procedimentos, nem aponta as razões pelas quais os considera verificados.

54 -Ora consideram os recorrentes que os termos dessa sindicância deviam estar expressos na decisão de homologação, no sentido de ficar claro, por exemplo, que os votos considerados foram conscientes, esclarecidos e ponderados, como o determina o disposto nos arts. 17º-F, 24º e 211º do CIRE.

55 - Com efeito foi junto aos autos o acordo de prorrogação do prazo legal de negociações, datado de 06/08/2015, onde se refere que “ apesar do avançado estado de negociações, bem como da iminente conclusão do plano de recuperação, não é possível em tempo útil divulgar o referido plano e chamar os credores a votar o mesmo até ao dia 11/08/2015...”, “...foi deliberado proceder em 04/09/2015 à notificação de todos os credores que aderiram às negociações para proceder á votação do plano de viabilidade até ao dia 11/09/2015”.

56 - Acontece porém que se desconhece, por exemplo, a forma de divulgação do plano aprovado (versão final datada de Setembro de 2015), e quanto aos votos, considerando que na sua maior parte são votos emitidos antes do referido dia 04/09/2015, mais concretamente votos emitidos desde o início do mês de Agosto, não se pode concluir, dos elementos constantes dos autos, que tais votos foram de facto conscientes, esclarecidos e ponderados.

57 - Estes procedimentos deveriam ter sido sindicados pelo Tribunal a quo e não foram, em violação do disposto nos arts. 17º-F e 215º do CIRE.

58 – Também não resulta da decisão proferida qualquer apreciação quanto à diferenciação que foi feita entre credores, por exemplo, por referência ao regime estabelecido para o grupo de credores correspondente aos trabalhadores desvinculados à data de apresentação do plano.

59 – Não obedecendo o Plano aprovado e agora homologado ao princípio da igualdade, como o impõe o disposto no art.194º do CIRE.

60 – Na decisão de homologação são apontadas diferenças cuja ratio subjacente a essa diferenciação se considerou resultar do plano, mas diferenças essas apenas em relação aos créditos do Estado e bem assim relativamente a credores bancários e outras entidades do sector financeiro.

61 - Em momento algum do despacho proferido se menciona os grupos de credores referentes a trabalhadores, nem se sindicam os diferentes tratamentos que entre estes grupos e os demais ocorrem.

62 - Contrariamente à maior parte dos regimes estabelecidos para os demais grupos de credores em que para além de perdão de juros de mora e fixação de períodos de carência, se manteve a intenção de pagamento integral do capital em dívida, para o grupo de credores – trabalhadores desvinculados à data da apresentação do plano - foi estabelecido para além do perdão de juros de mora relativamente às retribuições vencidas, ainda o perdão de 90% (noventa por cento) dos valores das indemnizações contratuais.

63 - Não resulta do plano apresentado, nem tal questão foi apreciada pelo Tribunal a quo, qual a razão objetiva que justifica que apenas este grupo de credores seja tão penalizado, quando para nenhum outro grupo de credores é fixado qualquer regime de perdão que vá além de juros de mora.

64 - Estamos, pois, indubitavelmente perante um grupo de credores injustificadamente prejudicado em relação aos demais.

65 - E tanto mais flagrante se afigura aos ora recorrentes que esta diferenciação é amplamente violadora do princípio da igualdade, quando em causa estão créditos laborais, respeitantes a trabalhadores que se desvincularam com justa causa, constituindo as indemnizações em causa um direito aos mesmo garantido legalmente por força do disposto no art. 396º do C.T..

66 - Aliás, de acordo com tal previsão, a aludida indemnização tem de ser calculada com o mínimo correspondente a 15 dias de retribuição por ano de antiguidade, ou seja, um mínimo bem superior ao valor que foi fixado pelo plano, isto é, 10% do seu valor total. Podendo-se assim concluir que o plano em causa acaba por contender com direitos destes trabalhadores que se devem ter por indisponíveis.

