Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
168/09.0TATND.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECONSTITUIÇÃO DO FACTO
PROVA PERICIAL
IN DUBIO PRO REO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 07/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO CRIMINAL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Legislação Nacional: ARTS. 150.º, 151.º, 152.º, 163.º, DO CPP; ARTS. 40.º, 70.º, 71.º, 143.º, 144.º, 145.º E 147.º, DO CP; ART. 32.º, N.º 2, DA CRP
Sumário: I - Quando a investigação considera necessário confirmar a forma como um determinado facto ocorreu, procede-se à sua repetição, tentando nesta reproduzir as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que se supõe que aquele aconteceu, em ordem à validação probatória ou não, da descrição feita pelo sujeito ou interveniente processual que está na sua origem.

II - Quando na reconstituição do facto participam sujeitos ou intervenientes processuais, v.g., o arguido, os eventuais contributos individuais por este prestados – informações, sugestões e declarações – não se autonomizam, transformando-se em declarações de arguido.

III - A perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 197), cuja utilização é recomendada sempre que a investigação seja confrontada com obstáculos de apreensão ou de apreciação de factos não removíveis através dos procedimentos e meios de análise de que normalmente dispõe. No fundo, a prova pericial permite ao juiz suprir a sua falta de específicos conhecimentos científicos ou artísticos, auxiliando-o na apreensão realidades não directamente captáveis pelos sentidos.

IV - A autópsia médico-legal – que tem lugar em situações de morte violenta ou de causa ignorada (art. 18º, nº 1, da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto) – é uma perícia tanatológica. Como tal, está sujeita, além do mais, ao regime do art. 163.º do C. Processo Penal, pelo que, o juízo técnico ou científico que lhe é inerente se presume subtraído à livre apreciação do julgador.

V - O juízo pericial tem que constituir sempre uma afirmação categórica, isenta de dúvidas, sobre a questão proposta, não integrando tal categoria, os juízos de probabilidade ou meramente opinativos.

VI - Quando o perito, em vez de emitir um juízo técnico-científico claro e afirmativo sobre a questão proposta, emite uma probabilidade, uma opinião ou manifesta um estado de dúvida, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto, este decide livre de qualquer restrição probatória e portanto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, onde deverá ter na devida conta o pro reo (cfr. Acs. do STJ de 5 de Novembro de 1998, CJ, ASTJ, III, pág. 210 e de 27 de Abril de 2011, proc. nº 693/09.3JABRG.P2.S1, e da R. do Porto de 27 de Janeiro de 2010, proc. nº 45/06.7PIPRT.P1, ambos in, www.dgsi.pt).

VI - O relatório pericial, parecer e esclarecimentos da perita médica, ao afirmar, por um lado, a impossibilidade de determinação da causa da morte da vítima, por insuficiência de elementos seguros e concretos, e ao admitir, como possibilidade ou hipótese, as duas ‘causas’ apontadas, a prova pericial tornou-se inconclusiva.

VII - Produzida a prova, se no espírito do juiz subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.

VIII - Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, face aos termos da decisão isto é, tem que resultar clara e inequivocamente do texto da decisão que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.

IX - Não se tendo provado que a arguida, no referido circunstancialismo, provocou à vítima lesões que lhe causaram perigo para a vida, nem que ao actuar como actuou, agiu com o propósito de causar tal perigo, não estão verificados os elementos, objectivo e subjectivo, que conduziam ao preenchimento do tipo agravado do art. 144.º, d), do C. Penal.

X - Provado que está que a arguida, ao actuar como actuou, sabia que a vítima era pessoa particularmente indefesa em razão da idade, e porque a agressão a idosos, por quem não tem tal qualidade, em circunstâncias como as apuradas nos autos, revela especial censurabilidade, consideramos preenchida a previsão do art. 145.º, n.º 1, a), do C. Penal.

XI - Tudo ponderado, porque as circunstâncias agravantes em muito sobrelevam a circunstância atenuante, porque são elevadas as exigências de prevenção geral positiva e porque não passam despercebidas as de prevenção especial, considera-se adequada e perfeitamente suportada pela culpa da arguida a pena de dois anos de prisão [moldura de prisão até 4 anos].

XII - O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, elemento fundamental do funcionamento da suspensão da execução da pena de prisão, parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

XIII - A dificuldade de formulação da prognose favorável, por um lado, e as elevadas exigências de prevenção geral de integração, por outro, impedem a aplicação da pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

No [já extinto] 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Tondela [agora, Comarca de Viseu – Viseu –Instância Central – Secção Criminal – J2] o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, da arguida A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, c) e e), do C. Penal.

Por despacho proferido em audiência de julgamento de 11 de Dezembro de 2012 [fls. 571] foi comunicada uma alteração não substancial de factos e a alteração da qualificação jurídica, que passou a corresponder ao cometimento de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos arts. 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art. 132º, nº 2, c), e 147º, nº 1, todos do C. Penal.

Por acórdão de 21 de Dezembro de 2012 foi a arguida condenada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos arts. 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art. 132º, nºs 1 e 2, c), e 147º, nº 1, todos do C. Penal, na pena de seis anos de prisão.



            Inconformada com a decisão, recorreu a arguida, tendo a Relação de Coimbra, por acórdão de 3 de Julho de 2013, revogado o acórdão condenatório e determinado o reenvio do processo para novo julgamento quanto à totalidade do seu objecto [fls. 891 a 949].

Realizado novo julgamento, por despacho proferido em audiência de julgamento de 3 de Julho de 2014 [fls. 1147 a 1148] foi comunicada uma alteração não substancial de factos e a alteração da qualificação jurídica, que passou a corresponder ao cometimento de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos arts. 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art. 132º, nº 2, c), e 147º, nº 1, todos do C. Penal.

Por acórdão de 3 de Julho de 2014 [e não, 30 de Junho de 2014, como, por lapso, se encontra datado] depositado a 4 de Julho de 2014 [fls. 1150] foi a arguida condenada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos arts. 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art. 132º, nºs 1 e 2, c), e 147º, nº 1, todos do C. Penal, na pena de seis anos de prisão.


*


            Novamente inconformada com a decisão, recorreu a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1.º – A recorrente impugna a MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA, nos seguintes pontos concretos de facto, que considera incorrectamente julgados:

"20 – Nesse momento, após a ofendida ter informado a arguida da revogação do testamento que beneficiava o seu marido, operada pela vítima, gerou-se discussão entre ambas, com troca de impropérios que não foi possível concretizar."

21 – Na sequência da discussão, A... lançou as mãos à cara de B... , arranhando-a com as unhas na asa direita e esquerda do nariz e boca.

22 – Na mesma sequência, a arguida lançou as mãos ao pescoço da vítima e apertou-o, com força, durante um período de tempo que não foi possível apurar, mas que fez com que a vítima, com falta de ar, desfalecesse e caísse ao solo, ficando na posição de decúbito lateral esquerdo com as pernas semi-flectidas, com os joelhos encostados à parede, e com o pé esquerdo em cima do último degrau da escada.

23. – Verificando que B... se encontrava caída no chão, A... abandonou o local.

                24. Devido à actuação da arguida, A... , sofreu a vítima, B... , na cabeça: várias escoriações lineares na asa esquerda do nariz, sensivelmente transversais, a mais distal com 10mm e a mais próxima com l5mm, escoriações lineares logo abaixo da asa direita do nariz, na região nasogeniana direita, a maior transversal com 5mm de comprimento) rodeada de equimose arroxeada com 5mm de eixo maior por 3mm de eixo menor, equimose arroxeada na asa direita com 3mm de eixo maior por 2 mm de eixo menor; várias pequenas escoriações na parte direita mais distal do nariz, a maior com 3mm de eixo menor por Lena de eixo menor; equimose arroxeada na região bucal direita com 33mm de eixo transversal por 6mm de eixo longitudinal; outra equimose arroxeada situada na mesma região, mas localizada mais posteriormente com I5mm de eixo transversal e 5mm de eixo longitudinal, apresentando ainda uma escoriação linear com 4mm de comprimento; escoriação na parte mediana da região mentoniana com I5mm de eixo longitudinal e mm de eixo transversal; equimose arroxeada na região mentoniana (metade esquerda), com 20mm de eixo longitudinal com 9mm de eixo transversal; - no pescoço: escoriação linear, transversal, na região cervical anterior com 6mm de comprimento; ponteado hemorrágico na região cervical lateral esquerda; - no abdómen: várias escoriações lineares na região lombar esquerda, a maior com 4cm de comprimento; - membros superiores: equimose arroxeada na região escapular direita (posterior) com 7cm de eixo transversal com 3,5cm de eixo longitudinal; equimose arroxeada no terço médio da região braquial direita com lcm de eixos; equimose avermelhada do cotovelo direito (posterior) com 3,5cm de eixo transversal e 3cm de eixo longitudinal com ligeira esfoliação da zona; equimose arroxeada no dorso da mão direita, na transição entre a região metacárpia e falângica do 2° dedo, com 4cm de eixo transversal e 3,5 de eixo longitudinal; equimose arroxeada no terço proximal da região braquial anterior esquerda com lcm de diâmetro; equimose arroxeada na metade lateral do punho esquerdo (posterior) com 10cm de eixo transversal e 13cm de eixo longitudinal; equimose arroxeada no dorso da mão esquerda, próximo do punho com 1,5cm de eixo longitudinal e lcm de eixo transversal; escoriação com crosta; - membros inferiores: esfoliação linear no terço proximal da região femoral direita com 2cm de comprimento; equimose arroxeada no terço proximal da região crural anterior direita (metade lateral) com 2cm de eixo longitudinal e 2,5 cm de eixo transversal, equimose arroxeada no terço médio medial da região crural anterior direita com meio centímetro de diâmetro; escoriação no joelho direito (anterior) com lcm de diâmetro e escoriação linear no terço médio da região crural anterior esquerda com meio centímetro de comprimento; infiltração sanguínea do músculo esterno-cleido-mastoideu esquerdo e do musculo longo do pescoço esquerdo; infiltração sanguínea peri como superior esquerdo da cartilagem tiróide; infiltração retro-faringea e infiltração sanguínea pelo arco anterior no 1 ° e 2° arcos intercostais esquerdos.

25. A morte de B... ocorreu devido a mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, conforme relatório de autópsia de fls. 131 a 138 e parecer de fls. 237, que se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos.

                26. Sabendo que se tratava de pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, a arguida agiu com o propósito de agredir B... e de lhe causar perigo para a vida, provocando-lhe lesões que determinaram perigo para a vida desta.

28. A arguida não previu a possibilidade do falecimento da sua tia, B... , pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, e deveria tê-lo feito.

29. Agiu A... , ao apertar o pescoço à sua tia, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibindo, ainda assim, de os concretizar."

2.º – Entende a arguida que existiu erro de julgamento na apreciação dos factos dados como provados, com base em prova indiciária, socorrendo-se, em suma, do Relatório da autópsia, esclarecimentos da perita, e reconstituição do facto.

