Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
64/13.7GAILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
INÍCIO
EXECUÇÃO
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÍLHAVO (COMARCA DO BAIXO VOUGA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 69.º DO CP
Sumário: Exceptuados os casos em que o título de condução já se encontra apreendido à ordem do processo, nos quais o cumprimento da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor começa com o trânsito em julgado da respectiva decisão condenatória, a execução da referida pena inicia-se com a entrega da licença de condução na secretaria judicial do tribunal ou em qualquer posto policial.
Decisão Texto Integral:             Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

            I. Relatório

            1. No âmbito do processo n.º 64/13.7GAILH.C1 do Juízo de Pequena Instância Criminal, comarca do Baixo Vouga, Ílhavo, o Ministério Público acusou, em processo sumário, A..., melhor identificado nos autos, da prática de um crime de violação de imposições, proibições ou inibições, previsto e punido pelo art. 353.° do Código Penal.


            2. Por despacho proferido em 13-02-2013 foi a acusação rejeitada e determinado o arquivamento dos autos, nos termos do disposto nos arts. 311.°, n.°2, al. a), e n.°3, al. d), aplicáveis por força do art. 386.°, n.° 1, todas as disposições do Código de Processo Penal,

            3. Inconformado com tal decisão recorre o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

“1.°

Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 13 de Fevereiro de 2013, a fls. 29 a 30 dos autos em epígrafe, no qual a Meritíssima Juiz “a quo” rejeitou a acusação deduzida, em processo sumário, pelo Ministério Público, contra A..., pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou inibições, previsto e punido pelo artigo 353.°, do Código Penal, porquanto, aquele, no dia 11/02/2013, cerca das 22:30, na Avenida Mário Sacramento, em Ílhavo, conduzia um veículo automóvel, com a matrícula (...), não obstante, encontrar-se proibido de conduzir veículos a motor, por um período de quatro meses, por sentença datada de 24/10/2012, transitada em julgado em 10/12/2012.

2.°

O despacho recorrido fez uma incorrecta interpretação e consequente aplicação do artigo 69°, n ° 2 e artigo 353°, ambos do Código Penal.

Nos termos do disposto no artigo 69°, n.º 2 do Código Penal, a pena acessória, proibição de conduzir veículos a motor, produz os seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo irrelevante para a contagem do tempo de proibição, o momento em que o arguido procede à entrega do respectivo título de condução.

É o que resulta da análise comparativa entre a redacção originária que constava no Anteprojecto de Revisão do Código Penal, e a redacção definitiva do artigo 69°, que viria a constar do Decreto - Lei 48/95 de 15/03, e na qual foi eliminada a referência ao tempo decorrido entre o trânsito em julgado da decisão e a entrega da carta de condução.

Ademais, o citado artigo 69°, n.º 2 do Código Penal, não faz depender os seus efeitos, da entrega ou apreensão do título de condução, ao invés, tais efeitos produzem-se com o trânsito em julgado.

6.°

Assim, consideramos que uma vez transitada em julgado a referida sentença condenatória, na qual foi aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, produzindo esta os seus efeitos a partir do trânsito em julgado, sendo o arguido encontrado a conduzir veículo a motor, na via pública, como sucedeu, in casu, em pleno período de proibição, e não obstante aquele não ter procedido à entrega do seu título de condução, comete o crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353° do Código Penal.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser o despacho recorrido revogado, sendo admitida a acusação deduzida contra A..., pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou inibições, previsto e punido pelo artigo 353.°, do Código Penal e sujeição do mesmo a julgamento sob a forma de processo sumário.

Contudo, Vossas Excelências decidindo, farão a acostumada JUSTIÇA”

           

            4. Ao recurso respondeu o arguido, concluindo:

“(…)

- Não são atendíveis as razões invocadas pelo recorrente.

- Não há violação a qualquer normativo legal.

Assim,

Negando provimento ao recurso, deverá manter-se a decisão recorrida, com o que se fará Justiça.”

           

            5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

            6. Na Relação, o Ilustre Procurador – Geral Adjunto emitiu parecerno sentido da improcedência do recurso, aderindo à posição dominantemente defendida nesta Relação de Coimbra, valendo por todos o acórdão votado por unanimidade, em que é relatora a Exma. Desembargadora Maria José Nogueira, proferido no processo 89/10.4GAVFR, de 2 de Novembro de 2011.

            7. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP.

            8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

            II. Fundamentação

            1. Delimitação do objecto do recurso

Dispõe o art. 412º, nº 1, do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, e como é unanimemente entendido, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, pág. 103).

