Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1109/09.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ESCUTA TELEFÓNICA
PROVAS
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 125º, 127º, 188º, 355º NºS 1 E 2 E 357º CPP
Sumário: 1.- As escutas telefónicas são um meio de obtenção da prova, isto é, um meio de investigação para demonstração do thema probandi;

2.- As gravações das escutas telefónicas, realizadas na sequência de autorização judicial face a suspeitas fundadas de crimes de tráfico de estupefacientes, mandadas transcrever pela autoridade judiciária competente em auto e juntas ao processo, são um meio de prova documental a valorar pelo Tribunal de acordo com o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 127.º do Código de Processo Penal;

3.- Daí que as transcrições das escutas telefónicas não constituam declarações dos arguidos prestadas em inquérito, sujeitas ao disposto no art.357.º do C.P.P. – norma específica dirigida às declarações prestadas pelos arguido -, mas sim prova documental, que vale em audiência de julgamento, mesmo que aí não se tenha procedido à sua leitura.

Decisão Texto Integral: Pelo 3.º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos

A..., solteiro, desempregado, e residente no … , Castelo Branco;

B..., solteiro, estudante, e residente em … , Castelo Branco;

C..., solteiro, servente, e residente na … , Covilhã; e

D..., solteiro, serralheiro, e residente em … , Castelo Branco;

imputando-se-lhe a prática de factos pelos quais teriam cometido:

- o arguido A..., em concurso efectivo, um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro; um crime de detenção de arma e munições proibidas p. e p. art. 86.°, n. º 1 , al c) e d) em conjugação com o artigo 3.°, n.º 6, da Lei n.° 5/2006, na redacção da Lei n.° 17/2009, de 6 de Maio; um crime de receptação p. e p. pelo art. 231.°, n.° 1 do Código Penal; um crime de detenção de arma e munições proibidas, previsto e punido pelo art. 86.°, n.° 1, al) c) e d), com referência ao artigo 3.°, n°. 1 e 4 al. a), e uma contra-ordenação, p. e p. no artigo 97.°, todos da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 17/2009 de 6 de Maio.

- o arguido B..., em concurso efectivo, um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro; e um crime de detenção de arma e munições proibidas, p. e p, nos arts. 2.°, n.º 3, 3.°, al .e) e 86.°, n.º l , al. d), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 17/2009 de 6 de Maio; e

- os arguidos C... e D..., cada um deles, um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. no artigo 25.° al. a) do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

            Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual se procedeu uma comunicação de alteração não substancial da factualidade descrita em sede de acusação pública, em termos de facto e de qualificação jurídica – o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 29 de Abril de 2011, decidiu julgar parcialmente procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência:

- Absolver o arguido A... da prática de um crime de detenção de arma e munições proibidas p. e p. art. 86°, n º 1 , al c) e d) em conjugação com o artigo 3°, nº6, da Lei n° 5/2006, na redacção da Lei n° 17/2009, de 6 de Maio; de um crime de receptação p. e p. pelo art. 231°, n° 1 do Código Penal;

- Condenar o arguido A... pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos arts. 21.°, n.° 1, e 24.º, j), ambos do Decreto-Lei n.º   15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de  6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Condenar o arguido A...  pela prática de um crime de detenção de arma e munições proibidas p. e p. art. 86.°, n.º 1 , al c) e d), em conjugação com os artigos 2.º, n.º 3 e 3.°, nºs 1 e 4 a), da Lei n.° 5/2006, na redacção da Lei n° 17/2009, de 6 de Maio, na pena de  2 anos de prisão; 

- Condenar o arguido A... pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 97º, da Lei n.° 5/2006, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, na coima de € 700, 00;

- operar o cúmulo jurídico destas penas e condenar o arguido A... , nos termos  do art. 77º, do  C.Penal,  na pena  única de  7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, a que  acresce  a coima de € 700, 00 (setecentos   euros).

- condenar o arguido B..., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos arts.  21.°, n.° 1, e 24.º, j), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- condenar o arguido B..., pela prática de um crime de detenção de arma e munições proibidas p. e p. art. 86°, n º 1 , al. d), em conjugação com os artigos 2º, n.º 3 e 3°, nº 2, e), da Lei n.° 5/2006, na redacção da Lei n° 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 10 meses de prisão;

- operar o cumulo jurídico destas penas e, nos termos  do art. 77º, do C.Penal, condenar o  arguido B... na pena  única de  6 (seis) anos de prisão.

- condenar o arguido C...,  pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de  menor  gravidade, previsto e punido pelo art. ° 25°, a), do Decreto-Lei n.º   15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de 1 (um) ano  e 8 (oito)  meses de prisão, cuja  execução  se substituiu  por  prestação de trabalho  a favor  da  comunidade, pelo período  de 480  (quatrocentas  e oitenta)  horas; e

-condenar  o arguido D...,  pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de  menor  gravidade, previsto e punido pelo art. ° 25°, a), do Decreto-Lei n.  15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de 6 (seis) meses de prisão, cuja  execução  se substituiu  por  prestação de trabalho  a favor  da  comunidade, pelo período  de 180  (quatrocentas  e oitenta)  horas.

            Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido D..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

l.º O arguido foi condenado nos presentes autos por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade na pena de seis meses prisão substituída por prestação de 480 horas (condenação por extenso constante do acórdão, visto que em numerário daria 180h.) de trabalho a favor da comunidade, desconhecendo-se qual a real pena aplicada.

2.º Considerou o tribunal “a quo” que as escutas telefónicas foram devidamente autorizadas e a sua gravação consignada em auto.

Constituindo meio de prova autónomo relativamente às declarações do arguido, pelo que as transcrições foram valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova, violando os arts.356.º,357.º e 125.º do CPP.

3.º A intercepção e gravação de conversações telefónicas não constituem, no sentido técnico, meios de prova, através exclusivamente do conteúdo de uma conversação interceptada, e sem a concorrência dos adequados meios de prova sobre os factos, não se poderá considerar directamente provado um determinado facto, que não seja a mera existência e o conteúdo da própria conversação.

4.º No caso dos autos foram interceptadas conversas telefónicas mantidas aos telemóveis pertencentes aos arguidos, A...e D…, e que vieram a dar lugar às transcrições juntas, por apenso, aos autos dessa escutas telefónicas e na dimensão das transcrições das intercepções realizadas foram contraditadas pelos arguidos e das mesmas não resulta qualquer negociação acerca de tráfico de estupefacientes.

5.º Impugna da matéria de facto dada como provada em 18.º, 19.º e 24.º dos factos provados do acórdão recorrido, a qual deve ser considerada não provada, por a mesma se alicerçar exclusivamente nas escutas telefónicas, pelo menos, no que diz respeito ao recorrente.

6.º O Recorrente não é nenhum traficante, na verdadeira acepção da palavra, o produto estupefaciente trata-se de uma droga “leve” daí que a pena aplicada se situa muito acima do limite mínimo aplicável tendo em conta o pequeno grau de culpa, as poucas exigências de prevenção face ao arguido, o qual está integrado na sociedade, é pessoa educada, trabalhadora e honesta.

Podendo ter sido suspensa a execução da pena sem mais.

Nestes termos, requer a V.Exªs. se dignem considerar procedente e provado o recurso, e em consequência absolver-se o arguido; subsidiariamente, caso seja improcedente o recurso reduzir-se a pena aplicada ao arguido.

            O Ministério Público na Comarca de Castelo Branco respondeu aos recurso interposto pelos arguido D... pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

            A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso do arguido D..., na parte relativa à pena de substituição.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.  

           

     Fundamentação

 

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante do acórdão recorrido é a seguinte:       

            Factos provados

            ( Da acusação pública integrada pela alteração não substancial oportunamente comunicada)

O arguido A..., também conhecido por ..., pelo menos durante o ano de 2010, até à data da sua detenção, a 4 de Julho desse ano, dedicou-se à prática da cedência, mediante contrapartida monetária, pelo menos haxixe e pólen de haxixe, na cidade de Castelo Branco, retirando desta actividade, pelo menos parte dos seus rendimentos.

O arguido C…, no dia 30 de Agosto de 2009, cerca das 21H00, no Largo da Sé em Castelo Branco, vendeu a ... e ... um produto com o peso líquido de 7, 880 g que o exame laboratorial veio a identificar como canabis resina.

Por, no mínimo três vezes, desde 2007 até 30 de Agosto de 2009, o arguido C...  vendeu  a … cannabis  resina, a  €20, 00  de cada  vez.

No dia 9 de Setembro de 2009,  no Arrabalde  dos  Oleiros,  n.º 18, em Castelo Branco, no quarto  existente  no 1º  piso, foram apreendidos: uma ( 1 ) nota de 50 Euros, seis ( 6 ) notas de 20 Euros, uma ( 1 ) nota de dez Euros, vinte ( 20 ) notas de 5 Euros, uma ( 1 ) moeda de 2 Euros, uma ( 1 ) moeda de 50 cêntimos, cinco ( 5 ) moedas de 20 cêntimos, sete ( 7 ) moedas de 10 cêntimos, quatro ( 4 ) moedas de 5 cêntimos, uma ( 1 ) moeda de 2 cêntimos, quatro ( 4) moedas de 1 cêntimo, três (3) cofres metálicos, um de cor verde, outro de cor azul e outro de cor vermelha; uma (1) tesoura com cabo em plástico, de cor preta; uma (1) pulseira de metal branco; duas (2) medalhas de metal com a inscrição 50 CENT; uma (1) faca em metal com 14 cm de lâmina; um (1) relógio, marca RIDO; uma (1) navalha com cabo azul, de 6.5 cm de lâmina; uma (1) navalha de cabo em metal, de 7 cm de lâmina: um (1) alicate de pequenas dimensões em metal; um (1) gorro de cor preta (passa montanhas); três (3) cachimbos para fumar droga: um (1) telemóvel, marca SAMSUNG, modelo SGHE250, com o EMEI 353153101/499090/7, de cor preta, sem tampa uma (1) antena exterior para TV, marca GREENTEK; um (1) monitor LCD "ACER", modelo X 193WA; uma (1) camisa de cor azul, com a inscrição " SAFIRA SERVIÇOS"; uma máquina fotográfica marca 'Poloroid' - mod 210 ,cinco carregadores de telemóvel, 1 telemóvel "Samsung - mod. SGH - M61 O, 1 telemóvel Nokia mod: 3100 imei 355357/00651490/0, 1 telemóvel marca Nokia modelo 6630 imei 3597733/00/50062415 e um cinzeiro em metal contendo no seu interior 0, 34gr. de  um produto  indeterminado.

No dia 30 de Setembro de 2009, o arguido C...tinha na sua posse canabis resina com o peso líquido de 0, 670 gramas.

No dia 9 de Setembro de 2009, foi apreendido no exterior do n.º 3, do Bairro Grilo Pombal, em Castelo Branco:

- um caderno com capa verde, composto com folhas pautadas, contendo várias anotações referentes a nomes e numerários;

-uma arma de fogo, tipo caçadeira, com dois canos sobrepostos, calibre 12, marca F. Sarpiugarte Flgoibar, com o número de série F.S. 64974, pertença  de   … ;

- trinta cartuchos próprios para caça calibre 12;

O arguido A...desenvolveu, de  forma  reiterada,  a actividade de  cedência  de  haxixe  e pólen de haxixe, mediante  contrapartida  monetária,  desde,  pelo menos,  inícios de  2010, até 4 de Julho  do mesmo ano, abastecendo-se  do produto  estupefaciente  designadamente em Espanha.

10º Conforme ocorreu, designadamente, no dia 28 de Março de  2010, conduzindo o arguido  A... uma  viatura  e, ao  mesmo tempo,  usando igual percurso,  outro indivíduo  conduzia  outra  viatura, por forma   a avisar  aquele da presença  das autoridades policiais.