3.º – Aliás, tais provas concretas, impõem decisão diversa, porquanto da análise da prova produzida resulta que não foi demonstrado que a recorrente tenha apertado o pescoço da vítima, que esta apenas tenha parado quando a mesma desfaleceu e ainda que tal conduta tenha resultado na morte da vítima.

4.º – Sendo evidente, que do Relatório da Autópsia, do Parecer Médico de fls. 237, dos Esclarecimentos da Perita e do depoimento da testemunha E... , resulta que cientificamente e medicamente não se possa apurar concretamente qual a causa da morte da falecida, por não existirem sinais e elementos no cadáver que possam explicar a causa de morte.

5.º – Veja-se que concluiu o relatório da autópsia que:

"J. CONCLUSÕES

1.ª – Não existem elementos seguros e concretos que possibilitem a determinação da causa de morte B... (ver Discussão)." – w  negrito e sublinhado nosso.

Sendo certo que na parte da DISCUSSÃO do supra citado Relatório da Autópsia consta que:

"Na hipótese de se ter verificado uma queda do cimo ou a meio da escada, seria de esperar, neste caso, lesões traumáticas muito mais acentuadas, tanto ao nível externo como interno, o que não se constatou.

Também não foram detectados quaisquer vestígios de sangue ao nível das escadas. Atente-se ainda que, através das fotografias do local, a vítima parece até estar a colocar o seu pé direito no primeiro degrau da escada referida.

Pode aceitar-se que a vítima se tenha sentido mal ao iniciar a subida das escadas, tendo caído para o lado esquerdo. O exame autóptico e seus exames complementares não detectaram qualquer patologia que, só por si, possa ter determinado uma morte repentina, embora não se possa excluir que, eventualmente, uma lesão isquémica cardíaca aguda, não passível ainda de ser claramente traduzida do ponto de vista histológico, tenha determinado a morte. No entanto. Face a esta suposição, as discretas lesões traumáticas à direita, nomeadamente as da face, continuam sem poder ser explicadas cabalmente."

6.º – Referindo ainda que: que os sinais são muito ténues e que impossibilita igualmente ser peremptória tal afirmação de causa de morte.

7.º – Pelo que sem mais aturadas considerações, jamais o Relatório da Autópsia poderia servir de meio de prova para o Tribunal a quo dar como provado que:

"A morte de B... ocorreu devido a mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, conforme relatório de autópsia de fls. 131 a 138 e parecer de fls. 237, que se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos."

8.º – O Tribunal ao dar tal facto como provado, com base no Relatório da Autópsia, violou as restrições ou excepções ao princípio da livre apreciação da prova.

9.º – Porquanto estamos no domínio da prova vinculada ou legal, em que ou a lei exige determinado tipo de prova para certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinada prova. E uma das provas de apreciação vinculada é a prova pericial, que «tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos» – art. 151º do C.P.P.

10.º – Ao fim e ao cabo é este relatório de autópsia que constitui a tal prova vinculada, de que falámos, subtraída à livre apreciação do julgador, conforme diz o art. 163º, nº 1, do C.P.P.

11.º – Não podendo o Tribunal, como efectivamente fez, atribuir entendimento diferente e fundamentar tal entendimento na própria perícia, porquanto tal lhe está vedado por lei e contraria as conclusões da própria perícia.

12.º – Tanto mais que, o que vincula o julgador são as conclusões, repetimos, que exijam especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, e não a discussão que serve de premissa a tais conclusões, porquanto o julgador está desprovido dos referidos conhecimentos científicos que lhe permite efectuar o silogismo que se consubstancia na conclusão.

13.º – Relativamente ao parecer médico, o mesmo apenas especula sobre possibilidades de causas de morte, não conclui, como não pode concluir, por ausência de sinais no cadáver que demonstrem a causa de morte.

14.º – Em momento algum o Relatório da Autópsia e o Parecer médico afirmam ou concluem que a morte da vítima se ficou a dever a mecanismo reflexo inibitório, originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, ao contrário do que consta do douto Acórdão recorrido, que dá tal facto, erradamente, como provado.

15.º – Sendo que o resultado de tal Parecer limita-se a admitir como "compatível" tal hipótese, sendo certo que qualquer Parecer ou Perícia terá obrigatoriamente de ser conclusivo e afirmativo, e não poderá ser especulativo.

16.º – Ora, é entendimento unânime na nossa Doutrina e Jurisprudência que na prova pericial as conclusões do perito têm que ser afirmações e afirmações sustentadas, isto é, enquadradas e explicadas. Se o perito, ao invés, se limitar a avançar hipóteses, a fazer sugestões, a indicar probabilidades, então embora formalmente se trate de uma perícia os resultados que apresentar já não estão abrangidos pelo especial valor desta prova.

17.º – A realidade é que do próprio depoimento da Médica deveria o Tribunal ter concluído por ausência de determinação da causa de morte da falecida.

18.º – Veja-se nesse sentido, concretamente o seu depoimento gravado, a gravação do seu depoimento, que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, das 10 horas 05 minutos e 37 segundos até às 11 horas, 16 minutos e 49 segundos, da audiência ocorrida a 13-06-2014, parte devidamente transcrita na motivação do presente recurso.

19.º – Veja-se igualmente o depoimento da testemunha Dr. E... , que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, das 12 horas. 21 minutos e 41 segundos até às 13 horas, 21 minutos e 44 segundos, devidamente transcrito nas motivações do presente recurso.

20.º – O depoimento desta testemunha, médico com a especialidade de cirurgião e especialista em avaliação do dano corporal, impõe igualmente ao Tribunal decisão diversa quanto à matéria de facto aqui impugnada.

21.º – O seu depoimento incidiu sobre o Relatório da Autópsia, e sobre a sua interpretação sobre todos os elementos constantes da mesma, considerando os seus conhecimentos científicos de medicina, sendo que do mesmo retira-se que:

- Não se pode concluir por causa de morte;

- Não se pode concluir com base científica que tenha havido compressão dos seios carotídeos, sendo uma hipótese meramente especulativa e claramente de difícil execução;

- Na sua opinião entende mais provável uma síncope cardíaca, compatível com morte súbita;

- Contudo toda e qualquer conclusão será sempre especulativa sem base científica por ausência de elementos do corpo que a confirmem;

- Não existe qualquer nexo de causalidade entre as lesões observadas no corpo e a causa de morte.

22.º – A recorrente entende ainda que a Reconstituição do Facto, foi indevidamente valorada, porquanto a versão ali contida contraria a versão dada como provada nos autos, designadamente porque na mesma refere-se que a arguida deixou a sua tia sentada chegando mesmo a falar com ela antes de sair.

23.º – Não esquecendo, que, no caso concreto, a Reconstituição só por si, não poderá servir como fundamento para a prova dos factos da acusação, porquanto a mesma limita-se a avançar a possibilidade de um facto ter ocorrido da seguinte maneira, e não se ocorreu ou não, não tendo, por conseguinte grau de certeza.

24.º – A Recorrente é do entendimento que a valoração das concretas provas supra alegadas, por parte do Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro Reo, bem como as regras da experiência.

25º – Entende a recorrente que a valoração crítica desenvolvida no âmbito da apreciação da prova, mesmo recorrendo à prova indirecta – ou indiciária –, por recurso às presunções judiciais como modo de comprovação dos factos insusceptíveis de prova directa, tem sempre de ter um raciocínio lógico e fundamentado que permita concluir em determinado sentido.

26.º – Não se compaginando com a dúvida razoável, com as regras da experiência, nem com o princípio do in dubio pro reo, pelo que a convicção criada pelo Tribunal a quo, que entende dar tais factos como provados, baseado apenas cm depoimentos que demonstram que a relação da recorrente com a sua tia já tinha conhecido melhores dias, e que foi a recorrente a última pessoa a vê-la com vida, para concluir que a mesma foi a causadora da sua morte não tem qualquer fundamentação lógica, racional e ou grau de certeza, sendo uma convicção arbitrária e sem sustentação em meios de prova.

27.º – Porquanto é esta a única prova indiciária que existe, e como tal insusceptível de fundamentar a comprovação dos factos concretos aqui impugnados.

28.º – Impõe-se ao Tribunal a quo um grau de certeza, ou de ausência de dúvida razoável quanto ao cometimento dos factos imputados à recorrente.

29.º – Da mesma forma que se impõe um grau de certeza quanto ao resultado da alegada conduta da recorrente, ou seja, que foi a conduta imputada à arguida que efectivamente resultou a morte da vítima.

30.º – Tanto mais que a dúvida esteve presente em todo o julgamento, conforme se constata pelas transcrições dos depoimentos supra, quanto à possível causa de morte da falecida, sendo inclusive avançada como possível, fruto de juízos comprovadamente científicos e lógicos, a possibilidade de síncope cardíaca provocada por stress e ansiedade, bem como não foi posta de parte a possibilidade de uma queda das escadas nos primeiros degraus, causadora do aludido stress ou ansiedade.

31.º – Tanto mais que, entende a recorrente a causa de morte concreta e necessária para se imputar o resultado à conduta não é susceptível de prova indiciária, mas apenas de prova pericial.

32.º – Existe pois uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilide a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impede a convicção do tribunal de decidir em sentido desfavorável à recorrente.

33.º – Estamos aqui perante um crime de resultado, e nos crimes de resultado, entre a acção e o resultado deve mediar uma relação de causalidade, ou seja, uma relação que permita, no âmbito objectivo, a imputação do resultado produzido ao autor da conduta que o causou.

34.º – Para se imputar o resultado a uma determinada acção é necessário estabelecer uma relação de causalidade entre a acção e esse resultado; a relação de causalidade entre a acção e o resultado e a imputação objectiva do resultado ao autor da acção que o causou são o pressuposto mínimo para afirmar a responsabilidade, nos crimes de resultado, pelo resultado produzido.

35.º – No caso em apreço, não se conhece a causa da morte, sabendo-se apenas que não existem elementos concretos que permitam com objectividade e certeza afirma concretamente qual foi a causa de morte.

35.º – Por outro lado sabe-se, pela ausência de sinais ou lesões que possam explicar a morte, e conforme avançado pela perita Dr. F... e pela testemunha Dr. E... , está colocada fora de questão a possibilidade de ter sido por falta de ar, apenas sendo a morte compatível com perturbações do batimento cardíaco, causadas por ansiedade, stress, arritmia, ou compressão cervical do seio carotídeo.

36.º – Com efeito, não se conseguindo concretizar objectivamente a causa de morte e face às diversas possibilidades elencadas pelos peritos, não é possível estabelecer uma imputação objectiva do resultado à conduta da arguida.

37.º – Na medida em que, conforme a autópsia revela a causa de morte poderá ter sido outra, igualmente adequada para produzir o resultado, mas que não provém do mesmo agente, designadamente arritmia provocada pela comoção, ansiedade, etc.

38.º – Resultado este imprevisível e, consequentemente não imputável à recorrente.

39.º – Tanto mais que, não se apurou que a vítima tenha falecido por morte violenta.

