Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1250/20.9T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
SUSPENSÃO DO TRABALHO COM PERDA DE RETRIBUIÇÃO
CARÁTER ABUSIVO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 253.º, 328.º, N.º 3, ALÍNEA C), 330.º, N.º 2, E 331.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – A aplicação das sanções disciplinares deve observar o princípio da proporcionalidade tendo em conta a gravidade da infracção e a culpabilidade do infractor.

II – A ratio legis do carácter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de a verdadeira razão da aplicação da sanção disciplinar se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador.

III – A sanção não é abusiva, quando não está demonstrado que subjacente ao exercício do poder disciplinar se encontrava uma medida de retaliação da entidade empregadora face ao exercício de direitos por parte do trabalhador.

IV – O exercício do poder disciplinar por parte da empregadora compreende dois momentos: o da decisão/determinação da aplicação da sanção, num primeiro momento, e o da aplicação da mesma, num momento necessariamente posterior, pelo que só a efectiva execução da sanção de suspensão do trabalho com perda de retribuição, cuja prova compete ao trabalhador, faz nascer o direito deste a receber da ré as quantias que deixou de auferir durante o tempo de suspensão.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação 1250/20.9T8GRD.C1.

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva.


*****

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I- AA, residente na Avenida ..., ..., ..., ..., veio intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “A...”, com sede na Avenida ..., ..., pedindo que a sanção disciplinar aplicada pela ré à autora seja declarada ilícita, com a sua consequente anulação, e por via disso, que a ré seja condenada a retirar tal sanção do registo disciplinar da autora e a indemnizar a autora pelo prejuízo patrimonial causado com a sua execução, no valor de €1.838,88, assim como que a ré seja condenada a pagar à autora uma indemnização pela aplicação de sanção abusiva no valor de €18.388,80, acrescida dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Mais requer, à cautela, e caso se venham a considerar provados quaisquer factos susceptíveis de integrar algum dos ilícitos disciplinares imputados pela ré à autora, que a sanção aplicada seja reduzida em face do princípio da proporcionalidade, ou substituída por outra que se ajuste à prova produzida.

Alegou para tanto, e em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que foi admitida ao serviço da ré para exercer as funções de técnica auxiliar de serviço social, tendo sido notificada em 14.09.2020 da nota de culpa remetida pela ré, tendo respondido à mesma em 25.09.2020, após o que foi notificada da decisão final, em 09.10.2020, nos termos da qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 30 dias.

Mais alegou que a sanção aplicada é abusiva, atenta a sua natureza persecutória, razão pela qual deverá a autora ser indemnizada, num valor que computa em €9.194,40, devendo ainda ser a ré condenada a pagar-lhe o prejuízo patrimonial sofrido, no valor de €919,44, sendo que, à cautela, e no caso de se provarem os ilícitos disciplinares imputados pela ré à autora, deverá a sanção disciplinar aplicada ser reduzida ou substituída por outra.


+

Frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes foi a ré notificada para contestar.

Foi ainda proferido despacho a determinar a apensação aos presentes autos do Proc. n.º 1434/20.....


+

A ré deduziu contestação (em ambos os processos), impugnando, na sua maioria, os factos alegados pela autora, mais referindo, em síntese, que devem ser mantidas as sanções disciplinares aplicadas e que os pedidos formulados pela autora deverão ser julgados improcedentes por não provados.

***

II – Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, fixou-se o valor da causa, o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, tendo-se procedido à reformulação do objecto do litígio e dos temas da prova.

No prosseguimento dos autos veio, a final, a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, decidindo-se declarar ilícitas as sanções disciplinares aplicadas à autora AA (suspensão com perda de retribuição e antiguidade equivalente a 60 e 30 dias, respectivamente) e, consequentemente:

a) Condenar a ré A... a:

- Pagar à autora a quantia total de 1.838,88, correspondente ao período de suspensão de 60 dias;

- Pagar à autora a quantia total de 919,44, correspondente ao período de suspensão de 30 dias;

- Repor os dias de suspensão para efeito de antiguidade da autora;

- Sobre estas quantias acrescem juros à taxa de 4%, desde a data do vencimento das prestações em causa, até efectivo e integral pagamento.

b) Absolver a ré do demais peticionado pela autora.


***

III – Não se conformando com esta decisão dela a ré veio apelar, alegando e concluindo:

1. A sanção disciplinar de 60 dias de suspensão por ter chamado no local e em horário de trabalho à colega “puta de merda” e “puta do caralho” não é excessiva, sobretudo quando tais expressões integram o crime de injúrias, de que poderia resultar despedimento com justa causa, e não ficou provada qualquer circunstância atenuante ou justificação para esse comportamento.

2. Embora o tribunal possa apreciar a legalidade da sanção aplicada, está-lhe vedado interferir, a não ser em casos flagrantes, com o poder disciplinar da empregadora e na medida das penas que esta aplica.

3. A sanção disciplinar de 30 dias de suspensão por ter faltado ao trabalho sem justificação nos dias 28, 29 e 30 de Julho de 2020, desculpada pelo tribunal por a autora, em 21 de Julho de 2020, ter avisado a directora técnica de que, “com muita probabilidade a baixa” que terminaria a 27 de Julho lhe seria prorrogada, não chega para cumprir o dever de comunicação da falta, uma vez que se não provou que a directora técnica tivesse responsabilidades na elaboração de horários ou que a informação de que a autora poderia faltar tivesse chegado ao conhecimento da direcção da ré.

4. Não ficou demonstrado que a autora tenha efectivamente cumprido as sanções disciplinares que lhe foram aplicadas, não podendo ser a ré condenada a pagar à autora a retribuição que esta deixou de auferir, se não se demonstrou que deixou de auferir as retribuições correspondentes aos períodos de suspensão.

5. Violou a douta sentença recorrida os artigos 118.º, 253.º e 351.º do Código do Trabalho.

Termos em que deverá ser revogada a douta sentença, sendo confirmadas as sanções disciplinares objecto deste recurso e sendo, em qualquer caso, absolvida a ré da condenação no pagamento das indemnizações.


+

Também a autora, inconformada, veio apelar alegando e concluindo:

I- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos, e datada de 09.10.2022, na parte em que a mesma deu como provados os factos alegados pela ré/recorrida relativos à infracção disciplinar relacionada com a colega da autora/recorrente, BB, e bem assim, na parte em que o tribunal o quo considerou que as sanções disciplinares aplicadas, apesar de ilícitas, não eram abusivas, absolvendo a ré/recorrida das respectivas indemnizações peticionadas.

II- A recorrente julga que foram incorrectamente julgados, pelo tribunal a quo, os seguintes pontos da matéria de facto:

1) Considera a recorrente que, na sentença recorrida, jamais deveria ter sido julgado provado o facto 8), que dá por verificado o seguinte: “No dia 14 de Maio de 2020, a hora não concretamente apurada, mas após as 18h00, depois de a autora ter despejado uma panela de sopa numa sanita situada na casa-de-banho dos utentes, ao lado da cozinha, a funcionária da ré, BB, que ali passava, disse para a autora “ai agora deita-se sopa na sanita”, após o que a autora lhe disse “cala a boca, sua puta de merda e puta do caralho”.

2) Considera a recorrente que, na sentença recorrida, não devia também ter sido julgado provado o facto 9), que dá por verificado o seguinte: Interpelada pela funcionária da ré, BB, sobre o que tinha acabado de dizer, a autora disse: agora já me podem despedir, tendo, na sequência do ocorrido, sido confrontada nesse mesmo dia, pelo Presidente da Direcção da ré sobre o sucedido.