11º Na posse de haxixe  e pólen de haxixe, em 2010 e  até  4  de  Julho  desse ano, o arguido A...procedeu à sua venda directa a vários indivíduos, alguns deles  consumidores de produtos estupefacientes, por um preço  global  não  inferior  a €2 595, 00, estabelecendo contactos telefónicos e troca de SMS para tal efeito, designadamente:

     a) a 25 de Março de 2010, com … , utilizador do telemóvel com o n° … ;

     b) no mês de Abril de  2010, com … ;

     c) com … ;

     d) a 22 de Junho de  2010, com … , que contactou com o arguido A…, no café … , sito em Castelo Branco, com vista a aquisição de haxixe, o qual, por sua vez, diligenciou pela concretização de tal transacção através do fornecimento do contacto telefónico do arguido B....

    e) o arguido A…, entre  Janeiro e  4  de  Julho de  2010,  cedeu  a   … ,  por, pelo  menos,  duas  ou três  vezes, a €10, 00  ou  €20, 00  de cada  vez, haxixe  ou pólen de haxixe;

    f) a … , também conhecido por « BB...»;

    g) bem como a vários outros consumidores não identificados, com  quem o arguido A...estabelecia contactos cautelosos relativamente a tais transacções.

12º e 13º O  arguido A... também colocava o haxixe  e pólen de haxixe  à  disposição de outros  indivíduos, para que  fossem estes  a cedê-lo aos  consumidores, mediante  contrapartida  monetária, não  inferior a €13 450, 00, recolhendo, posteriormente, o primeiro, pelo menos, parte  do produto  monetário de tal  venda.

14º De entre os referidos indivíduos que procediam a escoamento do haxixe e pólen de haxixe, por conta do arguido A…, encontrava-se o arguido B..., também conhecido por B..., que, durante o ano de 2010 e até à data da sua detenção a 4 de Julho de 2010, recebeu daquele, nos referidos termos, quantidade indeterminada de tal produto estupefaciente, mas superior a três placas de cem gramas de pólen de haxixe, envolvendo valores monetários não inferiores a €2500, 00.

15º No desenvolvimento de tal esquema de colaboração na venda de haxixe e pólen de haxixe, os arguidos A...e B... estabeleceram diversos contactos telefónicos relacionados com estes produtos estupefacientes, em que o tema dominante era o dinheiro, aparecendo o arguido B... como devedor relativamente ao arguido A…, de, pelo menos, €570, 00, fruto das vendas efectuadas por aquele do produto estupefaciente entregue por este nos sobreditos termos.

16º Por sua vez, o arguido B... procedeu à venda de haxixe e pólen de haxixe a consumidores, sendo o produto da respectiva venda  dividido  entre  aquele  arguido e o arguido António, ficando o primeiro com parte desses proventos, conforme previamente combinado, designadamente assim sucedendo com as vendas de haxixe  e pólen de  haxixe, por parte do arguido B...:

     a) a … , utilizador do telemóvel com o número … , a quem, até  4 de Julho de  2010, vendeu, pelo  menos,  20 a  30   vezes,  haxixe  e  pólen de  haxixe, correspondendo as quantidades adquiridas a valores, pelo menos  por  vezes, de € 20;

    b) a … , a quem vendeu, pelo menos uma  vez, a quantidade de € 5 de língua de haxixe, contactando o mesmo, para o efeito, através de SMS;

    c) a … , também conhecido por … , a quem o arguido B... vendeu, até  4 de Julho de 2010,  designadamente nas Docas e no  café … , tudo em  Castelo Branco, haxixe por €20  e  €25;

   d) a … , também conhecido por «…», até   4 de Julho de  2010, pelo menos dez vezes, a um custo de, pelo menos por  vezes,  €5,  €10 ou  €25, 00;

   e) a indivíduo conhecido por " … " por diversas vezes, designadamente um quarto de placa de pólen de haxixe;

   f) bem como a vários outros consumidores não identificados, sendo que o arguido B... chegava a publicitar através de SMS a vinda de novo produto estupefaciente, que vendia por €10 e/ou €20;

tudo  ascendendo a um valor não inferior a €2 445, 00.

17º O arguido A...deslocou-se a Espanha no dia 3 de Julho de 2010, com o intuito de aí vir a ser adquirido produto estupefaciente, designadamente   haxixe  e  pólen de  haxixe, com vista à sua posterior venda de forma idêntica à descrita.

18º Também o arguido D…, utilizador do telemóvel n.º 92 706 5322, igualmente conhecido por ..., procedeu durante o ano de 2010 e até ao referido dia 4 de Julho desse ano, ao escoamento de haxixe e  pólen de  haxixe, por conta do arguido A…, no valor  de, pelo  menos, €220,00.

19º Assim, o arguido D...procedeu à venda a consumidores de tais produtos, sendo que o produto dessa venda era entregue, com os inerentes lucros ao arguido A…, ficando o arguido D...com parte desses proventos, conforme previamente combinado.

20º No dia 4 de Julho de 2010, o arguido A...tinha na sua posse o telemóvel com o IMEI  …  ( correspondente ao Alvo 43196IE.), onde se encontrava inserido o cartão SIM da operadora TMN com o número  … (correspondente ao código ALVO 43196M) e, no interior da sua residência, sita no … , em Castelo Branco:

    - Uma pistola de calibre 6, 35mm, da marca STAR, semiautomática, em boas  condições de  funcionamento,  na qual se encontrava introduzido um carregador municiado com sete munições, em boas condições de utilização, deflagrando  normalmente  à  primeira  percussão;

   - Quarenta e sete munições de calibre 6,35mm, em boas condições de utilização, deflagrando normalmente à primeira percussão;

   - Duas munições de calibre 7,65mm, em boas condições de utilização, deflagrando normalmente  à  primeira  percussão;

   - Uma réplica em metal de uma pistola de 9mm com um carregador próprio para munições de calibre 7,65mm introduzido;

   - Um cartucho próprio para arma caçadeira de calibre 12, em boas condições de utilização, deflagrando  normalmente  à  primeira  percussão;

   - A caixa do telemóvel da marca NOKIA, modelo E71, utilizado pelo arguido;

   - Diversos papeis manuscritos com indicações de numerários, números de telefone e contas  manuscritas;

   - Um talão de carregamento de telemóvel relativo ao número 926.973.678;

   - A quantia de 3700€ (três mil e setecentos euros) em notas do BCE, sendo parte desta quantia composta por cento e vinte e cinco notas de 20 euros.

21º Por seu turno, o arguido B..., nesse dia, tinha consigo o telemóvel com o IMEI  … (Alvo 42982IE), onde se encontrava inserido o cartão SIM da operadora TMN, com o número  … (código ALVO 42982M), um cartão de segurança da TMN referente a tal cartão SIM supra indicado, e, na sua residência, sita na … , Castelo Branco:

   - (21) Vinte e uma munições de salva de calibre 5,56mm, em boas condições de utilização, deflagrando  normalmente  à  primeira  percussão;

   - (5) Cinco munições reais de calibre 5,56mm em boas condições de utilização, deflagrando normalmente à primeira percussão;

   - (ll ) Onze munições reais de calibre 7,62mm, em boas condições de utilização, deflagrando  normalmente  à  primeira  percussão;

   - (2) Duas munições de calibre.32, em boas condições de utilização, deflagrando normalmente à  primeira  percussão;

   - (l) Uma faca de cozinha com o punho envolto em fita isoladora de cor preta, apresentando o gume resíduos de canabis.

   - Uma faca de borboleta.

22º O arguido A...quis ter em seu poder as mencionadas armas e munições, sem que possuísse qualquer licença que o habilitasse ao porte, detenção e uso de tais armas e munições, o mesmo se passando relativamente ao arguido B... no que concerne às munições e à faca de borboleta, sabendo que pelas suas características eram de detenção proibida por lei, sem que os arguidos hajam justificado a sua posse, sendo que podiam ser utilizadas como arma de agressão.

24º Os quatro arguidos tinham perfeito conhecimento da natureza estupefaciente do  haxixe  e pólen de  haxixe que detiveram e cederam da forma descrita e, não obstante, quiseram proceder à sua detenção e cedência, com o propósito de assim obter ganhos patrimoniais.

25º Todos os arguidos actuaram de modo livre e voluntário, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Outros  Factos:

Arguido C...:

Natural de Castelo Branco, C... cresceu junto da sua família de origem, sendo o mais novo dos dois filhos do casal.

O pai, auxiliar de educação, faleceu em Janeiro do ano passado, e a mãe exerce a actividade laboral como  empregada de limpezas, numa empresa local.

Registando um processo de desenvolvimento dentro dos parâmetros normativo, o arguido abandonou os estudos com dezasseis anos de idade, após terminar o 9°. ano de escolaridade. Apesar de ter frequentado um curso de formação profissional, não o concluiu, demonstrando nessa altura, pouco interesse pela valorização pessoal.

Ao nível profissional, desempenhou várias funções, em empregos precários, por períodos de tempo muito reduzidos. No presente e desde Setembro 2009, trabalha muna pedreira perto de casa, em regime de part-time.

Viveu em união de facto com uma companheira, de quem se separou no verão passado, depois de cerca de três anos de vida em comum. Até agora, nunca conseguiu uma real autonomia, sendo a sua subsistência garantida pela família,  sempre que as despesas excedem as receitas.

Tendo iniciado consumos esporádicos de estupefacientes aos treze anos, com grupo de pares, em espaço escolar, veio a manifestar a toxicodependência aos dezassete/dezoito anos, apresentando dificuldades em se desvincular dos consumos de tóxicos.

São conhecidos ao arguido C... os seguintes antecedentes criminais:

     - Por acórdão datado de 14.05.2008, transitado em julgado  a 16.06.2008, relativamente a  factos praticados a 09.08.2006, integrantes de  um crime de tráfico  de menor  gravidade,  na pena de  10  meses de prisão, suspensa na sua  execução, pelo período de um ano, com regime de  prova, extinta, sem revogação;

     - Por sentença datada de 21.12.2009, transitada em julgado a 02.02.2010, relativamente a  factos praticados a 12.11.2008, integrantes de  um crime de tráfico  de menor  gravidade,  na pena de  1 ano  e 6  meses de prisão, substituída  por   480  horas de  trabalho, extinta pelo  cumprimento.

Arguido D...:

D..., sendo natural de Faro. Viveu na sua terra natal durante poucos meses, dado que a família entretanto mudou-se para Castelo Branco, onde veio a fixar-se. O arguido tem um irmão mais velho com o qual estabelece uma relação de proximidade.

Os pais constituíram uma sociedade empresarial na área da serralharia e mecânica automóvel.

D... iniciou a escolaridade em Castelo Branco. Não revelava grande motivação pela vida escolar, vindo a abandonar, por iniciativa própria, a escolaridade no regime normal, no decurso da frequência do 8.° ano. Passou então a frequentar um curso de formação profissional de serralharia no Centro de Formação Profissional de Castelo Branco, cuja conclusão lhe conferiu a equivalência ao 9.° ano de escolaridade e a respectiva certificação profissional.

Aos 18 anos, passou a trabalhar com o pai, na oficina deste, actividade em que se mantém.

O arguido refere ter começado a consumir haxixe na adolescência, consumos que se mantiveram durante algum tempo. O actual processo surge neste contexto em que o arguido consome haxixe com regularidade e passa a estabelecer amizades com pessoas ligadas ao meio da toxicodependência.

D... refere que tem vindo a diminuir progressivamente esses consumos, passando a consumidor ocasional situação que refere não interferir no seu modo de vida e nas responsabilidades face ao trabalho.

D... vive com os pais. O pai tem 49 anos de idade e é sócio gerente de uma empresa de … . A mãe tem 54 anos e é sócia da empresa do marido, colaborando na respectiva actividade. Vai efectuando ainda algumas horas como empregada doméstica em casas particulares.

