Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3810/17.6T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
CRÉDITOS LABORAIS
Data do Acordão: 05/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 666, 747, 749 CC, 204 LEI Nº 100/2009 DE 16/9, 204.º/1 DO CRCSPSS, 333 CT
Sumário: 1.-No concurso entre o privilégio mobiliário da segurança social e do IEFP e o crédito garantido por penhor, prevalecem os primeiros, ainda que o penhor tenha sido constituído anteriormente.

2.- No caso de conflito entre o art. 333.º/2/a) do C. T. (os créditos laborais tem preferência sobre os créditos com idêntico privilégio do Estado), o art. 204.º/1 do CRCSPSS (os créditos do ISS graduam-se logo após os referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do CC), a prevalência do privilégio mobiliário geral do ISS sobre qualquer penhor (estabelecida por lei) e correndo na mesma graduação um credito garantido por penhor, um crédito do ISS, um crédito de Trabalhadores e um crédito do Estado, todos estes com privilégio mobiliário geral, deve proceder-se à seguinte gradução: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: Os créditos laborais; e 4.º: Os créditos do Estado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos de insolvência referentes a I (…) S.A., o Sr. Administrador de Insolvência veio apresentar a lista de créditos reconhecidos, reconhecendo, designadamente e entre outros:

- Um crédito do Banco (…) no valor de 110.000,00€ que classificou como “garantido” por estar garantido por penhor sobre depósito a prazo n.º 2725797389 no montante de €55.000,00;

- Um crédito do Banco (…) no valor de 276.908,28€ que classificou como “garantido” por estar garantido por penhor sobre quota no valor de €286.000,00 da sociedade D )(…), Ld.ª;

- Um crédito do Banco (…) no valor de 51.000,00€ que classificou como “privilegiado”, dizendo que gozava der “privilégio creditório geral, graduado em último lugar, sobre todos os bens móveis integrantes da massa insolvente, relativamente a um quarto do seu montante, num máximo correspondente a 500 unidades de conta”;

- Dois créditos de G (…), S.A., no montante de 16.614,15€ e 580,65€ que classificou como “garantidos (sob condição)” por estarem garantidos por penhor sobre quota no valor de €286.000,00 da sociedade D (…) Ld.ª, mais dizendo que o reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da verificação do pagamento da garantia ainda não executada pelo beneficiário;

- Um crédito de L (…), S.A., no valor de 19.233,68€ que classificou como “garantido (sob condição) por estar garantido por penhor sobre quota no valor de €286.000,00 da sociedade D (…), Ld.ª, mais dizendo que o reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da verificação do pagamento da garantia ainda não executada pelo beneficiário;

- Um crédito de L (…), S.A. no valor de 613,86€ que classificou como “garantido” por estar garantido por penhor sobre quota no valor de €286.000,00 da sociedade D (…), Ld.ª;

- Um crédito de N (…), SA no valor de 353.939,14€ que classificou como “garantido” por estar garantido por penhor sobre 10.000 acções da N (…), S.A. no valor nominal de 1€ cada;

- Um crédito de N (…), SA no valor de 809,27€ que classificou como “garantido” por estar garantido por penhor sobre quota no valor de €286.000,00 da sociedade D (…), Ld.ª;

Um crédito de N (…), SA, no valor de 26.582,64€ que classificou como “garantido (sob condição) por estar garantido por penhor sobre quota no valor de €286.000,00 da sociedade D (…), Ld.ª, mais dizendo que o reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da verificação do pagamento da garantia ainda não executada pelo beneficiário.

Entretanto, porque constava da lista que os créditos do Banco (…), S.A., G (…), S.A., L (…), S.A., e N (…), S.A., estavam garantidos por penhor sobre a quota social da “D (…) Lda.” e porque, de acordo com a certidão junta aos autos, apenas se encontrava registado o penhor a favor do Banco (…) foi determinada a notificação do Sr. Administrador para esclarecer a razão pela qual havia sido considerados como garantidos todos aqueles créditos.