67 - De resto, não pode deixar de ser despiciendo que a aprovação do plano nunca dependeria da orientação de voto destes trabalhadores, tendo em consideração os montantes em débito e reconhecidos. Ou seja, a decisão de aprovação do plano estava na total disponibilidade dos demais credores que, assim, deliberaram este perdão quase total dos valores indemnizatórios dos trabalhadores, sem que o Tribunal a quo tenha exercido o devido e necessário controlo jurisdicional, no caso o controlo da legalidade do conteúdo do plano considerado aprovado.

Face ao que, consideram os recorrentes que, o despacho que homologou o plano de revitalização constante de fls. 713-769 dos autos deve ser revogado por outro que não homologue o referido plano.

Concluem pela revogação das decisões impugnadas de não admissão dos recursos antes interpostos nos autos pelos ora recorrentes, revogando o despacho que indeferiu a admissão das impugnações apresentadas pelos mesmos e o despacho que converteu a lista de créditos provisória em definitiva. E revogando-se o despacho que homologou o plano considerado como tendo sido aprovado pelos credores.


*

O Administrador Judicial provisório apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Código de Processo Civil, as questões a decidir são as seguintes:
1. Interposição de recurso do despacho que indefere um requerimento de interposição de recurso/reclamação.
2. Impugnação do despacho que indeferiu o requerimento de impugnação por intempestivo.
3. Impugnação do despacho que converteu em definitiva a lista provisória de credores, na parte em que não sofreu impugnações.
4. Irregularidades da sentença homologatória do plano de recuperação.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Interposição de recurso do despacho que indeferiu um requerimento de interposição de recurso.

A decisão que não admita um recurso apenas pode ser impugnada mediante a reclamação para o tribunal superior prevista no art. 643º do CPC (nº 5 do artigo 641º).

Assim sendo, não se conhece da impugnação dos despachos de não admissão dos recursos interpostos do despacho de indeferimento das impugnações à lista provisória de credores e do despacho de conversão da lista provisória em definitiva (a que se reportam as conclusões nºs. 1 a 16, das suas alegações de recurso).

Quanto à decisão neles contida de condenação dos reclamantes em taxa de justiça, a mesma não é suscetível de recurso ordinário, face ao valor da sucumbência, nos termos do artigo 629º, nº1, do CPC (de qualquer modo sempre se dirá que, sendo a taxa de justiça aplicável de 1 a 3 Ucs – a Tabela II do Regulamento, na redação do DL 52/2011, de 13 de abril –, a taxa de justiça aplicada, no valor de 2 UC, não se nos afigura excessiva).

2. Indeferimento do requerimento pelo qual os apelantes deduzem impugnações à lista provisória, por extemporâneo.

Factos com interesse para a decisão da tempestividade da apresentação das impugnações:

1. A lista provisória de credores foi publicada no portal Citius no dia 03.06.2015.

2. A ilustre mandatária dos credores impugnantes remeteu, via correio eletrónico, o requerimento de impugnação da lista provisória dos credores para “Coimbra Tribunal Judicial”, no dia 12.06.2015, pelas 23H 21M; por tal endereço corresponder ao mail geral de Coimbra, o mesmo foi reencaminhado para o processo a correr na secção de comércio de Coimbra apenas a 15.06.2015.

3. Juntou documento comprovativo do pagamento de multa.

Dispõe o nº3 do artigo 17º-D, do CIRE: “A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias uteis e, dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.

Contando-se o referido prazo de cinco dias úteis, a partir da publicação no portal Citius da lista provisória de credores, o referido prazo terminou a 11 de junho.

É certo que, tendo os reclamantes apresentado a sua impugnação no primeiro dia útil seguinte, vieram juntar o comprovativo do pagamento de uma multa, invocando a seu favor o disposto no artigo 139º do CPC.

Tem sido largamente debatida a questão de saber se, no âmbito do PER, há lugar à faculdade de prática do ato num dos três dias uteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento da multa prevista no artigo 139º do CPC[2].

O Processo Especial de Revitalização, sendo um processo judicial, é um processo híbrido (negocial e judicial), composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em processo chave, indispensável ao carater concursal do processo[3].