3) Relativamente aos factos provados, considera ainda a recorrente que, na sentença recorrida, não devia ter sido considerado provado o facto 10), que dá por verificado o seguinte: A autora, ao proceder da forma descrita em 8), violou os deveres de respeito, probidade e urbanidade que são devidos tanto à colega de trabalho da autora, BB, como à ré.

4) Por seu turno, relativamente aos factos considerados pelo tribunal a quo como não provados, entende a recorrente que o facto constante sob a alínea d) deveria ter sido considerado provado, nos termos seguintes: “Foi na sequência da remessa pela autora, no dia 06.06.2020, para a Autoridade para as Condições do Trabalho ..., de uma participação dos factos de que tem vindo a ser vítima por parte do Presidente da Direcção da ré, que a ré decidiu instaurar os dois processos disciplinares contra a autora.

5) Deveria ainda ter sido considerado como provado o facto constante na sentença sob a alínea e) dos factos não provados, nos termos seguintes: De entre tais factos, melhor descritos na referida participação, contam-se situações em o Presidente da Direcção da ré, reiteradamente, ofende a dignidade da autora, faz com que o local de trabalho constitua para si um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador, o que muito a tem afectado emocional e psicologicamente e fez com que, desde o dia .../.../2020 até ao dia 10.09.2020, estivesse de baixa médica.

6) Deveria também ter sido considerado como provado o facto constante na sentença sob a alínea f) dos factos não provados, nos termos seguintes: Neste âmbito, considerou o Presidente da Direcção da ré que a autora o teria prejudicado com o seu depoimento, e a partir dessa altura retirou-lhe as funções de coordenação que desempenhava no Departamento de Saúde e Bem-estar, com a consequente perda no seu salário do respectivo subsídio de coordenação, no valor de 30,00 euros.

7) Por fim, considera a recorrente que deveria ter sido considerado como provado o facto constante na sentença sob a alínea g) dos factos não provados, nos termos seguintes: “A ré, com a instauração do processo disciplinar à autora, pretendeu assumir uma postura de retaliação face ao exercício, pela autora, dos seus direitos.

III- Estes são os concretos pontos de facto que a recorrente considera como incorrectamente julgados, e para sustentar esta posição, passemos à análise dos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, nomeadamente, as concretas passagens dos depoimentos e declarações reproduzidos em sede de audiência de discussão e julgamento das testemunhas e legal representante da recorrida (concretas passagens essas, distribuídas de acordo com a matéria factual que se impugnou identificada pelos respectivos números).

IV- Versando sobre o Ponto A) da motivação do presente recurso, para fundamentar a impugnação da matéria de facto que ficou indicada supra nos pontos 1), 2) e 3) e o sentido em que a mesma devia ter sido valorada pelo tribunal a quo, ou seja, como factos não provados ao invés de os ter considerado provados, atente-se no depoimento prestado pela testemunha CC (cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220125104125_926272_2870897, com início pelas 10 horas e 09 minutos (duração - 00:00:01 até 00:27:47), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 25.01.2022, na concreta passagem que ora se indica: - desde o minuto 03:30 e até ao minuto 06:45; Atente-se ainda no depoimento prestado pela testemunha BB, cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220315101657_926272_2870897, com início pelas 09 horas e 54 140 de 826 minutos (duração - 00:00:01 até 00:37:43), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 15.03.2022, nas concretas passagens que agora se indicam: - desde o minuto 02:40 e até ao minuto 03:38; - desde o minuto 05:13 e até ao minuto 06:07; - desde o minuto 07:50 e até ao minuto 08:20; - desde o minuto 29:24 ao minuto 30:40 e ainda desde o minuto 31:15 e até ao minuto 32:30; - desde o minuto 16:15 e até ao minuto 16:25; Atente-se ainda no depoimento prestado pela testemunha DD, cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220315122054_926272_2870897, com início pelas 11 horas e 30 minutos (duração - 00:00:01 até 00:09:05), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 15.03.2022, na concreta passagem que agora se indica: - desde o minuto 08:25 e até ao minuto 07:38; Por fim, nesta parte, atente-se no depoimento de parte prestado pelo legal representante da ré/recorrida, Senhor Professor EE, cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220517141047_926272_2870897, com início pelas 13 horas e 50 minutos (duração - 00:00:01 até 00:39:44), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 17.05.2022, na concreta passagem que agora se indica: - desde o minuto 03:30 e até ao minuto 04:15.

V- As concretas passagens indicadas, na perspectiva da recorrente, mostram que o tribunal a quo deveria ter julgado como não provados os factos referentes a este episódio relacionado com a funcionária da recorrida, BB, nomeadamente, que a recorrente lhe tivesse dito “cala a boca sua puta de merda e puta do caralho”, e bem assim, que a recorrente tivesse dito “agora já me podem despedir”, e também que a recorrente tivesse violado deveres de respeito, probidade e urbanidade, devidos àquela colega de trabalho, isto porque os depoimentos prestados pelas testemunhas que confirmam tais expressões (não sendo sequer reproduzidas, na íntegra, da forma elencada nos autos) não se revelam, salvo melhor opinião, minimamente credíveis à luz das regras de experiência comum.

VI- Desde logo, importa salientar que do depoimento da testemunha CC, que se encontrava presente no momento em que os factos alegadamente teriam ocorrido, refere que não é verdade que a recorrente tenha proferido aquelas expressões, salientando a testemunha que foi pressionada pelo Diretor da recorrida a dizer que as tinha ouvido, sendo inclusivamente alertada para o facto de o seu contrato de trabalho estar a terminar, o que foi entendido pela testemunha como uma ameaça.

VII- Por outro lado, salienta-se o facto de a testemunha BB fazer questão de mencionar no seu depoimento que deixou a chamada telefónica em curso na sequência de um telefonema que fez ao Senhor Professor (representante legal da recorrida), a relatar factos relacionados com a pressão que sentia na Instituição, e que, por via desse facto, ele poderá ter ouvido as expressões que a recorrente lhe teria dirigido, referindo, no entanto, que não sabe se ele ouviu efectivamente porque nunca falaram disso.

VIII- Desde logo, para além de ser muito conveniente expor os factos desta forma, na medida em que ficou o caminho aberto para que o referido legal representante da recorrida o viesse a confirmar, como efectivamente fez, no seu depoimento, questiona-se: Se nunca falaram disso, não sabendo a testemunha se o legal representante da recorrida ouviu ou não as expressões, qual seria a relevância de contar ao tribunal esse pormenor? Na perspectiva da recorrente, salvo melhor opinião, tal apenas poderá dever-se ao facto de a testemunha se encontrar instruída nesse sentido para que a versão da recorrida contra a recorrente saísse reforçada.

IX- Também o legal representante da recorrida, no seu depoimento de parte, confirmou que ouviu, por via da referida chamada telefónica, as expressões imputadas à recorrente, mas não mencionou que falou previamente com a testemunha BB, tal como esta relatou ao tribunal sobre um alegado primeiro telefonema que não teria sido desligado.

X- O legal representante disse apenas que recebeu o telefonema, atendeu e começou logo a ouvir a conversa, pormenor que nos remete para uma versão flagrantemente encenada e que apresenta contradições, na medida em que a testemunha BB referiu ao tribunal que falou efectivamente, num primeiro momento, com o legal representante da recorrida para lhe transmitir que não aguentava a pressão, e que teria colocado o telefone no bolso sem desligar o telefonema, e o referido legal representante da recorrida não contou os factos dessa mesma forma.