O Sr. Administrador veio responder, dizendo desconhecer as razões pelas quais apenas se encontra registado o penhor a favor do Banco (…), mais juntando aos autos o contrato por via do qual havia sido constituído o penhor a favor daqueles quatro credores.

Na falta de impugnação, a lista de créditos (que entretanto foi rectificada no sentido de abranger créditos que tinham sido objecto de impugnação julgada procedente) foi homologada e os créditos foram graduados nos seguintes termos:

Quanto à quota social da sociedade “D (…), Lda.”.

- Créditos da Segurança Social (nº29) e do IEFP (nº53), a par e em rateio.

- Crédito nº14 do “Banco (…), S.A.”; nº40 de “G (…), S.A.”; nº65 e nº66 de “L (…), S.A.”, e nº75 e nº76 de “N (…), S.A.”), a par e em rateio.

- Créditos laborais de (…) (nº2), (…) (nº3), (…) (nº26), (…)(nº33), Fundo de Garantia Salarial (nº39), (…) (nº44), (…) (nº56), (…) (nº57), (…) (nº58), (…) (nº59), (…) (nº60), (…) (nº61), (…) (nº62), (…) (nº63), (…)(nº68), (…) (nº71), (…) (nº73), (…)(nº80), (…)(nº82), (…) (nº83), (…) (nº92), e (…) (nº100), a par e em rateio.

- Os créditos do Estado – Fazenda Nacional por IVA (nº34) e IRC (nº35).

- O crédito privilegiado do “Banco (…), S.A.”, com o limite previsto no nº1 do art. 98º do CIRE.

- Os créditos comuns, a par e em rateio.

- Os créditos subordinados, de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.

Quanto à participação social da “N (…) , S.A.”.

- Créditos da Segurança Social (nº29) e do IEFP (nº53), a par e em rateio.

- Crédito nº74 de “N (…), S.A.”).

- Créditos laborais de (…) (nº2), (…) (nº3), (…) (nº26), (…)(nº33), Fundo de Garantia Salarial (nº39), (…) (nº44), (…) (nº56), (…) (nº57), (…) (nº58), (…) (nº59), (…) (nº60), (…) (nº61), (…) (nº62), (…) (nº63), (…)(nº68), (…) (nº71), (…) (nº73), (…)(nº80), (…)(nº82), (…) (nº83), (…) (nº92), e (…) (nº100), a par e em rateio.

- Os créditos do Estado – Fazenda Nacional por IVA (nº34) e IRC (nº35).

- O crédito privilegiado do “Banco (…), S.A.”, com o limite previsto no nº1 do art. 98º do CIRE.

- Os créditos comuns, a par e em rateio.

- Os créditos subordinados, de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.

Quanto aos demais bens móveis (incluindo o veículo) e outros direitos (depósito a prazo).

- Créditos laborais de (…) (nº2), (…) (nº3), (…) (nº26), (…)(nº33), Fundo de Garantia Salarial (nº39), (…) (nº44), (…) (nº56), (…) (nº57), (…) (nº58), (…) (nº59), (…) (nº60), (…) (nº61), (…) (nº62), (…) (nº63), (…)(nº68), (…) (nº71), (…) (nº73), (…)(nº80), (…)(nº82), (…) (nº83), (…) (nº92), e (…) (nº100), a par e em rateio.

- Os créditos do Estado – Fazenda Nacional por IVA (nº34) e IRC (nº35).

- Créditos da Segurança Social (nº29) e do IEFP (nº53), a par e em rateio.

- O crédito privilegiado do “Banco (…), S.A.”, com o limite previsto no nº1 do art. 98º do CIRE.

- Os créditos comuns, a par e em rateio.

- Os créditos subordinados, de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.

Quanto ao imóvel.

- Os créditos do Estado – Fazenda Nacional por IRC (nº35).

- Créditos da Segurança Social (nº29) e do IEFP (nº53), a par e em rateio.

- Os créditos comuns, a par e em rateio.

- Os créditos subordinados, de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE”.