Como salienta Catarina Serra[4] trata-se de um novo processo, dito “leve”, “informal” e “expedito”. Destinando-se a criar as condições necessárias para se estabeleçam negociações extrajudiciais com o propósito de conseguir um acordo, cuja celebração efetiva continua na dependência da vontade dos credores, a intervenção do tribunal reduz-se ao mínimo e é justificada pela necessidade de tornar o plano aplicável a todos os credores.

É certo que o PER não deixa de constituir um processo judicial especial, ao qual serão aplicáveis, em primeiro lugar, as disposições que lhe são próprias, de seguida as disposições introdutórias do CIRE e, por fim, as disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil (artigo 17º do CIRE).

E é precisamente ao nível dos prazos que os artigos 17º-A a 17º-Iº do CIRE introduzem maiores especificidades, quer relativamente ao regime consagrado no CIRE, quer relativamente ao regime geral do CPC, derivadas, quer da especial urgência do procedimento em causa, quer da circunstância de se tratar de um procedimento com um vincado peso extrajudicial.

Com efeito, para além da opção por prazos curtos, das regras constantes dos artigos 17º perpassa a ideia de que os prazos deverão ser contados de forma uniforme para todos os credores – eliminação da dilação no anúncio a publicar no portal do Citius; o momento determinante para o início da contagem do prazo para a reclamação de créditos é o da data de publicação do anúncio e não o momento em que cada um dos credores se considera notificado, sendo irrelevante para a contagem do prazo a comunicação feita pelo devedor nos termos do art. 17º-D, nº1 –, existindo um prazo único para a reclamação de créditos – vinte dias a contar do anúncio a publicar no portal citius –, sendo os prazos seguidos, e independentemente de qualquer notificação pessoal aos interessados: o prazo para apresentação das reclamações de créditos é seguido de um prazo de cinco dias para o Administrador Judicial provisório elaborar a lista de créditos, “imediatamente” publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, dispondo o juiz, em seguida, de prazo idêntico para decidir sobre as impugnações formuladas (nº3 do artigo 17-D).

Ou seja, o prazo é um só para todos os reclamantes e um só para todos os impugnantes, convertendo-se a lista provisória de imediato em lista definitiva, na ausência de reclamações (nº4 do artigo 17º-D), o que pressupõe que a contagem do tal prazo único possa ser feita previamente e sem atender a situações particulares, não se compaginando com a faculdade de prática do ato num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa, prevista no nº5 do artigo 39º do CPC[5].

Assim, no sentido de que este prazo suplementar não vale no PER, com fundamento na desjudicialização do processo, no facto de o ato não ser tributado em taxa de justiça e de os prazos serem curtos, se pronunciou Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[6].

Concluindo, e negando, em regra[7], a aplicabilidade do expediente previsto nº5 do artigo 139º, do CPC no âmbito do PER, confirma-se o juízo de extemporaneidade das impugnações deduzidas pelos aqui apelantes, formulado pelo juiz a quo.

3. Impugnação do despacho que converteu em definitiva a lista provisória de credores, na parte em que não sofreu impugnações.

Segundo os apelantes, tendo os recorrentes apresentado recurso do despacho de indeferimento das impugnações apresentadas, em 14.07.2015, o tribunal a quo não poderia, por despacho datado de 17.07.2015, e sem atender ao recurso interposto, considerar sem mais, que os créditos dos aqui impugnantes não foram impugnados.

Os recorrentes não têm, nesta parte, qualquer razão.

Em primeiro lugar, no despacho em questão não se afirma que os créditos dos aqui recorrentes não foram objeto de impugnação. Em tal despacho, o juiz a quo limita-se a conhecer das impugnações tidas por tempestivas e (fls. 641 a 649 do processo físico), referindo quanto ao mais que “quanto aos créditos que não foram objeto de impugnação, nos termos do artigo 17º-D, nº4, do CIRE, converteu-se a lista provisória em lista definitiva”.

