Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
471/08.7TBVNO-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: TRANSACÇÃO
OBRIGAÇÃO
PRAZO
INÍCIO
EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 1248º DO CC, 284º DO CPC
Sumário: I – Embora sujeita a homologação judicial, a transacção é um contrato que, como tal, constitui a fonte das obrigações que, através dela, as partes constituíram, limitando-se a sentença homologatória a apreciar a validade da transacção, reconhecendo e declarando os direitos e obrigações que nela foram constituídos e nos exactos termos em que o foram.
II – Tendo sido estipulado na transacção que uma determinada obrigação seria cumprida no prazo de trinta dias, esse prazo conta-se a partir da data da sua celebração e não a partir da data do trânsito em julgado da sentença homologatória.

III – O trânsito em julgado da sentença homologatória da transacção apenas interfere com a sua exequibilidade, nos termos que estão definidos na lei, pelo que, sendo a sentença exequível – porque dela não foi interposto recurso com efeito suspensivo – poderá ser exigido o cumprimento coercivo da obrigação, por via da acção executiva, caso a obrigação já seja exigível por ter decorrido o prazo de cumprimento que estava fixado na transacção, sendo irrelevante para a contagem desse prazo o trânsito em julgado da sentença homologatória.

IV – Como se considerou no Assento de 24/05/1960, cuja doutrina continua a ser aplicável, a execução propriamente dita não pode ser suspensa com fundamento em causa prejudicial, porquanto nesse tipo de processo não existe qualquer causa a decidir que possa estar dependente do julgamento de outra (como pressupõe o art. 279º, nº 1, do C.P.C.), tratando-se apenas de dar efectiva satisfação a um direito que já foi declarado por sentença ou consta de um título executivo.

V – Assim, embora a suspensão da instância com esse fundamento possa ter lugar no âmbito da oposição à oposição, tal suspensão não pode ser decretada no âmbito da própria acção executiva, com o único objectivo de suspender a satisfação coerciva da obrigação/prestação exequenda e sem que, em sede de oposição, tenha sido suscitada alguma questão cuja decisão esteja efectivamente dependente do julgamento de uma outra acção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... e B... , com domicílio na Rua ..., Ourém, instauraram execução para prestação de facto contra C... e D... , residentes da Rua ..., Ourém, pedindo, com base em sentença homologatória de uma transacção, o cumprimento da obrigação ali fixada de demolir a parte de um barracão que se encontra implantada no prédio dos Exequentes e de deixar esse prédio totalmente livre dos pertences ali identificados, mais alegando que essa obrigação deveria ter sido cumprida no prazo de trinta dias e, portanto, até 26/03/2012, o que não sucedeu.

Os Executados deduziram oposição à execução, invocando a inexigibilidade da obrigação e a inexequibilidade do título e alegando, para o efeito, que o prazo de trinta dias – fixado na sentença para o cumprimento da obrigação – apenas se conta a partir do trânsito em julgado e, portanto, ainda não havia decorrido à data em que foi intentada a execução, além de que a transacção em causa não fixou o dia a partir do qual se contaria esse prazo, sendo, por isso, inexequível. Mais alegam que já cumpriram parte da obrigação, faltando apenas demolir o telheiro, onde mantêm um tractor e requerem a suspensão da execução, dizendo que se encontra pendente uma acção em que os Executados requerem a aquisição da parcela de terreno em causa, por acessão imobiliária, sendo que tal acção é prejudicial relativamente à presente execução.

Por decisão proferida em 25/06/2012, tal oposição veio a ser liminarmente indeferida, tendo sido igualmente indeferido o pedido de suspensão da execução.

Inconformados com essa decisão, os Executados vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

a) Ao presente recurso deve ser atribuído efeito suspensivo, uma vez que consistindo a prestação de facto na demolição do barracão, efectuada esta, ficará irremediavelmente perdido o interesse que os executados pretendem ver acautelado.

