Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
995/13.4TBLRA-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACÇÃO
RESTITUIÇÃO DE BENS
PRAZO
CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 12/02/2014
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 148º DO CIRE; 569º, NºS 1 E 2 NCPC.
Sumário: I – O 148º do CIRE manda que as acções a que se refere o capítulo onde se insere, sigam, qualquer que seja o seu valor, os termos do processo sumário, referência esta que, actualmente, “ex vi “ do disposto no artº 2º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26/06, se deve ter como reportada ao processo declarativo comum.

II – Assim, o prazo para contestar é o de 30 dias, do artº 569°, nº 1, do NCPC, e esse prazo inicia-se com a data do edital, para os credores citados por edital.

III - Nestes casos há que contar com o disposto no nº 2 do referido artº 569º (que corresponde ao artº 486, nº 2, do CPC antigo), segundo o qual, “quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”.

Decisão Texto Integral:
O recurso foi recebido na espécie própria e mandado subir do modo e efeito correctos.

Uma vez que a questão suscitada no presente recurso se afigura ser de simples resolução, passa-se a proferir Decisão sumária (Art.º 656º, 652º n.º 1, al c), ambos do novo CPC)[1]

I - Relatório:

A) - a) - 1) - Nos presentes autos de acção para verificação do direito a restituição de bens, intentada no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Leiria, por apenso aos autos de insolvência da “C…, Lda.”, nos termos dos artº 146.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE)[2], veio o credor “Banco A…, S.A.” oferecer a sua contestação em 1 de abril de 2014, invocando, entre outros preceitos, o disposto no artº 569º, nºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil (doravante NCPC) e 148º do CIRE.

2) - Os credores, entre os quais o “Banco A…, S.A.”, foram citados para efeitos do disposto no n° 1 do artigo 146.º do CIRE, por edital eletrónico publicado no portal Citius do dia 14 de fevereiro de 2014;

3) - A devedora foi citada por carta registada com AR, na pessoa do seu legal representante, …, que assinou o aviso de recepção em 25/02/2014, indo indicado que o prazo para contestar, querendo, era o de 30 dias e que:

“Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 0 dias.

No caso de pessoa singular, quando a assinatura do aviso de receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.°s 228.° e 245.° do CPC).

A citação considera-se efectuada no dia da assinatura do AR.”.

4) - Contudo, posteriormente, com data de 27/02/2014, foi enviada pelo Tribunal ao aludido legal representante da devedora uma carta que, entre outros, tinha os seguintes dizeres:

Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa

Nos termos do disposto no artº 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais.

O Prazo para contestar é de 30 Dias.

Àquele prazo acresce uma dilação de:

• 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa de V.Exa..”.

b) - No dia 29/05/2014 foi proferido despacho pela Mma. Juiz do referido Tribunal, onde se escreveu:

«O edital eletrónico destinado á citação dos credores prevista no n° 1 do artigo 146.º do CIRE foi publicado no portal Citius do dia 14 de fevereiro de 2014, pelo que os credores se consideram citados a 19 de fevereiro de 2014, daí se contando o prazo de 30 dias de que dispõem para contestar.

Esse prazo terminou no dia 21 de março de 2014.

A contestação do Banco …, SA foi remetida ao processo no dia 1 de abril de 2014, pelo que é extemporânea.

Assim, por ter sido apresentada extemporaneamente, não admito a contestação apresentada pelo Banco A…, SA, que será considerada como não escrita. (…)».

B) - Notificado desta decisão o “Banco A…, S.A.”, que, sem sucesso, requereu, também, ao Tribunal “a quo”, a correcção da mesma, visto afigurar-se-lhe ter havido mero lapso na contagem do seu prazo para contestar, veio interpor recurso do referido despacho de 29/05/2014, oferecendo, a terminar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:

«I- O douto despacho recorrido enferma de manifesto lapso na contagem do prazo de 30 dias para apresentação das contestações ã presente acção de verificação ulterior de créditos, designadamente, a apresentada pelo ora Recorrente.

II- Lapso, cuja rectificação não obstante ter sido requerida pelo ora Recorrente, não foi corrigido, pelo Tribunal de l a instância, em tempo útil; o que, à cautela, motiva a interposição do presente recurso.

111- Assim, ao não admitir a contestação da ora Recorrente, por extemporânea, determinando que a mesma se tivesse por não escrita, o douto despacho foi proferido em clara violação do disposto no n°2 do artigo 569.° do CPC, aplicável ao caso sub judice.