40.º – E, sempre se dirá, que não cabia à recorrente fazer prova do contrário, mormente devido ao princípio da presunção iuris tantum de inocência.

41.º – Desta forma, o sempre douto Acórdão Recorrido violou, entre outros, o art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (princípio in dubio pro reo); os art.ºs 97.º, n.º 4 e 5, 127º, 340º, todos do Código Processo Penal;

42.º – Quanto à qualificação jurídica dos factos dados como provados, a recorrente é do entendimento que o crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.144.º do Código Penal, exige o elemento objectivo do tipo de ilícito e, para além de uma actuação com dolo em qualquer uma das suas modalidades, ainda, um dolo do resultado verificado, ou seja, que o resultado gravoso verificado tenha sido efectivamente querido ou pretendido pelo agente, ainda que a título individual,

43.º – Sendo certo que decorre do próprio texto do douto Acórdão aqui em crise, que a arguida jamais pretendeu causar à morte ou perigo para a vida da sua tia.

44.º – Considerando igualmente o douto Acórdão que o resultado morte não poderia ser imputado à arguida sequer a título de dolo eventual, mas somente a nível de negligência.

45.º – Ora, considerando ainda o teor do acórdão recorrido, embora a arguida/recorrente actuasse com dolo ou propósito de ofender a integridade física da vítima, todavia entende a recorrente que foi indevidamente julgado como provado que a arguida agisse com dolo relativamente ao resultado verificado, ou seja, que agisse com intenção de causar à vítima perigo para a morte.

46.º – Não se tendo provado que a recorrente agiu com intenção de causar perigo para vida da ofendida, a sua conduta preencheu os elementos objectivos e subjectivos do crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado.

47.º – Vejamos neste particular os elementos constitutivos de alguns dos crimes de ofensa à integridade física previstos no Capitulo III, do Título I, da Parte Especial do Código Penal, o art.143.º, n.º 1, do Código Penal estabelece que «Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.».

48.º – Não se verificando algum dos casos especiais de ofensas à integridade física previstos no Código Penal, no capítulo dos" Crimes contra a integridade física", as ofensas à integridade física terão o tratamento do art.143.º do Código Penal.

49.º – Ora, dispõe o artigo 144.º, alínea d) do Código Penal, que estatui, designadamente, o seguinte:

«Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:

d) Provocar-lhe perigo para a vida;

(…)

é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos».

50.º – O elemento subjectivo é constituído pelo dolo em qualquer uma das suas modalidades. O dolo no crime de ofensa à integridade física grave tem de abranger não só o tipo fundamental (art.143.º, n.º 1 do Código Penal), como as consequências que o qualificam.

51.º – Ou seja, o dolo no crime de ofensa à integridade física grave tem de abranger o resultado grave, pelo que no caso da alínea d), que está em causa nestes autos, tem de abranger o resultado morte, pelo menos a título de dolo eventual. – Cfr. os Profs Augusto Silva Dias, in "Crimes contra a vida e a integridade física", edição da AAFDL, ano 2007, páginas 101 a 107 e Paula Ribeiro de Faria, in "Comentário Conimbricense do Código Penal", Tomo I, Coimbra Editora, pág.223 a 234.

52.º – No caso concreto em apreciação, verificamos que dos factos dados como provados na sentença recorrida consta que a arguida "não previu a possibilidade do falecimento da sua tia" (…) "pelo que este resultado é-lhe, assim, imputado, subjectivamente, a título de negligência".

53.º – Resultando indevidamente provado que a arguida deveria saber que a sua conduta determinava perigo para a vida, quando todavia foi demonstrado em julgamento que a compressão dos seios carotídeos é uma manobra médica perigosa cujo conhecimento de realização e ainda do seu perigo está apenas ao alcance de médicos ou pessoas com formação profissional superior em saúde.

54.º – Não bastando afirmar que a vítima é uma pessoa idosa, ou que o resultado da conduta foi a morte, para se concluir que a arguida agiu com dolo relativamente ao perigo para a vida.

55.º – Ou melhor, não é pelo facto de a vítima ser idosa, ou pelo facto de uma conduta resultar a morte que se deve concluir ter a arguida agido com dolo relativamente à agravação do perigo para a vida, caso contrário não faria qualquer sentido o legislador autonomizar e catalogar devidamente as agravações e os tipos de ilícito objectos e subjectivos.

56.º – Caso contrário, bastaria que uma ofensa à integridade física resultasse a morte para que o arguido fosse sempre condenado por um crime de ofensa a integridade física, GRAVE, agravado pelo resultado.

57.º – Parece-nos, salvo o devido respeito, que o tribunal confunde, AINDA, o conceito do crime de ofensa a integridade física GRAVE com o QUALIFICADO, e ainda com a agravação (punível por negligência) pelo resultado morte.

58.º – É que dos factos provados constam elementos que permitam concluir que o comportamento da recorrente se materializou num resultado agravante não previsto, i. e., não resulta dos factos provados, o dolo relativamente às consequências que agravam as ofensas à integridade física, como graves.

59.º – Mesmo entendendo, o Tribunal a quo, que embora a arguida actuasse com dolo ou propósito de ofender a integridade física, não se provou que agisse com intenção de colocar-lhe perigo para a vida, isto é, que tenha agido com conhecimento e vontade de lhe provocar perigo para a vida.

60.º – Foi excluída a possibilidade da existência de dolo eventual, no sentido de a recorrente ter representado como consequência possível da sua conduta colocar em perigo a vida da vítima e haver-se conformado com essa realização.

61.º – Se a recorrente actuasse com dolo, em qualquer das modalidades, querendo colocar em perigo a vida da vítima, a sua conduta preencheria o crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art, 144.º, alínea d) do Código Penal, pelo qual foi condenada.

62.º – Se a recorrente actuou com dolo relativamente à lesão, mas o resultado ou possível consequência da lesão, só lhe pode ser imputado a título de negligência, praticará o crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado, p. e p. pelo art. 147º, n.º 2 do Código Penal.

63.º – Não pode é atribuir-se-lhe o resultado a título de negligência, e igualmente proceder-se ao agravamento a que só é punível a título de dolo, mesmo que em qualquer uma das suas modalidades.

101.º – Resultando provado, que a arguida deveria saber que a sua conduta provocava perigo para a vida, o que no entender da recorrente não faz sentido.

102.º – É que dos factos provados constam elementos que permitam concluir que o comportamento da recorrente se materializou num resultado agravante não previsto.

103.º – Dito de outro modo, não poderia resultar provado, o dolo relativamente às consequências que agravam as ofensas à integridade física, como graves.

104.º – Mesmo entendendo, o Tribunal a quo, que embora a arguida actuasse com dolo ou propósito de ofender a integridade física, não se poderia dar como provado que agiu com intenção de colocar-lhe perigo para a vida, isto é, que tenha agido com conhecimento e vontade de lhe provocar perigo para a vida.

105.º – Tanto mais que, que segundo o entendimento do tribunal, sempre que alguém praticar um crime de ofensa a integridade física, agravado pelo resultado, será sempre condenado por um crime de ofensa a integridade física grave, na medida em que se o resultado foi a morte é porque provocou perigo para a vida.

106.º – Não é este o entendimento do legislador ao autonomizar as agravações, porquanto tem de resultar provado, concretamente por força de elementos probatório concretos, que o arguido tinha conhecimento que a sua conduta provocava perigo para a vida e mesmo assim não se absteve de a praticar.

107.º – O que diga-se, no caso concreto, não basta o facto de a arguida ser uma pessoa idosa para se concluir tal facto.

108.º – Aliás, a arguida teria de ter conhecimentos médicos relativamente à perigosidade da compressão dos seios carotídeos, pois como se demonstrou em julgamento tal conhecimento e manobra está apenas ao alcance de médicos ou profissionais de saúde.

109.º – Perante o exposto, os factos dados como provados no Acórdão recorrido, não permitem a qualificação jurídica (nos termos das disposições conjugadas dos artigos 144.º, alínea d), 145º, n.º 1 alínea b) e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 1 e 2 alínea c) e 147.º, n.º 1 do Código Penal, que consequentemente foram violadas pelo Douto Acórdão Recorrido.

110.º – Devendo, ser recalculada pelo Tribunal ad quem a moldura penal aplicável, e consequentemente a moldura concreta da pena.

112.º – Por outro lado, a arguida é do entendimento que a moldura concreta da pena de seis anos de prisão efectiva é manifestamente excessiva.

113.º – Sucede que, a pena concreta a aplicar terá sempre de ter em conta as necessidades de socialização do agente, e a necessidade da afirmação contra fáctica da norma violada, reafirmando a necessidade de proteger o bem jurídico ameaçado pela conduta do agente, mas tendo sempre como limite intransponível a culpa do agente.

114.º – Pelo que, toda a pena excessiva é um puro desperdício e inutilidade, por isso o legislador se encarrega no art.º 71.º, n.º 1 do C.P., de definir os seus parâmetros; culpa e prevenção, INTERFERINDO, AINDA, CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO FAZENDO PARTE DO TIPO, AGRAVAM OU MITIGAM A RESPONSABILIDADE CRIMINAL – N.º 2, DO Art.º 71.° DO C.P.

115.º – A pena aplicada, pela decisão aqui em crise, de seis anos de prisão efectiva pelos factos que lhe são imputados, jamais se poderá considerar proporcional e adequada ao caso em concreto, tanto mais que, conforme consta da decisão recorrida, a arguida não teve qualquer intenção de retirar a vida à sua tia, nem sequer previu tal resultado como possível.

116.º – Veja-se que a moldura concreta da pena aplicada pelo mui douto Acórdão recorrido, caso seja atendida a pretensão da recorrente, relativamente ao erro na qualificação jurídica dos factos dados como provados, ficaria acima do limite máximo da moldura abstracta da pena aplicada ao presente caso.

117.º – Tanto mais que, a arguida encontra-se perfeitamente integrada no seio da sua família e amigos, bem como sociedade, sendo inclusive proprietária de um pequeno estabelecimento comercial de venda de flores, da qual é única funcionária, e conforme consta do relatório social, a arguida denota ter consciência do valor vida, tendo inclusive tratado dos cuidados básicos de saúde e alimentação da vítima durante mais de 7 anos.

119.º – Sendo uma pessoa trabalhadora, e respeitada pelos seus familiares, conhecidos e amigos, perfeitamente bem inserida no meio e que reside e trabalha, cumpridora de todas as suas obrigações de cidadania, nomeadamente cumprindo com todas as suas obrigações fiscais e sociais.

120.º – Tem dois filhos maiores, residindo com o seu marido, sogra e um dos filhos maiores, inclusive assegurando todos os cuidados de saúde, alimentação e vestuário da sua sogra.

121.º – Devendo ainda ser tido em conta, a total ausência de antecedentes criminais, que revelam pela arguida, um comportamento, em regra, conforme o direito, acresce ainda o lapso de tempo ocorrido entre a data dos factos e a sua condenação, decorridos mais de 3 anos sem que seja conhecido à arguida qualquer ilícito criminal ou de qualquer outro tipo.