XI- Esta diferente dinâmica dos factos traduz a fragilidade dos depoimentos em questão.

XII- Acresce que, a forma como a testemunha BB relatou os factos ao tribunal incluiu pormenores que assentavam propositadamente na intenção de reforçar a versão da recorrida, conforme supra exposto, e para além disso, tendo a mencionada testemunha sido questionada sobre se gostaria de voltar a trabalhar naquela instituição, respondeu a mesma de uma forma que deixa todos os cenários em aberto, pelo que, admitindo que possa voltar a trabalhar para a aqui recorrida, naturalmente não pretende ficar de más relações com a Instituição, razão pela qual, não se pode concordar com a convicção do tribunal a quo, que ficou convencido de que, não tendo a testemunha qualquer relação laboral com a ré/recorrida, nada teria a perder ou a ganhar em apresentar uma versão que beneficie ou prejudique a ré/recorrida.

XIII- O tribunal a quo alude ainda à testemunha DD para salientar que ouviu uma discussão entre a autora e a testemunha BB, não sabendo esta testemunha concretizar o teor de tal discussão, tendo ouvido apenas a palavra “puta”, referido que tal expressão fora proferida pela autora, aqui recorrente.

XIV- Não obstante, a própria Meritíssima Juiz do tribunal a quo constata que esta testemunha DD não conseguiu concretizar nada e que apenas ouviu a expressão “puta”, pelo que, para além da falta de espontaneidade e concretização deste depoimento, este é só mais um que não devia ter sido valorado como credível pelo tribunal a quo, pelo facto de proceder de uma funcionária da recorrida, que apoia esta última, e tem uma relação de subordinação com a mesma, devendo tal depoimento ser perspectivado com sérias dúvidas e reservas.

XV- Por todos estes motivos, entende a recorrente que jamais deviam ter sido dados como provados, pelo tribunal a quo, aqueles factos indicados nos prontos 8), 9) e 10) da sentença recorrida, na medida em que que os concretos meios probatórios que permitiram a formação da convicção pelo tribunal contêm contradições e uma versão que se demonstrou ser manifestamente encenada, e resultaram ainda de algumas testemunhas que estão numa relação de dependência da recorrida, pelo que, a sentença recorrida deveria ter dado por verificado que a recorrente não praticou qualquer infracção disciplinar, facto que tem o seu relevo para o apuramento da segunda questão que constitui objecto do presente recurso, que é a de saber se as sanções disciplinares aplicadas, apesar de ilícitas, foram também abusivas.

XVI- Versando agora sobre o Ponto B) da motivação do presente recurso, para fundamentar a impugnação da matéria de facto que ficou indicada supra nos pontos 4), 5), 6) e 7) e o sentido em que a mesma deveria ter sido valorada pelo tribunal a quo, ou seja, como factos provados ao invés de os ter considerado como não provados, atente-se no depoimento prestado pela testemunha CC (cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220125104125_926272_2870897, com início pelas 10 horas e 09 minutos (duração - 00:00:01 até 00:27:47), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 25.01.2022, nas concretas passagens que ora se indicam: - desde o minuto 08:44 e até ao minuto 10:50; - desde o minuto 11:28 e até ao minuto 12:40; - desde o minuto 14:00 e até ao minuto 15:10; - desde o minuto 15:28 e até ao minuto 15:35; - desde o minuto 15:40 e até ao minuto 16:15; Atente-se no depoimento prestado pela testemunha FF (cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220125111000_926272_2870897, com início pelas 10 horas e 19 minutos (duração - 00:00:01 até 00:09:19), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 25.01.2022, na concreta passagem que ora se indica: - desde o minuto 04:15 e até ao minuto 06:02; Atente-se no depoimento prestado pela testemunha GG (cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220125112000_926272_2870897, com início pelas 10 horas e 47 minutos (duração - 00:00:01 até 00:27:49), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 25.01.2022, nas concretas passagens que ora se indicam: - desde o minuto 05:01 e até ao minuto 05:40; - desde o minuto 06:00 e até ao minuto 06:10; - desde o minuto 07:20 e até ao minuto 08:20; - desde o minuto 13:40 e até ao minuto 15:04; Atente-se no depoimento prestado pela testemunha HH (cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220125114830_926272_2870897, com início pelas 11 horas e 30 minutos (duração - 00:00:01 até 00:41:35), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 25.01.2022, nas concretas passagens que ora se indicam: - desde o minuto 07:18 e até ao minuto 8:08; - desde o minuto 08:40 e até ao minuto 09:33; - desde o minuto 09:38 e até ao minuto 10:35; - desde o minuto 11:38 e até ao minuto 12:26; - desde o minuto 13:05 e até ao minuto 14:10; - desde o minuto 14:35 e até ao minuto 14:42; - desde o minuto 15:23 e até ao minuto 16:17; - desde o minuto 16:43 e até ao minuto 17:00; - desde o minuto 40:58 e até ao minuto 41:15; Atente-se no depoimento prestado pela testemunha II (cujo depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20220315094502_926272_2870897, com início pelas 09 horas e 06 minutos (duração - 00:00:01 até 00:21:06), por referência à ata de Audiência de discussão e Julgamento de 15.03.2022, nas concretas passagens que ora se indicam: - desde o minuto 04:58 e até ao minuto 6:45; - desde o minuto 07:17 e até ao minuto 07:23; - desde o minuto 10:20 e até ao minuto 11:00; - desde o minuto 12:00 e até ao minuto 12:30; - desde o minuto 12:33 e até ao minuto 12:48; - desde o minuto 12:50 e até ao minuto 13:18; - desde o minuto 13:33 e até ao minuto 13:41; - desde o minuto 13:52 e até ao minuto 14:42.

XVII- As concretas passagens indicadas mostram que o tribunal a quo deveria ter julgado como provado que, foi na sequência de a recorrente ter participado os factos de que estava a ser vítima à Autoridade para as Condições do Trabalho, e em geral, ter pretendido invocar os seus direitos e garantias, que a recorrida lhe aplicou as sanções disciplinares em causa nos autos e devia também o tribunal a quo ter dado como provado que, o Presidente da Direcção da recorrida adoptou uma postura de ofensa à dignidade da autora e humilhação no seu local de trabalho, que lhe retirou as funções de coordenação que desempenhava no Departamento do Saúde e Bem-Estar, e ainda que, com a instauração dos processos disciplinares, a recorrida pretendeu assumir uma postura de retaliação face ao exercício, pela recorrente, dos seus direitos.

XVIII- Estes factos resultam, na perspectiva da recorrente, de forma clara dos depoimentos das testemunhas CC, GG, HH e II, que de forma credível e unânime, descreveram ao tribunal que, depois de a recorrente ter prestado o seu depoimento no âmbito de um processo que correu em tribunal contra a recorrida, o representante legal da recorrida deixou de dirigir a palavra à recorrente, dando-lhe ordens por intermédio da directora técnica, o que só por si, deverá necessariamente ser considerado factor de humilhação.

XIX- Estas testemunhas referiram também que o representante legal da recorrida se dirigia à recorrente, perante todas as funcionárias, como “ratazana de esgoto”, ou simplesmente “ratazana”, tendo resultado também, do depoimento isento e credível da testemunha FF, que o Presidente da Direcção da recorrida se havia referido, perante ele e outra utente, à aqui recorrente como “monstro” nas circunstâncias supra melhor descritas que resultam do depoimento desta testemunha.

