Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4637/17.0T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
PROCESSO CRIME
INQUÉRITO
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 316, 323, 483, 498 Nº3 CC, 118 Nº1 C), 137 CP, 71, 72, 77, 262 CPP
Sumário: I - A abertura do inquérito pelo Ministério Público em consequência de acidente de viação não constitui causa de interrupção da prescrição prevista no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.

II - A possibilidade de o lesado deduzir o pedido cível, em separado, perante o tribunal cível, antes do encerramento do inquérito nos casos previstos nas alíneas a), c), f), g) e i) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP, não deve ser configurada como possibilidade efectiva do exercício do direito de indemnização, para efeitos do início do curso do prazo de prescrição.

III – Quando o inquérito for encerrado com despacho de acusação, o prazo de prescrição do direito de indemnização começa a correr com a notificação, ao lesado, do despacho de acusação.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

L (…), residente na rua (…)   (...) , propôs a presente acção declarativa com processo comum contra L (…)Seguros, S.A. com sede na (...) , (...) , pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de cento e oitenta mil euros [€ 180 000,00], a título de indemnização pela morte de C (…).

Na origem do pedido esteve o acidente de viação ocorrido em 17 de Outubro de 2010, ao Km 18 da Estrada Nacional n.º 242, na localidade da Moita, concelho da Marinha Grande, consistente numa colisão entre o motociclo de matrícula (...) VZ, conduzido por M (…), e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula, conduzido por M (…) e do qual resultou a morte de C (…), que seguia como passageiro do motociclo.

A ré foi demandada na qualidade de seguradora do motociclo, cujo condutor, segundo a autora, foi o culpado exclusivo do acidente.

A ré contestou. Na sua defesa alegou, além do mais sem interesse para o presente recurso, que a culpada pelo acidente foi a condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, M (…) ou, caso assim se não entendesse, sempre teria contribuído de forma série e evidente para ele.

Notificada, a autora requereu a intervenção principal nos autos de Z (…) – Companhia de Seguros e deduziu subsidiariamente contra ela o mesmo pedido que formulou contra a ré L (…). Justificou o requerimento de intervenção e a dedução do pedido subsidiário com a versão dos factos trazida ao processo pela ré L (…) e com o facto de, à data do acidente, a condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros ter a responsabilidade civil decorrente da circulação de tal veículo transferida para a chamada.

O tribunal a quo admitiu a intervenção nos autos de Z (…) S.A, na qualidade de ré.

Citada, a chamada contestou a acção. Na sua defesa alegou que o direito de indemnização invocado pela autora estava prescrito. A invocação da prescrição assentou na seguinte linha argumentativa:
1. Face à conduta que configurou a prática de um crime, o prazo de prescrição relativamente à acção cível é de 5 anos, nos termos do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil e dos artigos 137.º e 118.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal;
2. Tendo havido processo-crime e tendo a autora optado por deduzir a sua pretensão em separado através da acção cível, ocorreu uma interrupção do prazo prescricional até à dedução da acusação ou despacho de arquivamento na fase de inquérito ou despacho de pronúncia já na fase de instrução;
3. A contagem do prazo iniciou-se após o termo do prazo de 20 dias previsto no artigo 77.º do Código de Processo Penal [CPP] para a dedução do pedido de indemnização cível no processo criminal;
4. No processo comum singular n.º 1002/10.4 PAMGR, que correu termos pelo tribunal judicial de Alcobaça, foi proferido despacho de acusação no dia 27 de Setembro de 2011;
5. A autora foi notificada do mencionado despacho, bem como do prazo para deduziu pedido de indemnização cível, tendo assinado o aviso de recepção dos CTT no dia 28 de Setembro de 2011;
6. Após o decurso do prazo previsto no artigo 113.º, n.º 2, do CPP, relativo ao envio da notificação, iniciou-se o prazo de 20 dias para a autora deduzir pedido de indemnização cível nos autos, tendo o mesmo terminado no dia 20 de Outubro de 2011;
7. Após o decurso de tal prazo iniciou-se o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, que terminou em 20 de Outubro de 2016.

A autora, na resposta, sustentou que o direito não estava prescrito com a alegação de que o prazo de prescrição, que era de 5 anos, esteve interrompido até 4 de Fevereiro de 2015, data em que transitou a decisão proferida no processo-crime, e que o prazo de prescrição só terminaria em 4.02.2020.

O tribunal a quo julgou procedente a excepção de prescrição e, em consequência, absolveu a ré Z (…) do pedido.