122.º – De acordo com os factos provados e tendo em conta o acima exposto, é manifesto que as razões de prevenção geral positiva ou de integração, «a necessidade de manter e reforçar a comunidade na validade e na força da vigência da norma violada», sem esquecer o efeito de intimidação geral e especial, ficam asseguradas, no caso concreto, com uma pena muito próxima do mínimo legal, e afastada do ponto médio da moldura aplicável, pelo que a pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, no entendimento da recorrente assegurará todas as necessidades de prevenção geral e especial que o legislador exige.

123.º – A necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes encontrar-se-ia acautelada pela ameaça de cumprimento de pena de prisão efectiva, porquanto a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (artigo 50,º n, 1 do Código Penal), as quais, segundo o n.º 1 do artigo 40.º do mesmo Código Penal, se traduzem na protecção dos bens jurídicos (prevenção geral) e na reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).

124.º – Decidindo, como decidiu, o Douto Acórdão recorrido violou, o disposto nos artºs. 50º, 40º, 71º e 144.º do Código Penal.

TERMOS EM QUE SE DEVE CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

COM QUE SE FARÁ A ACOSTUMADA, JUSTIÇA.


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

Da matéria de facto:

1ª – Nas conclusões que apresentou, a recorrente não deu cumprimento integral ao disposto no artigo 412.°, n.ºs 3 e 4, do CPP. Assim, e porque se considera ter cumprido tal exigência no corpo da motivação (e só por isso), deve a Recorrente ser convidada a completar e esclarecer as conclusões formuladas ao abrigo do disposto no artigo 417, nº 3 do CPP e, não dando cabal cumprimento a tal exigência, deve o recurso ser rejeitado, quanto à matéria de facto, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. c) do C.P.P.

Sem prescindir,

2ª – As conclusões extraídas pelo Tribunal a quo da prova produzida em audiência de julgamento são as únicas que se coadunam com as regras da lógica e da experiência, não existindo quaisquer razões para alterar o decidido, nomeadamente no que concerne á factualidade posta em causa pela recorrente.

Da matéria de direito:

3ª – A factualidade dada como provada no douto acórdão recorrido integra a prática do crime pelo qual a arguida foi condenada.

4ª – Quanto à escolha e medida da pena, o Tribunal a quo ponderou adequadamente todas as circunstâncias dadas como provadas, quer favoráveis, quer desfavoráveis à arguida.

5ª – A pena aplicada à arguida mostra-se adequada à sua culpa, ao grau de ilicitude do facto e às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

6ª – Assim sendo, tem de concluir-se pela inadmissibilidade legal da suspensão da execução da pena pretendida, porquanto a mesma excede os 5 anos de prisão – sendo certo que não existem razões para a sua diminuição.

7ª – Deve manter-se o douto acórdão recorrido.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando com a contramotivação do Ministério Público, expressando o entendimento de que as lesões verificadas no pescoço da vítima são compatíveis com acção humana e consequente mecanismo reflexo inibitório, de que se mostra verificado o dolo do crime pelo qual foi a arguida condenada, de que, face à moldura penal aplicável, à exiguidade das circunstâncias atenuantes, à robustez das circunstâncias agravantes e às crescentes exigências de prevenção geral, a pena concreta decretada é adequada, e concluiu pela improcedência do recurso.


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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir são:

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a violação do princípio in dubio pro reo;

- A inexistência de nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e a incorrecta qualificação jurídica dos factos;

- A excessiva medida da pena de prisão e a sua substituição.


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Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta do acórdão recorrido. Assim:

A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1.A arguida A... era sobrinha da vítima B... por parte do marido, C... .

2. B... viveu vários anos na companhia do seu irmão D... , cujo falecimento ocorreu em 2005.

3.Após a morte deste, A... e o seu marido, C... , passaram a administrar o património da vítima, bem como a gerir o estabelecimento comercial que a mesma possuía no rés do chão da residência sita na (...) , em (...) .

4. Na conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, agência de (...) , que a vítima possuía, passou a constar, como co-titular, o sobrinho C... , e a ser movimentada por este.

5. A arguida, juntamente com o seu marido, ficaram na posse do bilhete de identidade e do cartão de contribuinte da vítima.

6. A pensão de reforma que a vítima recebia, no valor de cerca de € 300,00, era entregue àqueles para que efectuassem o pagamento das despesas que a vítima possuía, nomeadamente: água, electricidade, mercearias e todas as despesas que aquela fazia nos estabelecimentos comerciais.

7. Para além destes pagamentos, aqueles entregavam à vítima, no início da semana, a quantia de cerca de € 7,00, para as despesas suplementares daquela.

8. O valor da pensão de reforma que não era gasto, era utilizado pela arguida e marido, nas despesas do seu agregado familiar.

9. Revogando testamento anteriormente por si outorgado no Cartório Notarial de Santa Comba Dão a 3 de Fevereiro de 2004, B... , a 20 de Junho de 2005, fez testamento, no mesmo Cartório, no qual instituiu, como seu único e universal herdeiro, o seu sobrinho C... , marido da arguida A... .

10. Pela vítima B... foram feitos vários testamentos ao sobrinho C... , sendo os mesmos revogados quando o relacionamento entre ambos se deteriorava.

11. B... andava desagradada com a atitude do sobrinho e da arguida, uma vez que estes não lhe restituíam o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte, apesar de inúmeras vezes instados para procederem à sua entrega, o que não fizeram, facto que originava discussões entre ambos.

12. A relação de B... com o seu sobrinho, C... , agudizou-se no início do ano de 2009, altura em que a vítima descobriu que o valor da sua pensão de reforma era de cerca de € 350,00, enquanto que, de acordo com o que aquele e a esposa, A... , lhe diziam, a falecida estava convicta de que se tratava de um valor bastante inferior.

13. Nessa altura, B... pediu a uma vizinha que a ajudasse a obter novo bilhete de identidade, para poder ser ela a levantar a pensão de reforma e saber em que estado se encontrava a sua conta da Caixa Geral de Depósitos.

14. Para o efeito, e na companhia da referida vizinha, dirigiu-se ao Serviço de Identificação de (...) , e solicitou novo bilhete de identidade, sendo-lhe entregue o correspondente documento de substituição.

15. Com este documento, B... dirigiu-se à Caixa Geral de Depósitos, balcão de (...) , e assim obteve a informação de que o dinheiro que tinha na conta tinha sido levantado.

16. No dia 10 de Julho de 2009, em hora não concretamente apurada, o C... foi a casa de B... , onde encontrou o envelope no qual tinha sido enviado o documento de substituição do bilhete de identidade, e confrontou a vítima com o mesmo, exigindo-lhe a entrega do documento, o que aquela não fez.

17. C... relatou à arguida, sua esposa, que tinha conhecimento de que a vítima havia adquirido o documento de substituição do bilhete de identidade.

18. No dia 15 de Julho de 2009, pelas 08H55, A... , como o fazia habitualmente, levou o pão a B... .

19. Ao chegar à residência da falecida, sita na (...) , em (...) , A... chamou a sua tia para o interior da residência, para lhe colocar gotas nos olhos, como era hábito, uma vez que aquela sofria de cataratas.

20. Nesse momento, após a ofendida ter informado a arguida da revogação do testamento que beneficiava o seu marido, operada pela vítima, gerou-se discussão entre ambas, com troca de impropérios que não foi possível concretizar.

21. Na sequência da discussão, A... lançou as mãos à cara de B... , arranhando-a com as unhas na asa direita e esquerda do nariz e boca.

22. Na mesma sequência, a arguida lançou as mãos ao pescoço da vítima e apertou-o, com força, durante um período de tempo que não foi possível apurar, mas que fez com que a vítima, com falta de ar, desfalecesse e caísse ao solo, ficando na posição de decúbito lateral esquerdo com as pernas semiflectidas, com os joelhos encostados à parede, e com o pé esquerdo em cima do último degrau da escada.

23. Verificando que B... se encontrava caída no chão, A... abandonou de imediato o local.

24. Devido à actuação da arguida, A... , sofreu a vítima, B... , na cabeça: várias escoriações lineares na asa esquerda do nariz, sensivelmente transversais, a mais distal com 10mm e a mais próxima com 15mm, escoriações lineares logo abaixo da asa direita do nariz, na região nasogeniana direita, a maior transversal com 5mm de comprimento, rodeada de equimose arroxeada com 5mm de eixo maior por 3mm de eixo menor, equimose arroxeada na asa direita com 3mm de eixo maior por 2 mm de eixo menor; várias pequenas escoriações na parte direita mais distal do nariz, a maior com 3mm de eixo menor por 1mm de eixo menor; equimose arroxeada na região bucal direita com 33mm de eixo transversal por 6mm de eixo longitudinal; outra equimose arroxeada situada na mesma região, mas localizada mais posteriormente com 15mm de eixo transversal e 5mm de eixo longitudinal, apresentando ainda uma escoriação linear com 4mm de comprimento; escoriação na parte mediana da região mentoniana com 15mm de eixo longitudinal e 1mm de eixo transversal; equimose arroxeada na região mentoniana (metade esquerda), com 20mm de eixo longitudinal com 9mm de eixo transversal; - no pescoço: escoriação linear, transversal, na região cervical anterior com 6mm de comprimento; ponteado hemorrágico na região cervical lateral esquerda; - no abdómen: várias escoriações lineares na região lombar esquerda, a maior com 4cm de comprimento; - membros superiores: equimose arroxeada na região escapular direita (posterior) com 7cm de eixo transversal com 3,5cm de eixo longitudinal; equimose arroxeada no terço médio da região braquial direita com 1cm de eixos; equimose avermelhada do cotovelo direito (posterior) com 3,5cm de eixo transversal e 3cm de eixo longitudinal com ligeira esfoliação da zona; equimose arroxeada no dorso da mão direita, na transição entre a região metacárpia e falângica do 2º dedo, com 4cm de eixo transversal e 3,5 de eixo longitudinal; equimose arroxeada no terço proximal da região braquial anterior esquerda com 1cm de diâmetro; equimose arroxeada na metade lateral do punho esquerdo (posterior) com 10cm de eixo transversal e 13cm de eixo longitudinal; equimose arroxeada no dorso da mão esquerda, próximo do punho com 1,5cm de eixo longitudinal e 1cm de eixo transversal; escoriação com crosta; - membros inferiores: esfoliação linear no terço proximal da região femoral direita com 2cm de comprimento; equimose arroxeada no terço proximal da região crural anterior direita (metade lateral) com 2cm de eixo longitudinal e 2,5 cm de eixo transversal, equimose arroxeada no terço médio medial da região crural anterior direita com meio centímetro de diâmetro; escoriação no joelho direito (anterior) com 1cm de diâmetro e escoriação linear no terço médio da região crural anterior esquerda com meio centímetro de comprimento; infiltração sanguínea do músculo esterno-cleido-mastoideu esquerdo e do musculo longo do pescoço esquerdo; infiltração sanguínea peri corno superior esquerdo da cartilagem tiróide; infiltração retro-faringea e infiltração sanguínea pelo arco anterior no 1º e 2º arcos intercostais esquerdos.