O agregado familiar reside em casa propriedade dos pais do arguido. Trata-se de uma habitação tipo moradia, de dois pisos, dotada das necessárias infra-estruturas de habitabilidade.

O arguido estabelece boas relações de sociabilidade com os vizinhos, existindo uma opinião favorável sobre o seu comportamento no meio residencial.

D... aufere cerca de 600,00 euros mensais. Não tem despesas fixas mensais, as quais são suportadas na sua totalidade pelos progenitores. O dinheiro auferido pelo arguido é para os seus gastos pessoais.

O arguido iniciou recentemente uma situação de namoro que está a ser vivida de forma gratificante e que tem vindo a contribuir para estabilizar o seu comportamento e para diminuir os consumos de haxixe. D...alterou também os seus relacionamentos, passando a conviver com pares com comportamentos mais normativos e integrados socialmente.

O arguido não tem actividades estruturadas para ocupação do seu tempo livre, dedicando o mesmo ao convívio com a namorada.

D... apresenta capacidades de raciocínio autocrítico em relação ao seu envolvimento na presente situação jurídico-penal e reconhece os danos causados a si próprio e a eventuais vítimas.

O actual processo constituiu um alerta para a necessidade de mudança do seu estilo de vida e de alteração das suas relações sociais.

O arguido manifesta-se apreensivo com as possíveis consequências deste processo.

Os pais mostram-se receptivos em continuar a apoiar o arguido aos vários níveis. Consideram que D... tem vindo a adoptar um comportamento mais responsável e consequente.

Em termos sociais, não parece ter havido repercussões negativas.

Não são conhecidos antecedentes criminais ao  arguido  D....

Arguido A...:

Oriundo de uma família de etnia cigana efectuou o seu processo de crescimento integrado na sua família de origem constituída pelos pais e seis irmãos, com dinâmica relacional de proximidade.

Iniciou a escolaridade em idade própria, e logo nos primeiros anos registou dificuldades de aprendizagem, absentismo e dificuldades de adaptação ao sistema escolar, que acabou por abandonar. Mais tarde, em regime nocturno, terá completado o 4° ano de escolaridade Ainda criança, passou a acompanhar os pais na venda ambulante em feiras e passava os tempos livres com amigos da mesma etnia, sem actividades estruturadas que evoluíram posteriormente para uma vivência conotada com a prática de condutas marginais.

Desde jovem, inicia consumos de estupefacientes e de álcool, problemáticas que vieram a condicionar o seu modo de vida. Independentemente dos tratamentos a estas dependências, que alegadamente terão sido ultrapassadas, não conseguiu estruturar uma actividade profissional regular, passando a depender dos pais, situação que se foi arrastando e que ainda hoje persiste,

À data dos factos pelos quais está indiciado, A... residia com a companheira e três filhos menores (6, 4 e 2 anos de idade) numa habitação arrendada (rendas em atraso), localizada num bairro degradado de Castelo Branco e conotado com a prática de actividades delituosas. Trata-se de uma zona habitacional fundamentalmente habitada por pessoas da mesma etnia, com uma vivência de rua e estreitas relações de sociabilidade entre os seus elementos.

Dedicava-se com irregularidade à venda de artigos de vestuário em feiras na região e o agregado familiar beneficiava do rendimento social de inserção no valor de 400€ mensais.

Tendo em conta as limitações sentidas pelo arguido em contribuir de forma regular para a manutenção do seu agregado familiar, sempre contou com o apoio económico dos pais que colmatavam as necessidades elementares sentidas sobretudo pelos filhos.

Continua a ser apoiado pelos progenitores que, embora não residam neste bairro, o visitam com regularidade e com os quais pode contar para qualquer adversidade. O agregado familiar continua a ser beneficiário do rendimento social de inserção, actualmente no valor de 600€ mensais.

A nível económico, continua a beneficiar do apoio dos progenitores e os subsídios sociais foram aumentados. A nível familiar pôde continuar a integrar o seu contexto familiar constituído pela companheira e filhos e a beneficiar do convívio com outros familiares e amigos.

Neste período de tempo, percepciona-se que o arguido efectua uma avaliação superficial do actual e anteriores confrontos com o sistema de justiça penal, bem como do seu percurso de vida e tem dificuldade em interiorizar adequadamente normas socialmente vigentes, aspectos que poderão constitui factor de risco no seu processo de reinserção social.

Relativamente aos factos pelos quais está indiciado não quis pronunciar-se, considerando apenas que a acusação é excessiva, o que limita uma adequada percepção da sua atitude perante o presente processo judicial e consecutivamente um juízo de prognose relativamente ao seu projecto de reinserção social.

São  conhecidos  ao  arguido  A...os  seguintes  antecedentes  criminais:

    - Por sentença datada de  13.07.2000, transitada  em julgado  a 25.09.2000,  relativamente a   factos  praticados a  22.05.1999, integrantes de  um crime de  burla  para  obtenção  de serviços,  na pena de  40  dias de  multa, à  taxa  diária  de 700$00, já  extinta pelo pagamento;

    - Por sentença datada de 20.11.2002, transitada  em julgado  a 16.12.2002,  relativamente a   factos  praticados a  09.11.1999, integrantes de  um crime de  furto  simples,  na pena  de 7  meses de prisão, suspensa  por  3 anos sob  regime de prova;

   - Por sentença datada de 19.04.2006, transitada  em julgado  a 24.05.2006,  relativamente a   factos  praticados a  31.03.2003, integrantes de  um crime de receptação,  na pena  de 14 meses de prisão, suspensa  por  3 anos;

    - Por sentença datada de 19.01.2005, transitada em julgado a 07.04.2006, relativamente a factos datados de 10.03.2003, integrantes de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de  220  dias de  multa, à taxa  diária de  €5, 00, extinta  pelo  cumprimento.

Arguido B....

Este arguido é natural de Castelo Branco, onde efectuou o seu processo de crescimento integrado na sua família de origem constituída pelos pais e mais três irmãos. Ambos os progenitores exerciam actividades por conta de outrem, o pai como mecânico numa oficina de pneus e a mãe como engomadeira, o que lhe permitia prover à satisfação das necessidades básicas.

O pai, com consumo excessivo de bebidas alcoólicas e com comportamentos agressivos para todos os elementos do agregado familiar, demitiu-se das suas funções parentais, passando as mesmas a ser assumidas apenas pela mãe que as exerceu de forma permissiva e incapaz de responder às necessidades educativas dos filhos.

Concluiu o 6º ano de escolaridade com 16 anos, registando várias reprovações, resultantes do desinvestimento escolar, absentismo. Nesta fase, iniciou o consumo de haxixe e privilegiou o convívio com grupos de pares passando a adoptar um modo de vida sem actividade estruturante.

Aos 16 anos, estabeleceu uma relação como uma jovem, com a qual viveu cerca de dois anos, ambos com actividades profissionais ocasionais e situações de desemprego, deambulando entre Castelo Branco e Amadora, com recurso aos respectivos agregados familiares.

No período que precedeu o seu envolvimento no presente processo judicial, o arguido residia sozinho há cerca de sete meses num apartamento arrendado em Castelo Branco.

Trabalhava de forma irregular numa oficina de pintura e reparação de automóveis que lhe permitia auferir cerca de 300€ mensais, quantia insuficiente para fazer face às despesas fixas que tinha que assumir, nomeadamente o pagamento de 200€ mensais da renda de casa.

Efectuava as refeições em casa dos pais.

Considera-se consumidor regular de haxixe, não havendo consumos nem dependência de outras drogas.

A presente medida de coacção (OPHVE), com todos os condicionalismos a que está sujeito, mas que percepciona de forma positiva, está a permitir-lhe avaliar criticamente o seu percurso de vida e porventura perspectivar o futuro de modo diferente, que de outra forma considera não ter conseguido.

Neste período de tempo, frequenta o Centro de Novas Oportunidades (segundas feiras das 09:00h às 11:00h) que lhe permite habilitar-se, a curto prazo, com o 9º ano de escolaridade. Tem sido pontual, assíduo e demonstra motivação e capacidades pessoais para prosseguir a escolaridade. Caso seja viável, logo que concluído este ciclo de escolaridade, tem possibilidades de integrar um curso de aprendizagem que lhe proporciona a aquisição do 12° ano e simultaneamente uma certificação profissional na área de topografia com a duração de dois anos e meio.

 Manifesta vontade em estruturar um projecto de vida através desta oferta formativa, que promove a aquisição de competências escolares e profissionais.

Ainda, no decurso da presente medida, recebeu visitas da ex-namorada, que entretanto ficou grávida. Caso se prove a paternidade pretende assumir as suas responsabilidades parentais.

São conhecidos a este  arguido  os  seguintes antecedentes  criminais:

    - Por sentença datada de 14.01.2009, transitada  em julgado a 03.02.2009,  relativamente a   factos  praticados na mesma  data, integrantes de  um crime de condução  de  veículo  em estado de  embriaguez,  na pena de  115 dias de  multa, à  taxa  diária  de €5, 00.

Factos não provados

Além dos que estão em contradição com os assentes e daqueles que se encontram prejudicados pela resposta dada a outros e dos formulados em termos conclusivos, não se  provou[1]:

Da  Acusação Pública:

O arguido A..., também durante o ano de 2009, dedicou-se à prática da venda e cedência de produtos estupefacientes a um grande número de pessoas interessadas em tais produtos, desenvolvendo tal actividade na cidade de Castelo Branco e zonas limítrofes, constituindo tal actividade, nesse período  temporal, o seu exclusivo modo de vida e sendo referenciado, em 2009 e  até 4 de  Julho de 2010, nesta cidade como traficante de produtos estupefacientes, que o arguido adquiria, sempre, a pessoa não identificada em Espanha.

Ao longo do ano de 2009, o arguido A...desenvolvia a referida actividade de venda e cedência de produtos estupefacientes na sua residência, sita no Bairro … , tendo habitualmente, para tal efeito, na sua posse, quantidades indeterminadas de pólen de haxixe, desde 250 g e até cerca de três quilos.

Assim, no interior da sua residência, o arguido A...vendeu, diariamente durante o ano de 2009 e pelo período de 4 meses, a  … 1 grama de cocaína, pelo preço de € 60,00, e até por duas vezes 2 gramas de cada vez.

Durante o ano de 2009, o arguido A...também colocava à disposição de outros indivíduos produtos estupefacientes para os revenderem por sua conta.

No período compreendido entre Junho e 30 de Agosto de 2009, o arguido A...entregou ao arguido C... um quilo de pólen de haxixe em placas.

Sem prejuízo do  assente  em 6º, ao  nível da matéria  assente, o arguido C...tinha  na  sua posse precisamente 8, 18 g de canabis;  … e ... costumavam adquirir haxixe  e  pólen de  haxixe ao arguido C...desde o mês de Abril.

O arguido C..., no dia 9 de Setembro de 2009, tinha na sua posse a quantia de € 284,46, em notas e moedas  e os  objectos descriminados  ao  nível  do art. 6º, da matéria  assente, à excepção  do produto  estupefaciente  aí  referenciado.

No dia 9 de Setembro de 2009, o arguido A...tinha na sua posse, no interior da sua residência, sita no Bairro … :

    - um caderno com capa verde, composto com folhas pautadas, contendo várias anotações referentes a nomes e numerários, que o arguido utilizava para anotar os dados relativos a tal actividade de venda de produtos estupefacientes;

    - uma arma de fogo, tipo caçadeira, com dois canos sobrepostos, calibre 12, marca F. Sarpiugarte Flgoibar, com o número de série F.S. 64974;

   - trinta cartuchos próprios para caça calibre 12.

O arguido A…, em data não concretamente apurada, mas seguramente compreendida entre finais de Agosto de 2009 e 9 de Setembro do mesmo ano, aceitara receber a arma caçadeira supra referida que ali lhe foi entregue por um toxicodependente não concretamente identificado, em troca de uma quantidade indeterminada de pólen de haxixe, sendo que a referida arma, pertença de … , lhe havia sido retirada contra a sua vontade.