XX- O facto de o representante legal da recorrida submeter a recorrente, no seu local de trabalho, a estas situações, não pode ter outra designação, salvo melhor opinião, que não seja humilhação, degradação, intimidação, desestabilização no local de trabalho.

XXI- Acresce que, as referidas testemunhas referem todas também que as funções da recorrente foram alteradas, por determinação da recorrida, e contra a vontade da recorrente, que aliás manifestava o seu descontentamento face a tal situação.

XXII- Mais, resulta expressamente do depoimento da testemunha HH que a recorrente foi destituída das suas funções de coordenação depois de prestar o seu depoimento em tribunal no processo contra a recorrida, dizendo também que o Senhor Presidente tinha feito uma reunião com todas as coordenadoras logo após esse depoimento da recorrente, na qual referiu que esta era uma mentirosa compulsiva, factos que, concatenados com os recibos de vencimentos que se encontram nos autos com a participação enviada ao ACT junta com a petição inicial – dos quais resulta inequivocamente que a partir do mês de Dezembro de 2019, desapareceu do vencimento da recorrente a rubrica, no valor de 30,00 euros, correspondente às funções de coordenação – permitiam, sem qualquer dúvida, que o tribunal a quo desse como provado o facto constante a alínea f) da sentença recorrida.

XXIII- Por outro lado, importa salientar que as testemunhas supra mencionadas referiram também que a recorrente manifestava o seu descontentamento pelas situações de que estava a ser vítima, e que o fazia diante de todos, inclusivamente do Senhor Presidente da Direcção da recorrida, tendo a testemunha CC afirmado que ela lhe havia dito que se ia queixar e que já tinha a advogada a tratar do assunto.

 XXIV-Da prova produzida resulta também que a recorrente reclamou efectivamente, ou pelo menos, pretendeu reclamar, quanto às suas condições de trabalho, nomeadamente, quanto ao ambiente humilhante e desestabilizador de que estava a ser vítima, e bem assim, quanto ao facto de, sem o seu assentimento, lhe terem sido determinadas funções completamente diferentes das pressupostas na sua categoria profissional, e que efectivamente desempenhava.

XXV- Tal reclamação não pode apenas basear-se na participação dos factos que a recorrente fez para a Autoridade para as Condições do Trabalho, mas antes considerar-se reflectida nas várias demonstrações de descontentamento que a mesma teve no local de trabalho, perante os seus superiores, neste caso, perante o Senhor Presidente da recorrida, referindolhe que “não era correto estar a fazer aquelas coisas”, “que não era a função dela”, “que se ia queixar”, “que já tinha a advogada a tratar do assunto”, sendo que, todas estas expressões directamente dirigidas ao legal representante da recorrida são elucidativas de que a recorrente reclamava quanto às suas condições de trabalho, e reclamava legitimamente, pois a nenhum trabalhador é exigível que suporte humilhações no local de trabalho, nem que preste reiteradamente funções diferentes daquelas para as quais foi contratado.

XXVI-Acresce que, nesta postura reveladora de descontentamento por parte da recorrente, resulta também uma alegação de que a mesma é vítima de assédio laboral, e bem assim, essa postura é também susceptível de integrar o conceito de “em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos e garantias”, o que foi efectivamente feito e com o conhecimento da recorrida.

XXVII- Resulta do depoimento da testemunha HH, que a recorrida teve conhecimento da visita da Autoridade para as Condições do Trabalho, e que, nesse âmbito, foram feitas perguntas exclusivamente sobre a recorrente, após o que receberam, por e-mail, uma “conduta de assédio”, tendo a testemunha II referido que aquela autoridade havia estado na recorrida em finais de Junho de 2020, quando a recorrente já se encontrava de baixa médica, ou seja, no período que mediou a instauração do primeiro processo disciplinar e a aplicação da respectiva sanção, que teve lugar no dia 14.07.2020.

XXVIII- Tudo isto conjugado com a postura de descontentamento que a recorrente foi manifestando no período que antecedeu o início da sua baixa médica, e ainda o facto de não ter praticado nenhum facto que constituísse infracção disciplinar, deverá, salvo melhor opinião, permitir retirar a conclusão de que o comportamento da recorrida é susceptível de integrar uma postura de retaliação perante a recorrente ao serem instaurados dois processos disciplinares e aplicadas duas sanções disciplinares de suspensão da trabalhadora com perda de retribuição e de antiguidade.

XXIX- Deverá ainda ter-se em consideração as duas abordagens que resultam dos meios probatórios aqui indicados, às testemunhas CC e GG, em que, no caso da primeira, foi convidada a recordar-se de expressões que a recorrente não disse à sua colega BB, sendo relembrada que o seu contrato de trabalho estaria a terminar, e no caso da segunda, foi expressamente advertida que, caso viesse a ser testemunha no processo da aqui recorrente, no dia seguinte tinha a “porta fechada”, e ainda que, da sentença recorrida resulta, no que diz respeito à motivação da matéria de facto respeitante ao segundo processo disciplinar, que a testemunha JJ, encarregada geral, referiu que a então directora técnica, HH, lhe disse que a recorrente ia entregar o comprovativo da baixa médica, tendo, no entanto, marcado falta à recorrente, não se alcançando, contudo, porque razão a testemunha JJ tomou tal decisão, já que, como a própria admitiu, sabia que a recorrente não ia regressar por se encontrar doente, sendo que a autora facilmente compreende tal decisão, na medida em que, na sua origem esteve apenas a intenção desmedida da recorrida em avançar com novo processo disciplinar, o que veio a acontecer efectivamente, tendo nesta parte o tribunal a quo considerado não existir qualquer infracção disciplinar.

XX- Assim, em face de todos os indicadores que resultam da prova produzida nos autos, não se compreende como é que o tribunal a quo pode considerar que apenas houve uma alteração na relação entre a ora recorrente e o Presidente da Direcção da recorrida, e que essa alteração não é suficiente para concluir por uma atitude persecutória, pois, salvo o devido respeito por melhor opinião, conjugados todos os factos supra, entende a recorrente que o tribunal a quo não podia ter tirado outra conclusão que não fosse a existência de uma manifesta postura persecutória e de retaliação perante a recorrente, resultando ainda de forma inequívoca, na sua perspectiva, um nexo causal entre a sua postura de descontentamento perante as condições de que estava a ser vítima, e o facto de pretender exercer os seus direitos, e posteriormente, ter exercido efectivamente com o envio da participação ao ACT, e a instauração dos processos disciplinares.

XXXI-Conforme menciona, e bem, a sentença recorrida, de acordo com o que se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 23 de Abril de 2012, o abuso da sanção implica a conjugação entre dois elementos, o elemento objectivo, traduzido numa determinada actuação por parte do trabalhador em defesa dos seus direitos, à qual se segue um procedimento disciplinar, e um elemento subjectivo que consiste no facto de a entidade empregadora visar responder, com o procedimento disciplinar, ao exercício, por parte do trabalhador, das suas posições, exigindo-se ainda uma relação directa de causa/efeito entre uma situação enquadrável numa das alíneas do n.º 1 do artigo 331º do Código do Trabalho e a sanção aplicada.