25. Ao nível do hábito interno, na região da cabeça, B... apresentava tronco cerebral com presença de ponteado hemorrágico a nível da ponte (terço distal metade esquerda), com cerca de 10 milímetros de diâmetro.

26. A morte de B... ocorreu devido a mecanismo reflexo inibitório, originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, conforme relatório de autópsia de fls. 131 a 138 e parecer de fls. 237, que se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos.

27. Sabendo que se tratava de pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, a arguida agiu com o propósito de agredir B... e de lhe causar perigo para a vida, provocando-lhe lesões que determinaram perigo para a vida desta.

28. A arguida não previu a possibilidade do falecimento da sua tia, B... , pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, e deveria tê-lo feito.

29. Agiu A... , ao apertar o pescoço à sua tia, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibindo, ainda assim, de os concretizar.

30. Durante vários anos, e desde momento temporal que não foi possível fixar, a arguida e o marido realizaram cuidados de saúde e alimentação à falecida.

31. A falecida estava autorizada, pela arguida e marido desta, a realizar compras de que necessitasse, nomeadamente em mercearia, talho e peixaria, pagando aqueles, posteriormente, os respectivos gastos.

32. Para além disso, a arguida e o marido davam € 7,00 por semana à vítima para eventuais gastos.

33. Até momento que não foi possível fixar com precisão, a vítima consentiu que a arguida e o marido recebessem a sua pensão de reforma.

34. A arguida ia diariamente a casa da vítima, colocava-lhe pingos nos olhos, dava-lhe pão e realizava trabalhos domésticos.

35. No dia 15 de Julho de 2009, por volta das 8h55m, como de costume, a arguida levou cinco pães de trigo à sua tia.

36. A... nasceu em 1963, em (...) , filha de pai pintor da construção civil e de mãe doméstica, frequentou seis anos de escolaridade, após o que se iniciou nas lides profissionais, como empregada de mesa, deslocando-se para o litoral nos períodos de Verão.

37. Casou com dezanove anos, tendo então constituído o seu agregado, que inclui dois filhos, que deixava ao cuidado dos avós paternos quando se ausentava para a Suíça, para trabalhar.

38. Regressou definitivamente em 2000, tendo montado negócios por conta própria, o actual uma loja de venda de flores de corte.

39. Reside com o marido, com cinquenta e um anos de idade, funcionário (...) e um filho de 26 anos, solteiro, que trabalha por conta própria na construção civil, residindo o agregado em casa pertencente à sogra da arguida, octogenária, viúva, reformada.

40. A arguida cresceu num contexto sociofamiliar sem problemáticas de relevo, tem tido um percurso profissional activo, denotando hábitos de trabalho, beneficiando, ao nível familiar, do apoio do marido, filhos e sogra, registando uma inserção social positiva.

 41. A arguida não tem antecedentes criminais.

(…).

B) Nele foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

a) A... apenas tenha largado o pescoço da sua tia quando esta desfaleceu;

b) nas discussões entre arguida e marido, por um lado, e a tia B... , por outro, fossem utilizados vários impropérios;

c) arguida e marido dissessem à falecida, textualmente, que a pensão de reforma desta era “uma esmola”;

d) a arguida, ao tomar conhecimento que a vitima tinha obtido o documento de substituição do BI, e que com esse documento teria acesso e conhecimento do estado das suas contas bancárias e que poderia, mais uma vez, revogar o testamento que tinha feito ao seu marido C... , logo pensou em confrontar a vítima com os mesmos.

e) quando a arguida procedia à realização do tratamento, a vitima lhe tenha pedido o BI;

f) a vítima, enquanto discutia com a arguida, tenha descalçado as botas e se tenha dirigido para as escadas que dão acesso ao primeiro andar, sendo perseguida pela arguida, que realizou um movimento repentino;

g) a arguida tenha agido com o firme propósito de tirar a vida à vitima atenta a forma como lhe apertou o pescoço, bem sabendo ou prevendo que dessa forma lhe produzia a morte por asfixia, conformando-se com a mesma;

h) a arguida tenha agido com total insensibilidade pelo valor da vida humana, que sabia dever respeitar;

i) a vítima sempre tenha consentido que a arguida e o marido recebessem a sua pensão de reforma;

j) a partir de 2006 a falecida tenha iniciado um modo de vida estranho, pois consumia então bastante vinho;

l) a arguida se tenha preocupado com tal consumo de álcool, pois não lhe facultava a quantidade de vinho que a sua tia reclamava.

m) em consequência, a vítima, revoltada, apelidava a arguida de “puta e “vaca” e que “queria roubar-lhe o dinheiro que tinha no banco”.

n) apesar disso a arguida e o marido com toda a paciência tenham continuado a tratar bem a sua tia;

o) no dia 12 de Junho de 2009 a vítima tenha ido almoçar a casa de uma vizinha, G... , e aí tenha bebido um copo de vinho;

p) a arguida só após a conclusão do inquérito é que tenha tido conhecimento de tal facto;

q) no dia 13 de Junho de 2009, cerca das nove horas, a falecida não se encontrasse na residência e o marido da arguida se encontrasse a trabalhar numa casa de pneus denominada H... ;

r) logo após a arguida ter colocado o pão no manípulo da porta e ter virado costas, de seguida a testemunha G... tenha apressadamente retirado da porta o saco do pão, para que a falecida tia ficasse mais irritada com a arguida e sobrinho.

s) no dia 15 de Julho de 2009, por volta das 8h55m, a arguida tenha encontrado a tia muito nervosa e diferente, discutindo com a arguida e chamou-a aos berros de “vaca”, “puta” e “ladra”;

t) além disso, a falecida tenha agarrado a arguida, e a tenha empurrado com a mão contra a parede junto às escadas da casa;

u) a arguida se tenha defendido e tenha sido para evitar que a sua tia a lesionasse e para afastar a falecida que colocou os braços estendidos e a mão junto ao pescoço da falecida;

v) apesar disso a falecida tenha insistido em pressionar e querer atingir o corpo da arguida;

x) entretanto, a tia da arguida, fosse a subir as escadas e tenha caído no primeiro degrau, chamando a arguida de “puta” e “vaca”;

z) apesar disso, a arguida tenha levantado a falecida;

aa) perante isto, a arguida tenha ficado muito fragilizada e muito nervosa e tenha ido para a sua loja de flores;

bb) a I... tenha telefonado para o marido da arguida e o tenha informado que a sua tia estava no chão ao fundo das escadas e que se encontrava morta;

cc) só nessa ocasião é que o marido e a arguida tenham tido conhecimento que a falecida tia tinha revogado o testamento inicial em que aqueles eram herdeiros.

dd) as alegadas agressões da arguida à vítima não tenham sido “a consequência directa e necessária da morte da ofendida” (sic – cfr. fls.389).

ee) para ter existido o apertar do pescoço, com força, na forma descrita, dos autos, e assim causar a morte à falecida, tivessem de existir, de ambos os lados do pescoço da vítima, lesões traumáticas;

ff) A arguida tenha agido com intenção de ofender a integridade física da ofendida, sabendo que necessariamente lhe causaria a morte;

gg) a arguida tenha agido com intenção de ofender a integridade física da ofendida, admitindo como consequência possível da sua conduta a morte da ofendida, e com ela se conformando.

(…)”.

C) Dele consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

§1º Conforme se refere no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra nos presentes autos, “a prova, em processo penal, tem por objecto a demonstração de um facto histórico, a reconstituição de uma situação passada penalmente relevante. Esta demonstração pode ser feita através de prova directa, que incide imediatamente sobre os factos probandos, e pode ser feita através de prova indirecta, que incide sobre factos distintos dos factos probandos mas de cuja prova em conjugação com regras da experiência, é possível inferir a prova dos factos probandos. Por sua vez, as regras da experiência ‘são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade’ (Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág.30)”, (cfr. fls.936).

Nesse mesmo sentido, decidiu o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 12-9-2007, disponível in www.dgsi.pt:

“I - A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso dos indícios.

II - Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal (…).

III - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de a outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.”.

Como salienta Vaz Serra (Direito Probatório Material, BMJ, n.º 112, pág. 190) “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência”.

“As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto” (Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 333 e segs.). Ou seja, na dúvida, funcionará o princípio in dubio pro reo.

Por conseguinte, sendo permitido em processo penal o recurso a prova por presunções, porque não proibida por lei (art. 125º do CPP), “as normas dos artigos 126º e 127º do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo”, (Ac. STJ, de 23-11-2006, in www.dgsi.pt).

Por outro lado, não é uma qualquer dúvida em matéria de facto que obriga à aplicação do princípio in dubio pro reo, mas apenas a dúvida “razoável”, após a produção de todas as provas e sua avaliação de acordo com a lei e as regras da experiência comum. Se após a ponderação da prova – toda a prova – o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica a violação de tal princípio.

§2º In casu, o Tribunal Colectivo formou a sua convicção livremente sobre a veracidade dos factos apurados, de acordo com critérios lógicos e objectivos e com as regras da experiência, na consideração, análise e ponderação da globalidade da prova produzida, submetida ao contraditório e contraditada em audiência de julgamento bem como nos indícios precisos e concordantes com a prova produzida em audiência, à luz dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, valorando, na sua globalidade e de forma conjugada, os seguintes meios de prova :

1. O Relatório de Autópsia, Exame do hábito externo, a fls.31 a 38 e a fls.131 a 137, conjugado com a discussão do relatório de autópsia, a fls.137 a 138, com as conclusões de fls.138, com o Parecer de fls.237, subscrito pela senhora Perita Médica, Drª F... e com os esclarecimentos da mesma prestados em audiência – que permite concluir que está objectivamente provado que a vítima apresentava no pescoço, escoriação linear, transversal, na região cervical anterior com seis milímetros de comprimento e ponteado hemorrágico na região cervical lateral esquerda, bem como, ainda no pescoço, nos músculos, infiltração sanguínea dos dois terços distais do músculo esternocleidomastoideu esquerdo (metade medial) e infiltração sanguínea superficial do músculo longo esquerdo do pescoço, no osso hióide e cartilagens, infiltração sanguínea pericorno superior esquerdo da cartilagem tiróide, e na faringe e esófago, infiltração sanguínea retrofaríngea.

Apesar de na discussão do relatório de autópsia se afirmar que as lesões traumáticas observadas no cadáver (incluindo as do pescoço) não eram adequadas a produzir a morte, nem os exames histológicos identificaram patologia responsável por uma paragem cárdio-respiratória súbita, acrescentou-se, porém, que na hipótese de ser esta a causa da morte, não podia excluir-se a possibilidade de a paragem ter resultado de eventual mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática da região cervical, embora os sinais a nível da região cervical fossem muito ténues e a nível do hábito interno, localizados à esquerda, concluindo-se (na primeira conclusão) não existirem elementos seguros e concretos que possibilitem a determinação da causa da morte da vítima.