O arguido A...tinha na sua posse a referida arma, sem que possuísse qualquer licença que o habilitasse ao porte, detenção e uso de tal arma  e tinha perfeito conhecimento tal objecto era produto de furto e, não obstante, quis ficar com o mesmo na sua posse, com vista a obter um benefício económico indevido no respectivo património.

Sem prejuízo  do assente  ao  nível do  art. 9º, da  matéria assente,  o  arguido A... deslocou-se regularmente a Espanha para adquirir  haxixe  e pólen de  haxixe.

10º Nas circunstâncias de tempo e lugar  assentes ao  nível do art. 10º, da  matéria  provada,  foi  utilizada  uma  viatura de primeira  e segunda  linha e  foi  feito  uso  de  veículos  de  outras pessoas com vista a dificultar  um eventual controlo por parte  das autoridades.

11º e) sem prejuízo do assente  no art. 11º, e),  durante os meses de Maio e Junho de 2010, o arguido A...vendeu, de forma regular, a … pólen de haxixe;

f) sem prejuízo do assente  no art. 11º, f),  o  arguido A... procedeu  à  venda  directa  de  haxixe  e  pólen de  haxixe a   … .

16º a) sem prejuízo do  assente ao nível do art. 16º a), o  arguido B...  vendeu, a … , por cerca de cem vezes, haxixe e pólen de  haxixe, correspondendo as quantidades adquiridas a valores de € 10, € 30, €40 e € 50;

b) sem prejuízo do  assente ao nível do art. 16º b), o  arguido B...  vendeu,  a … , por três vezes, quantidades de € 5 de línguas de haxixe, que o arguido B... guardava na sua residência sita na Rua  … dentro de uma caixa, contactando o mesmo, para o efeito, através de SMS;

c) sem prejuízo do  assente ao nível do art. 16º c), o  arguido B...  vendeu, a … , em  2009, por várias vezes, junto à porta da sua residência, bem como nas Docas e no  … em Castelo Branco, línguas de haxixe por valores de € 15, € 20  e €25, e à irmã daquele,  … , bem  como  durante   2010, até   4  de Julho do mesmo  ano,  junto à porta da  sua residência;

d) sem prejuízo do  assente ao nível do art. 16º d), o  arguido B...  vendeu,  a … , durante cerca de um ano, até 4 de Julho de 2010, duas a três vezes por semana, haxixe e pólen de haxixe, em quantidades que custavam €25.

17º O arguido B... deslocou-se, de forma concertada com o arguido A…, a Espanha no dia 4 de Julho de 2010 com o intuito de aí vir a ser adquirido produto estupefaciente por parte deste último.

24º Os ganhos patrimoniais obtidos pelo arguido A... eram mais  elevados que os   obtidos  pelos demais  arguidos.

Convicção do tribunal:

Da  acusação pública:

Os arguidos remeteram-se, indiferenciadamente, ao silêncio.

Artigo 1º, da  acusação  pública (factos provados  e não  provados):

A prova respectiva resulta do que infra se pormenorizará  como  súmula  das    intercepções telefónicas devidamente  autorizadas e   cuja  gravação  foi  consignada  em  auto, no processo.

Antes de avançarmos com a  escalpelização  deste  meio de prova,  á  que  deixar  bem claro o  nosso  entendimento  acerca  do  respectivo   valor probatório.

As mensagens de texto e conversações telefónicas do arguido transcritas em auto não são declarações de arguido, tal como previstas nos artigos 356º e 357º, do CPPenal, antes constituindo meio de prova próprio e autónomo daquelas declarações. Nessa medida, 
não carece sequer de ser lida em audiência para poder ser considerada na decisão final, pois a ela teve livre e atempado acesso o arguido, assim se lhe assegurando todas as possibilidades de a contraditar, impugnar e refutar, ou seja, com respeito pelas amplas garantias de defesa constitucional e legalmente asseguradas e sem que, de igual modo, tal circunstância interfira ou ponha em causa o seu direito ao silencio, o qual, dependente de opção sua dentro da estratégia de defesa delineada, não o podendo desfavorecer, também não tem necessariamente que o favorecer.

Eis porque, sob pena de violação dos artigos 356°, 357° e 125º e ss. do CPPenal, por erro de interpretação e aplicação, as competentes transcrições devem ser valoradas pelo Tribunal do julgamento, segundo os princípios da livre apreciação da prova e da livre convicção do juiz, em conjugação com as regras da experiência comum, desde  que ninguém conteste a sua válida produção no processo, dado terem sido previamente autorizadas pelo competente juiz de instrução, que igualmente fez o controlo judicial do seu processamento e transcrição, numa altura em que já havia sido consumado o crime investigado e existia processo de inquérito, com arguido constituído.

Daqui não resulta, pois, qualquer violação das garantias de defesa do arguido ou que por essa via seja postergado o seu direito ao silêncio ou de qualquer princípio constitucional atinente aos direitos, liberdades e garantias, em particular, os da subsidiariedade e da proporcionalidade dos meios e das medidas de intromissão na vida privada, no domicílio e nas telecomunicações, sob pena de se tornar inoperante qualquer processo criminal em que haja recurso a intercepções telefónicas, ainda que substancial e formalmente fundado, para tanto bastando que o arguido optasse pelo direito ao silêncio em audiência[2].

O mesmo é  dizer que a análise da prova produzida em julgamento supõe uma apreciação crítica, não sendo o tribunal um mero receptor de declarações ou depoimentos produzidos em julgamento. Os julgadores têm de raciocinar quando analisam a prova produzida em julgamento, o que devem fazer com recurso às regras da lógica, da ciência, da experiência comum, consoante os casos, cabendo-lhes determinar se esta ou aquela prova merece ou não crédito.

Nessa avaliação da prova o tribunal não está impedido de conferir crédito apenas a parte de um depoimento ou declaração. O importante é que o tribunal se convença da veracidade daquela prova e que esse convencimento se imponha de forma objectiva e racional.

Por  outro lado,  podem  as transcrições das  conversas telefónicas  interceptadas constituir meio único de prova. Di-lo o STJ em Ac. de 19.10.2005 (Processo Nº1941/05 -3ª)[3]:
“Mesmo sendo o único meio de prova, o tribunal não está impedido de apoiar nas escutas telefónicas a sua convicção probatória como até de as subalternizar e reduzir a um mero instrumento metodológico de aquisição de prova, elementos de intervenção de presunções naturais, prova através da qual o tribunal se pode abalançar à aquisição de factos materiais e neste sentido prova indiciária mas ainda meio credenciado de prova, nos termos dos artigos 124º, 125º e 187º e ss do CPP”.

Eis porque o tribunal, para o facto englobante contido neste artigo, valora, essencialmente, a prova encerrada nas transcrições das escutas telefónicas, as quais se processam a partir de 24  de Março de  2010, aludindo, porém,  os  arguidos a transacções  já  efectuadas e, sobretudo, a  entregas  que  já tinham ocorrido,  no âmbito  de um esquema  de  colaboração  e  de  venda   directa  anterior, pelo que  não   faz sentido  cingir o termo inicial de tal esquema  à  data  das intercepções telefónicas.

Quanto à  espécie  de  droga  em causa,  como resulta  das   transcrições das  gravações, bem como  das vendas directas confirmadas testemunhalmente,  eram  apenas  o haxixe  e o pólen de  haxixe  o transaccionado segundo  o  esquema objecto  da  acusação pública.

Artigos 2º, 4º e 5º, da  acusação  pública (factos não  provados):

Quanto ao ano de 2009, nenhuma prova  foi   produzida, ou que  possa ser  valorada   para  efeitos  de  condenação.

Artigo 3º, da  acusação  pública (factos não  provados):

A testemunha  … negou  que  alguma  vez  tenha adquirido  droga  ao  arguido A...,  confirmando  antes que se dirigia  ao Bairro   … para  adquirir   produto estupefaciente  a um  indivíduo  aí  residente, de  alcunha  «… ». Quanto ao  arguido  A…, chegou a  vender-lhe objectos diferenciados.

Artigo 6º, da  acusação  pública (factos provados e não  provados):

Atendemos  ao depoimento das testemunhas   … e  ...,  que  confirmaram  o constante  da  acusação pública, neste  artigo (1º período),  negando, porém,  que  tal  já  se passasse  desde o mês de Abril, à excepção do   … , nos termos  assentes.

A identificação e quantificação do produto estupefaciente  resulta da perícia de  fls. 604.

Deu-se por  não provado o demais  consignado  no  art. 6º, da  acusação,  relativo  à  apreensão no  n.º  18, do … , em  virtude de  o  auto  em  causa não se encontrar  assinado  pelo arguido C... e os  Srs.  agentes  da  PSP  que  procederam à  diligência, desconheciam  a  relação entre   o  local  da  apreensão  e o  arguido  em causa. Por outro lado,  o  agente  da PSP   , titular  do  inquérito  policial  n.º 8/09.0PECTB,  apenas  soube  referir   tratar-se   da morada  em que  o arguido   em causa  residia com a  companheira  que  então  tinha, desconhecendo  se  aí residia  mais  alguém e  qual  o quarto  ocupado  pelo casal (cfr.  fls.  543, dos   referidos  autos).

Ora, não  se  encontrando  ninguém  no interior  da residência,  no momento  da  diligência, não  fica esclarecido  que o  quarto onde   foram apreendidos os   bens  fosse sequer o  ocupado  pelo arguido.  

Já  o mesmo se não pode  dizer a respeito  da detenção do produto  estupefaciente  por parte  do arguido, considerando  que resultou de  revista pessoal   e  foi  confirmada pelo agente da PSP  . Quanto à quantidade, atendemos  a  fls.  574 e 657 dos mesmos  autos.

Artigos 7º e 8º, da  acusação  pública (factos provados e não  provados):

 Reporta-se o art. 7º ao auto de apreensão de fls. 173, do referido processo 8/09. Porém, como resulta daí, em conjugação com o depoimento do Sr. Agente da PSP, a apreensão em causa não foi na residência do arguido António, mas sim em local próximo indicado pelo indivíduo de nome … , que não se logrou notificar para  a audiência, a  fim  de depor  como testemunha, e que, então, residia  no  que  veio a corresponder ao  . …  em Castelo Branco, por  autorização  do  dito  arguido, segundo   o que  o dito indivíduo declarou à entidade  policial.

Não tendo, porém, sido ouvida a dita testemunha, pela razão vista, à face da norma do art.  356º, n.º 7, do  C.P.Penal,  não poderão  ser  valoradas as respectivas declarações perante  essa mesma  entidade policial.

O mesmo se diga a respeito do art. 8º, da mesma acusação, pois que nenhuma provas foi produzida nesse sentido. Aliás, o aí referido … , indicado como testemunha para julgamento, foi prescindido pelo Ministério Público, pelas razões exaradas em acta.

Artigos 9º e 10º, da  acusação  pública (factos provados e não provados):

Analisemos, então, as transcrições das intercepções telefónicas.

A  fls.  85-87, do apenso I, surpreende-se  uma  conversa entre o arguido A...e um tal   … ,   sendo  este a  falar  de  um  telefone com  o  indicativo  34 (indicativo  de Espanha), em que  este  pede ao primeiro que lhe pague  pelo menos parte  do  abastecimento  de  droga  que lhe  tinha  feito  em  data  anterior,  ao  que  o  arguido  responde  que  apenas  consegue  pagamento no final desse mês, por só  então  os  distribuidores do  produto   se  haverem comprometido a  pagar-lhe  o preço  devido. 