A falta de impugnação da lista implica que se converta em definitiva; a existência de impugnação apenas afeta os créditos envolvidos, devendo os demais considerar-se assentes, sem necessidade sequer de qualquer ato judicial que a confirme. É esse o sentido que vem sendo dado ao nº4 do artigo 17º-A, segundo o qual “Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos, converte-se de imediato em lista definitiva”.

De qualquer modo, atentar-se-á que a sua não conversão em definitiva (quanto aos créditos reclamados dos recorrentes, na parte em que não foram reconhecidos) não constituiria um fator impeditivo à sujeição do plano à votação e à sua subsequente aprovação e homologação, pois o quórum e maioria de deliberação podem ser computados exclusivamente com base na lista provisória de créditos.

Em segundo lugar, o recurso interposto do despacho que não admitiu as impugnações por intempestivas, a ser admitido, sempre teria efeito meramente devolutivo (nº5 do artigo 14º CIRE).

Por outro lado, entendendo-se que tal decisão só seria impugnável com o recurso a interpor do despacho de homologação do plano (como entendeu o juiz a quo, no despacho pelo qual veio a não admitir tal recurso, entendimento por nós partilhado), sempre seria indiferente[8] que o despacho a apreciar a admissibilidade do recurso fosse proferido antes ou depois do despacho que converteu a lista provisória de créditos em definitiva.

E o despacho que veio a ser proferido pelo juiz a quo relativamente a tal recurso foi no sentido do seu indeferimento por intempestivo, juízo esse aqui confirmado, do qual resultará a inexistência de outras impugnações a apreciar para além das que foram conhecidas pelo juiz a quo no despacho que proferiu a 17.07.2015.

Por fim, atentar-se-á ainda que, à data em que o processo lhe é concluso para apreciação das impugnações – 17 de julho de 2015 (numa altura em que haviam decorrido mais de 30 dias desde o prazo de cinco dias atribuído ao juiz para apreciação das impugnações) –, não era ainda o momento adequado a proferir despacho liminar sobre o recurso interposto pelos aqui reclamantes a 15 de julho (atualmente, tal despacho só é de proferir após o decurso do prazo das contra-alegações).

Assim sendo, considera-se que, ao apreciar as impugnações deduzidas à lista provisória de credores antes de proferir despacho sobre a admissibilidade do recurso interposto da decisão que não admitiu as impugnações dos aqui Apelantes, o juiz a quo não cometeu qualquer irregularidade.

4. Irregularidades da sentença homologatória do plano de recuperação.

Os Apelantes defendem a revogação do despacho que homologou o plano e a sua substituição por outro que não homologue o referido plano, com base em duas ordens de razões:

- razões de ordem processual – embora se diga no despacho recorrido que todos os procedimentos legais foram cumpridos, acaba por não referir especificamente quais os procedimentos, sendo que os termos dessa sindicância deviam estar expressos na decisão de homologação; desconhecendo-se a forma de divulgação do plano aprovado (versão final datada de Setembro de 2015), e considerando que a maior parte dos votos são emitidos antes de 04 de setembro, não se pode concluir dos elementos constantes dos autos, que votos foram de factos conscientes, esclarecidos e ponderados.

- razões substantivas – o plano não respeitaria o principio da igualdade relativamente aos créditos dos trabalhadores que resolveram os seus contratos de trabalho, como é o caso dos Apelantes.

Dispõe o artigo 17º-F, do CIRE:

2. Concluindo-se as negociações com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal.

3. Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no nº1 do artigo 212º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos serem reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

4. A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação.

5. O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação (…), aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no capítulo IX, em especial o disposto nos arts. 215º e 216º .”