XXXII- No caso dos autos, e conforme já se demonstrou, considera a recorrente que estão preenchidos os pressupostos para que as sanções aplicadas sejam consideradas abusivas, na medida em que, a recorrente pretendeu invocar os seus direitos e garantias, alegou efectivamente, através da participação que dirigiu ao ACT, ser vítima de assédio, e bem assim, reclamou legitimamente das suas condições de trabalho, nomeadamente, do ambiente humilhante e desestabilizador de que estava a ser vítima e da alteração reiterada das suas funções, tendo a instauração dos processos disciplinares constituído resposta da entidade empregadora a essa postura de descontentamento revelada pela recorrente, que se revelou uma “trabalhadora incómoda”, assim tendo a recorrida pretendido retaliar-se em face dessa postura.

XXXIII- A sentença recorrida não efectuou, por isso, na perspectiva da recorrente, e com o devido respeito, uma correta valoração da prova produzida, alcançando conclusão diversa daquela que, na óptica da recorrente, deveria ter alcançado, isto é, de que as sanções aplicadas foram abusivas.

XXXIV- A sentença proferida pelo Tribunal a quo mostra-se, assim, violadora do artigo 331º do Código do Trabalho.

XXXV- Atento o exposto, deverá a matéria de facto supra impugnada ser alterada no sentido já apontado pela recorrente, quer na parte dos factos que foram dados como provados e o não deviam ter sido, com a consequente conclusão de que a recorrente não praticou a infracção disciplinar em referência, quer na parte dos factos que não foram considerados provados e o deviam ter sido, com a consequente conclusão de que as sanções disciplinares aplicadas, para além de ilícitas, foram abusivas, devendo, assim, ser alterada a decisão recorrida, no sentido de condenar a ré/recorrida nos montantes peticionados a título indemnizatório pela aplicação de sanções abusivas, tudo nos termos e ao abrigo do n.º 5 do artigo 331º do Código do Trabalho.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão, com as legais consequências, devendo a sentença recorrida ser alterada em conformidade de acordo com o explanado nas conclusões supra formuladas.


+

Respondeu a autora à apelação apresentada pela ré concluindo que “deve ser mantida a douta sentença proferida em primeira instância, na parte correspondente ao objecto do recurso apresentado pela ré, A..., devendo o mesmo ser julgado improcedente”,

+

O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

***

IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

1) A ré é uma associação de solidariedade social que desenvolve as valências de lar, centro de dia e apoio domiciliário.

2) A autora foi admitida ao serviço da ré em 02.12.1999, mediante contrato individual de trabalho.

3) A autora tem a categoria profissional de técnica auxiliar de serviço social, competindo-lhe, designadamente, ajudar os utentes em situação de carência social a melhorar as suas condições de vida, organizar actividades de ocupação de tempos livres para idosos, apoiar na obtenção de um maior bem-estar por parte dos utentes, e promover ou apoiar cursos e campanhas de educação sanitária, de formação familiar e outros.

Proc. N.º 1250/20....

4) No dia 15.06.2020, a autora foi notificada pessoalmente de uma nota de culpa no âmbito de um processo disciplinar que contra si foi instaurado, junta como documento n.º 2 da petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

5) No dia 29.06.2020, a autora respondeu à nota de culpa, conforme documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

6) No dia 14.07.2020, foi a autora notificada, através de carta registada, da decisão final proferida no âmbito do referido processo disciplinar, no qual lhe que foi aplicada uma sanção disciplinar de 60 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, sanção essa que a ré determinou que fosse cumprida a partir do dia 30.07.2020, conforme documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

7) Considerando a incapacidade para o trabalho da autora, por motivo de doença, renovada no dia 30.07.2020, com efeitos a partir do dia 28.07.2020, tendo terminado no dia 11.09.2020, a ré notificou novamente a autora da decisão final do processo disciplinar, pessoalmente, no dia 13.09.2020, determinando que o cumprimento da sanção disciplinar tivesse lugar no dia 14.09.2020, conforme documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

8) No dia 14 de Maio de 2020, a hora não concretamente apurada, mas após as 18h00, depois de a autora ter despejado uma panela de sopa numa sanita situada na casa-de-banho dos utentes, ao lado da cozinha, a funcionária da ré, BB, que ali passava, disse para a autora “ai agora deita-se sopa na sanita”, após o que a autora lhe disse “cala a boca, sua puta de merda e puta do caralho”.

9) Interpelada pela funcionária da ré, BB, sobre o que tinha acabado de dizer, a autora disse: “agora já me podem despedir”, tendo, na sequência do ocorrido, sido confrontada nesse mesmo dia, pelo Presidente da Direcção da ré sobre o sucedido.

10) A autora, ao proceder da forma descrita em 8), violou os deveres de respeito, probidade e urbanidade que são devidos tanto à colega de trabalho da autora, BB, como à ré.

11) Após ter sido notificada da nota de culpa, e depois de contactada a sua Ilustre Mandatária, esta enviou um email à ré a solicitar a consulta do processo disciplinar, conforme documento n.º 8 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

12) Como não obteve resposta nos dias seguintes, foi enviada uma nova comunicação, no dia 19.06.2020, através de correio registado, reiterando o pedido de consulta do processo, conforme documento n.º 9 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

13) A autora remeteu, no dia 06.06.2020, à Autoridade para as Condições do Trabalho – ..., uma participação, dando conta de factos que, no seu entender, constituem assédio laboral por parte do Presidente da Direcção da ré, conforme documento n.º 10 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

14) A relação laboral entre a autora e o Presidente da Direcção da ré agravou-se, a partir do dia 10.12.2019, data em que a autora depôs em Tribunal, na qualidade de testemunha, no âmbito do Processo n.º 105/18...., que correu os seus termos no Juízo de Competência Genérica ..., e no qual o Presidente da Direcção da ré foi arguido.

15) A autora também exercia funções de coordenação no Departamento de Saúde e Bem-Estar, tendo, desde data não concretamente apurada, mas após 7 10.12.2019, deixado de desempenhar tais funções, e passado a executar a limpeza dos quartos e a ajudar na cozinha.

16) A autora nunca compareceu nas instalações da ré, onde se encontrava uma cópia de todas as peças do processo e onde o mesmo poderia ser consultado.

17) Por email datado de 30.06.2020, o Ilustre Mandatário da ré respondeu ao email da Ilustre Mandatária da autora, disponibilizando-se para lhe enviar cópia do processo disciplinar em pdf e a conceder-lhe um prazo suplementar para corrigir ou complementar a defesa, conforme documento de fls. 89 junto com a contestação.

18) A Ilustre Mandatária da autora respondeu ao Ilustre Mandatário da ré, através de email datado de 3 de Julho de 2020, referindo que a consulta do processo nessa data não sanaria a nulidade que entendia que havia sido praticada, embora tendo aceite o envio de cópia do processo.

19) O processo disciplinar da autora era constituído pela nota de ocorrência (junta a fls. 79) e pela nota de culpa referida em 4).

Proc. N.º 1250/20.... (anterior Proc. N.º 1434/20....)