Por seu lado, as intercepções registadas a fls. 19-22 e 24-32, do mesmo apenso I) dão conta do assente em 10º, precisamente o abastecimento pelo qual o tal  … estava a reclamar, pelo menos, parcial pagamento. Com efeito, o arguido ... pede ao irmão   … que lhe  disponibilize  uma  viatura  pelas  14h20m. Pelas  15h12m,  o mesmo arguido  efectua  uma  chamada, activando a  célula respeitante a  Amieira  e Nisa. Pelas  16h20m,  regista-se  uma tentativa de  chamada  por parte do arguido  para uma  telefone  espanhol (indicativo  34), sendo activada a célula respeitante  à  localidade de Caia.

Sucessivamente, pelas 21h46m, é activada a célula de Campo Maior Centro, e, pela s  21h54m,  é  accionada  a célula relativa  à  localidade de Degolados,  altura  em que  se  regista  uma  conversa entre  o arguido A...e  o indivíduo  que o acompanhou a Espanha, numa outra  viatura, sobre  o facto de terem que  estar  atentos  a  viaturas das  autoridade s policiais  que   pudessem   encontrar  no seu  trajecto.

Posteriormente, até às 23h09m, são activadas sucessivamente as células de Monforte e Arronches, Urra, Gardete e Fratel Vila Velha de Ródão, Sarnadas- Ródão e Castelo Branco (cfr. fls.  478-480).

Artigo 11º, da  acusação  pública (factos provados e não  provados):

a) A fls. 4, do apenso I), o referido  … dá conta de estar interessado em estupefaciente, respondendo o arguido A...que  não  dispõe  de  produto estupefaciente,  que a testemunha  em causa -  reconhecidamente «…», pela própria  testemunha -  informou tratar-se de   haxixe. É certo que  esta  testemunha  negou, em audiência,  que  a  conversa se relacionasse  com droga, antes se  refugiando  na falta de memória,  mas,  atentas as  regras da experiência  comum,  ao  nível da  análise de  diálogos  telefónicos codificados, nestes meandros,  não  nos restam  dúvidas quanto  à  conclusão  que  antecede. Aliás, a testemunha não apresentou justificação para a conversa em causa, assumindo que já consumiu haxixe.

b) A fls. 71, 72, 75, 77, 79 e 80, do apenso I, a testemunha  … confronta o arguido «...» com a possibilidade de o mesmo entrar, juntamente com a testemunha   … no negócio  da  distribuição da droga, sendo  o  diálogo  tão perceptível que o referido  arguido até alertou   a testemunha …   para  ele  não  falar  assim consigo ao  telefone. De qualquer modo, são chamadas frequentes e rápidas de telefone. Então,  entre  a chamada  de  4 de Abril de  2010,  pelas  19h47m, e 5 de Abril do  mesmo  ano, percebe-se, perfeitamente,  que   foi  combinado  entre  os  dois que o  arguido  arranjaria  droga  à  testemunha   … . É certo que a testemunha explicou o diálogo por se tratar de    roupa   para  a própria  comercializar (30  casacos  por  €210, 00), sob  fornecimento  do  arguido. Mas confrontado com os cuidados telefónicos, inclusive a advertência do arguido  para   não  ser a  testemunha  tão  explícita,  não o  soube  explicar. Aliás, a ser esse o objecto dos contactos telefónicos, não se compreendem os cuidados na sua  expressão  verbal, quanto mais a censura explícita, por  parte  do arguido  A… .

c) A fls. 18-19, do apenso III, a conversa revela mesmo que a testemunha   … está em  dívida para  com o  arguido ... em  1000 euros e, por não dispor de  capital  para  a saldar,   pede àquele que  lhe  arranje  droga, a  fim de o  mesmo   realizar   algum  dinheiro. A testemunha explicou os €1000, 00 pelo facto de o arguido «...» lhe ter vendido  uma viatura  automóvel da  marca «SAAB», ficando  aquele  em  dívida  com a  quantia de €1000, 00. Quanto às «cenas» a que se reporta no diálogo, identifica-as como camisolas, o que se afigura inverosímil, considerando a  certa  dificuldade  em  realizar   o lucro  desse montante com a venda de  camisolas, para  além dos  cuidados   na expressão  oral, colocados pelo  arguido  e pela   testemunha. Para rematar, a experiência  comum -  tal  como  o esclareceu o Inspector  da  PJ   … -  revela  que  à  «tá-se mal», exclamado  pelo  arguido  «...»  significa  que  se não  tem droga  disponível. 

d) A  fls. 134, 139  e 141 a 143, do apenso II, é explícita  a insistência  do arguido «...»  junto  do  arguido  «…  » (B...) no sentido de o  mesmo aparecer junto  dele,  no  café « …  », pois que estavam  lá   4  ou  5  «gajos» (consumidores de produto  estupefaciente)  a querem comprar  «cenas», ou  seja, produto  estupefaciente. Então, o ...  confronta o …   sobre  a quantidade de que o  mesmo  dispõe  para   vender, obtendo   a resposta  de que  apenas  placas  de  €25, 00 ou €50, 00  e não  de  €10, 00, como, designadamente, a testemunha   … estava  a sugerir  três placas de  €10, 00. A determinada altura, estando a conversa tão explícita, mais  uma  vez,  o  arguido   ...   teve  necessidade de  chamar a  atenção  do   arguido  … para  não  ser  tão  evidente  ao  telefone. É elucidativo, aliás, constatar que a testemunha  … logo no minuto seguinte – porque o  … estava à espera da namorada e não podia ausentar-se -, telefona  ao … , para  saber  se o mesmo  não podia  aparecer  para  fornecer  a droga. A explicação da testemunha   … , tendo  negado  conhecer o …   e saber  o  que  fossem  «cenas»,  foi  no  sentido  de que  estava  a tentar  comprar haxixe  ao    … , não tendo, a final, comprado, o  que  é  inverosímil, face  à  não continuação da  conversa telefónica  e ao teor  da sessão 9964, de  22.06.2010, pelas  21h46m.. 

e) A testemunha  … confirmou-o, nos termos  assentes, nitidamente  com receio  do  que  lhe  pudesse  acontecer, na  sequência  da  revelação  de tais  factos. Reconheceu a  alcunha  « …  » e  a conversa  de  fls.  53-54, do apenso II, sendo  notório  que  o  arguido  «...»  aproveitou  a chamada  para  reclamar  o pagamento  do preço da  droga  que já   havia  cedido à testemunha. Aliás,  isso  mesmo  resulta   claríssimo  de  fls.  83-84, em que o  arguido  «...»  pede  o  dinheiro  da droga  cedida.

f) A testemunha  … negou  que  alguma  vez  tivesse  utilizado o    telefone  do  seu  irmão, com  o  n.º … , sendo  esse, porém, o  número  que  estabelece  contacto   a fls.  38-39, do  apenso I, contrariamente  ao  que o próprio  irmão  … já   havia  afirmado. A testemunha, visivelmente  contraída  nas suas respostas,  chegou a negar  conhecer  o  arguido  «...», mas não pode deixar de  admitir  que a  sua   alcunha  em Castelo Branco  é  de « …  », como  resulta  da  própria  conversação, mais  à frente.

Por  fim, a fls.   73, do apenso III, a testemunha  justificou não    ter  entregue o pagamento  ao  ...,  por haver  sofrido  um acidente  com uma mota, acidente o  que a testemunha  confirmou  em  audiência. De qualquer forma, comprometeu-se a  proceder  ao pagamento, de, pelo menos, €1000, 00, em Setembro.

Quanto a … , negou o mesmo que fosse sequer consumidor de qualquer produto  estupefaciente, o  que   não  foi  desmentido pelo referido   irmão.

g) Os diálogos (a fls. 40-45, do  Apenso I) são   esclarecedores do  cuidado  deste interlocutor ao telefone, reportando-se a  «t.shirts», quando pretendia reportar-se a  droga,  e da disputa  entre  os fornecedores de  droga, nesta  cidade, pelos  distribuidores, de entre os  quais a  ora  testemunha.

Noutro  telefonema,  combinam  encontro para   que o   arguido A... ceda  droga a  um  amigo do interlocutor, comprometendo-se  esta  última  a pagar   €500, 00  pelo produto  que  o  mesmo  ...  já  lhe  havia  cedido.

Noutro  telefonema,  o   interlocutor combina  com o ...  que este  vá ter às traseiras de um determinado  café, que  aí estaria  um  amigo  do primeiro, à  espera  daquele, para  lhe  ceder  droga.

Por  seu lado,  a  fls. 20,  do  apenso III,   o  interlocutor informa  o  arguido  ...  que  o seu  telemóvel  normal  se  encontrava  sob escuta, recomendando-lhe  que   apague os  números  de telemóvel  gravados. Quanto à droga, o ... reclama mais pagamento e o interlocutor justifica-o com a falta de pagamento por parte dos consumidores. Ainda assim,  o interlocutor   pede  que o ...  lhe  arranje   mais   produto estupefaciente, comprometendo-se  a  enviar-lhe  quem lhe  entregue  o produto  arranjado  pelo ....

A fls. 83-84, do apenso I, o interlocutor do ... pede mais droga, mas este nega-lha  enquanto  não  lhe for pago, pelo  menos  em parte, o fornecimento  anterior, sendo que o  dito interlocutor   se  justifica  com o facto  de ter  entregue  o produto,  para  venda, a  outrem, que  só  regressaria  no  domingo.

A fls. 33-34, do apenso III, é notório que a mulher do ... o repreende  por  telefone, por aquele ir, de  novo, para o Café  … encontrar-se com os   distribuidores de  droga  e consumidores, que, sintomaticamente, ela  chama  «ciganos», repetindo o que  vinha  fazendo, não  obstante  os  seus avisos para  parar  com a  actividade.

Artigos 12º e 13º, da  acusação  pública (factos provados):

Além do  já referido, a  fls. 10-11, do apenso I,  é o arguido A... a  pedir mais  dinheiro  ao  distribuidor, por  conta  do   fornecimento de  droga  que lhe  fizera  anteriormente. A fls.  17-18,  é  a mulher  do  ...  a perguntar-lhe  se  o  distribuidor  já  lhe tinha dado o dinheiro  da distribuição do  produto  estupefaciente. A  fls.  55-56, do mesmo  apenso,  mais  uma  vez,  o ...  pede  dinheiro ao  distribuidor  e este  responde-lhe  que  já  tinha  vendido  uma  dose.

A  fls. 57-59,  do apenso  I,  é límpida  a estratégia  deste  em  encobrir  o conhecimento  que  tem acerca daquele arguido, dando a entender  que  o seu receio  é  relativamente ao  tribunal  e  sobretudo  a outros fornecedores de droga  rivais do  ....

Mais: o  que   o  ...  lhe  tinha dado  no dia  anterior  era  droga  e, na  opinião da interlocutor, não  prestava, sendo  certo que este  ia  distribuir  a droga, tendo o preço  acordado  sido  superior  a outro  fornecimento, tentando, por  isso,   negociar  esse preço  com o  ..., alegando  a má  qualidade  do produto. O ... não cede e prefere a devolução do produto  entregue. Notório é também que o interlocutor arranjou  mais  um  distribuidor  ao ..., alertando-o  para  um possível telefonema  dele.

A fls. 60-61, do mesmo apenso, o  arguido A...  fez  que  não  reconheceu  um tal   … ,  mas este, por  SMS, exigiu-lhe os €500, 00 que  um rapaz  tinha dado a este  último, por  conta de  um fornecimento de  droga  que  não  chegou  a ter  lugar, por  parte  do ..., apesar de  prometido.

A fls. 73-74, ainda do apenso I, o  mesmo  arguido  pede  dinheiro  ao  distribuidor.

A fls. 98-101, também do apenso I, o  distribuidor  promete  ao  arguido A... dar  cerca de  €1000, 00  pelo produto  estupefaciente que  este  lhe forneceu  e pede-lhe  que  lhe  arranje mais  droga para  dar, inclusive, a outro distribuidor. O ...  responde  que  primeiro  tem que  juntar  algum dinheiro.