b) Não tendo as partes prescindido do prazo de trânsito, a sentença homologatória da transacção transita no prazo de 30 dias (685  C.P.C.);

c) Proferida sentença em 23/02/2012 a mesma transitou em 24/03/2012, só se contando o prazo de 30 dias, para cumprir a obrigação, após esta data de trânsito, pelo que o mesmo terminaria em 23/04/2012;

d) Intentada execução para prestação de facto em 27/03/2012, nesta data a obrigação ainda não era exigível, decorrendo desta inexigibilidade fundamento para a oposição (802 e 814 C.P.C.);

e) Notificados os executados nos termos e para os efeitos dos nºs 1 e 2 do art. 933 e nº 1 do art. 939 C.P.C. e não sendo ainda exigível o cumprimento, ficam aqueles impedidos de se pronunciarem acerca de qualquer outro prazo de cumprimento, se outra data não for fixada para a contagem do prazo de cumprimento;

f) Tendo em conta o disposto no art. 935 C.P.C. acerca do custo da prestação e o disposto no art. 882 Código de Processo Civil acerca do pagamento em prestações, não pode considerar-se desprezível a prestação parcial do facto.

g) Se no processo principal que deu origem ao título executivo os A.A., depois exequentes, pedem o reconhecimento do direito de propriedade, só reconhecido este, os R.R., depois executados, podem intentar acção para verem reconhecido o direito à aquisição da parcela de terreno ocupada por acessão industrial imobiliária;

h) Intentada, anteriormente à instauração da execução, acção para reconhecimento do direito à aquisição por acessão industrial imobiliária, da parte do terreno onde está implantado o barracão a demolir, esta é prejudicial em relação à execução onde se pretende a demolição do barracão:

i) Razões de economia, em atenção ao custo / benefício e de proporcionalidade das prestações permitem ao Tribunal a suspensão, nos termos gerais.

j) O douto despacho em recurso interpretou e aplicou incorrectamente, entre outros, o disposto nos arts. 677, 802, 865, 814, 279, todos do C.P.C., devendo tais disposições ser interpretadas e aplicadas no sentido da procedência da oposição deduzida e ou da suspensão da execução.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II. 

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se a obrigação/prestação exequenda é exigível, o que, no caso, equivale a saber se o prazo de cumprimento da obrigação que ficou estabelecido na transacção apenas deve ser contado a partir da data do trânsito em julgado da sentença homologatória dessa transacção;

• Saber se o cumprimento parcial da prestação que é invocado pelos Apelantes/Executados tem relevância em sede de oposição;

• Saber se estão reunidos os pressupostos legais para que possa ser decretada a suspensão da execução (no que respeita à demolição do barracão) com fundamento na pendência de uma outra acção que foi intentada pelos Apelantes e na qual pedem a aquisição, por acessão, do direito de propriedade relativamente à parcela de terreno onde está implantado esse barracão.


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III.

Com relevância para a decisão, resultam dos autos os seguintes factos:

1. Na acção declarativa a que os presentes autos se encontram apensos, os Autores e Réus (que nestes autos figuram como Exequentes e Executados) celebraram transacção, em 23/02/2012, nos seguintes termos:

1º Os Réus C... e D... confessam os pedidos constantes das als. a) e b) da petição inicial.

2º Quando aos pedidos formulados nas als. c) e d), os Réus comprometem-se a deixar totalmente livre de pertences seus o prédio dos Autores A... e B..., no prazo de 30 dias, bem como a absterem-se de futuramente de praticar no dito prédio quaisquer actos que impeçam ou limitem o exercício do seu direito de propriedade plena sobre o mesmo.

3. Os Réus comprometem-se a demolir no prazo de 30 dias a parte do barracão implantada no prédio dos Autores.

4. Autores e Réus reconhecem que os prédios a que ambos pertencem estão perfeitamente delimitados por marcos cravados no solo no local a 12 de Abril de 2010.

5. As custas em dívida a Juízo serão suportadas em partes iguais, prescindindo ambas as partes das custas de parte da procuradoria na parte disponível”.

2. Tal transacção foi homologada por sentença proferida na mesma data.

3. Em 20/03/2012, os aqui Executados instauraram contra os aqui Exequentes uma acção, com processo sumário, onde formulam os seguintes pedidos:

a) Decretar-se que, quanto à ocupação de 44,88m2 de terreno dos R.R., pertencentes ao prédio destes descrito na conservatória do registo predial de Ourém sob o nº 2369, da freguesia de Rio de Couros, ocupados com o barracão dos A.A., a estes assiste o direito à sua aquisição, por acessão industrial imobiliária, contra o pagamento do valor de tal parcela de 135,00€, condenando-se os R.R. a reconhecer aos A.A. tal direito.

b) Ordenar-se o cancelamento do registo, a favor dos R.R. quanto à referida parcela de 44,88m2 e averbamento de registo da mesma a favor dos A.A.