Conferindo o nº5 do artigo 215º, ao tribunal, o papel de assegurar a legalidade da aprovação e homologação do plano, o juiz apenas deve conhecer oficiosamente das violações “não negligenciáveis” de regras procedimentais. No âmbito de tais poderes oficiosos, integram-se, entre outros, o dever do tribunal de fiscalizar o quórum constitutivo, de se certificar de que o plano se mostra subscrito pelo devedor, etc.,

Quanto aos procedimentos que rodeiam a votação, do artigo 17º-F resulta que, efetuando-se a votação por escrito e sendo os votos remetidos para o administrador judicial provisório, a votação ocorre mediante um procedimento extrajudicial, do qual o juiz se encontra apartado, e do qual só lhe é dado conhecimento em momento posterior, através do documento que é elaborado pelo administrador judicial provisório “com o resultado da votação”.

Assim sendo, por regra, os votos nem sequer são juntos ao processo judicial, pelo que desconhecerá o tribunal a data em que os mesmos foram emitidos.

De qualquer modo, o plano de recuperação terá sempre de ser junto ao processo (seja assinado por todos os credores, nos termos do nº1 do artigo 17º-F, seja ao abrigo do nº2 da citada norma). E, no caso em apreço, encontra-se junto aos autos o plano (a tal versão final) que foi objeto de votação, em conformidade com o disposto no nº2 do artigo 17-F. Assim, os credores que intervieram na aprovação do plano encontram-se em condições de, caso haja alguma divergência entre o teor do plano ao qual deram a sua adesão e o plano apresentado em tribunal, arguirem tal irregularidade.

Na ausência de invocação de qualquer irregularidade, não tem o juiz a quo que andar a pedir elementos ao administrador provisório para aferir se os votos foram proferidos “em consciência”, ou se os resultados que o Administrador fez constar do documento por si enviado ao tribunal batem certo ou coincidem com os votos emitidos, em número ou quanto ao respetivo teor.

Concluindo, ao interessado que pretenda impugnar o resultado da votação, não lhe basta invocar que “desconhece a forma de divulgação do plano aprovado (versão final datada de 2015) e que (…), sendo na sua maioria, emitidos antes de 4 de setembro, não se pode concluir dos elementos dos autos, que tais votos foram conscientes e esclarecidos”. Do documento junto aos autos pelo Administrador Judicial relativamente ao resultado da votação, resulta que de entre os credores/Apelantes só O (…) participou na votação (fls. 711). Ora, só aqueles que expressaram o seu voto poderão aferir se lhes foram dadas as condições necessárias a uma formação da vontade livre e esclarecida, sendo que só eles terão legitimidade para arguir qualquer irregularidade relacionada com um eventual vício de vontade, vicio que tem de ser expressamente invocado pelo próprio.


*

Maiores considerações nos merece a questão da violação do princípio da igualdade por parte do plano votado e homologado – segundo os apelantes, ao contrário da maior parte dos regimes estabelecidos para os demais grupos de credores, em que para além de perdão de juros de mora e fixação de períodos de carência, se manteve a intenção de pagamento integral do capital em dívida, para o grupo de credores – trabalhadores desvinculados à data da apresentação do plano – foi estabelecido para além do perdão de juros de mora relativamente às retribuições vencidas, ainda o perdão de 90% dos valores das indemnizações contratuais.

Ainda no entender dos Apelantes, não resulta do plano apresentado qual a razão objetiva que justifica que apenas este grupo de credores seja tão penalizado, quando para nenhum outro grupo de credores é fixado um perdão que vá além dos juros de mora.

Para a análise de tal questão, hão de ter-se em consideração os seguintes factos:

1. Do plano de recuperação proposto e aprovado pela maioria dos credores, consta o seguinte:

a) Fazenda Nacional (valor em dívida: 152.966,01€)

pagamento integral dos créditos, quanto a capital e juros vencidos;

reembolso em 141 prestações mensais, com vencimento da 1ª prestação até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória do plano;

prestação de garantia idónea.

b) Segurança Social

encontrando-se em situação de cumprimento, a dívida à SS será regularizada no âmbito da execução fiscal, em 150 prestações;

pagamento integral dos créditos, quanto a capital e a juros vencidos e vincendos;

garantias: a analisar no âmbito do processo de execução fiscal.

c) Credores comuns – fornecedores (valor em dívida 716.959,54 €)

perdão integral de juros vencidos e vincendos;

carência de 24 meses após o transito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação;

reembolso em 144 prestações mensais.