As razões da decisão foram as seguintes:
1. O prazo de prescrição de 5 anos começou a contar-se no termo do prazo de 20 dias que a autora disponha para, na sequência da notificação de 28 de Setembro de 2011, apresentar o seu pedido de indemnização no processo-crime;
2. Não tendo sido alegada qualquer causa de interrupção ou suspensão desse prazo, desde então, o mesmo teve o seu termo em 20 de Outubro de 2016, estando totalmente decorrido aquando da citação da interveniente, em 14 de Março de 2018.

A autora não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição da decisão por outra que julgasse improcedente a excepção de prescrição e determinasse o prosseguimento dos autos relativamente à recorrida.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões consistiram, em resumo, na imputação à decisão recorrida da violação do disposto nos seguintes artigos do Código Civil: 316.º, 323.º, n.º 1, e 498.º. Esta imputação assentou na seguinte alegação:
1. O acidente rodoviário objecto dos presentes autos ocorreu em 20.10.2011 e deu origem a processo-crime;
2. Nesse processo foi proferida sentença que condenou um dos arguidos pela prática do crime de homicídio negligente;
3. A decisão transitou em julgado em 4 de Fevereiro de 2015;
4. A recorrida foi citada em 14 de Março de 2018;
5. O prazo de prescrição – 5 anos – apenas iniciou a sua contagem com o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida no processo-crime, ou seja, em 4 de Fevereiro de 2015, porque a instauração do processo-crime interrompe a prescrição do direito que o lesado tem de demandar os responsáveis cíveis e a interrupção mantém-se durante a pendência do processo-crime.

A ré respondeu, sustentando a manutenção da decisão recorrida.


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso:

A questão essencial suscitada pelo recurso é a de saber se, ao julgar procedente a excepção de prescrição, a decisão sob recurso violou as normas indicadas pela recorrente.


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Os factos que relevam para a decisão do recurso são os seguintes, discriminados na decisão recorrida:
1. C (…) faleceu em 17.10.2010, na sequência de acidente de viação ocorrido nessa data.
2. Na sequência desse falecimento correu termos sob o n.º 1002/10.4PAMGR, processo-crime, no qual M (…) e M (…) foram acusados, em 26 de Setembro de 2011, pela prática de crime de homicídio por negligência.
3. A aqui autora, na qualidade de lesada, foi notificada da dedução dessa acusação, em 28.09.2011, para, querendo, se constituir assistente ou para aí deduzir pedido de indemnização cível, no prazo de 20 dias, o que não fez.
4. Foi realizado julgamento, no âmbito do identificado processo, tendo aí sido proferida sentença, em 5-01-2015, na qual aquela primeira arguida foi absolvida e o segundo arguido condenado, pela prática de crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução. A sentença transitou em julgado em 4 de Fevereiro de 2015.
5. A aqui interveniente não foi parte nesse processo.
6. A interveniente Z (…)foi citada nos presentes autos no dia 14 de Março de 2018.             

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Fundamentação de direito

Descritos os factos passemos à resolução da questão acima enunciada: saber se, ao julgar procedente a excepção de prescrição, a decisão sob recurso violou as normas indicadas pela recorrente.

A resposta a esta questão passa por tomar posição quanto às seguintes questões:
1. A questão do prazo da prescrição, ou seja, a questão do lapso de tempo estabelecido na lei para a autora exigir, à ré Z (…), indemnização pela morte de C (…) em consequência do acidente de viação ocorrido em 17 de Outubro de 2010;
2. A questão do início do curso da prescrição.  

Apesar de o prazo de prescrição não estar em discussão no presente recurso, pois a recorrente não põe em causa o entendimento da decisão recorrida segundo o qual o prazo era de 5 anos, por aplicação do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, combinado com o n.º 1 do artigo 137.º do Código Penal e com o artigo 118.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma, importa no entanto dizer o seguinte sobre ele.

Este tribunal concorda que o prazo de prescrição é de 5 anos, embora por razões diferentes das expostas na sentença. Vejamos.

Na sentença entendeu-se que o prazo era o de 5 anos, tendo em conta, por um lado, o disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil e, por outro, o facto de o condutor do motociclo envolvido no acidente de viação em discussão nos autos – M (…)– ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1 do CPC, e o facto de o prazo de prescrição do procedimento quanto a este crime ser de 5 anos, conforme decorria do artigo 118.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

Esta razão estaria certa se a responsabilidade civil que a autora pretende efectivar contra a ré Z (…) fosse a do condutor do motociclo. Não é, no entanto, esta a responsabilidade que está em causa. A responsabilidade que conta é a da condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, M (…)pois é a obrigação de indemnização desta condutora que está garantida pela chamada à acção.