4. O requerimento executivo a que se reporta a presente oposição deu entrada em 27/03/2012.


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IV.

Questão prévia.

Os Apelantes começam por referir – na conclusão a) das suas alegações – que ao presente recurso deve ser atribuído efeito suspensivo, uma vez que, consistindo a prestação de facto na demolição do barracão, efectuada essa demolição, ficará irremediavelmente perdido o interesse que pretendem ver acautelado.

Embora esta questão não se insira, propriamente, no objecto do recurso (já que, incidindo o recurso sobre determinada decisão, o respectivo objecto há-de relacionar-se com essa decisão e com as questões que nela foram ou deveriam ter sido apreciadas) e apesar de a eventual correcção do efeito atribuído ao recurso ser, em princípio, da competência do relator (art. 700º, nº 1, alínea a) e 703º do C.P.C.), importa fazer-lhe aqui uma breve referência, na medida em que os Apelantes inseriram essa questão nas conclusões das suas alegações e sempre poderiam requerer que sobre o despacho do relator referente a essa matéria recaísse um acórdão (art. 700º, nº 3).

Como decorre do disposto no art. 692º do C.P.C. – aplicável ao processo executivo por força do disposto no art. 922º-A do mesmo diploma – a apelação tem, em regra, efeito devolutivo, estando o efeito suspensivo (do processo ou da decisão) reservado aos casos previstos na lei e, designadamente, aos casos previstos nos nºs 2, 3 e 4 da norma citada.

Embora não se verifique nenhuma das situações previstas nos citados nºs 2 e 3, os Apelantes requereram, oportunamente, ao abrigo do nº 4, a fixação de efeito suspensivo ao recurso, alegando que a execução da decisão lhe causa prejuízo considerável e oferecendo-se para prestar caução.

Aparentemente, tal requerimento não foi apreciado em 1ª instância (pelo menos nada consta dos autos nesse sentido), mas a verdade é que não poderia ser deferido, na medida em que o prejuízo que é invocado pelos Apelantes não decorre da execução da decisão recorrida e não poderia ser evitado com a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

Como decorre do art. 692º, o efeito suspensivo do recurso pode reportar-se ao processo ou à decisão. No primeiro caso, o recurso suspende o andamento do processo (o que, como dispõe o nº 2, apenas acontece nos casos expressamente previstos na lei); no segundo caso, ficam suspensos – por efeito do recurso e até à sua decisão – os efeitos decorrentes da decisão que, como tal, não pode ser executada (o que acontece nas situações previstas nos nºs 3 e 4).

Como referimos supra, não se verificam as situações previstas no nº 2 e 3, sendo que os Apelantes apenas invocam o disposto no nº 4, do qual decorre que a apelação terá efeito suspensivo se a execução da decisão causar prejuízo considerável ao recorrente e desde que este preste caução.

Acontece que o presente recurso apenas incide sobre a decisão que indeferiu liminarmente a oposição à execução e esta decisão, dado o seu carácter negativo, não é passível de ser executada e de, por essa via, causar qualquer prejuízo aos Apelantes.

O prejuízo a que aludem os Apelantes decorre da destruição do barracão (prestação que é exigida na execução). Acontece que esse prejuízo não decorre da execução da decisão que indeferiu a oposição, mas sim do prosseguimento da execução e, portanto, apenas poderia ser evitado mediante a suspensão do processo de execução.

Estando em causa uma decisão de carácter negativo (que indeferiu a oposição à execução), parece evidente que a atribuição de efeito suspensivo ao recurso dela interposto nunca teria a virtualidade de fazer operar os efeitos que, eventualmente, poderiam ser produzidos pela decisão que recebesse a oposição e, portanto, nunca poderia determinar a suspensão do processo de execução. E, na realidade, é isso que pretendem os Apelantes: ver suspenso o prosseguimento do processo de execução, evitando, dessa forma, a execução da prestação que lhes é exigida (a destruição do barracão). Mas isso é algo que não poderão obter com a atribuição do efeito suspensivo ao recurso.