d) Credores Bancários e outras entidades do setor financeiro

manutenção de todas as garantias associadas aos contratos de financiamento existentes;

inexistência de perdão ou redução de qualquer valor de capital ou juros, vencidos ou vincendos.

um período de carência do capital de doze meses, num plano de 144 meses de amortização de capital e juros.

e) Trabalhadores – Salários em atraso

            1. Trabalhadores com manutenção do contrato de trabalho

                Período de carência de 3 meses e pagamento faseado dos salários em atraso de forma prestacional em 96 prestações mensais, com perdão total de juros, vencidos e vincendos.

                2. Trabalhadores desvinculados à data da apresentação do plano:

                Perdão de 90% dos valores das indemnizações reclamadas em resultado da denúncia ou cessação dos contratos de trabalho, por iniciativa dos trabalhadores formalizada anteriormente a 24 de abril de 2015;

                Reembolso dos valores em dívida (salários em dívida e 10% do valor das indemnizações) com uma carência de 3 meses e 96 meses de amortização em prestações iguais e sucessivas após o período de carência, com início no mês imediato ao trânsito em julgado de homologação do plano, com perdão total de juros vencidos e vincendos.

2. Os credores/Apelantes são trabalhadores desvinculados à data da apresentação do plano, tendo-lhes sido reconhecido créditos por salários em atraso e indemnização por cessação do contrato de trabalho.

3. De entre os credores apelantes, apenas o credor O (…) participou na votação, votando favoravelmente o plano que veio a ser aprovado por uma percentagem de 97,20 % dos votantes.

O tribunal deve recusar a homologação:

a) Oficiosamente, com fundamento em violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, como por ex., no caso de violação do princípio da igualdade dos credores (artigo 194º), nos termos do artigo 215º CIRE

b) A solicitação de algum dos credores nos termos do artigo 216º CIRE (com fundamento em que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que resultaria na ausência de qualquer plano, ou o plano proporcione a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.

No presente caso, e quanto ao conteúdo do plano, os apelantes sustentam que o plano deveria ter sido recusado oficiosamente por violação do princípio da igualdade entre os credores, previsto no artigo 194º do CIRE, devido ao distinto tratamento dado aos créditos dos trabalhadores desvinculados à data da apresentação do plano face aos demais credores.

Da leitura da sentença recorrida, constata-se terem aí sido apreciadas comparativamente as regras específicas estabelecidas em relação aos créditos do Estado (Fazenda Nacional e Segurança Social) e aos credores bancários e outras entidades do setor financeiro (dentro deste, diferenciando três grupos distintos), para se concluir que as especificidades previstas relativamente a tais créditos não violam o princípio da igualdade. Contudo, certamente por nele não se ter atentado, nada é aí dito relativamente ao regime diferenciado a que no plano são submetidos os créditos indemnizatórios dos trabalhadores desvinculados à data da apresentação do plano.

O princípio da igualdade entre os credores, consagrado no artigo 194º CIRE, admite desvios, nomeadamente quando as diferenciações forem “justificadas por razões objetivas” (nº1) ou quando resulte do consentimento do afetado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável ao plano (nº2).

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda[9], o nº1 da citada norma procurou acolher de uma forma evidente as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos.

O princípio da igualdade entre os credores não proíbe que no processo de insolvência se façam distinções entre os créditos, proibindo tão só diferenciações de tratamento sem justificação razoável, segundo critérios objetivos relevantes.

Constituirão razões objetivas, as diferenciações baseadas da distinta classificação dos créditos (garantidos, privilegiados, comuns e subordinados, nos termos do artigo 47º), nas categorias hierárquicas de créditos e na diversidade das suas fontes, nomeadamente nos casos em que os credores tenham contribuído diferentemente para a continuidade da atividade do devedor no giro comercial[10].