Todavia, no Parecer de fls.237, por si subscrito, a Srª Perita Médica que realizou a autópsia e elaborou o respectivo relatório, esclareceu que as lesões traumáticas verificadas no pescoço da vítima são compatíveis com a acção humana de o apertar com as mãos e que o contexto de que só agora tinha conhecimento (discussão e confronto físico entre vítima e arguida) “em que o nível de stress foi elevado, nomeadamente numa pessoa idosa, podendo ter determinado a existência de qualquer perturbação cardíaca, isquémica muito recente ou arrítmica, não passível de tradução no exame post mortem, não é possível no entanto, atendendo ao mesmo contexto ora referido, de excluir a existência de qualquer mecanismo reflexo, inibitório originado por compressão traumática cervical, mesmo pouco intensa, a nível dos seios carotídeos”, (sic).

O que significa que a Srª Perita Médica admite como possibilidade para a causa da morte da vítima o mecanismo reflexo inibitório por compressão traumática cervical, a nível dos seios carotídeos.

2. O Auto de reconstituição do facto de fls.154 a 157, feito com a participação e colaboração da arguida (cfr. fls.154 e segundo o depoimento da testemunha O... , feito de acordo com as suas informações) demonstra que as lesões observadas no pescoço da vítima foram causadas pelo aperto da mão da arguida e que, por isso, a sua tia ficou em dificuldades respiratórias, no chão, prostrada, ao fim das escadas, a qual não mais deu sinal de si, tendo, horas depois, sido encontrada morta, no preciso local onde a arguida a havia deixado.

3. Os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pela Senhora Perita Médica, Drª F... , a qual esclareceu que havia lesões do lado esquerdo e do lado direito do corpo, na zona da face e nos membros superiores, bem como no pescoço; que as lesões não estavam de acordo com uma queda de vários degraus; que no pescoço da vítima há uma lesão do lado esquerdo e outra da parte mediana do pescoço; que as pessoas idosas têm uma hipersensibilidade na região cervical, na zona da bifurcação da carótida, podendo uma compressão ligeira no pescoço, (um simples dedo basta), determinar acções radicais, uma hipotensão grave ou perda de irrigação cerebral, e tudo sem deixar marcas observáveis, que numa pessoa idosa o stress pode causar arritmia e níveis subidos de hormonas, que se soubesse o contexto relatado na acusação quando fez a autópsia podia ter concluído no sentido de a morte poder ter sido causada por asfixia na sequência da agressão com as mãos no pescoço, mantendo o por si referido no Parecer de fls.237, por si subscrito.

Por outro lado, a Srª Perita Médica, subscritora do relatório de autópsia, foi peremptória a considerar que as lesões que a vítima apresentava, designadamente na cara e no pescoço, não são minimamente compatíveis com uma eventual queda das escadas.

A senhora perita referiu ter a certeza de que “houve alguma coisa externa” que pressionou o pescoço da vítima, bastando uma pressão nessa zona dos seios carotídeos, sendo o pescoço (sobretudo de pessoas idosas) uma estrutura delicada, sem defesa, podendo a causa da morte ter sido o agarrar pelo pescoço.


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4. Inspecção Judiciária ao local de fls.65 e 66, identificação da vítima de fls.66 e 67 e exame ao hábito externo do cadáver de fls.67 e 68 (em que se refere que o cadáver apresentava “uma escorrência sanguinolenta pela boca” – fls.68, “apresentava uma pequena equimose na face lateral direita, marcas aparentemente equimóticas abaixo da região mentoniana com escoriação, zona equimótica na face lateral externa do cotovelo direito, zona equimótica na região lateral exterior da perna direita junto da dobra do joelho, ligeira escoriação na região mentoniana, equimose com hematoma na zona dorsal da mão direita, 2º metacarpo, hematoma no dorso da mão esquerda, diversas escoriações no nariz, sobre o lado esquerdo e duas pequenas equimoses na flexura do pescoço, junto à região da carótida e jugular esquerda”, (Fls.68), conforme evidenciam as fotografias da vítima juntas a fls.68.

5. Perícia médico-legal de fls.79 a 86, apresentando a vítima “escorrência de sangue na boca, várias escoriações na asa esquerda do nariz sensivelmente transversais, escoriação na região nasogeniana, próxima da asa direita do nariz, linear, rodeada de equimose arroxeada, equimose arroxeada na asa direita do nariz, várias pequenas escoriações na região mais distal da ponta do nariz, equimose arroxeada na região bucal direita, equimose arroxeada na região bucal direita, na zona mais causal à anterior, com pequena escoriação linear”, (fls.80 e 81), “escoriação na região cervical anterior e ponteado hemorrágico na região cervical lateral esquerda” (fls.81), bem como as fotografias da cara da vítima de fls.83;

6. A contestação apresentada pela arguida a fls.383 a 391 e subscrita a fls.391 pela própria arguida (como esta reconheceu em audiência), onde a mesma admite ter colocado a mão direita no pescoço da falecida, mantendo-a afastada do seu corpo, (art.29º – fls.388, embora alegue que o fez porque a falecida, com 79 anos de idade, “insistia em pressionar e querer atingir o corpo da arguida”).

7. O assento de óbito da vítima junto a fls.169 a 170 v.;

8. O assento de nascimento da vítima junto a fls.262 e v., pelo qual se constata que a vítima tinha à data do seu falecimento 79 anos de idade;

9. O assento de nascimento da arguida junto a fls.258 e 259 e v. pelo qual se constata que em 15/07/2009 a arguida tinha 46 anos de idade;

10. A certidão de revogação de testamento de fls.177 a 179, do dia 14 de Julho de 2009 pela qual a vítima revogou todo e qualquer testamento anteriormente lavrado, nomeadamente o testamento que fez em 21 de Junho de 2005.

11. Certidão do testamento público de 21 de Junho de 2005, de fls.182 a 183 v., pelo qual a vítima instituiu como único e universal herdeiro seu sobrinho, C... , marido da arguida.

12. Cópias das fichas de assinaturas da conta titulada pela vítima junto da CGD, juntas a fls.196 a 198.

13. Cópias dos extractos da conta titulada pela vítima junto da CGD, desde 01/01/2004 até 31/12/2007, juntos a fls.203 a 211.

14. O depoimento credível e convincente da testemunha G... , a qual conhecia a vítima desde que veio morar para Campo de Besteiros há mais de 20 anos, tendo referido que a falecida B... vivia com bastantes dificuldades e às vezes pedia dinheiro emprestado à testemunha; que a referida B... vivia sozinha “há uns bons anos” depois dos irmãos terem falecido; que a testemunha conhece a arguida A... por ser da família da Dª B... , a qual se dava bem “com a mãe do C... ”; que houve uma altura em que a referida B... falou que não andava bem tendo “após essa data” a testemunha conhecido a Dª A... em casa da Dª B... ; que ultimamente a arguida A... ia levar pão a casa da B... e às vezes deixava pendurado o saco com o pão na porta da cozinha e nem se viam; que o quintal da casa da referida B... “dá com as traseiras da casa” da testemunha; que a testemunha e a falecida B... tinham um sinal entre ambas: quando a referida B... “ia para cima acendia a luz” e a testemunha “via que a B... foi para cima, foi-se deitar”; que a testemunha ficava mais descansada e a B... também; que era o sinal que a referida B... dava para se ia deitar; que a testemunha se preocupava com a referida B... ; que esta tinha muitas necessidades porque o sobrinho ficava-lhe com a reforma dela “e pouco lhe dava”; que a referida B... “vendia uns ovitos e tinha umas galinhas e criava um porco”; que, segundo dizia a B... à testemunha, a sobrinha dava à B... “€ 5 ou € 10 de vez em quando” e os sobrinhos ficavam-lhe com a reforma, a qual era recebida pelos sobrinhos; que a B... sabia ler e escrever; que quando vinha a carta da Segurança Social, a B... não abria a carta e entregava a carta aos sobrinhos; que toda os documentos da B... estava em casa dos sobrinhos; que a B... precisou dos seus documentos para ir ao Centro de Saúde, pediu várias vezes os documentos aos sobrinhos e estes nunca lhos deram; que um dia a B... pediu à testemunha e ao marido para a levarem a (...) para pedir uma segunda via do B.I.; que a B... estava na posse das suas faculdades todas; que a B... disse à testemunha que “tenho medo de ficar com a carta. Eles podem discutir comigo. Não fico com a carta”, tendo a testemunha insistido para a B... abrir a carta, tendo a referida B... dito à testemunha para abrir a carta, o que ela fez, descobrindo que a B... tinha de reforma à volta de 72 contos por mês; que a B... ficou muito desorientada; que isso foi “muito pouco tempo antes da tragédia acontecer”, foi 3 ou 4 meses antes; que foi depois disso que a referida B... pediu à testemunha e ao marido para ir com ela tratar do B.I., pois a B... queria ver o dinheiro que estava na C.G.D.; que a B... tratou de pedir um novo B.I., mas “o C... apanhou-lhe a carta. Isto foi numa 6ª feira de Julho”; que o referido C... ficou muito zangado com ela, tendo a B... contado à testemunha que discutiu e começou a ralhar muito alto com ela; que como era uma 6ª feira entregou-lhe a carta e a B... foi levá-la a casa da testemunha, referindo-lhe que ia levantar o B.I: na 2ª feira; que nessa 2ª feira a B... pediu à testemunha para ir com ela a (...) levantar o B.I: que depois a B... pediu ao marido da testemunha para irem à CGD “para ver se lá estava o dinheiro”, tendo sido dito pela gerente à B... que não havia dinheiro nenhum na conta e que a mesma estava em nome da B... e do seu sobrinho C... ; que “a B... ia desmaiando, ficou branca e começou a chorar muito”; que isso foi “uns 10 dias antes do falecimento”; que quando regressaram ao carro a testemunha disse à B... para não dizer nada, para bem dela; que na 2ª feira a B... queixou-se à testemunha que não lhe levaram pão nenhum, tendo a testemunha ido comprar pão à B... , que se queixou que não tinha nada para pôr no pão, tendo-lhe a testemunha dado € 2 para comprar fiambre; que a testemunha disse à B... para levantar o dinheiro nos correios “para se governar”; que “o C... estava a ouvir a conversa escondido e pôs o pé à frente, encostou a testemunha contra a parede e disse ‘Ah sua falsa! Andas aqui ao cheiro?’, tendo a testemunha dito ao sobrinho da Dª B... que não tinha medo dele; que nesse dia desapareceu a chave do correio da B... (a chave estava pesa a um cordelito e o cordelito estava cortado em dois, no chão, que a referida B... foi a casa da testemunha pedir que o marido desta a levasse na 3ª feira a (...) , dizendo que queria ao Notário, juntamente com o Sr. J... e que levava o B.I.; que a B... disse que queria ir desfazer o testamento que tinha feito ao sobrinho; que só nessa altura a testemunha soube que a B... queria desfazer o testamento; que levaram a referida B... ao Notário, tendo também ido a testemunha e o Sr. J... , tendo a B... desfeito o testamento que tinha feito em nome do sobrinho; que depois levaram a B... para casa onde a deixaram; que na 4ª feira, de manhã, a testemunha só viu a B... , estando de botas, a cortar “umas ervitas” com uma foice; que cerca das 9 horas, a testemunha viu o carro da Dª A... , tendo o L... da bomba dito ao marido da testemunha, cerca das 10h30mn/11horas que estava muito preocupado porque ainda não tinha visto a B... ; que quando estavam a acabar de comer, cerca das 13 horas, o Sr. L... foi ter com a testemunha, com cara de aflito, tendo dito à testemunha que a B... apareceu morta ao fundo das escadas, tendo a testemunha ficado muito mal.