De facto, o prejuízo que é invocado pelos Apelantes para, ao abrigo do disposto no art. 692º, nº 4, requererem a atribuição de efeito suspensivo não decorre da execução da decisão que é objecto de recurso (que, por natureza, não é passível de execução, já que nada concede que seja susceptível de execução ou suspensão), mas sim do prosseguimento da execução e tal prejuízo não seria evitado ainda que o recurso tivesse efeito suspensivo da decisão.

Daí que se mantenha o efeito devolutivo que foi fixado na 1ª instância.

Inexigibilidade da obrigação.

Dizem os Apelantes – em desacordo com a decisão recorrida – que a obrigação não era exigível à data da instauração da execução, o que, nos termos da lei, constitui fundamento para a oposição.

Alegam, para o efeito, que o prazo de trinta dias que foi fixado para o cumprimento da obrigação só se contava a partir do trânsito em julgado da sentença e, como tal, ainda não havia decorrido à data em que foi instaurada a execução. Sendo assim, dizem, e se outra data não for fixada para a contagem do prazo de cumprimento, ficam impedidos de se pronunciar relativamente a esse prazo quando notificados nos termos e para os efeitos dos nºs 1 e 2 do art. 933º e nº 1 do art. 939º do C.P.C.

A verdade é que, apesar de a inexigibilidade da obrigação corresponder a um fundamento legítimo de oposição à execução, tal não acontecia no caso sub júdice, já que a obrigação exequenda era exigível.

O título que fundamenta a presente execução é uma sentença homologatória de uma transacção que foi celebrada entre as partes e na qual se fixou o prazo de trinta dias para o cumprimento das obrigações que ali foram assumidas pelos Executados/Apelantes.

Como decorre do disposto no art. 1248º do C.C., a transacção é um contrato por via do qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões e que, naturalmente, podem envolver a constituição de obrigações para uma ou ambas as partes. Embora sujeita a homologação judicial quando efectuada no âmbito de uma causa judicial que se encontra pendente, a transacção é a fonte das obrigações que, através dela, as partes constituíram e que a sentença reconhece nos precisos termos em que foram constituídas. De facto, a sentença homologatória limita-se a apreciar a validade da transacção, quer no que respeita ao seu objecto, quer no que respeita à qualidade das pessoas nela intervenientes (cfr. art. 300º, nº 3, do C.P.C.), assim o declarando e condenando ou absolvendo as partes nos seus precisos termos e, portanto, uma vez reconhecida a sua validade e uma vez homologada, é a transacção que define as obrigações nela assumidas e os termos em que irão ser cumpridas, correspondendo a sentença ao título executivo que reconhece a validade da transacção e das obrigações dela emergentes e com base no qual pode ser exigido o seu cumprimento coercivo por via da acção executiva.

Significa isto que o trânsito em julgado da sentença homologatória apenas interfere com a sua exequibilidade (sendo que, como dispõe o art. 47º, nº 1, do C.P.C., a sentença apenas constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo), sendo certo que, se a sentença for exequível (porque já transitou ou porque o recurso dela interposto tem efeito devolutivo), é a transacção que há-de definir como e quando a obrigação é exigível.

No caso sub júdice, a sentença homologatória já havia transitado à data em que foi proposta a execução e, portanto, era um título exequível que, como tal, poderia fundamentar uma acção executiva.  

No que toca à exigibilidade da obrigação, ficou estipulado na transacção que as obrigações ali assumidas pelos Réus (aqui Executados) seriam cumpridas no prazo de trinta dias e, porque nada se disse em contrário, esse prazo contava-se da data de celebração dessa transacção, como aconteceria com qualquer outro contrato.

Sendo assim, não encontramos quaisquer razões para considerar – como pretendem os Apelantes – que o prazo ali fixado para o cumprimento da obrigação apenas se conta a partir do trânsito em julgado da sentença.

A transacção foi celebrada em 23/02/2012 (e homologada na mesma data) e nela os aqui Executados obrigaram-se a cumprir as obrigações ali fixadas no prazo de trinta dias (ou seja, até 24/03/2012); uma vez decorrido esse prazo e independentemente do trânsito em julgado da sentença que homologou essa transacção, a obrigação era exigível e era exigível ainda que a sentença não pudesse ser imediatamente executada por não ter transitado em julgado e por ter efeito suspensivo o recurso dela interposto (e importa notar que, em regra, os recursos têm efeito devolutivo, não obstando, por isso, à imediata exequibilidade da sentença, nos termos do citado art. 47º).