20) No dia 14.09.2020, a autora foi notificada, através de carta registada com aviso de recepção, de uma nota de culpa no âmbito de um processo disciplinar que contra si foi instaurado, conforme documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

21) Na sequência da notificação da nota de culpa à autora, no dia 25.09.2020, esta apresentou a sua resposta, conforme documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

22) No dia 09.10.2020 foi a autora notificada, através de carta registada com aviso de recepção, da decisão final proferida no âmbito do referido processo disciplinar, no qual lhe que foi aplicada novamente uma sanção disciplinar, desta feita, de 30 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, sanção essa que a ré determinou que fosse cumprida a partir do dia 13.11.2020, ou seja, imediatamente após o cumprimento da anterior sanção disciplinar de 60 dias de suspensão aplicada pela ré, conforme documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

23) Da decisão disciplinar remetida pela ré à autora resulta que se consideram provados todos os factos constantes da nota de culpa, nomeadamente, os seguintes: “1. No dia 28 de Julho de 2020 a arguida não compareceu ao serviço à hora de início do seu horário de trabalho, pelas 07H00, tendo faltado ainda em 29 e 30 de Julho. 2. Não justificou a arguida a falta nesses dias, nem avisou que iria faltar com a antecedência prevista no artigo 253º, n.º 1 do Código do Trabalho, pelo que as faltas são consideradas injustificadas (artigo 253º, n.º 5). 3. Apenas em 30 de Julho de 2020 veio remeter atestado médico cobrindo as faltas anteriores. 4. Não provou nem alegou, contudo, qualquer impossibilidade de as comunicar atempadamente. 5. A arguida tem antecedentes disciplinares, tendo sido condenada em pena de suspensão.”

24) A autora encontrava-se incapacitada para o trabalho, por motivo de doença, desde o dia .../.../2020, sendo certo que tal situação de incapacidade já havia sido prorrogada uma vez, nomeadamente, em 29.06.2020, com efeitos a partir de 28.06.2020, conforme documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

25) Tal prorrogação abrangia o período compreendido entre 28.06.2020 e 27.07.2020.

26) No dia 21.07.2020 a autora recebeu um relatório da sua médica psiquiatra no qual vinha mencionado que o seu estado de saúde ainda não aconselhava o regresso ao trabalho.

27) Neste quadro, e nesse mesmo dia – 21.07.2020 – transmitiu telefonicamente à directora técnica da instituição que não iria trabalhar nos dias subsequentes ao término da baixa médica, referindo que, com muita probabilidade tal baixa lhe seria prorrogada, embora só lhe fosse possível fazer chegar o respectivo comprovativo no dia 30.07.2020, pois só nesse dia seria possível ter consulta com o seu médico de família a fim de este emitir o respectivo certificado.

28) A directora técnica transmitiu à autora que então remetesse a competente prorrogação da baixa médica para a ré logo que a tivesse na sua posse, à semelhança daquilo que é a prática na instituição e que aconteceu e acontece com as situações de outros trabalhadores que se encontram de baixa médica prolongada.

29) A ré não fez constar o nome da autora do planeamento e horário dos dias referidos em 24) a 27).

30) A autora ficou a aguardar pelo dia da consulta – 30.07.2020 – a fim de, posteriormente, remeter à sua entidade empregadora o respectivo certificado de incapacidade temporária para o trabalho com o qual se dão por justificadas as faltas previamente comunicadas, conforme documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor ora aqui se dá por integralmente reproduzido.

31) A autora aufere, mensalmente, a título de retribuição, a quantia de €788,55, acrescida do subsídio de turno, no valor de €130,89.

E não provada:

a) No dia 14.05.2020 havia uma grande desorganização na cozinha da ré, tendo a autora, após ter terminado as tarefas que lhe competiam, questionado se era necessário fazer alguma coisa para ajudar.

b) No momento em que a autora se deslocava no corredor com a panela de sopa para realizar tal tarefa, a sua colega BB foi contra ela, tendo aquela ficado com o avental sujo de sopa.

c) A autora ficou surpreendida com a situação, mas seguiu o seu caminho, embora se tenha apercebido que a colega BB tinha ficado a dizer alguma coisa, mas não conseguiu apreender o que esta teria dito em concreto.

d) Foi na sequência da remessa pela autora, no dia 06.06.2020, para a Autoridade para as Condições do Trabalho – ..., de uma participação dos factos de que tem vindo a ser vítima por parte do Presidente da Direcção da ré, que a ré decidiu instaurar os dois processos disciplinares contra a autora.

e) De entre tais factos, melhor descritos na referida participação, contam-se situações em o Presidente da Direcção da ré, reiteradamente, ofende a dignidade da autora, faz com que o local de trabalho constitua para si um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador, o que muito a tem afectado emocional e psicologicamente e fez com que, desde o dia .../.../2020 até ao dia 10.09.2020, estivesse de baixa médica.

f) Neste âmbito, considerou o Presidente da Direcção da ré que a autora o teria prejudicado com o seu depoimento, e a partir dessa altura retirou-lhe as funções de coordenação que desempenhava no Departamento de Saúde e Bem-estar, com a consequente perda no seu salário do respectivo subsídio de coordenação, no valor de 30,00 euros.

g) A ré, com a instauração do processo disciplinar à autora, pretendeu assumir uma postura de retaliação face ao exercício, pela autora, dos seus direitos.

h) As palavras referidas em 8) foram proferidas pela autora em voz alta, aos gritos, de modo a que todos os utentes e outros presentes no local as ouvissem.

i) Os funcionários da instituição estão proibidos de receber qualquer tipo de vantagem patrimonial pela execução das suas tarefas no cumprimento do contrato de trabalho.

j) Não podem, por isso, receber gorjetas, prendas ou qualquer tipo de pagamento dos utentes ou seus familiares pelo desempenho das suas funções, a não ser que expressamente autorizados pela direcção.

k) A autora conhece tais regras, mas chegou ao conhecimento da direcção da ré que ela, sistematicamente e até pelo menos Março de 2020, aceita refeições em restaurantes, como acontecia com o utente KK, a quem marcava consultas para os dias “em que há leitão”; acontecia o mesmo com os utentes LL e MM.

l)Sucede ainda que se cobrava na quantia de €5,00 por fazer a barba ao utente NN, o que fez até este falecer.

m) Teve a ré conhecimento dos factos referidos nos pontos l) a m) por intermédio de uma carta anónima, tendo confirmado posteriormente esses factos inquirindo as testemunhas indicadas no formulário CITIUS da sua contestação.

n) A autora compareceu a uma comissão de verificação da incapacidade no dia 27.07.2020, tendo sido atestado que subsistia a incapacidade temporária para o trabalho.

o) A autora não justificou a falta dos dias 28, 29 e 30 de Julho, nem avisou com antecedência que ia faltar em tais dias.

p) A autora foi escalada para desempenhar funções nos dias 28,29 e 30 de Julho de 2020.

q) A directora técnica nada comunicou à direcção da ré sobre a comunicação da falta da autora.


***

V – São as conclusões da alegação da/s recorrente/s que, consabidamente, delimitam o objecto do recurso.

Antes, porém, da enunciação das questões objecto dos recursos, cumpre dizer o seguinte.

A autora pediu que as sanções disciplinares que lhe foram a aplicadas fossem pelo tribunal declaradas ilícitas.

E isso mesmo a 1ª instância veio a declarar.

Ou seja, no que que à ilicitude das sanções concerne, a autora obteve integral vencimento.

E tendo obtido vencimento, sendo parte vencedora não pode vir recorrer da decisão que declarou ilícita a sanção de 60 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade e que teve como base factual a matéria considerada provada em 8, 9 e 10 dos factos provados referente ao episódio ocorrido com a colega BB.

Na qualidade de parte vencedora está-lhe vedado recorrer dessa parte da sentença, estando-lhe apenas facultado proceder à ampliação do objecto do recurso impugnando a decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto não impugnados pela ré nos termos do nº 2 do artº 636º do CPC, o que a autora não fez.

Daí que, no que respeita à factualidade atinente ao dito episódio, não seja de se proceder à sua reapreciação[1].

Assim a reapreciação factual cingir-se-á à factualidade relativa à questão de saber se as sanções foram abusivas (alíneas d),e), f) e g) dos factos não provados).