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15. O depoimento credível e convincente da testemunha L... , que conhecia e era amigo da falecida B... há cerca de 17 anos, o qual trabalha numas bombas situadas em frente da casa da falecida, tendo referido que desde a morte do seu irmão D... , a Dª B... vivia sozinha há 5 anos, a qual conversava e desabafava muito com a testemunha, que a referida B... desconhecia o valor real da sua reforma, apenas tendo sabido do verdadeiro valor da sua reforma cerca de um mês antes de falecer, sendo os sobrinhos que levantavam a reforma da referida B... ; que “a B... tinha muito pouco dinheiro para o dia a dia, tendo o dinheiro dado pelos sobrinhos”; que quando precisava a B... pedia dinheiro aos sobrinhos; que a B... só se queixava que os sobrinhos lhe diziam que a sua reforma era “muito poucochinho e que ela não podia gastar”; que cerca de um ano antes da sua morte a B... queixava-se que não tinha o suficiente para comer; que cerca de um mês antes do seu falecimento, a B... abriu uma carta tendo constatado que a sua reforma era muito mais do lhe diziam, tendo a B... ficado bastante revoltada; que a B... deixou de ir a casa dos sobrinhos durante a semana dizendo “muitas vezes dão-me comida requentada e lá é uma gritaria. Só discutem uns com os outros. Prefiro estar em minha casa”; que os sobrinhos continuaram a visitar a B... “mas depois começou a ser menos”; que a arguida A... antes de ir para o trabalho passava por casa da B... , de manhã, e deixava-lhe o pão punha-lhe gotas nos olhos; que “ao fim o relacionamento já não era igual. Começou a haver uma revolta por parte da Dª B... , que se apercebia que as coisas não eram como imaginava, que os sobrinhos a iam tratar bem”; que ao início, quando a referida B... fez o testamento aos sobrinhos, estes estavam sempre na casa dela; que os sobrinhos vivem a cerca de um km da casa da Dª B... ; que esta só teve conhecimento da reforma um mês antes de falecer e que “toda essa revolta começou a mexer com a B... ”, a qual começou a ficar revoltada com os sobrinhos; que no dia 15 de Julho de 2009 a testemunha chegou ao posto de combustíveis onde trabalha, como habitualmente, às 7 horas da manhã e a B... andava a regar; que por volta das 7h15mns a B... foi ao posto de combustíveis (que fica do outro lado da estrada) falar com a testemunha tendo-lhe dito que ia fazer análises, abrindo a clínica de análises às 8 horas; que a B... foi fazer as análises (ficando a clínica mesmo ao lado do posto de combustíveis); que pouco tempo depois (“eram umas 8 horas e pouco”) a B... regressou ao posto de combustíveis, ainda com a manga arregaçada, tendo pedido à testemunha o favor de dizer ao carteiro para não deixar a carta da reforma na caixa de correio dela e para deixar a carta no posto de combustíveis “porque ela roubou-me a chave do correio. Roubou sim, que a chave do correio estava atada a um cordão e o cordão estava no chão”; que a testemunha disse à B... para ficar descansada, que falaria com o carteiro; que a seguir a B... foi para casa, tendo ido para o jardim; que depois a testemunha viu o carro da arguida A... e a Dª B... andava no jardim; que “entraram para dentro e fecharam a porta, coisa que nunca aconteceu (as portas fechadas)”; que “a Dª A... esteve muito tempo, nunca esteve tanto tempo: uma grande meia hora“; que a testemunha não se apercebeu de mais nada, estando as portas sempre fechadas; que “uma boa meia hora” depois, a testemunha viu a arguida A... sair pela porta, deixou o portão aberto, meteu-se dentro do carro e deu “um arranque do carro mesmo aflito”; “a partir daí não mais as vi nem uma nem outra”, (sic) tendo a testemunha descrito pormenorizadamente o seu estado de preocupação com a vítima, por nunca mais a ter visto, vendo que a mesma (contrariamente ao que era habitual) não aparecia, tendo a testemunha chegado a rondar a casa e a espreitar pela janela pois sabia que a B... estava dentro de casa; que finalmente, depois das 13 horas e da testemunha ter ido à peixaria, ter falado com a Srª I... , desta ter telefonado ao sobrinho da B... , C... , e de também ter aparecido a Dª W... , que mora em frente, cerca da “uma hora e pouco” a testemunha, o Sr. C... , o Sr. V... e a Srª I... entraram na casa da Dª B... e viram-na deitada no chão, de lado, tendo o referido C... olhado e dito “a minha tia está morta”, tendo a testemunha constatado que a residência da falecida B... não estava fechada à chave. Que ninguém mexeu no corpo e que na segunda feira anterior, a testemunha estava a trabalhar nas bombas quando ouviu a B... a falar alto e a berrar, estando com ela a Dª G... e o sobrinho, que também berrava; que a Dª B... e o sobrinho estavam a discutir, estando a Dª G... a assistir; que depois a Dª B... passou pelas bombas e disse à testemunha que “a Dª G... vinha-me buscar para ir levantar os documentos, apareceu o meu sobrinho e começou a mandar vir com a Dª G... ”; que a referida B... disse à testemunha que era o sobrinho que tinha os documentos (B.I. e cartão de contribuinte) da Dª B... ; que no domingo anterior ao falecimento a dª B... tinha dito à testemunha “Óh L... , ando com medo da minha sobrinha”; que a testemunha sabe que B... “andava para derrubar o testamento” tendo-lhe a B... dito que quando derrubasse o testamento ela punha a A... “cá fora”, dizendo-lhe “Já fora da minha casa, ladra, que aqui não tens mais nada”!, (sic). Mais referiu a testemunha que para o sobrinho C... aparecer na 2ª feira é porque ele andava desconfiado “de qualquer coisa.”

16. O depoimento credível e convincente da testemunha I... , empregada de balcão duma peixaria, que conhecia a Dº B... , por ser sua cliente, sendo o sobrinho dela quem pagava as compras que ela fazia; que a Dª B... disse à testemunha que tinha dinheiro no Banco e que era o seu sobrinho C... que passava a gerir o dinheiro dela; que a última vez que a testemunha viu a Dª B... com vida foi na 2ª feira anterior ao óbito, por volta das 11 horas 30mn da manhã; que no dia 15 de Julho de 2009 por volta das 12 horas o Sr. L... foi ter com a testemunha, nervoso e preocupado com a Dª B... , dizendo que nunca mais a tinha visto desde manhã, o que não era normal, porque a Dª B... ia muitas vezes, de manhã, ao posto de combustíveis; que a testemunha e o Sr. L... foram a casa da Dª B... bater à porta, espreitaram por uma janela da cozinha e chamaram pela Dª B... ; que a peixaria fica a 3 ou 4 minutos da casa da Dª B... ; que depois decidiram que o melhor era telefonarem ao Sr. C... , tendo sido a testemunha quem lhe telefonou tendo o mesmo respondido que “eu vou já aí abaixo”; que o referido C... mora a 5 ou 10 minutos de carro da casa da Dª B... ; que apareceram na casa da Dª B... o Sr. C... , a mãe dele, o Sr. L... , a testemunha e a Dª N... (florista) ; que a testemunha viu a senhora estendida no chão, tendo o Sr. C... dito : “a minha tia está morta”; que quando a testemunha chegou o Sr. C... já estava dentro de casa da Dª B... , não tendo a testemunha visto-o entrar; que o Sr. C... parece que não ficou muito surpreendido de a ver no chão; que nessa altura seria entre as 12H30mn e as 13horas. Mais referiu a testemunha saber que a arguida A... dizia à Dª B... que não tinha dinheiro para lhe dar porque a reforma desta era pequena e que mal dava para pagar a água e a luz e que a testemunha tem a convicção de que os sobrinhos não davam afecto nem carinho à Dª B... ; que esta dizia que tinha feito a casa ao seu sobrinho C... e que a Dª B... queria ir ao banco ver o dinheiro que tinha mas não tinha documentos, porque o Sr. C... tinha ficado com eles todos.

17. O depoimento credível e convincente da testemunha M... , maquinista, que se limitou a referir que na manhã do dia 15 de Julho de 2009 estava a trabalhar com a máquina junto à casa da Dª B... e ouviu uma voz de mulher falar alto dentro da casa da Dª B... . 

18. O depoimento credível e convincente da testemunha N... , florista, referiu conhecer a falecida B... há uns anos por serem vizinhas, (a testemunha mora ao lado da casa da Dª B... ), a qual desabafava muito com a testemunha; que a Dª B... era capaz de governar a sua vida, conhecendo o dinheiro; que a Dª B... não tinha documentos porque estavam com o seu sobrinho; que uma vez foi preciso a Dª B... ser transportada de ambulância para o Hospital e não tinha documentos, tendo a testemunha telefonado ao Sr. C... para levar os documentos ao Hospital porque a Dª B... não os tinha; que a arguida A... , de manhã, ia levar o pão à Dª B... ; que esta desabafava com a testemunha dizendo “quem faz um testamento, faz um cento”; que cerca de um mês antes do falecimento da Dª B... , um dia à noite a testemunha viu a carrinha da arguida A... parada ao pé da casa da Dª B... e ouviu vozes de pessoas a discutir, vozes de mulher e homem a falar alto; que a Dª B... se queixava dos sobrinhos dizendo que “primeiro tratam-me duma maneira e agora tratam-se doutra”, tendo sido por causa disso que a B... “ia tratar do testamento”; que no dia 15 de Julho de 2009 a testemunha viu o Sr. L... e a Dª I... a caminho da peixaria para telefonarem ao Sr. C... ; que a testemunha entrou no quintal da Dª B... chamou e ninguém respondeu; que o Sr. L... e a Dª I... também chamaram por ela; como a Dª B... não apareceu, a Dª I... disse ao Sr. C... para abrir a porta, não tendo a testemunha entrado lá dentro, tendo eles, incluindo o Sr. C... , entrado, bem como o Sr. L... e a Dª I... , tendo mais tarde vindo a GNR, mais tendo a testemunha referido ter ouvido dizer que a arguida A... “deitava as gotas” à Dª B... e que a senhora do Minimercado disse à testemunha que a arguida A... ia lá pagar as contas da Dª B... .