IV- Com efeito, tendo a Ré massa insolvente da C…, Lda. sido citada para contestar a presente acção, via postal, no dia 02/03/2014, o prazo para apresentação das contestações de todos os réus terminou, ao abrigo do aludido dispositivo legal, para todos eles, no dia 01/04/2014.

V- O Banco A… apresentou a sua contestação no dia 01/04/2014 pelo que dúvidas não existem de que foi tempestiva a entrega do seu articulado.

VI- Deve, por conseguinte, revogar-se o douto despacho recorrido, por ilegal, substituindo-a por outro que admita, por tempestiva, a apresentação da Contestação do ora Recorrente, mais se determinando o normal prosseguimento dos autos.».

Os AA responderam, defendendo a manutenção do despacho recorrido.

C) As questões:

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no domínio da legislação pretérita correspondente, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [3]).

Assim, a questão a solucionar no presente recurso, consiste em saber se foi correcto não admitir, por extemporaneidade, a contestação do ora Apelante.

II - Fundamentação:

A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I - A) supra.

B) - O 148º do CIRE manda que as acções a que se refere o capítulo onde se insere, sigam, qualquer que seja o seu valor, os termos do processo sumário, referência esta que, actualmente, “ex vi “ do disposto no artº 2º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26/06, se deve ter como reportada ao processo declarativo comum.

Assim, dúvidas não há, nem ninguém as levanta, que o prazo para contestar era o de 30 dias, do artº 569.°, nº 1, do NCPC, e que esse prazo se iniciou, para os credores citados por edital de 14 de fevereiro de 2014 (considerando-se essa citação ocorrida a 19 de fevereiro de 2014) como foi o caso do ora Apelante, no dia de 20 de fevereiro de 2014.

Se a mais nada se tivesse a atender teríamos que concluir que o prazo normal para o ora Apelante contestar findou em 20 de Março de 2014, como se disse no despacho recorrido, pelo que a sua contestação, entrando em juízo em 1 de abril de 2014, seria manifestamente extemporânea.

Mas há que contar com o disposto no nº 2 do referido artº 569º (que corresponde ao artº 486, nº 2, do CPC antigo), segundo o qual, “quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”.

É que a acção em causa, tirando as especialidades que os próprios artºs 146º a 148º do CIRE consignam e aquelas que são afastadas por normas imperativas deste código, segue as regras do processo declarativo comum.[4]

Embora se trate, pois, de uma acção urgente, já que lhe é aplicável a norma imperativa do artº 9º, nº 1, do CIRE, isso não obsta a que se lhe aplique o disposto no nº 2 do referido artº 569º, pois que nem existe norma no CIRE que excepcione tal aplicação do processo comum, nem dessa aplicação advém qualquer prejuízo para a celeridade do processo.

E a razão é simples. O prazo de contestação que se inicie em último lugar também corre com respeito pelas regras que o carácter urgente do processo impõe, pelo que também não as desrespeita a circunstância de um réu citado anteriormente poder apresentar a sua defesa, nos termos previstos no nº 2 do referido artº 569º, até ao termo do prazo em que àqueloutro é permitido contestar. Esta é a solução natural, até porque se o Réu citado em último lugar pretender aproveitar todo o prazo de que dispõe para contestar, a acção não pode avançar para outra fase até se esgotar esse prazo. Note-se que, nos termos do nº 2 do artº 575º do NCPC, “havendo lugar a várias contestações, a notificação só se faz depois de apresentada a última ou de haver decorrido o prazo do seu oferecimento”.

A circunstância de os credores serem citados editalmente não implica qualquer restrição à aplicação do disposto no artº 569º, nº 2, sendo certo que a regra que este prevê, também se aplicaria ao devedor que, tendo sido citado por carta registada com AR, vê iniciar-se o seu prazo para contestar em momento anterior ao começo que aqueles credores possuem para o mesmo efeito, podendo, também ele, assim, aproveitar-se da circunstância de o prazo para contestar destes últimos findar em momento posterior àquele até ao termo do qual, atendendo exclusivamente ao momento em que fora citado, teria de apresentar a sua defesa.[5]

Como se sabe, as pessoas colectivas e as sociedades são citadas nas pessoas dos seus legais representantes, que foi o que aconteceu com a “C…, Lda.”, que foi citada por carta registada, com AR, na pessoa do seu legal representante …, que assinou o aviso de recepção em 25/02/2014, pelo que o prazo de 30 dias para tal devedora contestar se deveria iniciar em 26/02/2014 e findar em 27/03/2014, já que não havia lugar a dilação, tal como foi indicado através da expressão “Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 0 dias.”