Feitas estas considerações, considerando que a solução a dar a uma questão poderá prejudicar o conhecimento de outra ou outras delimitam-se as questões a decidir do seguinte modo:

1.Se as sanções disciplinares aplicadas são ilícitas.

2. Sendo-o: (i) se há lugar à alteração da matéria de facto e (ii) se tais sanções devem ser consideradas abusivas,

4. Se há lugar ao pagamento das retribuição que a autora deixou de auferir durante os períodos de suspensão.

Da ilicitude das sanções:

Para considerar ilícitas as sanções aplicadas a 1ª instância teceu as seguintes considerações.

Relativamente à sanção de 60 dias de suspensão (episódio verificado com a colega de trabalho BB, lê-se na sentença recorrida: “ora, se é verdade que esta infracção disciplinar não assumiu uma particular gravidade, não tendo qualquer repercussão patrimonial concreta junto da ré, a verdade é que a actuação da autora não deixou de ser culposa e injustificada, não se vendo qual o fundamento ou razão para ter agido desta forma e ter ofendido a sua colega de trabalho.

Pese embora a expressão em causa seja ofensiva do bom nome e da consideração da colega de trabalho da autora, afigura-se-nos que, no contexto em que foi utilizada, não é passível, a nosso ver, de consubstanciar um ilícito que justifique aplicação da sanção de 60 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, a qual, na escala de gravidade das sanções disciplinares, ocupa o segundo lugar, sendo apenas suplantada pelo despedimento sem indemnização ou compensação.

Afigura-se-nos, pois, excessiva a aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão do trabalho por 60 dias – ainda que se considere que a ré terá tido em conta também a demais factualidade imputada à autora e que não resultou demonstrada, designadamente os pontos i) a m) da factualidade não provada e, portanto, que se admita, em tese, que terá aplicado 30 dias por cada uma das infracções – considerando, por um lado, que, como dissemos, não resultou demonstrada a factualidade vertida em i) a m), e, portanto, não resultando provado que a autora desobedeceu a ordens da ré de não aceitar gratificações dos utentes ou pagamento de refeições por estes, e, por outro lado, considerando que a autora, na data da aplicação da sanção disciplinar em causa não tinha antecedentes disciplinares, não se nos afigurando que, mesmo na hipótese de se considerar que a ré terá aplicado 30 dias de suspensão pela actuação da autora (chamar de “puta do caralho e puta de merda” a uma colega de trabalho), tal sanção mostra-se, a nosso ver, desadequada à situação sub judice, por se mostrar excessiva; não cabendo ao Tribunal, como dissemos supra, alterar a sanção aplicada por uma menos gravosa.

Assim, cremos que é de considerar excessiva a sanção aplicada e, por isso, ilícita, pelo que deverá a mesma ser considerada sem efeito, sendo reposta à autora a retribuição perdida, no valor de €1.838,88, conforme peticionado pela autora, devendo, ainda, serem repostos os dias de suspensão para efeito de antiguidade da autora. Para além do que já dissemos supra quanto à não demonstração da demais factualidade imputada à autora, e descrita em i) a m) da factualidade não provada, e, portanto, quanto à não verificação de qualquer comportamento, neste particular, passível de constituir um ilícito disciplinar, com as consequências legais acima vertidas (restituição da retribuição perdida pela autora)”.

Decidindo:

Nos presentes autos a ré sancionou a autora com 60 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, sem discriminar a que a infracções disciplinares se referia essa suspensão.

Na verdade a ré imputou à autora a prática de duas infracções disciplinares.

Uma por ter apelidado a sua colega BB de “puta do caralho e puta de merda” e outra por alegadamente ter recebido ou cobrado a quantia de €5,00 por fazer a barba ao utente NN, o que fez até este falecer, quando sabia estar proibida de receber qualquer tipo de vantagem patrimonial pela execução das suas tarefas no cumprimento do contrato de trabalho.

Uma vez que, conforme artigo 328.º, 3, c), do Código do Trabalho, as sanções de suspensão não podem ultrapassar 30 dias por cada infracção, afigura-se-mos que se terá de entender que a cada uma das duas referidas infracções foi aplicada a sanção de 30 dias de suspensão.

Ora, relativamente à segunda das referidas infracções, não se provaram os respectivos factos constitutivos pelo que, nesta parte, a sanção tem de se considerar ilícita.

No que tange à primeira das enunciadas infracções provou-se que no dia 14 de Maio de 2020, a hora não concretamente apurada, mas após as 18h00, depois de a autora ter despejado uma panela de sopa numa sanita situada na casa-de-banho dos utentes, ao lado da cozinha, a funcionária da ré, BB, que ali passava, disse para a autora “ai agora deita-se sopa na sanita”, após o que a autora lhe disse “cala a boca, sua puta de merda e puta do caralho) e que interpelada pela funcionária da ré, BB, sobre o que tinha acabado de dizer, a autora disse: “agora já me podem despedir”.

É verdade que tais expressões configuram a prática do crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal podendo até justificar o despedimento com justa causa, conforme art.º 351.º, 2, alínea i), do Código do Trabalho (Prática, no âmbito da empresa, de (…), injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, (…)), o que constitui a prática de uma infracção disciplinar por violação dos deveres de respeito, probidade e urbanidade.

Contudo, não se pode olvidar que, tal como se refere na sentença, no contexto em que foi utilizada, não é passível de consubstanciar um ilícito que justifique aplicação da sanção de suspensão do trabalho, ainda que só pelo período de 30 dias, com perda de retribuição e de antiguidade, a qual, como também se realça na sentença impugnada, na escala de gravidade das sanções disciplinares, ocupa o segundo lugar das sanções mais graves, sendo apenas suplantada pelo despedimento sem indemnização ou compensação.

Isto para dizer que, tendo em conta o princípio da proporcionalidade que deve nortear a aplicação das sanções disciplinares (artº 330º do CT), atenta a gravidade da infracção e a culpa da trabalhadora, a aplicação de uma outra qualquer sanção como por exemplo a perda de dias de férias ou o sancionamento com o pagamento de uma quantia pecuniária seria suficiente, no nosso entendimento, para sanar a crise aberta entre as partes.

Por isso, sufragamos o entendimento do tribunal quando entendeu ser a sanção ilícita por violação do princípio da proporcionalidade.

No que refere à sanção de 30 dias de suspensão, escreveu-se na sentença que “… no que concerne à factualidade objecto dos autos apensos e que constituíram a instauração de outro processo disciplinar à autora, que culminou com a aplicação da sanção disciplinar de suspensão de 30 dias de trabalho com perda de retribuição e antiguidade, igualmente não resultou a mesma demonstrada, conforme resulta da factualidade provada e não provada, mormente a constante em 24) a 30) e o) a q), entendemos que tal procedimento disciplinar é ilícito e, por conseguinte, é ilícita a sanção disciplinar aplicada, pelo que deverá a mesma ser considerada sem efeito, sendo reposta à autora a retribuição perdida, no valor de €919,44, conforme peticionado pela autora, devendo, ainda, serem repostos os dias de suspensão para efeito de antiguidade da autora”.

Decidindo:

Alega a ré que a autora não deu cumprimento ao dever de comunicação da ausência conforme determina o artº 253º do CT pelo que as faltas dadas nos dias 28, 29 e 30 de Junho de 2020 devem ter-se por injustificadas.

A justificação das faltas não depende apenas do respectivo fundamento, mas também da comunicação da ausência ao empregador, nos termos disciplinados no citado artº 253º do CT.