Importa notar que a exigibilidade da obrigação não se confunde com a existência ou não de título executivo e, portanto, ainda que o credor não estivesse ainda munido de título exequível e não pudesse recorrer de imediato à acção executiva, tal não significaria, só por si, que a obrigação fosse inexigível.  

Concluimos, pois, em face do exposto que, à data em que foi instaurada a execução (27/03/2012) a sentença homologatória da transacção era um título exequível (sendo certo que não há notícia de ter sido objecto de qualquer recurso com efeito suspensivo) e a obrigação era exigível, porquanto já havia decorrido o prazo que as partes haviam estipulado para o respectivo cumprimento em transacção judicialmente homologada.

E, como parece claro, também não poderão proceder as considerações dos Apelantes relativamente ao disposto no art. 939º do C.P.C. e à alegada impossibilidade de se pronunciarem relativamente a qualquer outro prazo de cumprimento. De facto, a citada norma apenas se aplica quando o prazo para a prestação não esteja determinado no título executivo, o que não acontece no caso sub júdice, já que a sentença, remetendo para os termos da transacção, determinava o prazo de cumprimento (prazo que já havia decorrido) sem que houvesse lugar à fixação de qualquer outro prazo.

 Assim, e nesta parte, improcede o recurso.

Cumprimento parcial da prestação.

Insurgem-se ainda os Apelantes contra a decisão recorrida pelo facto de não ter atribuído relevância ao cumprimento parcial da obrigação que haviam invocado, dizendo, em suma, que o cumprimento parcial não é desprezível se tivermos em conta a avaliação do custo da prestação e as suas consequências posteriores sobre o património dos Executados.

Importa dizer que não sabemos sequer qual a parte da obrigação que teria sido cumprida, uma vez que os Executados não dizem expressamente quais os objectos que já retiraram e o título executivo também não os identifica claramente, já que dele apenas consta que os Réus (aqui Executados) se obrigam a deixar o prédio dos Autores livre de pertences seus, sem que identifique claramente esses pertences.

De qualquer forma, e como se diz na sentença recorrida, a retirada de alguns dos objectos que ali se encontravam (que nem estão devidamente identificados) não terá relevância bastante para justificar o prosseguimento da oposição, já que a avaliação do custo da prestação – a efectuar por perito (art. 935º, do C.P.C.) – não deixará de ponderar os objectos que ali se encontram e que terão que ser retirados e que, em rigor e face aos termos da transacção, serão todos os que lá se encontrarem, independentemente de estarem ou não identificados na acção declarativa, já que a obrigação assumida pelos Réus não foi a de retirar certos e determinados objectos, mas sim a de deixar o prédio totalmente livre de pertences seus.

Assim, e no que toca a esta questão, improcede o recurso.

Suspensão da execução.

No requerimento de oposição à execução, os Executados pediam ainda a suspensão da execução com fundamento na pendência de uma causa que, segundo alegam, seria prejudicial, já que, por via dela, pretendem obter a aquisição, por acessão industrial, da parcela de terreno onde está implantado o barracão, cuja demolição é objecto da presente execução.

Discordando da decisão que não decretou tal suspensão, alegam os Apelantes que estão reunidos os pressupostos para que tal suspensão seja decretada, na medida em que a acção que identificam é prejudicial em relação à execução onde se pretende a demolição do barracão.

Importa dizer, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não chegou a apreciar – a não ser em termos meramente hipotéticos – a questão de saber se estavam ou não reunidos os pressupostos para que pudesse ser decretada a suspensão da execução. Na realidade, o que se diz na decisão recorrida – e foi apenas com esse fundamento que a suspensão foi indeferida – é que a questão não poderia ser discutida e apreciada em sede de oposição à execução, na medida em que a causa alegadamente prejudicial não estava conexionada com a matéria da oposição e, portanto, tal suspensão (da execução e não da oposição) teria de ser invocada e discutida na própria execução.