Inconformadas com essa decisão, as credoras N (…) S.A., L (…)  S.A. e G (…) S.A. vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)

O Banco (…), S.A. veio também interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações das Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se os créditos das Apelantes – garantidos por penhor – devem ser graduados, no que toca aos bens sobre os quais incide o penhor, com preferência relativamente aos créditos da Segurança Social e do IEFP que gozam de privilégio mobiliário;

• Saber se o crédito do B (…) (garantido por penhor sobre a quota da sociedade) deve ser graduado com preferência relativamente aos demais créditos garantidos por penhor sobre a mesma quota em virtude de esse penhor (a favor do B (…) ter sido registado;

• Saber se a sentença recorrida incorreu em erro ao graduar os créditos no que toca ao depósito a prazo sem considerar o penhor que sobre esse depósito foi constituído a favor do BB (…)e, em caso afirmativo, apurar os termos em que deve ser efectuada essa graduação.


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III.

Apreciemos, então, o objecto dos recursos, sendo que os factos relevantes para o efeito são aqueles que já foram enunciados em I.

Coloca-se em ambos os recursos a questão de saber se os créditos das Apelantes – garantidos por penhor – devem ser graduados, no que toca aos bens sobre os quais incide o penhor, com preferência relativamente aos créditos da Segurança Social e do IEFP que gozam de privilégio mobiliário.

As Apelantes entendem que sim, sustentando, em linhas gerais, que, os privilégios gerais não constituem verdadeiros direitos reais de garantia e que, como tal, devem ceder perante os direitos reais de garantia de terceiros que sejam anteriores, em conformidade com o disposto no artigo 749º do CC.

Analisemos, então, a questão.

É certo que, de acordo com o disposto no artigo 666º do CC, “O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou de outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro” e é certo que, de acordo com o disposto no artigo 749º, nº 1, do CC, “O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente”.

Significa isso, portanto, que, por regra, o penhor prevalece, efectivamente, sobre o privilégio mobiliário geral.

Mas ainda que seja essa a regra, a verdade é que ela comporta excepções, tendo sido expressamente afastada pelo legislador relativamente aos créditos da Segurança Social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora e relativamente aos créditos do IEFP.

Com efeito e no que diz respeito aos créditos da Segurança Social, o artigo 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social – aprovado pela Lei nº 110/2009 de 16/09 – dispõe nos seguintes termos:

1 - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.

2 - Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.

A prevalência deste privilégio relativamente a qualquer penhor, ainda que de constituição anterior, já resultava, aliás, da legislação anterior e, mais concretamente, do artigo 10º, nº 2, do Dec. Lei nº 103/80.

O mesmo acontece relativamente aos créditos do IEFP, dispondo o artigo 7º do Dec. Lei nº 437/78 de 28/12 que o privilégio mobiliário geral aí estabelecido para esses créditos prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.

Perante estas disposições expressas de carácter especial, pensamos ser claro que os aludidos privilégios prevalecem sobre o penhor ainda que este tenha sido constituído anteriormente.

Pensamos, aliás, que, ao contrário do que dizem as Apelantes, essa conclusão não é questionada pela doutrina e jurisprudência. Veja-se, a propósito, Salvador da Costa[1] quando afirma que” …no concurso entre o direito de crédito das instituições de segurança social garantido pelo referido privilégio mobiliário geral e o direito de crédito garantido por um direito de penhor, prevalece o primeiro”. Também Miguel Pestana de Vasconcelos[2] faz essa leitura da citada norma legal (embora entenda que ela será inconstitucional) quando afirma: “Note-se, porém, que há um privilégio mobiliário geral que, de forma totalmente excecional, vale contra terceiros, prevalecendo sobre qualquer penhor, mesmo que de constituição anterior: o privilégio mobiliário geral da segurança social que assegura os créditos por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora (art. 204.º n.º 2 Código Contibutivo, CRCSPSS). Nessa medida, é mesmo mais forte do que um privilégio especial, pois este não prevalece sobre garantias reais anteriores”.