Então, a fls.  23-24, do apenso III,  o arguido A...pede  dinheiro ao  arguido B..., pelo  abastecimento que lhe tinha  feito, por  se  encontrar  necessitado  dele, tanto mais  que  um outro  distribuidor, de  nome   … , lhe estava  dever  na  ordem dos  €12 000, 00, por  fornecimento  de  droga.

A fls. 40-42, do apenso III, mais  uma  vez o arguido A... pede  dinheiro ao distribuidor  e  este , ainda  que  com medo de  ir a  tribunal, porque   os  consumidores  andam a insistir  com ele,   pede  pelo menos  mais  cinco  doses  de produto estupefaciente para  distribuir.

A fls. 81-82, do apenso III, o  arguido A...reclama o pagamento  de €400, 00  a  um tal « …  », por  causa da  droga  que lhe  forneceu, escudando-se este  em o  « …  »  também lhe estar a  dever.

Artigo 14º, da  acusação  pública (factos provados e não  provados):

A  fls. 23-24,  do apenso  II, o B…  pede  a  um  sub-distribuidor  de apelido  « …  » que arranje  €400  ou €500 para o  ...  (o  arguido António), porque  tinha  recebido  placa de  pólen de  haxixe.

A  fls.  61-62, 76, 78, 80, 86-87 e 107-110 do  mesmo  apenso,  o  arguido  A...continua  a  pedir  dinheiro ao  arguido B...,  com base nos mesmos pressupostos, sendo   que a  fls.  80, pede  €1500  ou  €2000, e  a  fls.  109  é  o  arguido   B...  a pedir  ao  sub-distribuidor   dinheiro , porque, por  sua  vez, o arguido A... lho estava a exigir.

A  fls.  107,  do apenso III,  o arguido  B...  refere  que  apenas  tem  €1000 e  tal, da venda  da  droga  que não prestava.

A   fls.  109, do  mesmo apenso,  o  arguido  A... reclama  mais   pagamento  pela  venda da  droga   ao  arguido  B..., porque  se  está a aproximar o  dia  em que o primeiro tem que pagar  aos  fornecedores, senão levam-lhe um carro.

Ora, tendo sido confirmado pelo Inspector da  PJ que  cada  placa  de pólen de haxixe tem normalmente   100  gr. ou  200 gr., custando no mercado  da revenda  deste  produto  pelo menos  €200, 00, é  manifesto  até  que  as quantidades  cedidas excedem o  valor  consignado pelo mínimo na matéria  assente. 

A  fls. 95  a 98, do apenso II, o arguido  B... desabafa  com o mesmo  sub-distribuidor,  que  alguém comentou com o  arguido   A... que  aqueles não  lhe  iam  pagar pelo produto cedido.

A fls. 121-124, do apenso II, o arguido  B... pede ao mesmo sub-distribuidor para apareça  e traga  produto estupefaciente, pois  tem lá interessados, sem dispor, nesse momento, daquele  para  lhe ceder.

Artigo 15º, da  acusação  pública (factos provados e não  provados):

A fls. 2-3, do apenso I, o  arguido A...pede  dinheiro e  o   arguido B...  responde  que o  sub-distribuidor  só lhe arranja  cerca de  €500, 00  no dia  seguinte.

A fls. 6 e 9, do apenso I, o arguido B... diz ao arguido  A...que  lhe  vai  entregar  dinheiro  derivado  da  venda de produto  estupefaciente.

A fls. 93, do apenso I, o arguido A...diz ao  arguido  B... que  tinha  lá  um  rapaz  que pretendia  €70 de  produto  estupefaciente, combinando levá-lo ao pé deste, para   lhe  vender o produto estupefaciente.

A fls. 39-40, do apenso II, o arguido A...pede mais uma vez dinheiro, pela mesma razão, ao arguido B....

A fls. 41-42, do apenso II,  o arguido  A... combina  entregar  droga  ao  arguido  B..., para  este  distribuir, e, a fls.  43-45, é  notória  dificuldade de  encontrarem  um  sítio para  proceder  à  entrega, sem que  sejam notados.

A  fls. 66-67,  do mesmo apenso, voltam a combinar  a  entrega  de   droga «qualquer  coisinha».

A  fls. 132-133,   ainda  do apenso  II, o   arguido A...dá  conta  ao arguido  B... que, no  café  Tulipa, há  «uns  gajos»  que  querem comprar  droga.

A  fls. 25-26, 52 e 54, do apenso  II, o arguido  B... promete  entregar dinheiro  ao arguido  A... pela venda de  droga  e pede-lhe  que  entregue  mais  produto dessa natureza para  vender.

 A  fls. 59, do apenso II, o arguido A...mostra-se  irritado  com o arguido B..., por  este  não lhe ter  entregue  o dinheiro  da  venda  da  droga  no dia  anterior, como prometido.

Artigo 16º, da  acusação  pública (factos provados e não  provados):

a) Quanto ao arguido B... (B...), negou a testemunha  … que alguma vez lhe tenha comprado droga, mas antes que comprou juntamente com  este  último, a meias,  por  20 ou  30 vezes, sendo o preço, de cada  vez,  entre €10/€20.

A fls. 117, do apenso II, o arguido  B... pede   €20 ao  consumidor … , e, a fls.  18, do apenso III,   a testemunha (consumidor)  pede  droga  ao  arguido A...para   vender  e assim  conseguir  pagar a  dívida de  €1000 que  tem para  com aquele.

Ora, assim  sendo,  não  resulta  credível a versão da testemunha   quanto  às  admitidas  20 a  30  vezes, considerando  a  dívida  do próprio designadamente  para   com o arguido A...e   o  facto de o arguido B...   fazer vida  da transacção   da  droga.

b) A fls. 112-113, do apenso II, a consumidora  … pede  €5 de  haxixe  ao arguido B... e  ele  responde   afirmativamente. Enquanto testemunha, a pessoa em causa confirma-o em audiência, excepto que, com certeza, a droga tenha  sido  fornecida, por  alegadamente  não se  recordar. O certo é que, perante a resposta telefónica do arguido B..., não se crê que a transacção não tenha tido lugar.

c) A fls. 2-6, do apenso II, o arguido B... responde à testemunha (consumidor) … , que apenas lhe poderá arranjar €25,00 de haxixe, com o que este  concordou, combinando  encontrar-se.

Por outro lado, a testemunha apenas reconheceu, em audiência, ter adquirido uma vez ao   arguido  B..., por   €20, 00,  nas  Docas, pelo que  apenas  poderemos  concluir  ter-se tratado  de   mais  uma  vez, além daquela.

d) A testemunha (consumidor)  … apenas reconheceu o custo de €5 ou €10, por um vez, o que se considerou incredível, atendendo a que o arguido B... fazia vida da  distribuição  remunerada  de produto  estupefaciente, não  tendo  sido  revelada qualquer  situação de favor relativamente a  esta  testemunha.

Quanto ao número mínimo de 10 vezes, foi a própria testemunha a reconhecê-lo em audiência.

Por  seu lado, a fls. 36 e 137, do apenso II, a  mensagem é  clara  quanto  ao  custo  do produto estupefaciente cedido - €25, 00.

e) A fls. 27 e 46, do apenso II, o consumidor pede  €10 de   haxixe ao   arguido  B...,  combinando encontrar-se para a entrega.

A fls. 30, do mesmo apenso, o referido consumidor pede  um quarto de   placa  de pólen de   haxixe ao  arguido  B...,  que  este acede  a entregar-lhe, contra  setenta euros.

A fls. 146-147, era também a entrega  de  droga que estava  subjacente  à  conversa entre  os  mesmos  personagens.

f) A fls. 10-18, do apenso II, um tal  « …  » pede €20 de  haxixe ao arguido  B..., sendo que   depois  consegue  desenrascar-se  por  outro lado. Mas  o   dito arguido  trazia-lhe a  mercadoria  nesse  valor.

A fls. 48, do mesmo apenso, o arguido B... combina entregar €10 de haxixe a um interessado e a fls. 50 o mesmo produto, na quantidade equivalente a €20.

A fls. 70-73, também do apenso II, o arguido B... publicita, por SMS  que  já  tem  pólen de   haxixe (mel).

 A fls. 88-89, idem, o arguido B... e um interessado combinam ver o produto estupefaciente em casa daquele.

A fls. 90-91, idem, o arguido B... insiste com uma  tal … ,  em programa  de metadona, a   ir à residência  dele, a  fim de  buscar   haxixe,  ao que  ela  pede  que seja  noutro dia.

A fls. 99-105, idem, dois consumidores pedem ao arguido  B...  se  tem  €5  e  €20  de  haxixe, respondendo  este  ao primeiro  de  forma  afirmativa.

A fls. 114-118, idem, o arguido B...  quer  vender €20  de haxixe  e  vai perguntando   por  telefone, a fim de saber  quem precisa.

A fls. 119-120, 130-131, idem, o arguido B... responde a um interessado que não tem  haxixe  com  ele, porque  o  deixou em casa de  outra pessoa, sendo que,   na segunda  vez,  é pedida  uma placa  de pólen de  haxixe  inteira.

A  fls. 150-153, idem, um  interessado, de  nome   … ,  pretenda  comprar  ao arguido B...  uma  placa de pólen de  haxixe por €100, mas este  já  a tinha  partido em  fatias de €25, o  que  desgostou o primeiro, porque  também  queria  ganhar  com a   venda  das fatias.

A  fls. 127-132, do  apenso II, o  arguido  B...  comenta   com  o  arguido A... que  um interessado  lhe  devolveu  placa de   pólen de  haxixe no valor de €200, por  a considerar  alegadamente «podre». De qualquer forma, já tinha feito €1300 de venda desse produto. Entretanto, consegue despachar €10 do mesmo produto  a um outro interessado.

Artigo 17º, da acusação pública (factos provados e não  provados):

A fls. 77-78, do apenso III, a 1 de Julho de 2010, o arguido A...tenta convencer o arguido B... a deslocarem-se com  vista  à  aquisição de produto  estupefaciente, mas  o segundo  pretende, antes disso, despachar o resto  do produto  estupefaciente  que  tem em seu poder, combinando  ainda ser este  último a  entrar  em contacto  com o arguido D..., para  despachar  droga, pois  que o mesmo  não  liga para o  que  o pai  lhe  diz.

A fls. 117-118, do mesmo apenso, a 2 de Julho de 2010, alguém a telefonar de Espanha (indicativo 34), pergunta ao arguido A...se o mesmo  se  desloca  aí  tendo o mesmo respondido  que, em princípio, apenas no dia  seguinte. 

A fls. 133, idem, a 3 de Julho de  2010, a mesma  pessoa  de Espanha  certifica-se junto do arguido  A...se o  mesmo  aí se deslocava  nesse  dia. Passadas duas horas, chega  o arguido A...a Espanha e encontra-se  com a tal pessoa. Apenas poderia ser para  adquirir  droga, tendo em conta  os  diálogos anteriores com o arguido B....

Quanto ao arguido B..., desconhecemos se o mesmo se deslocou com o arguido António, tendo em conta que  apenas  o  facto de  haverem combinado  em  1  de Julho e terem sido  encontrados  juntos  na  madrugada de  4 de Julho, não nos  permite  inferir, com segurança nesse sentido. 

Artigos 18º e 19º, da  acusação  pública (factos provados e não  provados):

A fls. 89-92 e 94-97, do apenso I, é o arguido A...a reclamar dinheiro junto do arguido D...(também conhecido por ...) – utilizador do telemóvel n.º  … (foi este o contacto que o mesmo forneceu, como contacto pessoal, aquando da sua inquirição  pela PSP,  no  âmbito  do  NUIPC 8/09.0PECTB – cfr.  fls. 363, desse  inquérito) -  pelo produto estupefaciente  que  lhe  foi  entregue e este  a pedir-lhe  que o preço  da placa  de  pólen de   haxixe  passe para   €200,  enquanto  que o primeiro  a situa  nos €220.