            No caso concreto, perante as conclusões de recurso apresentadas, a única questão a decidir traduz-se em saber se incorre na prática do crime de Violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, aquele que, como o arguido, após o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória em pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, mas antes de o título de condução ter sido apreendido ou objecto de entrega [cf. n.º 3 do artigo 69.º do Código Penal e 500.º, n.º 2 do CPP], conduz na via pública veículo de tal natureza.

            2. O despacho recorrido

“O Ministério Público acusou, em processo sumário, A... da prática de um crime de violação de imposições, proibições ou inibições, previsto e punido pelo art. 353.° do Código Penal.

Este crime é-lhe imputado por, após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.°417/12.8GAILH deste Juízo, que o condenou na pena acessória de quatro meses de proibição de conduzir, o arguido ter exercido a condução.

No entanto, é também referido na acusação que à data ainda não havia entregue a carta de condução.

A carta só lhe foi apreendida em momento posterior, ou seja, na sequência da acção de fiscalização.

Cumpre apreciar.

Tendo em conta a imputação que lhe é feita - assente no acto de condução e não na omissão de entrega da carta -, a questão a apreciar é a de saber quando se inicia o cumprimento da pena acessória.

Cumpre atender ao disposto no art. 69.°, n.°2, do Código Penal.

Esta disposição, que faz referência ao trânsito em julgado da sentença, determina que a sentença apenas se torna exequível - ou adquire força executiva - a partir do momento em que não é passível de ser objecto de recurso ordinário.

Desta forma, antes do trânsito em julgado da sentença a pena não pode ser executada, isto ainda que o arguido (ainda não condenado, dado estar em curso o prazo de interposição de recurso ordinário) entregue voluntariamente a carta de condução.

Mas tal já não significa que o cumprimento da pena tem início automaticamente, isto é, sem a materialização da execução, pela entrega da carta de condução, conforme o exigem os arts. 69.°, n.°3 e 4, do Código Penal e 500.°, n.°2 e 3, do Código de Processo Penal.

Nesta medida, a execução só tem início com a entrega voluntária da carta ou com a sua apreensão à ordem do processo.

Não ignorando que a resposta não era unívoca, sobretudo pelas diferentes práticas e entendimentos anteriores à Reforma do Código Penal de 95, a posição sumariamente exposta é a que vem sendo seguida desde a alteração da redacção do art. 69.° do Código Penal, com a introdução dos seus n.°3 e 4, precisamente pelo DL n.°48/95, de 15 de Março.

Citam-se, a título de exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 13/12/2006, proferido no processo n.°0615365, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/6/2011, proferido no processo n.°190/ 10.4GAVFR, e de 2/11/2011, proferido no processo n.°89/10.4GTCTB, todos publicados na página da DGSI, onde o entendimento supra exposto é sufragado.

Pelo exposto e de acordo com o previsto nos arts. 311.°, n.°2, al. a), e n.°3, al. d), aplicáveis por força do art. 386.°, n.°l, todas as disposições do Código de Processo Penal, rejeito a acusação e determino o oportuno arquivamento dos autos.

Notifique.”

           

           

            3. FUNDAMENTAÇÃO


            Por sentença judicial, datada de 24/10/2012, transitada em julgado em 10/12/2012, proferida no âmbito do Processo Sumário n.° 417/12.8GAILH, do Juízo de Pequena Instância Criminal de ílhavo, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez,p. e p. pelo artigo 292°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de seis euros e na proibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 4 (quatro) meses.

Aquando da prolação de tal sentença, foi o arguido advertido por um lado de que teria de entregar todos os títulos de condução de que fosse titular na secretaria do tribunal ou num posto policial, no prazo de 10 diasa contar do trânsito em julgado da referida sentença condenatória e por outro de que se conduzisse no período da proibição que havia sido determinada incorria em responsabilidade criminal.

Não obstante, não entregou o referido título de condução, para cumprimento da referida sanção acessória e no dia 11 de Fevereiro de 2013, na Avenida Mário Sacramento, em Ílhavo, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, com a matrícula (...).

A pena acessória actualmente prevista no art. 69º do Código Penal, inexistente na versão original do Código, veio a ser introduzida em consequência de necessidades político-criminais ditadas pela elevada sinistralidade rodoviária e apresenta-se indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, assinalando-se-lhe ainda efeitos gerais de intimidação, legítimos, porque a considerar dentro do limite da culpa - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 165.

Às penas acessórias é assinalado um carácter de reforço da pena principal, visando a sua aplicação a diversificação e reforço do conteúdo sancionatório da condenação penal - idem, pág. 181.