No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência, como se pode ver pelos Acórdãos do STJ de 22/04/1999 (processo nº 98B1084) e de 08/06/2006 (processo nº 06B998) e pelos Acórdãos da Relação de Coimbra de 10/03/2015 (processo nº 2558/12.2TLRA-C. C1), de 11/12/2012 (processo nº 241/11.5TBNLS-B.C1) e de 16/10/2012 (processo nº 11/12.3TBVIS-A.C1)[3].

Importa notar, por outro lado, que o Tribunal Constitucional já foi chamado a apreciar a constitucionalidade da norma que estabelece a prevalência do privilégio da segurança social relativamente ao penhor (norma que, à data, correspondia ao artigo 10º, nº 2, do Dec. Lei nº 103/80 e que corresponde actualmente ao artigo 204º, nº 2, do Dec. Lei nº 110/2009) e entendeu que não existia qualquer inconstitucionalidade (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 64/2009 e 108/2009, de 10/02/2009 e 10/03/2009, respectivamente[4]).

É certo, portanto, que, no concurso entre o privilégio mobiliário da segurança social e do IEFP e o crédito garantido por penhor, prevalecem os primeiros, ainda que o penhor tenha sido constituído anteriormente.

Aquilo que tem sido discutido na jurisprudência e que não tem merecido resposta uniforme – importando notar que é a situações deste tipo que se reportam alguns dos Acórdãos citados pelas Apelantes – é a solução a dar aos casos em que os créditos da Segurança Social (e do IEFP) entram em concurso com créditos garantidos por penhor, com créditos do Estado e com créditos dos trabalhadores, caso em que as normas aplicáveis entram em conflito. Na verdade, dispondo o citado artigo 204º do CRCSPSS que os referidos créditos da segurança social são graduados nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, dispondo o artigo 333º do Código do Trabalho que os créditos dos trabalhadores com privilégio mobiliário geral são graduados antes dos referidos no artigo 747º do CC e sabendo-se que o privilégio mobiliário dos créditos do Estado e das autarquias locais aí mencionados, bem como os dos trabalhadores não prevalecem sobre o penhor (porque estão sujeitos ao regime previsto no CC e não ao regime excepcional a que estão submetidos os créditos da Segurança Social), coloca-se a questão de saber como graduar o crédito garantido por penhor, já que, por aplicação das normas citadas, os créditos da Segurança Social e do Estado deveriam ser graduados na mesma posição e depois dos créditos dos trabalhadores, mas os créditos da segurança social prevalecem sobre o penhor e os demais não prevalecem. E, nesta situação, existem, de facto, soluções divergentes na jurisprudência, pois há quem entenda que, nesse caso, deve ser dada preferência ao penhor, pagando-se em primeiro lugar o crédito por ele garantido (veja-se, designadamente, o Acórdão do STJ de 08/06/2006, já citado, o Acórdão da Relação de Guimarães de 25/05/2017, proferido no processo nº 703/13.0TBMDL-K.G1[5] e demais jurisprudência aí citada; neste sentido também se pronuncia Salvador da Costa[6]), há quem entenda que o penhor deverá ser graduado em último lugar (cfr. Acórdão do STJ de 26/09/1995, no processo nº 087303[7], e Acórdão da Relação de Coimbra de 16/05/2000[8]) e há ainda quem entenda que em tal situação deve ser graduado em primeiro lugar o crédito da Segurança Social, em segundo lugar o crédito garantido por penhor e só depois os créditos laborais e os créditos do Estado, como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 31/03/2016 no processo nº 565/14.0T8VCT-B.G1 e no Acórdão da Relação de Coimbra de 11/12/2012 no processo nº 241/11.5TBNLS-B.C1 (em que foi relator o aqui 2º adjunto)[9].

Foi esta última a posição adoptada na sentença recorrida e não a temos como desacertada.

Vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 9º do CC, a interpretação da lei deve nortear-se pelos seguintes princípios:

- Não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada;

- Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;

- Deverá presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Ora, à luz destes princípios, pensamos que não poderá prevalecer a solução de graduar o crédito garantido por penhor à frente dos créditos da segurança social. E tal solução não pode prevalecer porque, além de não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, contraria, aberta e frontalmente, a letra da lei (o artigo 204º, nº 2, do CRCSPSS), bem como o pensamento e vontade do legislador quando determinou, de forma expressa e sem margem para qualquer dúvida, que o privilégio dos créditos da segurança social prevalece sobre qualquer penhor. Importa notar que a prevalência do privilégio da segurança social relativamente ao penhor já constava do Dec. Lei nº 103/80 de 09/05 (cfr. artigo 10º,nº 2) e a transposição da norma em questão para a legislação actualmente em vigor evidencia o claro e firme propósito do legislador em assegurar a prevalência dos créditos por contribuições devidas à segurança social relativamente ao penhor, propósito que se insere na necessidade de assegurar a sustentabilidade da segurança social e o direito à segurança social que a todos é garantido pelo artigo 63º da Constituição da República. Pensamos, portanto, em face disso, que não poderá prevalecer a solução de graduar o crédito garantido por penhor à frente dos créditos da segurança social.

Mas se essa solução não é viável pelas razões apontadas, pensamos que também não poderá prevalecer a solução de graduar o crédito garantido por penhor atrás dos créditos dos trabalhadores e do Estado garantidos por privilégio mobiliário, uma vez que tal solução também não encontra o mínimo apoio na letra da lei e também contraria abertamente o pensamento e a vontade do legislador quando determinou (artigo 749º do CC) que tais privilégios não prevalecem sobre o penhor.

Pensamos, portanto, que a observância da lei e o respeito pelo pensamento e vontade legislativos impõem necessariamente que os créditos da segurança social sejam graduados com preferência relativamente aos créditos garantidos por penhor e que estes sejam graduados com preferência relativamente aos demais créditos garantidos por privilégio mobiliário, designadamente, os créditos laborais e os créditos do Estado.

É certo que a graduação dos créditos assim efectuada implica que os créditos dos trabalhadores e os créditos do Estado sejam graduados após os créditos da segurança social, quando é certo que, por aplicação dos artigos 204º, nº 1, da Lei nº 110/2009, 333º do Código do Trabalho e 747º do CC, os créditos da Segurança Social seriam graduados a par dos créditos do Estado e depois dos créditos dos trabalhadores. Importa notar, no entanto, que essa graduação nem sequer entra em colisão directa e frontal com o artigo 333º do Código do Trabalho, uma vez que aqui apenas se determina que os créditos dos trabalhadores são graduados antes dos referidos no artigo 747º do CC e esta disposição nem sequer alude aos créditos da segurança social (sendo que estes são graduados nos termos da alínea a) desse artigo 747º por força de disposição legal que consta de outro diploma) e, portanto, se os créditos dos trabalhadores forem graduados antes dos créditos do Estado e depois dos créditos da segurança social, estar-se-á a respeitar – ou pelo menos não se estará a desrespeitar abertamente – o citado artigo 333º onde não se determina (de modo expresso) que esses créditos sejam graduados antes da segurança social. Por outro lado, ainda que por aplicação das citadas normas legais os créditos da segurança social e os créditos do Estado devessem ser graduados a par, pensamos que a inobservância dessa regra será, apesar de tudo, menos ostensiva e assumirá uma menor gravidade quando comparada à inobservância das demais regras supra citadas por via das quais o legislador manifestou, de modo claro e expresso, a sua vontade de que o privilégio da segurança social prevalecesse sobre o penhor e que este prevalecesse sobre os demais privilégios.    

  Concluimos, portanto, em face do exposto, que a solução que melhor respeita – ou que menos desrespeita – a letra da lei e o pensamento e a vontade do legislador corresponderá a graduar os créditos pela ordem seguinte: créditos com privilégio da segurança social, créditos garantidos por penhor, créditos com privilégio dos trabalhadores e créditos com privilégio do Estado. Qualquer outra solução (seja a de graduar o crédito garantido por penhor em 1º lugar e, portanto, antes do crédito com privilégio da Segurança Social, seja a de graduar o crédito garantido por penhor em último lugar e após os créditos com privilégio dos trabalhadores e do Estado) violaria e desrespeitaria, aberta e frontalmente, a letra da lei e a vontade do legislador quando determinou que o privilégio da segurança social prevalece sobre o penhor e quando determinou que o penhor prevalece sobre os demais privilégios mobiliários.