No caso em apreço, da comparação do tratamento dado no plano aos diversos créditos, sobressai, desde logo, uma diferenciação de relevo: de entre todas as classes de créditos (créditos bancários, créditos a fornecedores, créditos a trabalhadores), nenhuns deles são objeto de qualquer redução de capital, a não ser os créditos dos trabalhadores desvinculados à data da apresentação do plano, que veem os seus créditos indemnizatórios reduzidos a 10% do respetivo valor – consagrando-se um “perdão de 90% dos valores das indemnizações reclamadas em resultado da denúncia ou cessação dos contratos de trabalho, por iniciativa dos trabalhadores anteriormente a abril de 2015”.

Não se atinge qual a justificação que possa estar por trás desta diferenciação de tratamento dada aos créditos indemnizatórios dos trabalhadores desvinculados à data da apresentação do plano, nomeadamente, quando a lei, relativamente às suas garantias que lhes atribui, os trata exatamente da mesma forma que os demais créditos laborais: atualmente, a lei não distingue entre os créditos emergentes do contrato de trabalho e os emergentes da sua violação ou cessação, encontrando-se todos, e indiferentemente, garantidos com os mesmos privilégios creditórios: ambos gozam de privilégio imobiliário especial e de privilégio mobiliário geral (artigo 333º, nº1 als. a) e b), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/09, de 12 de fevereiro), privilégios que não caem com a declaração judicial de insolvência (artigo 97º CIRE).

É certo que estes credores se encontram numa situação diferente da dos demais trabalhadores que ainda se encontram ao serviço da devedora – são trabalhadores que se desvincularam da empresa na sequência da existência de salários em atraso. Contudo, tal facto, desacompanhado de qualquer explicação, não justifica que se lhes imponha um perdão quase total dos créditos indemnizatórios, sacrifício este que não é partilhado (e muito menos imposto), por qualquer outro tipo de créditos.

O peso dessa discriminação negativa mais se evidencia quando os créditos laborais, pela posição privilegiada que ocupam por força do artigo 333º do CT, integram precisamente uma das derrogações ao princípio da “par conditio creditorum”, sem que esta manutenção dos privilégios creditórios em sede de insolvência impeça a realização da justiça assente numa igualdade formal, uma vez que permite a realização da “satisfação comunitária”[11].

Ou seja, se é a própria lei que, dentro do princípio da igualdade entre os credores, os sujeita a um regime de privilégio, a consagração de um plano que, ignorando o regime legal especial a que se encontram sujeitos, os submeta a um regime mais gravoso do que os restantes créditos, garantidos, privilegiados ou comuns, sem o seu consentimento, sempre teria de ser devidamente justificado.

Ora, lido atentamente o documento elaborado pelo Administrador Judicial Provisório, pelo qual dá conta ao tribunal do resultado da votação, e lido o plano de revitalização sujeito a votação, neles não se encontra a mínima referência às razões que terão levado a essa diferenciação.

O princípio da igualdade dos credores, conjugado com as regras aplicáveis ao conteúdo do plano previstas no artigo 195º, levam-nos a considerar que a atribuição de tratamento diferenciado, por parte do plano, a determinados credores, terá de ser fundamentada, ou seja, terá, sempre, de ser acompanhada da exposição rigorosa e clara das razões que o justificam e o impõem, explicativas da imprescindibilidade de tal medida para uma efetiva revitalização do devedor[12].

Atentar-se-á ainda que, embora o Administrador Judicial Provisório tenha apresentado contra-alegações de recurso, nelas também nada adianta quanto à necessidade de imposição de tal perdão de 90% sobre as indemnizações por cessação do contrato de trabalho, quando não é imposto qualquer perdão de capital a qualquer outro crédito.

Na ausência de justificação razoável e racional, teremos de concluir que tal diferença de tratamento no plano de recuperação homologado é violadora do princípio da igualdade entre os credores, nomeadamente da igualdade laboral face aos demais créditos laborais emergentes do contrato de trabalho, constituindo uma violação graves das regras aplicáveis e, como tal, fundamento de recusa do plano[13].