A dilação que o Apelante defende não se compreende relativamente às sociedades que são citadas na pessoa de um seu legal representante, pois essa é a forma legal de as citar (artº 223, nº 1, do NCPC e 231º, nº 1, do CPC), sendo que aqui a devedora deveria considerar-se como citada com a assinatura do AR pelo seu legal representante, em 25/02/2014, não se verificando qualquer das situações, designadamente as previstas nos artºs 228º, nº 2 e 232, nº 2, b), ambos do NCPC, que justificam a aplicação do preceituado no artº 233º, do mesmo código, norma esta que prevê a “advertência ao citando, quando a citação não haja sido na própria pessoa deste”.

Não se objecte, a identificação que se faz (e se fez na carta para a respectiva citação), do aludido … como legal representante da devedora, para efeitos da citação em causa, argumentando com os efeitos que a declaração da insolvência produz, pois que, não obstante o devedor ser declarado insolvente, o legislador do CIRE foi claro em exigir que o mesmo fosse demandado (artº 146º, nº 1), nas acções como a ora ajuizada, a par dos credores e da massa insolvente, sendo certo que, como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 13/10/2008 (Agravo nº 0854968)[6] ”…nos termos do artigo 81 do CIRE a representação do administrador da insolvência não se estende à intervenção do devedor no âmbito do próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos, salvo expressa indicação em contrário (nº 5), ficando assim, limitada aos efeitos de carácter patrimonial que interessem insolvência (nº 4).”.

O referido … não pode ser entendido como um terceiro que depois vá transmitir a essa “entidade impessoal” – “a devedora” -, o teor da citação. Não. Para efeitos da citação ele funciona como legal representante da devedora, e, assim, é correto entender que esta foi citada na sua pessoa em 25/02/2014.

Sucedeu, contudo, que, posteriormente, com data de 27/02/2014, foi enviada pelo Tribunal ao aludido legal representante da devedora, uma carta que, entre outros, tinha os seguintes dizeres:

Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa

Nos termos do disposto no artº 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais.

O Prazo para contestar é de 30 Dias.

Àquele prazo acresce uma dilação de:• 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa de V.Exa..”.”.

Já se viu que em nosso entender “in casu” não deveria ter sido indicada qualquer dilação, mas tendo isso acontecido, e porque as partes, atento o disposto no nº 6 do artº 155º do NCPC (161, nº 6, do CPC), não podem, em qualquer caso, ser prejudicadas pelos “erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial”, terá de ser considerada a dilação de 5 dias que, efectivamente, veio a ser indicada para acrescer ao prazo de 30 dias de que a devedora dispunha para a sua defesa.

Significa isto, afinal, que tendo a devedora sido citada em 25/02/2014, entrando em conta com a dilação de 5 dias, o termo do prazo para contestar ocorreria em 1 de Abril de 2014 (cfr. artºs 139º, nº 2 e 142º do NCPC), pelo que aproveitando esse prazo ao ora Apelante, nos termos do artº 569º, nº 2, pois que começou a correr em último lugar, tendo o “Banco A…, S.A.” oferecido a sua contestação nesse dia 1 de Abril de 2014, fê-lo atempadamente.

Inexiste, pois, a extemporaneidade que motivou a não admissão da aludida contestação, o que importa a revogação do despacho recorrido.

 III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, na procedência da Apelação, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que, não havendo outro motivo que a isso obste, se admita a contestação do credor “Banco A…, S.A.”, o que importará a consequente anulação do processado posterior ao momento em que tal contestação deveria ter sido admitida, salvaguardando-se os actos praticados e que não dependiam, absolutamente, dessa admissão.

Custas pelos Apelados.

Coimbra, 02/12/2014

Falcão de Magalhães


[1] Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06.
[2] Aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03.
[3] Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ que abaixo se assinalarem sem referência de publicação.
[4] Escreveram Carvalho Fernandes e João Labareda no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, I Vol., pág. 497:”…A particularidade da situação decorrente das reclamações deduzidas nos termos do art.° 146.°, relativamente à que ocorre nas reclamações apresentadas de acordo com os art.°s 128.° e 141.º, reflecte-se na diversidade da tramitação processual a que aquelas estão sujeitas. Aplicam-se aqui as regras do processo sumário, sem quaisquer adaptações ou modificações.”.
[5] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “in”Manual de Processo Civil (COIMBRA EDITORA,1 9 8 4), na nota nº 3, a págs. 321, dizem sobre o preceito do pretérito CPC a que corresponde o artº 569º, nº 2, do NCPC ():”Idêntica prorrogação geral deve ser concedida, quando o prazo para contestar, por parte de um dos réus, finde mais tarde do que o prazo do outro ou outros, não por terem sido citados em dias diferentes, mas por uma outra razão…”
[6] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.