Confirma-se, portanto, a decisão recorrida que procedeu à graduação dos créditos por essa ordem, improcedendo o recurso interposto pelas credoras N (…), L (…), G (…)  – sendo certo que era esta a única questão suscitada nesse recurso – e improcedendo o recurso interposto pelo Banco (…) na parte em que visava a graduação do seu crédito (garantido por penhor) com prioridade relativamente aos créditos com privilégio mobiliário da Segurança Social e do IEFP.

O recuso do Banco (…) suscita, no entanto, mais duas questões: a primeira prende-se com a graduação do seu crédito (garantido por penhor sobre a quota da sociedade) relativamente aos demais créditos garantidos por penhor sobre a mesma quota e a segunda prende-se com a graduação do seu crédito no que toca ao depósito bancário apreendido sob a verba nº 9.

Analisemos essas questões.

Relativamente à primeira, diz a Apelante (Banco (…).): que o penhor sobre quotas de sociedades comerciais está sujeito a registo obrigatório; que o penhor a seu favor foi o único que foi levado ao registo e que de acordo com o princípio da prioridade do registo, previsto nos arts. 12.º e 242.º-C do CRC, o facto registado em primeiro lugar prevalece sobre os demais relativamente às mesmas quotas ou partes sociais, segundo a ordem do respectivo registo, devendo, por isso, o seu crédito ser graduado à luz da prioridade registral que lhe cabe.

Pensamos que assiste razão à Apelante.

O Código do Registo Comercial – aprovado pelo Dec. Lei nº 403/86, de 03/12 – dispõe, efectivamente, no seu artigo 3º, nº 1, alínea f), que o penhor de quotas de sociedades comerciais está sujeito a registo, dispondo o artigo 12º que “O facto registado em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem, relativamente às mesmas quotas ou partes sociais, segundo a ordem do respectivo pedido”.

Ora, conforme se disse supra, o penhor a favor do Banco (…)foi registado e não há notícia de que tal também tenha acontecido relativamente ao penhor que foi constituído a favor das demais credoras (G (…), L (…), N (…)). De qualquer forma, ainda que tal registo tenha sido efectuado – facto que não resulta dos autos – ele será necessariamente posterior ao registo do penhor a favor do B (…).

Assim e tendo em conta a norma supra citada, o penhor a favor do B (…) prevalece sobre o penhor a favor das demais credoras.

Consequentemente e no que toca à quota social da sociedade “D (…), Ldª”, o crédito do B(…) terá que ser graduado com preferência sobre os créditos das aludidas credoras a favor das quais também foi constituído penhor sobre aquela quota social.

Relativamente à segunda questão, diz a Apelante que a sentença recorrida não tomou em consideração o penhor constituído a seu favor relativamente ao depósito bancário apreendido sob a verba nº 9.

Tem razão a Apelante.

De facto, na lista de créditos reconhecidos – que veio a ser homologada judicialmente – foi incluído (sob o nº 11) um crédito do B(…), S.A., no valor de 110.000,00€ que foi ali classificado como “garantido” por penhor sobre o depósito a prazo n.º 2725797389 no montante de €55.000,00.

Ora, a graduação de créditos que foi efectuada na sentença recorrida relativamente a esse depósito (graduação que, aliás, foi efectuada conjuntamente para esse depósito e para outros bens móveis) não contemplou essa garantia, tendo graduado os créditos pela seguinte ordem: créditos laborais, créditos do Estado, créditos da Segurança Social e IEFP, crédito privilegiado do B(…), créditos comuns e créditos subordinados.

Impõe-se, portanto, rectificar essa situação (que pensamos ter resultado de lapso), procedendo à graduação dos créditos relativamente a esse depósito tendo em conta o penhor a favor do BCP.