Assim sendo, para efeitos n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, o facto cuja ilicitude criminal determina o alongamento do prazo de prescrição há-de ser um facto imputável a tal condutora. Este facto existe, mas não foi alegado pela autora; foi invocada pela ré L (…) na contestação, como meio de defesa. Foi esta quem alegou que a responsabilidade exclusiva pelo acidente cabia à condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros ou que, pelo menos, contribuiu “de forma séria e evidente para a produção do acidente em apreço nos autos” [artigo 41.º da contestação].

Sucede que a autora baseou em tal facto o pedido que deduziu contra a Z (…) [para o caso de não proceder o pedido contra a ré L (…)] e que tal pretensão foi admitida pelo tribunal a quo, por decisão transitada em julgado.

Ora a versão dos factos trazida ao processo pela primitiva ré configura um crime de homicídio por negligência, previsto no n.º 1 do artigo 137.º do Código Penal, imputável à condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros.

Assim sendo, é de concluir que o prazo de prescrição do direito de indemnização que a autora pretende efectivar contra a Z (…) é de 5 anos por aplicação combinada do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, do n.º 1 do artigo 137.º do Código Penal e da alínea c) do n.º 1 do artigo 118.º, do mesmo diploma.

Observe-se que a circunstância de a condutora do veículo ligeiro de passageiros ter sido absolvida no processo penal não impede que a ré L (…)ou a própria autora demonstrem, na presente acção cível, que o acidente foi imputável a tal condutora, pois nos termos do n.º 1 do artigo 624.º do CPC, “a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados constitui, em qualquer acção de natureza cível, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário”.      

Posto isto, tomemos posição quanto à questão do início do curso da prescrição, pois é em relação a esta questão que há divergência da recorrente em relação ao que foi decidido.

Os termos da divergência são os seguintes:
1. A decisão recorrida, secundada pela ré Z (…), ora recorrida, entendeu que a prescrição começou a correr no termo do prazo de 20 dias de que a autora dispunha, na sequência da notificação do despacho de acusação proferido no processo penal, para apresentar o seu pedido de indemnização no processo-crime, concretamente em 20 de Outubro de 2011 (n.º 2 do artigo 77.º do CPP);
2. A recorrente sustenta que a prescrição só começou a correr depois do trânsito em julgado da sentença proferida no processo penal, o que aconteceu em 4 de Fevereiro de 2015. Segundo a recorrente, a instauração do inquérito criminal interrompeu o prazo de prescrição, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do CC, e esta interrupção manteve-se até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo-crime.

Pese embora o respeito que nos merece, a posição da recorrente não tem amparo em nenhuma das normas que citou [n.º 1 do artigo 306.º, n.º 1 do artigo 323.º e n.º 3 do artigo 498.º, todos do Código Civil].

Em primeiro lugar, não tem sentido imputar à decisão recorrida a violação do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil porque esta norma responde à questão do prazo da prescrição e a recorrente não põe em causa o entendimento da decisão quanto a tal questão.

Em segundo lugar, não tem amparo no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil a alegação de que o processo-crime interrompeu a prescrição. Com efeito, nos termos de tal artigo, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” e a abertura do inquérito pelo Ministério Público em consequência do acidente de viação não exprimiu, nem directa nem indirectamente, a intenção de a autora exercer o direito de indemnização contra a Z (…). Segundo o n.º 1 do artigo 262.º do Código de Processo Penal, a finalidade do inquérito é apurar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação. A favor do entendimento de que a abertura do inquérito não interrompe a prescrição, ao abrigo do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, cita-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Janeiro de 1997, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, Tomo I – 1997, páginas 59 a 62. 

Em terceiro lugar, a pretensão da recorrente no sentido de que o prazo de prescrição começou a correr após o trânsito em julgado da decisão proferido no processo penal não tem amparo no n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, na parte em que estabelece que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

Como observa Jacinto Rodrigues Bastos, em Notas ao Código Civil, Lisboa 1988, página 70, a propósito do n.º 1 do artigo 306.º, “o impedimento ao exercício do direito que serve de causa obstativa ao início da prescrição deve ser de ordem jurídica, e não de ordem material”.