Trata-se de uma verdadeira pena, com uma moldura penal específica, carecida de concretização casuística.

A questão de saber quando se inicia o cumprimento da pena acessória não tem colhida resposta unânime por parte dos tribunais superiores.

            Seguindo o acórdão desta Relação de Coimbra, - de que a relatora do presente acordão foi também subscritora, - proferido no processo 89/10.4GAVFR, de 2 de Novembro de 2011, importa considerar a análise conjugada das seguintes disposições legais:

            Artigo 69.º do Código Penal

            1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

            a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292.º;

            b) (…)

            c (…)

            2. A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.

            3. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.

            4. A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção – Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.

            5. (…)

            6. Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.

            7. (…).

            Artigo 500.º do Código de Processo Penal

            1. A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção - Geral de Viação.

            2. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.

            3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.

            4. A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.

            5. (…)

            6. (…)

O que impõe a constatação de que o facto de no nº 2 do art. 69º do Código Penal se afirmar que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão…” não implica necessariamente o início do cumprimento da pena acessória com o trânsito em julgado da decisão. Só assim sucederá se o título de condução se encontrar já apreendido à ordem do processo (nº 3 do mesmo artigo), caso em que não faria sentido protelar para além desse momento o início do cumprimento da pena. Em todos os demais casos, o cumprimento da pena acessória inicia-se com a entrega da licença de condução na secretaria judicial ou em posto policial, ou com a sua apreensão. E é assim porque o cumprimento daquela sanção pressupõe, sob pena de ineficácia por impossibilidade de fiscalização, o desapossamento do título que habilita ao exercício da condução de veículos com motor.

A referência ao trânsito em julgado da decisão como momento determinante para o início da pena acessória, constante do nº 2 do art. 69º do Código Penal, significa apenas e tão-só que antes desse momento não pode ter início o cumprimento da sanção, ainda que o título de condução esteja apreendido e, portanto, o período anterior a esse momento em que porventura o título tenha estado apreendido não contará para o cumprimento da pena acessória, assim como o condenado não poderá ser sancionado pelo exercício da condução antes do trânsito em julgado da sentença - Ac. desta Relação, relator Miranda Jacob.

            Tem-se revelado maioritária a posição defendida no despacho recorrido, no sentido de que o respectivo cumprimento se inicia com a entrega voluntária ou a apreensão do título de condução e não com o trânsito em julgado da sentença nos casos em que a carta não se mostra apreendida nem foi objecto de entrega voluntária no prazo legal,– [cf. a título exemplificativo, os acórdãos do TRC de 01.03.2007 [proc. n.º 239/04.0GTAVR – A], e de 18.10.2006 [disponível in www.dgsi.pt], do TRE de 10.11.2005 e de 29.03.2005 [disponíveis in www.dgsi.pt], do TRL de 24.01.2007 [disponível in www.dgsi.pt], do TRP de 07.12.2005 e de 14.06.2006 [disponíveis in www.dgsi.pt], do TRG de 10.03.2003, CJ, XXVIII, T. 2, 285].

            Em seu abono têm-se dito que o artigo 69.º, n.º 2 do Código Penal ao estabelecer que A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão é compatível com o entendimento de que o efeito a que aí se faz referência é o da exequibilidade da decisão condenatória o que não é a mesma coisa da execução propriamente dita.

            Com efeito, sendo certo que o artigo 467º, n.º 1 do Código de Processo Penal enuncia um princípio geral comum a todas as decisões condenatórias, qual seja o da sua execução imediata, como salienta Manuel António Lopes Rocha exequibilidade ou execução enquanto actividade judiciária direccionada a promover a efectiva realização da sanção aplicada, não é o mesmo que cumprimento ou execução enquanto actividade que visa materializar aquela execução – [cf. “Execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade”, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 476].

            Germano Marques da Silva, sobre o início da execução das penas, entende que A sentença condenatória, transitada em julgado, tem imediata força executiva, mas não se executa automática nem oficiosamente, implica a prática de actos de execução e a sua promoção pelo Ministério Público – [cf. Direito Penal Português, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Verbo, 216].

            Assim, o n.º 2 do citado artigo 69º apenas significaria que a sentença só possui força executiva, no sentido de impor o cumprimento da proibição de conduzir, após o trânsito em julgado e não já que a execução da pena acessória se inicia com tal trânsito, independentemente da efectiva entrega ou apreensão do título de condução.

            De facto, julga-se ser esta a posição que melhor se adequa ao pensamento legislativo e à unidade do sistema, evitando-se, desta forma, apreensões abusivas dos títulos de condução, nomeadamente por ocasião da infracção.