A propósito desta questão provaram-se os factos 24 a 30), dos quais decorre que o período de prorrogação da baixa da autora terminava no dia 27/07/2020.

No dia 21.07.2020 a autora recebeu um relatório da sua médica psiquiatra no qual vinha mencionado que o seu estado de saúde ainda não aconselhava o regresso ao trabalho; e logo nesse dia 21 transmitiu telefonicamente à directora técnica da instituição que não iria trabalhar nos dias subsequentes ao término da baixa médica (27/07), referindo que, com muita probabilidade tal baixa lhe seria prorrogada, embora só lhe fosse possível fazer chegar o respectivo comprovativo no dia 30.07.2020, pois só nesse dia seria possível ter consulta com o seu médico de família a fim de este emitir o respectivo certificado.

A directora técnica transmitiu à autora que então remetesse a competente prorrogação da baixa médica para a ré logo que a tivesse na sua posse, à semelhança daquilo que é a prática na instituição e que aconteceu e acontece com as situações de outros trabalhadores que se encontram de baixa médica prolongada.

Desta factualidade, que não foi impugnada, decorre, quanto a nós, ter a autora dado cumprimento ao dever legal de comunicação das ausências.

Não colhe a argumentação da ré quando alega que a comunicação enviada pela autora que “com muita probabilidade a baixa” que terminaria a 27 de Julho lhe seria prorrogada, não chega para cumprir o dever de comunicação da falta, uma vez que se não provou que a directora técnica tivesse responsabilidades na elaboração de horários ou que a informação de que a autora poderia faltar tivesse chegado ao conhecimento da direcção da ré.

Como se sabe nas IPSS, como é o caso da ré, é ao Director Técnico que reportam directamente os trabalhadores dessas instituições. É o DT que diariamente se encontra na instituição e que directamente contacta com os trabalhadores quando as mais das vezes os elementos da Direcção se encontram ausentes.

Por isso, é de aceitar que a comunicação das ausências tenha sido feita à DT, tanto mais que esta informou a autora que remetesse a competente prorrogação da baixa médica para a ré logo que a tivesse na sua posse, à semelhança daquilo que era a prática na instituição e que aconteceu e acontece com as situações de outros trabalhadores que se encontram de baixa médica prolongada.

Por outro lado, não é verdade que a autora apenas tivesse comunicado existir uma forte probabilidade de lhe ser prorrogada a baixa.

De facto, encontra-se provado que autora “transmitiu telefonicamente à directora técnica da instituição que não iria trabalhar nos dias subsequentes ao término da baixa médica.

Acresce até que a ré aceitou como boas as razões da autora ma medida em que não fez constar o nome da autora do planeamento e horário dos dias em questão.

Por tudo isto, as faltas devem ter-se por justificadas, inexistindo qualquer razão para a aplicação da sanção que, como tal, é ilícita.

Da alteração da matéria de facto:

(…).

Da caracterização das sanções como abusivas:

O nº 1 do artº 331º do CT contêm o elenco, taxativo, das situações em que se deve considerar abusiva a sanção disciplinar.

A ratio legis do carácter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de a verdadeira razão da aplicação da sanção disciplinar se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador.

A sanção não é abusiva, quando não está demonstrado que subjacente ao exercício do poder disciplinar se encontrava uma medida de retaliação da entidade empregadora face ao exercício de direitos por parte do trabalhador.

E é o que acontece no caso em apreciação em face a da matéria de facto que se manteve inalterada.

Daí que conclua como se concluiu na sentença na qual se escreveu que “… no caso em apreço, não resulta dos autos que se verifique qualquer das situações previstas em tal normativo, porquanto, como se referiu não se mostra configurada a situação prevista na al. a) de tal normativo, nos termos da qual se considera abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho; já que, no que concerne à alínea d), não tem a mesma aplicação in casu, já que da mesma resulta que o trabalhador terá que alegar ser “testemunha em processo judicial e/ou contraordenacional de assédio”, o que não foi o caso da autora. Desde logo, não logrou a autora, provar, como vimos, o nexo de causalidade/relação causal entre a instauração dos processos disciplinares e a sua participação à ACT, pelo que teremos de concluir que as sanções aplicadas no âmbito dos poderes disciplinares da ré, não obstante serem ilícitas, pelas razões acima expendidas, não se mostram abusivas, e, por conseguinte, passíveis de indemnização. Assim sendo, ter-se-á que concluir pela invalidade das sanções disciplinares aplicadas à autora, embora se conclua também pelo carácter não abusivo das sanções aplicadas (…)”.

Das retribuição que a autora deixou de auferir durante os períodos de suspensão:

No acórdão desta Relação de 29.01.2012 preferido no processo 1937/18.6T8GRD-A.C1[2] consultável www.dgsi.pt, deidiu-se que “ o nº 1 do artº 331º do CT contêm o elenco, taxativo, das situações em que se deve considerar abusiva a sanção disciplinar. O nº 2 do artº 330º do CT distingue dois momentos do exercício do poder disciplinar por parte da empregadora: o da decisão/determinação da aplicação da sanção, num primeiro momento, e o da aplicação da mesma, num momento necessariamente posterior, devendo interpretar-se o uso da palavra “aplicação” no sentido de “execução” daquela sanção. É o que resulta até da própria epígrafe do artigo e compreende-se que assim o seja, já que previamente à imposição de uma sanção, designadamente do elenco das conservatórias da relação laboral, necessário se torna que o empregador avalie o comportamento do trabalhador considerado ilícito, escolhendo, como lhe impõe o nº 1 desse artº 330º, aquela que se revele como proporcional à gravidade da infracção, e só num momento ulterior proceda à execução da sanção, que deverá ocorrer nos 3 meses ulteriores à decisão. O que quer dizer que só a efectiva execução da sanção faz nascer o direito do trabalhador à indemnização aí prevista, desprezando o legislador quaisquer danos que possam decorrer da simples decisão de determinação da sanção”.

No caso, mutatis mutandis, sendo, como são, ilícitas as sanções de suspensão aplicadas à autora, a reposição a esta da retribuição perdida encontra-se dependente da demonstração de que a autora cumpriu efectivamente as sanções disciplinares que lhe foram aplicadas, não podendo ser a ré condenada a pagar à autora a retribuição que esta deixou de auferir, se não se demonstrar que deixou de auferir as retribuições correspondentes aos períodos de suspensão.

Como essa demonstração ou prova não foi feita pela autora, pois a ela competia o respectivo ónus da prova, a ré não pode ser condenada a pagar à autora as quantias que a autora terá deixado de auferir correspondente aos períodos de suspensão.

E, nesta parte procede, a apelação da ré


***

IV - Termos em que se delibera:

1 Julgar a apelação da ré parcialmente procedente em função do que se decide absolvê-la da condenação no pagamento das quantias de €1.838,88, e €919,44 e, necessariamente, no pagamento dos juros moratórios.

2. Julgar a apelação da autora totalmente improcedente.

3. No mais manter a sentença impugnada


*

Custas no recurso da ré a cargo de apelante e apelada na proporção do decaimento.

Custas a cargo da autora no recurso desta


*

Sumário[3]:

(…).


*

Coimbra, 16 de Junho de 2023

***

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)

(Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)




[1] Para além do ponto 10 dos factos provados revestir natureza marcadamente conclusiva.
[2] Relatado pelo actual Conselheiro Ramalho Pinto e subscrito como 1º adjunto pelo ora relator.
[3] Da responsabilidade do relator.