Tal graduação deverá ser feita, naturalmente, nos mesmos termos em que foi efectuada a graduação relativamente a outros bens sobre os quais também incidiam penhores e tendo em conta as considerações supra efectuadas a propósito do concurso entre o penhor, o privilégio mobiliário da Segurança Social e do IEFP e os privilégios mobiliários dos trabalhadores e do Estado, pelo que, em conformidade com o que aí se disse, o crédito do B(…) (garantido por penhor) deverá ser graduado com preferência sobre os demais créditos com excepção dos créditos da Segurança Social e do IEFP que devem ser graduados em primeiro lugar.


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IV.
Pelo exposto, negando-se provimento ao recurso interposto pelas credoras N (…), L (…), G (…)e concedendo-se parcial provimento ao recurso interposto pelo Banco (…), S.A., decide-se:

► Alterar a sentença recorrida nos seguintes termos:
Relativamente à quota social da sociedade “D (..), Lda.”, os créditos serão graduados nos seguintes termos:
1º - Créditos da Segurança Social (nº 29) e do IEFP (nº 53), a par e em rateio.
2º - Crédito nº 14 do “Banco (…), S.A.”;
3º - Créditos nº 40 de “G (…), S.A.”; nº 65 e nº 66 de “L (…) S.A.”, e nº 75 e nº 76 de “N (…) , S.A.”), a par e em rateio.
4º - Créditos laborais de (…) (nº2), (…) (nº3), (…) (nº26), (…)(nº33), Fundo de Garantia Salarial (nº39), (…) (nº44), (…) (nº56), (…) (nº57), (…) (nº58), (…) (nº59), (…) (nº60), (…) (nº61), (…) (nº62), (…) (nº63), (…)(nº68), (…) (nº71), (…) (nº73), (…)(nº80), (…)(nº82), (…) (nº83), (…) (nº92), e (…) (nº100), a par e em rateio.
5º - Os créditos do Estado – Fazenda Nacional por IVA (nº34) e IRC (nº35).
6º - O crédito privilegiado do “Banco (…), S.A.”, com o limite previsto no nº1 do art. 98º do CIRE.
7º - Os créditos comuns, a par e em rateio.
8º - Os créditos subordinados, de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.

Relativamente ao depósito a prazo, os créditos serão graduados da seguinte forma:
1º - Créditos da Segurança Social (nº 29) e do IEFP (nº 53), a par e em rateio.
2º - Crédito nº 11 do “Banco (…), S.A.”;
3º - Créditos laborais de (…) (nº2), (…) (nº3), (…) (nº26), (…)(nº33), Fundo de Garantia Salarial (nº39), (…) (nº44), (…) (nº56), (…) (nº57), (…) (nº58), (…) (nº59), (…) (nº60), (…) (nº61), (…) (nº62), (…) (nº63), (…)(nº68), (…) (nº71), (…) (nº73), (…)(nº80), (…)(nº82), (…) (nº83), (…) (nº92), e (…) (nº100), a par e em rateio.
4º - Os créditos do Estado – Fazenda Nacional por IVA (nº34) e IRC (nº35).
5º - O crédito privilegiado do “Banco (…), S.A.”, com o limite previsto no nº1 do art. 98º do CIRE.
6º - Os créditos comuns, a par e em rateio.
7º - Os créditos subordinados, de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.
► Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida.

As custas do recurso interposto pelas credoras N (…), L (…) e G (…)serão suportadas pelas respectivas Apelantes que não obtiveram vencimento da sua pretensão.
As custas do recurso interposto pelo B(…) – que obteve parcial procedência – serão suportadas em partes iguais pelo referido Apelante e pela massa insolvente
Notifique.

Coimbra, 2019/05/28

Maria Catarina Gonçalves ( Relatora )

Ferreira Lopes

Freitas Neto


[1] O Concurso de Credores, 2ª edição, Almedina, pág. 252.
[2] Direito das Garantias, 2013, 2º edição, Almedina, pág. 398.
[3] Todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[4] www.tribunalconstitucional.pt.
[5] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[6] Ob. cit., pág. 252.
[7] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[8] Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, tomo 3º, pág. 9.
[9] Ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.