É indiscutível que a acção em causa (onde se pede a aquisição, por acessão, da parcela de terreno onde está construído o barracão que é objecto da execução) não se relaciona com a matéria da presente oposição, onde apenas se invocava a inexigibilidade e inexequibilidade da obrigação exequenda, bem como o parcial cumprimento da prestação. É evidente, pois, que, na oposição à execução, não se suscitava nenhuma questão cuja decisão estivesse dependente do julgamento da acção acima mencionada (como seria necessário para que ocorresse a suspensão da instância na oposição). E – importa dizer – não era isso que os Executados pretendiam; o que pretendiam era a suspensão da execução por considerarem que a referida acção era prejudicial relativamente ao pedido formulado no processo de execução respeitante à demolição do barracão, e não por considerarem que era prejudicial relativamente a alguma questão que importasse decidir na presente oposição.

É certo, pois, que o pedido de suspensão da instância apenas se reporta ao processo de execução e não tem qualquer relação ou conexão com a matéria da oposição deduzida a tal execução.

Daí que a decisão recorrida tenha considerado que a oposição à execução não era o local próprio para analisar essa questão, que deveria ser invocada e discutida na própria execução.

Mas, independentemente da questão de saber se tal questão poderia ou não ser suscitada no âmbito da oposição à execução (apesar de se relacionar apenas com o processo de execução), a verdade é que tal suspensão não poderia ser decretada.

Vejamos porquê. 
Dispõe o art. 279º, nº 1, do C.P.C. que: “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Na tentativa de apurar em que consiste essa dependência ou prejudicialidade que é susceptível de determinar a suspensão da instância, dizia o Prof. Manuel de Andrade[1], que só existe verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discute, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, acrescentando, porém, que nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos, podendo considerar-se prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
Concordando com esse entendimento, o Prof. José Alberto dos Reis refere que “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir ou modificar o fundamento ou a razão da segunda…[2], referindo ainda que “sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta[3].
Em termos gerais, podemos afirmar a existência de prejudicialidade quando a decisão de uma causa possa afectar e prejudicar o julgamento de outra, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando “…na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito, quando a decisão de uma acção - a dependente - é atacada ou afectada pela decisão ou julgamento emitido noutra[4] ou quando “…numa acção já instaurada se esteja a apreciar uma questão cuja resolução tenha que ser considerada para a decisão da causa em apreço[5].
Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
De qualquer forma – e como decorre do disposto no art. 279º, nº 1, a suspensão motivada pela pendência de uma causa prejudicial supõe sempre que a causa dependente (a causa a suspender) tenha como objecto a apreciação e decisão de uma qualquer questão que possa, de algum modo, ser influenciada pela decisão a proferir na causa prejudicial. E é isso que não acontece na acção executiva propriamente dita (embora possa acontecer na oposição que lhe é deduzida), já que esta não tem como finalidade a decisão de uma causa, destinando-se apenas a dar efectiva satisfação a um direito que já foi declarado por sentença ou consta de um título executivo.
Aliás, no que toca a esta matéria, importa considerar o Assento de 24/05/1960[6], onde se estabeleceu que “a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284 do Codigo de Processo Civil” e em cuja fundamentação se refere o seguinte: “…onde não houver duas causas a decidir não tem funcionamento a primeira parte do artigo 284 do Codigo de Processo Civil; e, porque a execução não procura decidir, não pode ser suspensa de harmonia com essa regra. A tal respeito escreveu aquele Professor Doutor Reis, a paginas 274 do citado volume do Comentario:
"A primeira parte do artigo 284 não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não e decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito ja declarado por sentença ou constante de titulo com força executiva. Não se verifica, assim, no tocante a execução, o requisito exigido no começo do artigo: estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra ja proposta”.
Conforme tem sido entendido pela nossa jurisprudência, a doutrina fixada nesse Assento – apesar de estabelecido no domínio de outra legislação – mantém-se em vigor e, portanto, não é possível suspender o processo executivo com fundamento em causa prejudicial, porquanto nesse tipo de processo não existe qualquer causa a decidir que possa estar dependente do julgamento de outra[7].
A norma acima citada e, por conseguinte, a suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial apenas poderá ter aplicabilidade no âmbito da oposição à oposição e relativamente a questões que aí tenham que ser apreciadas e cuja decisão esteja dependente da decisão a proferir numa outra acção que se encontre pendente; tal suspensão não pode ser decretada no âmbito da própria acção executiva, com o único objectivo de suspender a satisfação coerciva da obrigação/prestação exequenda e sem que, em sede de oposição, tenha sido suscitada alguma questão cuja decisão esteja efectivamente dependente do julgamento de uma outra acção.
No caso sub júdice, não existe qualquer decisão a proferir que esteja dependente da decisão da causa que os Apelantes identificam e onde pedem a aquisição, por acessão, do direito de propriedade referente à parcela de terreno onde está implantado o barracão. Com efeito, na oposição à execução não é suscitada qualquer questão relacionada com essa temática e cuja decisão estivesse dependente da decisão a proferir naquela acção e na acção executiva propriamente dita (e é esta que os Apelantes pretendem ver suspensa) não existe já qualquer causa ou questão a decidir (como seria necessário para que fosse admissível a suspensão da instância com aquele fundamento); existe apenas uma causa já decidida por sentença (que homologou uma transacção celebrada entre as partes) e cujo cumprimento efectivo a execução visa assegurar e realizar.
 Assim, também nesta parte, o recurso não poderá deixar de improceder.