A apelação terá de proceder relativamente à decisão de homologação do plano, impondo-se a sua substituição por outra que recuse a sua homologação.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente:

- confirmando-se a decisão de não admissibilidade das impugnações à lista provisória, por extemporânea, bem como a decisão que converteu em definitiva a lista provisória de credores.

- revogando-se a decisão recorrida, recusa-se a homologação do plano de revitalização.

Custas a suportar pela apelante.              

Coimbra, 02 de fevereiro de 2016

Maria João Areias ( Relatora )

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A faculdade de apresentação da peça processual nos três dias seguintes, prevista no artigo 139º, nº5 do CPC, não é aplicável ao prazo para dedução de impugnações à lista de credores provisória no âmbito do PER.
2. A atribuição de um tratamento diferenciado por parte do plano de revitalização a determinados credores, terá de ser fundamentada, ou seja, terá de ser acompanhada da exposição das razões que o justificam e o tornam imprescindível à revitalização do devedor.
3. A consagração de um perdão de 90% dos valores das indemnizações devidas pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa dos trabalhadores, sem o respetivo consentimento, quando não se encontra previsto qualquer perdão de capital para os demais créditos, constituiu uma grave violação do princípio da igualdade entre os credores previsto no artigo 194º do CIRE


[1] Dado o nítido incumprimento do dever de sintetização dos fundamentos do recurso, a que se encontrava obrigado por força do nº1 do artigo 639º, do CPC.
[2] Cfr., entre outros, em sentido afirmativo, Acórdão do TRE de 05.11.2015, relatado por Manuel Bargado, disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Maria do Rosário Epifânio, “O Processo Especial de Revitalização”, Almedina, pág. 14.
[4] Direito da Insolvência e Tutela Efetiva do Crédito”, III Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação de Catarina Serra, Almedina 2015, pág. 13.
[5] Bastaria que um dos credores se socorresse de tal faculdade aquando da reclamação de créditos, para se alterar a data final de conversão da lista provisória em definitiva.
[6] “PER – O Processo Especial de Revitalização – Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, pág. 49. Em igual sentido, Fátima Reis Silva, “Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, pág. 41.
[7] Diz-se em regra, porquanto se entende que as considerações aqui despendidas não são de aplicar ao prazo para interposição do recurso que incide sobre a sentença homologatória (ou de recusa) do plano de revitalização aprovado.
[8] A vantagem invocada pelos Apelantes é reportada à procedência do próprio recurso – vir a ser-lhes reconhecido um crédito de valor superior – vantagem que não podem invocar a seu favor uma vez que tal recurso pura e simplesmente não foi admitido, por decisão que fez caso julgado formal.
[9] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, QUID JURIS, 2ª ed., pág. 753.
[10] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 753. Filipa Gonçalves dá o seguinte ex. de discriminação positiva aceitável: “parece aceitável que um credor que seja fornecedor do devedor tenha um tratamento diferenciado relativamente a outro credor da mesma classe pela importância que detém para a recuperação do devedor, consequentemente, para o sucesso do acordo de recuperação eventualmente alcançado no âmbito do PER (“Estudos de Direito da Insolvência”, Coordenação de Maria do Rosário Epifânio, Almedina 2015, pág. 84.
[11][11] Cfr., Joana Costeira, “Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho: A Tutela dos Créditos Laborais”, Almedina, pág. 112.
[12] Neste sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01.10.2013, relatado por Maria da Purificação Carvalho, disponível in www.dgsi.pt. Sobre a exigência de fundamentação do tratamento diferenciado, cfr., Filipa Gonçalves: “Importante é que as razões objetivas que justifiquem o tratamento diferenciado entre credores estejam claramente identificadas, concretizadas e explicadas no plano de recuperação, sob pena de dever o juiz recusar a homologação do plano de recuperação por violação do princípio da igualdade dos credores não objetivamente justificado, ainda que no caso concreto o seja.” – Obra citada, pág. 84.
[13] No sentido de que uma deliberação de aprovação de um plano de insolência que viole o principio da igualdade implicará a recusa da homologação do plano e não uma mera ineficácia, cfr., Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência (…), pág. 754.