Tal interpretação, como se alerta no referido acórdão 89/10.4GAVFR, “para além de ser a que melhor se compatibiliza com o n.º 3 do aludido artigo 69.º, que concede ao condenado o prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para entrega do título de condução, harmoniza-se, ainda, com a disciplina gizada no âmbito do ilícito contra–ordenacional, no Código da Estrada, enquanto prevê a necessária apreensão dos títulos de condução como condição sine qua non do efectivo cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir [cf. artigos 160.º, nºs 1, 3 e 4 e 182.º, n.ºs 1 e 2, al. a)], mal se entendendo que no que respeita à pena acessória correspondente à infracção criminal [de maior gravidade] o legislador se satisfizesse com a mera contagem do lapso temporal da respectiva vigência formal, imediatamente sequencial ao trânsito em julgado da referente decisão, em absoluto alheada de qualquer rigor garantístico do correspondente cumprimento pelo sujeito passivo – aliás expressamente prevenido e disciplinado -, juízo que, por desconforme à própria enunciada regulamentação legal, paradoxal e juridicamente absurdo, é de todo vedado ao interprete, como postulado pelo citado art.º 9.º do Código Civil – [cf. acórdão TRC de 01.03.2007, proc. n.º 239/04.0GTAVR – A].”

            É inequívoco que a vontade do legislador é a de que a pena acessória seja efectivamente cumprida, como aliás resulta do n.º 6 do artigo 69.º do Código Penal ao estabelecer que não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.

            A propósito do argumento [que tem servido a tese contrária] de que a eliminação por parte da Comissão de Revisão do Código Penal, que introduziu a redacção do actual n.º 2 do artigo 69.º, do segmento [que no Anteprojecto de 1987] previa o desconto no período de cumprimento da proibição de conduzir do prazo decorrido entre a data do trânsito da condenação e a entrega do título de condução, remetemos para a leitura do acórdão do TRC de 05.12.2007 [proc. n.º 178/06.0GTCBR], onde se esclarece “Ao contrário do que numa leitura desacompanhada parece resultar da letra do n.º 2 do art. 69º do Código Penal, aquele dispositivo apenas pretendeu esclarecer que a proibição apenas se torna exequível a partir do trânsito em julgado da decisão (e foi com esse sentido que se escolheu a expressão dúbia “produz efeito”). Foi esse o propósito do legislador, como resulta da discussão que teve lugar na Comissão de Revisão “Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, Ministério da Justiça, 1993, pág. 75. Efectivamente, no Anteprojecto constava um n.º 4 al. b) que estipulava que “não conta para o prazo da proibição o tempo (…) que tenha decorrido entre a data do trânsito da condenação e a entrega da licença …”. Na discussão deste artigo o Conselheiro Manso Preto propôs que ficasse claro no texto que a medida se torna eficaz com o trânsito em julgado da decisão ao que o Professor Figueiredo Dias retorquiu que tal ideia resulta já da alínea b) do n.º 4. Dessa discussão resultou a alteração da redacção de molde a recolher a menção expressa à produção de efeitos após o trânsito em julgado. Da forma como a questão é colocada no seio da Comissão e da expressão utilizada pelo Conselheiro Manso Preto (tornar eficaz), por confronto com a redacção do n.º 4 al. b do Anteprojecto, decorre que a preocupação da Comissão era apenas a de deixar bem claro que a pena acessória não era cumprida entre a prolação da sentença e o seu trânsito em julgado, certamente sensibilizados por alguma prática judiciária da época (…).

            Reportando-nos aos presentes autos, impõe-se concluir que pelo acerto do despacho recorrido, já que à data em que o arguido exerceu a condução ainda a pena acessória de proibição de conduzir não se mostrava em execução, porque ainda não ocorrera a entrega do título de condução com vista ao respectivo cumprimento, circunstância que compromete irremediavelmente a subsunção da conduta no crime p. e p. pelo artigo 353º do Código Penal.

Com efeito,por virtude do exercício da condução no dia 11/02/2013não ocorre a violação de uma proibição, cujo início de execução viria a ocorrer em data posterior – com a entrega da carta ou apreensão da carta -, não obstante o trânsito em julgado da sentença.

            Conclui-se como no dito acórdão 89/10.4GAVFR,ser esta a interpretação que melhor se adequa ao pensamento legislativo e à unidade do sistema jurídico [artigo 9.º do CC].

           

            IV. Dispositivo

            Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.

            Sem tributação.


      

(Isabel Valongo - Relatora)

 (Joaquim Correia Pinto)