Deste modo, a razão estaria do lado da recorrente se ela só pudesse exercer efectivamente o direito de indemnização contra a Z (…) pela responsabilidade da condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros depois de transitar em julgado a decisão proferida no processo penal, onde M (…)estava acusada da prática de um crime de homicídio por negligência.

Esta condição não está verificada. A autora podia ter exercido tal direito sem quaisquer impedimentos de natureza jurídica após ter sido notificada do despacho de acusação, o que aconteceu em 28 de Setembro de 2011. Vejamos.

Como é referido, tanto na sentença como na alegação da recorrida, a abertura do inquérito impedia, em princípio, a autora de deduzir pedido de indemnização. Com efeito, dizendo o artigo 71.º do CPP [princípio da adesão da acção cível à acção penal] que o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, dele resulta que o lesado tem o direito de exercer a acção cível no processo penal e, consequentemente, o direito de aguardar pelo encerramento do inquérito para tomar uma decisão sobre o pedido de indemnização cível.

Daí que, no entender deste tribunal, a possibilidade de o lesado deduzir o pedido em separado, perante o tribunal cível, antes do encerramento do inquérito nos casos previstos nas alíneas a), c), f), g) e i) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP não devam ser configurados como possibilidade efectiva do exercício do direito de indemnização, para efeitos do início do curso do prazo de prescrição. Esta interpretação tem sido afirmada em várias decisões do Supremo Tribunal de Justiça. Citam-se, a título de exemplo, além do acórdão indicado na decisão recorrida [acórdão proferido em 22 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 2565/16.6T8PTM, publicado em www.dgsi.pt], o acórdão proferido em 31 de Maio de 2007, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XV, Tomo I/2007, páginas 54 a 57, e o acórdão proferido em 22-05-2013, no processo n.º 2024/05.2TBAGD, publicado em www.dgsi.pt.

Segue-se do exposto que num caso como o dos autos em que o inquérito foi encerrado com despacho de acusação contra a condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros (M (…)), o prazo de prescrição do direito de indemnização da autora contra a ré Z (…) começou a correr com a notificação, à autora, em 28-09-2011, do despacho de acusação. E começou a correr com tal notificação porque partir dela, a autora passou a ter a possibilidade de exercer, sem quaisquer impedimentos de natureza jurídica, o direito de ser indemnizada pela ré Z (…) com fundamento nos factos imputados à condutora do ligeiro de passageiros.

Em primeiro lugar, passou a poder exercê-lo no processo penal dentro do prazo de 20 dias, a contar da notificação que lhe foi feita, do despacho de acusação para, querendo, deduzir, o pedido em tal prazo. Tal possibilidade era-lhe reconhecida pelo n.º 2 do artigo 77.º do CPP.

Em segundo lugar, a partir de tal notificação, passou a poder exercê-lo fora do processo penal. Esta possibilidade tinha cobertura na alínea f) do n.º 1 do artigo 72.º, do CPP, combinada com a alínea a) do n.º 1 do artigo 64.º do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, segundo o qual as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório.

Se a autora não exerceu o direito de indemnização – e na realidade não o exerceu – foi por opção sua, pois, repete-se, do ponto de vista jurídico, não havia nenhuma circunstância que a obrigasse a esperar pelo trânsito em julgado da decisão proferida no processo comum para então propor acção cível contra a ora ré.

Segue-se do exposto que o prazo de prescrição do direito que a autora quer efectivar contra a ré Z (…) começou a correr no dia da notificação do despacho da acusação e não, como sustenta a recorrente, quando a decisão proferida no processo penal transitou em julgado. E, assim, o prazo de prescrição de 5 anos, computado nos termos previstos na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, terminou no dia 28 de Setembro de 2016. 

Visto que a autora exerceu o seu direito em 23 de Janeiro de 2018 e que o exercício deste direito só produziu efeitos em relação à ré, com a citação dela em 14 de Março de 2018 (1.ª parte do n.º 2 do artigo 259.º do CPC), é isento de dúvida que a autora não exerceu o direito de indemnização em causa durante o lapso de tempo estabelecido na lei.

Pelo exposto, ao julgar procedente a excepção de prescrição, a decisão recorrida não violou as normas indicadas pela recorrente.  

Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Visto o disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a recorrente ter ficado vencida no recurso, condena-se a mesma nas custas, restritas às custas de parte.

Coimbra, 8 de Maio de 2019.

Emídio Santos ( Relator)

Catarina Gonçalves

Ferreira Lopes