A fls. 157-160, do apenso II, o arguido A...pede novamente dinheiro da venda do produto estupefaciente entregue, ao arguido D...até 31 (é lapso manifesto) de Junho, porque, depois dessa data, tem que ir abastecer-se a Espanha de mais droga.

A fls. 7, do apenso III, o arguido D...pede mais uma ou duas placas de pólen de haxixe ao arguido A…, para venda, dando a entender que já despachou a quantidade que anteriormente lhe havia sido cedida pela mesma pessoa, mas sem ainda  ter  recebido o preço.

 A fls. 86, através do mesmo 927 065 322, o arguido D...a prometer ao arguido  A...que  apenas lhe pode  entregar o  dinheiro  da  venda  do produto  estupefaciente a   2  de Julho. Logo de seguida, a fls. 88-89, é o arguido A...a telefonar ao arguido B... – que lhe  diz  andar a ajudar a  cobrar  o preço da  droga  vendida por  um « …  » - , pedindo-lhe para  enviar  uma  mensagem  ao arguido  D...para  ele entregar o produto da venda  imediatamente, pois  que o arguido A... já  anda  no  encalço  do pai  do  D...para  lhe  bater  a sério.

De imediato, nova conversa telefónica entre os arguidos A...e D..., sendo o primeiro a exigir-lhe o pagamento imediato ou até às 15 horas do dia seguinte, senão iria ter com o pai  dele.

No dia seguinte, pelas 13 h35m, o arguido A...insiste com o D...pelo dinheiro.

O mais resulta inelutavelmente das regras da experiência.

Artigo 20º, da acusação pública (factos provados):

Valorámos os autos de revista pessoal de  fls.  417 e de  busca  e apreensão de fls.  423-424, confirmado  pelos Srs. Inspectores da PJ  ,  sendo estes  claros  quanto à localização dos  bens  em causa e  à  não indicação, por  banda  da mulher  do  arguido A…,  que  os  bens  em causa  não pertencessem àquele, confirmando sim  que era  ali  que o mesmo  morava, com ela  e  os  filhos menores.

Atendemos, também, às fotografias de fls. 425-427 e 431-436 e às perícias de fls. 1412 e ss..

Mais considerámos o exame pericial a telemóvel de fls 655 a 800.

Artigo 21º, da  acusação  pública (factos provados):

Valorámos os autos  de revista  pessoal de  fls.  442 e de  busca  e apreensão de fls.  446, confirmado  pelos Srs. Inspectores da PJ  ,  sendo estes  claros  quanto à localização dos  bens  em causa e  à indicação, por  banda  do arguido B...,  de que   o  quarto  onde  foram apreendidos os   bens  era  por  si  ocupado, não tendo  sequer  declinado a  detenção, por  si,  dos bens  em causa.

Atendemos, também, às fotografias de fls. 447-448 e às perícias de fls. 1412 e ss  e 1445.

Mais considerámos o exame pericial a telemóvel de fls 889 a 957.

Artigos 22º a 25º, da  acusação  pública (factos provados):

Tais factos inferem-se da matéria provada, sendo que não há o menor indício de que os arguidos hajam sido coagidos a actuar da forma como o fizeram. Aliás, é do conhecimento geral a ilicitude criminal deste tipo de condutas, o que, no concernente à droga, resulta à evidência da linguagem codificada empregue nas conversações telefónicas.

Outros Factos:

Atendemos aos relatórios sociais juntos ao processo, bem como aos certificados de registo criminal aí também juntos.

                                                           *   
                                                                       *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [4] e de 24-3-1999 [5] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [6], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente arguido D...  as questões a decidir são as seguintes :

- se a matéria dada como provada nos pontos n.ºs 18.º, 19.º e 24.º dos factos provados do acórdão recorrido deve ser considerada não provada, por a mesma se alicerçar relativamente ao recorrente exclusivamente nas escutas telefónicas, violando o disposto nos artigos 356.º, 357.º e 125.º do C.P.P.; e

- subsidiariamente, caso não seja absolvido, se a pena aplicada lhe deve ser reduzida e suspensa na execução.


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            Passemos ao conhecimento da primeira questão.

O arguido D... impugna a matéria dada como provada nos pontos n.ºs 18, 19 e 24, dos factos dados como provados, começando por dizer que não se conforma com o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que as escutas telefónicas constituem um meio de prova autónomo relativamente às declarações do arguido.

No seu entender, a intercepção e gravação de conversações telefónicas não constituem, em sentido técnico, meios de prova e aquela factualidade dada como provada alicerça-se, pelo menos no que diz respeito ao recorrente, exclusivamente nas escutas telefónicas.

Através da escutas telefónicas não se poderá considerar directamente provado um determinado facto que não seja a mera existência e o conteúdo da própria conversação. O arguido/recorrente negou peremptoriamente que se dedicava ao tráfico de estupefacientes – remeteu-se ao silêncio – e nenhum co-arguido ou testemunha ouvida em audiência de julgamento confirmou tal actividade. As transcrições das escutas telefónicas, quando muito, poderão indiciar que o recorrente consumiu haxixe e que poderia tê-lo comprado, justificando dessa forma a falta de pagamento.

As transcrições foram valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova, violando assim os arts.356.º, 357.º e 125.º do C.P.P..

Vejamos.

O art.125.º do C.P.P. estabelece que “ são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”. Esta norma deixa pressuposta, por um lado, a existência de provas que são proibidas e que como tal não podem ser utilizadas para formar a convicção do tribunal relativamente ao objecto do processo e, por outro, a existência de meios de prova atípicos, que podem ser valorados pelo julgador.

As provas proibidas ou inadmissíveis são aquelas que não podem ser admitidas ou valoradas no processo, ainda que obtidas por meios não proibidos, como são exemplo a leitura em audiência de julgamento, de autos e declarações prestadas no inquérito e na instrução, fora do condicionalismo legal estabelecido nos artigos 356.º e 357.º do Código de Processo Penal.

Se o Tribunal proceder ou admitir a leitura proibida nos termos destes preceitos, essa admissão é inválida e o meio de prova não pode ser considerado para formar a convicção do julgador.[7]      

O art.356.º do C.P.P., estabelece as circunstâncias em que é permitida a leitura em audiência de julgamento de autos e declarações do assistente, das partes civis ou de testemunhas, e o seguinte, art.357.º, regula os termos em que é permitida a leitura em audiência de julgamento de autos e declarações do arguido.

Passando às escutas telefónicas, cremos ser pacífico dizer que elas são um meio de obtenção da prova, isto é, um meio de investigação para demonstração do thema probandi.

Já a transcrição das gravações obtidas através de operação de intercepção telefónica e sua junção aos autos não tem que ver com meios de investigação, mas sim com prova, com fonte de convencimento do tribunal que fica documentada nos autos, como resulta do estabelecido no art.188.º do Código de Processo Penal.

A jurisprudência vem entendendo que as escutas telefónicas transcritas em auto e juntas ao processo passam a constituir prova documental , submetida ao princípio da livre apreciação da prova.[8]

Na doutrina, o Prof. Germano Marques da Silva, fazendo a distinção entre meios de obtenção de prova e meios de prova, defende que enquanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova, as gravações são já um meio de prova.[9] 

O Dr. Guedes Valente entende, por sua vez,  que “ desde que o auto de transcrição esteja junto ao processo , o mesmo passa a ser prova documental.”.[10]

Esta é também a posição seguida pela doutrina e jurisprudência na vizinha Espanha , como se pode ver , nomeadamente , na obra “La prueba penal” , do Magistrado e Doutor em Direito  Carlos Climent Durán , onde , para além da transcrição de trechos de sentenças do Tribunal Supremo , se diz: “ Tras las escuchas telefónicas , y una vez recibidas em el Julgado de Instrucçion las grabaciones íntegras y originales , entregadas por los funcionarios policiales que han realizado las escuchas , se entra en uma fase processual diferente , en la que se trata de formalizar el resultado de las escuchas telefónicas a fin de que puedan servir de medio probatorio durante el juicio oral. Dicho de outra manera , la información en bruto que existe en las citas magnetofónicas , o sea , el contenido de las conversaciones telefónicas , integras y originales , se ha de transformar en un instrumento probatorio preconstituido capaz de destruir la presunción de inocencia durante el acto del juicio oral”.[11]

O Tribunal da Relação não vê razão para modificar o que vem sendo defendido pela doutrina e jurisprudência citada.

As gravações das escutas telefónicas, realizadas na sequência de autorização judicial face a suspeitas fundadas de crimes de tráfico de estupefacientes, mandadas transcrever pela autoridade judiciária competente em auto e juntas ao processo, são um meio de prova documental a valorar pelo Tribunal de acordo com o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal.

Este princípio estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[12].

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[13].

O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal tem-se, assim, por cumprido, quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

Feita esta breve abordagem ao processo penal podemos já concluir que as transcrições das escutas telefónicas não constituem declarações dos arguidos prestadas em inquérito, sujeitas ao disposto no art.357.º do C.P.P. – norma específica dirigida às declarações prestadas pelos arguido -, mas sim prova documental, que vale em audiência de julgamento, mesmo que aí não se tenha procedido à sua leitura ( art.355.º, n.º1 e 2 do C.P.P.).  

Assim, a sua valoração pelo Tribunal a quo não viola o disposto nos artigos 356.º, 357.º e 125.º do C.P.P..

No caso em apreciação, o Tribunal a quo deu como provado, no ponto n.º1 do acórdão recorrido, que o arguido A..., pelo menos durante o ano de 2010 até á sua detenção a 4 de Julho do mesmo ano, na cidade de Castelo Branco, dedicou-se à prática da cedência, mediante contrapartida monetária, de pelo menos haxixe e pólen de haxixe, retirando dessa actividade, pelo menos parte dos seus rendimentos.

Dos pontos n.ºs 12 e 13 da factualidade dada como provada no acórdão recorrido consta que o arguido A…, no âmbito daquela actividade também colocava o haxixe e pólen de haxixe à disposição de outros indivíduos para que fossem estes a cedê-los aos consumidores, mediante contrapartida monetária, recolhendo posteriormente pelo menos parte do produto monetário de tal venda.

Fundamentou o Tribunal a quo esta matéria de facto dada como provada e que não foi impugnada por parte do arguido D..., nas transcrições das gravações, bem como em prova testemunhal quanto a serem apenas haxixe e pólen de haxixe os estupefacientes transaccionados.

Assente, em face desta factualidade, que o arguido A...traficava haxixe e pólen de haxixe, por si e através outros indivíduos, para que fossem estes a cedê-los aos consumidores, mediante contrapartida monetária, recolhendo posteriormente pelo menos parte do produto monetário de tal venda, verifica-se das transcrições juntas aos autos que o arguido D... não só mantinha contactos telefónicos com aquele arguido A…, mas ainda que esses contactos respeitavam ao escoamento daquele tipo de produto estupefaciente, e que o arguido/recorrente para além de o vender tinha de apresentar contas ao arguido A...das vendas que efectuava.

Pese embora o arguido/recorrente D... se tenha remetido ao silêncio, fazendo uso de um direito, as transcrições constantes dos Apensos, descritas na fundamentação da matéria de facto dada como provada nos pontos n.ºs 18 e 19 do acórdão recorrido, explicam de forma medianamente clara e por vezes bem explicita, como este desenvolvia a venda daquele tipo de estupefacientes por conta do arguido António.

Nada aponta nas transcrições em causa para que a falta de pagamento que se menciona nas transcrições respeitava a haxixe que ele próprio consumiu.