Improcede, pois, o recurso, na sua totalidade, confirmando-se a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Embora sujeita a homologação judicial, a transacção é um contrato que, como tal, constitui a fonte das obrigações que, através dela, as partes constituíram, limitando-se a sentença homologatória a apreciar a validade da transacção, reconhecendo e declarando os direitos e obrigações que nela foram constituídos e nos exactos termos em que o foram.

II – Tendo sido estipulado na transacção que uma determinada obrigação seria cumprida no prazo de trinta dias, esse prazo conta-se a partir da data da sua celebração e não a partir da data do trânsito em julgado da sentença homologatória.

III – O trânsito em julgado da sentença homologatória da transacção apenas interfere com a sua exequibilidade, nos termos que estão definidos na lei, pelo que, sendo a sentença exequível – porque dela não foi interposto recurso com efeito suspensivo – poderá ser exigido o cumprimento coercivo da obrigação, por via da acção executiva, caso a obrigação já seja exigível por ter decorrido o prazo de cumprimento que estava fixado na transacção, sendo irrelevante para a contagem desse prazo o trânsito em julgado da sentença homologatória.   
IV – Como se considerou no Assento de 24/05/1960, cuja doutrina continua a ser aplicável, a execução propriamente dita não pode ser suspensa com fundamento em causa prejudicial, porquanto nesse tipo de processo não existe qualquer causa a decidir que possa estar dependente do julgamento de outra (como pressupõe o art. 279º, nº 1, do C.P.C.), tratando-se apenas de dar efectiva satisfação a um direito que já foi declarado por sentença ou consta de um título executivo.
V – Assim, embora a suspensão da instância com esse fundamento possa ter lugar no âmbito da oposição à oposição, tal suspensão não pode ser decretada no âmbito da própria acção executiva, com o único objectivo de suspender a satisfação coerciva da obrigação/prestação exequenda e sem que, em sede de oposição, tenha sido suscitada alguma questão cuja decisão esteja efectivamente dependente do julgamento de uma outra acção.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Lições de Processo Civil, págs. 491 e 492.
[2] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, págs. 268 e 269.
[3] Ob. cit., pág. 206.
[4] Cfr. Ac. do STJ de 29/09/93, processo nº 084216, em http://www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Ac. do STJ de 06/07/2005, processo nº 05B1522, em http://www.dgsi.pt.
[6] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, podem ver-se, designadamente, os Acórdãos do STJ de 27/01/2010 (proc. nº 594/09.5YFLSB), de 16/04/2009 (proc. nº 09B0674) e de 31/05/2007 ( proc. nº 07B864); os Acórdãos da Relação do Porto de 24/05/2012 (proc. nº 3262/11.4T2OVR-A.P1) e de 04/05/2010 (proc. nº 300/04.0TBMBR-A.P1), bem como os Acórdãos da Relação de Coimbra de 12/07/2011 (proc. nº 5282/09.0T2AGD-A.C1), de 28/10/2008 (proc. nº 170-D/2001.C1) e de 07/07/2004 (proc. nº 2000/04), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.