Deste modo, não é arbitrário e violador das regras da experiência comum, que o Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado credibilidade à prova documental resultante das citadas transcrições das escutas telefónicas e, face à globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, examinada criticamente na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, tenha dado como assentes os factos constantes dos impugnados pontos n.ºs 18, 19 e 24 do acórdão recorrido.
Improcede assim a pretensão de modificação da matéria de facto impugnada pelo recorrente e considera-se definitivamente fixada a matéria de facto nos temos que constam do acórdão recorrido.


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            Passemos agora ao conhecimento da segunda questão.

Considerando os factos dados como provados é inquestionável que o arguido D..., com a sua conduta descrita nos factos dados como provados, preencheu todos ao elementos constitutivos de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma.

O crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tipificado no art. 25.°, alínea a), do DL. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

O Tribunal a quo, tendo em consideração que o arguido D... tinha à data dos factos 20/21 anos de idade (considerando a indefinição temporal no primeiro semestre de 2010), não lhe sendo conhecidos antecedentes criminais e dispondo de retaguarda familiar e profissional, proporcionada pelos pais, entendeu haver razões para formular um juízo de prognose favorável à ressocialização do arguido D... e, consequentemente, decidiu aplicar-lhe o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, estabelecido pelo DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.

Por força do disposto no art.4.º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, e do art.73.º do Código Penal, a pena abstracta aplicável ao arguido D...., passou a ser de 30 dias a 3 anos e 4 meses de prisão.

O Tribunal a quo, fazendo apelo às circunstâncias que o levou à aplicação ao arguido D... do regime penal especial para jovens delinquentes, ao valor monetário do pólen de haxixe decidido ao arguido e à sua participação no esquema de distribuição, decidiu aplicar-lhe uma pena de 6 meses de prisão.  

Seguidamente, ponderou o Tribunal a quo a substituição desta pena de 6 meses de prisão por penas não detentivas.

Depois de afastar a substituição da pena de 6 meses de prisão pela pena de multa, decidiu que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, seria a pena de substituição adequada, por só esta garantir que a pena é sofrida pessoalmente pelo condenado e o trabalho ser uma forma digna e responsabilizante do arguido. Assim, na fundamentação de direito, decidiu substituir a pena de 6 meses de prisão em 180 horas de trabalho a favor da comunidade - por manifesto lapso, no dispositivo do acórdão, o Tribunal a quo, depois de declarar que substituia a pena de 6 meses de prisão, por  prestação de trabalho  a favor  da  comunidade, pelo período  de 180 horas, colocou entre parênteses  (quatrocentas  e oitenta)  horas.

O recorrente D... vem agora, subsidiariamente à sua absolvição, sustentar que lhe deve ser reduzida a pena aplicada na decisão recorrida e ser-lhe suspensa a execução da pena de prisão, pois não é nenhum traficante na verdadeira acepção da palavra; o produto estupefaciente é uma droga “leve”, é o pequeno grau de culpa, poucas as exigências de prevenção e está integrado na sociedade, é pessoa educada, trabalhadora e honesta.   

Vejamos.

O art.71.º do Código Penal estatui que a determinação concreta da medida da pena , dentro dos limites definidos na lei , é feita em função da culpa do agente e das exigências  de prevenção , devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que , não fazendo parte do tipo de crime , depuserem a favor do agente ou contra ele .

O art.40.º, n.º1 do Código Penal, define as finalidades das penas e das medidas de segurança , estabelecendo que  « a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade » .

O objectivo último das penas é , pois , a protecção , o mais eficaz possível , dos bens jurídicos fundamentais.

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ) , quer  para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na  tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual , isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do Código Penal ). 

No presente caso, o grau de ilicitude dos factos é mediano, pois apenas se apurou que o arguido, durante um período de cerca de meio ano participou num plano de escoamento de haxixe e pólen de haxixe, por conta do arguido A…, procedendo para o efeito à venda dos produtos a consumidores, ficando uma parte dos lucros para o arguido A...e outra para o arguido/recorrente. Nesta actividade o arguido D... vendeu pelo menos produtos estupefacientes no valor de € 220,00.

As consequências do crime embora não sejam elevadas, também não são diminutas, sendo mediano o grau de violação dos deveres que lhe são impostos.
À data dos factos o arguido tinha 20/21 anos de idade, tendo agido com dolo intenso e directo, que é o grau de culpa mais elevado.
Quanto à conduta anterior aos factos importa realçar que o arguido não tem antecedentes criminais, e se relacionava com pessoas ligadas ao meio da toxicodependência, sendo que o próprio consumia haxixe.

Quanto à conduta posterior do arguido, foi apurado que alterou os seus relacionamentos, passando a conviver com pessoas mais integrados socialmente e apresenta capacidades de raciocínio autocrítico em relação ao seu envolvimento na presente situação jurídico-penal e reconhece os danos causados a si próprio e a eventuais vítimas.

O arguido é de modesta condição social e económica, encontrando-se inserido na família, de quem tem apoio, e exerce uma profissão, na qual aufere cerca de € 600,00 mensais.

As exigências de prevenção geral são elevadas e prementes , tendo em conta , nomeadamente, o elevado número de pessoas que praticam este tipo de tráfico de estupefacientes, com grande prejuízo para a saúde dos consumidores, e contribuição indirecta para a prática de outros crimes, quer contra as pessoas , quer contra o património.  

As razões de prevenção especial ou individual são medianas.

Conjugando todas as circunstâncias descritas concluímos que a pena de prisão de 6 meses aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido é equilibrada e ajustada à culpa e às exigências de prevenção, não violando as disposições legais invocadas pelo recorrente .

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, encontram-se para além da pena de multa, a que alude o art.43.º do Código Penal, também as penas de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.).
O art.58.º, n.º1 do Código Penal , estatui que « Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
A pena de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição da pena de prisão que consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade ( art.58.º, n.º 2 do Código Penal ).
Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do condenado ( art.58.º, n.º 5 do Código Penal ).
Entendemos que essa aceitação tem de ser feita pessoalmente pelo arguido, só podendo ser efectivada pelo seu Defensor, oficioso ou constituído, se estiver munido de procuração com poderes especiais para o efeito.[14]
O pressuposto formal desta pena é, deste modo, a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade.
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição  se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação activa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.       

São só considerações preventivas, nomeadamente de prevenção de socialização, que podem ser erigidas em critério de escolha da pena de trabalho a favor da comunidade, posto que a ela não se oponham razões de salvaguarda do mínimo de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.[15]
No caso em apreciação, realçando entre outras circunstâncias, a idade do arguido, a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social, cremos que se verificam os pressupostos materiais de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade, bem como o pressuposto formal traduzido na aplicação de pena de prisão em medida não superior a dois anos.

Acontece, porém, que o arguido D... não deu pessoalmente o seu consentimento ou adesão a esta pena de substituição, tendo sido a sua Ex.ma Defensora quem, na ausência daquele na audiência de julgamento do dia 29 de Abril de 2011, aceitou a eventual substituição da pena de prisão em que viesse a ser condenado por pena de trabalho a favor da comunidade.
A Ex.ma Defensora do arguido não apresentou poderes especiais para o acto e resulta do presente recurso que o arguido D... não se conforma com a aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade, defendendo a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
Faltando um dos pressupostos formais para a substituição da pena de 6 meses de prisão pela pena de 180 horas de trabalho a favor da comunidade, não pode subsistir esta pena de substituição. 
Importa agora decidir se o arguido pode beneficiar da suspensão de execução da prisão, cujos pressupostos vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.
Nos termos deste preceito legal  “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos  se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .”.
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos .

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal , atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto , conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .

A suspensão da execução da pena é , sem dúvidas , um poder vinculado do julgador , que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos .

Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que , reportando-se ao momento da decisão , o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido , juízo este não necessariamente assente numa certeza , bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização , em liberdade , do arguido .

Todavia, « a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada » - mesmo em caso de « conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuseram (…) as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente  « considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico », pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto.».[16]

A pena aplicada ao arguido D... é inferior a 5 anos de prisão, e existe um prognóstico favorável àquele à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, uma vez que é um jovem, sem antecedentes criminais, com apoio familiar e hábitos de trabalho, que revela capacidade autocrítica do seu comportamento, mostrando vontade de abandonar os relacionamentos pessoais que o ligavam ao meio da toxicodependência.

Considerando a gravidade do facto, a integração social e a conduta posterior do arguido, é razoável considerar que não voltará a delinquir no âmbito do tráfico de estupefacientes e, assim, que não existem razões de prevenção geral que obstem à suspensão da execução da pena aplicada.

Sendo de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o Tribunal da Relação entende suspender-lhe a execução da pena de prisão, pelo período de um ano ( art.50.º, n.º 5 do Código Penal ), suspensão esta acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social ( art.53.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal ).

Pelo exposto, procede parcialmente esta questão e, consequentemente, o recurso interposto pelo arguido D.....

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido D... e, revogando o acórdão recorrido na parte em que substituiu a pena de 6 meses de prisão por pena de trabalho a favor  da comunidade pelo período de 180  horas, decide-se suspender-lhe a execução da pena de 6 ( seis) meses de prisão que lhe foi aplicada,  pelo período de um ano, suspensão esta acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social ( art.53.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal ), mantendo-se, no mais, o douto acórdão recorrido.

           Sem custas.

                                                                       




Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos

                                                                                            


[1] Mantém-se  a numeração  da  acusação pública, por  facilidade de contraste.
[2] Neste sentido, na  doutrina, entre outros, MANUEL DA COSTA ANDRADE, "Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas" Revista Portuguesa Ciência Criminal, Ano I, n.º 3, Julho/Setembro 1991, pp. 369/408, CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, "Depoimento Indirecto e Arguido - Admissibilidade e Livre Valoração versus Proibição de Prova", Revista do CEJ, 1º Semestre 2005 /número 2, pp. 168 e 179, e J. M. DAMIÃO DA CUNHA, «O regime legal das escutas telefónicas – algumas breves reflexões», Jornadas do Código de Processo Penal, RCEJ, n.º 9, 2.°semestre 2008 – Número Especial. Na  jurisprudência, entre  outros, os Acs. do STJ, de 18 de Maio de 2005, Proc. 4189/02-3.ª, Sumários de Acórdãos do STJ, de 15-2-2007, in www.dgsi.pt, de 31 de Maio de 2006, Proc. 06P1412, in www.dgsi.pt, de 2-4-2008, in www.dgsi.pt.

[3] In www.dgsi.pt. No mesmo sentido, nas Relações, entre  outros,  os Acs. da RP, de  09.03.2011, relator  Des.  DONAS  BOTO, in www.dgsi.pt, e de 05.11.2008, relator  Des.  MARIA DO  CARMO SILVA DIAS, no mesmo  sítio da internet, e da RC, de 29.03.2006, relator  Des. Ribeiro .,  in www.dgsi.pt.



[4]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[5]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[6]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[7] Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", Vol.II,  Verbo, 5.ª edição, pág. 169

[8] Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 5 de Fevereiro de 1998 ( CJ , STJ , ano VI , 1º pág. 192) e de 17 de Junho de 2004 ( www.stj.pt) , da Relação de Lisboa , de 12 de Janeiro de 2000 ( CJ, ano XXV, 1, pág. 135) e da Relação de Guimarães , de 19 de Maio de 2003  ( CJ, n.º 167 , pág. 299).

[9] Curso de Processo Penal , II , Verbo, 5.ª edição, pág. 280. 

[10] “Processo Penal” , I , Almedina , pág.409.
[11] Edição Tirant lo branche , Valência , 1999 .

[12] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[13]  cfr.“Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[14] Neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6/5/2009, proc. n.º 601/08.9GAVGS.C1, in www.dgsi.pt, e da Relação do Porto, in CJ, n.º 221. pág. 222.

[15] - cfr. Prof. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, páginas 371 e 372.

[16] Cfr. Prof. Figueiredo Dias , in “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”,  § 520).