19. O depoimento credível e convincente da testemunha J... , que conhecia a Dª B... há 30 anos, referiu que a Dª G... pediu á testemunha que fosse a (...) para levantar o B.I. da Dª B... , tendo a testemunha ficado no carro, tendo ido a Dª G... e a Dª B... levantar o B.I.; que quando elas vieram disseram à testemunha para irem ao Cartório, porque a Dª B... queria desfazer o testamento e pediu ao depoente para ser testemunha, o que sucedeu, tendo sido desfeito o testamento e que isso sucedeu um ou dois dias antes da Dª B... falecer.

20. O depoimento credível e convincente da testemunha O... , inspectora da polícia judiciária, a qual fez o auto de reconstituição do facto de fls.154 a 157, com a participação e colaboração da arguida e de acordo com as suas informações, tendo a arguida prescindido de Advogado para a diligência, verificando-se da fotografia 4 do auto que o aperto do pescoço foi só com uma mão: a mão esquerda.

21. O depoimento credível e convincente da testemunha P... , inspector da PJ, que referiu que quando chegou ao local encontraram o corpo da vítima, uma senhora idosa, ao fundo dumas escadas de madeira interiores, estando o corpo ligeiramente lateralizado à esquerda e um pouco descomposta; que a arrumação no local era completa e a vítima não apresentava lesões traumáticas o que desde logo afastou a hipótese de queda, pensando que podiam estar perante uma agressão porque o quadro o indiciava, designadamente as escoriações na face da vítima, tendo a testemunha confirmado o relatório de fls.65 e seguintes.

22. O depoimento credível e convincente da testemunha R... , que referiu que a Dª B... era sua utente desde 2003; que aquela costumava ser consultada pela testemunha 3 a 4 vezes por ano; que a Dª B... tinha uma insuficiência cardíaca moderada; que a Dª B... tinha um facto de risco a 10 anos de 3,5%; que a Dª B... tinha uma boa saúde nada fazendo prever que falecesse e que depois das oito horas da manhã do dia 15/07/2009 a vítima dirigiu-se pelo seu pé à extensão de saúde, onde foi consultada e tirou sangue para análises.

23. O depoimento credível e convincente da testemunha S... , inspector da polícia judiciária, o qual foi o inspector responsável pela investigação, tendo confirmado as diligências efectuadas, designadamente o exame que foi feito ao local e as fotografias juntas a fls.66 a 68.

24. O depoimento credível e convincente da testemunha T... , o qual era vizinho da Dª B... , referiu que esta podia comprar nas lojas o que quisesse que depois o seu sobrinho ia lá pagar e que no dia do falecimento a testemunha estava no seu estabelecimento, tendo visto a Dª I... , a florista, Dª N... e o Sr L... a “andarem cá e lá” tendo depois dito à testemunha que a Dª B... tinha falecido.

25. Relatório de exame de fls.73 a 76;

26. Os documentos juntos a fls. 3 a 4, 5, 15, 16, 19, 60 a 61, 98 a 101, 102, 111, 123, 1083 e 1084.

27. Auto de exame directo de fls.122.


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A conjugação de todos estes meios de prova permite ao Tribunal concluir, para além da dúvida razoável, que na manhã do dia 15 de Julho de 2009 a arguida, com 46 anos de idade, apertou o pescoço da vítima, pessoa idosa com 79 anos de idade, incidindo a força exercida sobre o lado esquerdo do mesmo, causando desta forma as lesões, externas e internas, observadas no exame tanatológico, (acção da arguida que não foi longa, nem a pressão exercida pode ter sido grande, face à tenuidade das lesões observadas), tendo sido propósito da arguida causar perigo para a vida da vítima, tendo resultado da descrita acção da arguida a morte da vítima, não tendo a arguida previsto a possibilidade do falecimento da sua tia e deveria tê-lo feito.

Também permitiram os aludidos meios de prova ao Tribunal concluir que a discussão que antecedeu a descrita actuação da arguida gerou-se após a ofendida ter informado a arguida da revogação do testamento que beneficiava o seu marido, operada pela vítima.


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28. O relatório social de fls.458 a 460 e 462 a 464, quanto às condições sociais e pessoais e quanto à inserção familiar e sócio-profissional da arguida, tendo ainda sido valorado o depoimento credível e convincente da testemunha X... , presidente da Junta de Freguesia (...) , que referiu que a arguida é uma pessoa respeitadora, com o seu estabelecimento, tendo boas relações com as pessoas, bem como foi valorado o depoimento credível e convincente da testemunha K...., que se referiu à situação familiar da arguida.

29. O CRC de fls.251, 409 e 1094, quanto à ausência de antecedentes criminais da arguida.


*

À excepção da confirmação da assinatura da contestação constante a fls.391, da sua admissão de que na manhã do dia 15 de Julho de 2009 a arguida esteve com a sua tia e que a arguida chegou a tocar na sua tia, que quando a arguida soube pelo seu marido (que lhe telefonou) que a sua tia tinha morrido a arguida ficou “sem sangue nenhum e pensou “Estou tramada. Eles têm impressões digitais minhas”, (sic) e que a falecida recebia em 2009, € 350 de reforma sendo a arguida e o seu marido que ficavam com esse dinheiro mensal, não mereceram credibilidade as restantes declarações da arguida por, desde logo, estarem em contradição com o por si admitido na contestação de que colocou a mão direita no pescoço da falecida e bem assim com o relatório de autópsia, com os esclarecimentos prestados pela Srª Perita, com o relatório do exame ao hábito externo do cadáver e com as marcas que a cara e o pescoço do cadáver apresentavam, reveladores de um confronto físico.

O Tribunal também não formou a sua convicção no depoimento da testemunha E... , médico cirurgião por o seu depoimento, em que referiu que as lesões apresentadas pela vítima, designadamente no pescoço, podiam ter sido originadas por uma queda das escadas, estar em total contradição com o depoimento da Srª Perita Médica que mereceu maior credibilidade ao Tribunal, para além da aludida testemunha E... não ter logrado explicar de forma minimamente convincente como seria possível as lesões constantes do pescoço poderem ter sido provocadas por uma queda de escadas.


*

Sobre os factos não provados não se fez prova bastante que permitisse ao Tribunal considerar tal factualidade como provada.

(…)”.

            D) Dele consta a seguinte fundamentação quanto à qualificação jurídica dos factos:

            “ (…).

Conforme revelam os autos, após a comunicada alteração da qualificação jurídica, passou a ser imputado à arguida o cometimento de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos artºs 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao artº132º, nºs 1 e 2, c) e 147º, nº1, ambos do C. Penal.

Importa desde logo atentar que a ofensa ao corpo ou à saúde de outra pessoa integra o crime de ofensa à integridade física, distinguindo o Código Penal as ofensas à integridade física simples (art. 143º), ofensas à integridade física graves (art. 144º), ofensas à integridade física qualificada (art. 145º), ofensas à integridade física privilegiadas (art. 146º), ofensas à integridade física agravadas pelo resultado (art. 147º) e ofensas à integridade física por negligência (art. 148º).

Com efeito, o art. 143º, nº 1, do CP, determina que “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

Este é o tipo legal fundamental em matéria de crimes contra a integridade física, “ofensa à integridade física simples”, a partir do qual se construiu uma série de variações qualificadas – ofensas à integridade física graves (art. 144º), ofensas à integridade física qualificadas (art. 145º), ofensas à integridade física privilegiadas (art. 146º), ofensas à integridade física agravadas pelo resultado (art. 147º) e ofensas à integridade física por negligência (art. 148º) (cfr., Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol I, pág. 220, e Ac da RP de 18OUT00, in CJ 2000, Tomo IV, pág. 234 –236).

Estatui o artigo 144º do CP que :

Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:

a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;

b) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;

c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou

d) Provocar-lhe perigo para a vida;

É punido com pena de prisão de dois a dez anos.

Conforme se refere no Acórdão proferido nestes autos pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra “o fundamento da agravação, relativamente ao tipo fundamental do art.143º do C. Penal é pois, o maior desvalor do resultado aqui traduzido na provocação do perigo para a vida.

São elementos constitutivos do tipo do crime de ofensa à integridade física grave, na parte em que, para os autos releva:

[tipo objectivo]

-Que o agente ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa;

-Que a ofensa ou lesão, que pode não ser grave, provoque perigo para a vida;

[tipo subjectivo]

- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer uma das modalidades previstas no art.14º do C. Penal, dolo que terá que abranger, para além da própria ofensa do corpo ou da saúde, o resultado agravante, in casu, o perigo para a vida.

Trata-se, portanto, de um crime comum, pois dele pode ser autor qualquer pessoa, de um crime de resultado quanto à ofensa à integridade física, pois a conduta do agente pressupõe a causação de um evento, e de um crime de perigo concreto contra a vida, pois o perigo faz parte do tipo”, (fls.943 e 944).

Com efeito, as matérias relativas ao perigo no Direito Penal têm cada vez maior importância e encontram-se fortemente marcadas pelas exigências feitas ao pensamento penal por uma sociedade progressivamente cada vez mais complexa e técnica, (cfr. as Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Especial, Ministério da Justiça, Lisboa, 1979, págs.272 e ss.) sendo consabido que as incriminações de perigo levantam inúmeros problemas (Faria Costa sublinha a dimensão problemática das incriminações de perigo em face do princípio penal da intervenção mínima, no sentido de saber se as incriminações de perigo, na sua tutela penal recuada, numa fase em que, não só não há dano, mas também esse dano é meramente possível, muitas vezes não existindo sequer perigo, não representam uma transposição inadmissível das fronteiras que deve ser o círculo penal, definido segundo aquele princípio de intervenção mínima – O Perigo em Direito Penal – Contributo para a sua Fundamentação e Compreensão Dogmáticas, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, capítulo 9º; sobre a verificação do perigo nos crimes de perigo concreto, cfr. Rui Pereira, O Dolo de Perigo, págs.31. e ss.).

Como é sabido, crimes de perigo são aqueles em que a actuação típica consiste em agir de modo a criar perigo de lesão de determinados bens jurídicos, não dependendo o preenchimento do tipo de ocorrência da lesão, (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Coimbra, Almedina, 1996, reimpressão da edição de 1963, págs.287-289).

O perigo, nos crimes de perigo, consiste, em geral, numa situação que faz aparecer como possível a realização de um dano contrário a interesses juridicamente protegidos; trata-se da possibilidade de produção de um resultado danoso, (cfr. Escriva Gregori, La Puesta en Peligro de Bienes Jurídicos en Derecho Penal, Barcelona, Bosch, 1976, págs.18 e ss.).

O que significa que, tal como sucede nos crimes de empreendimento, os bens jurídicos são aqui tutelados por antecipação, através da procura da salvaguarda das suas condições de subsistência ou de um certo ambiente em seu redor.

 Por oposição aos crimes de perigo abstracto (que são aqueles crimes de perigo em que o perigo resultante da acção do agente não está individualizado em qualquer vítima ou em qualquer bem, não sendo a produção ou verificação do perigo elemento do tipo), os crimes de perigo concreto são aqueles em que o perigo resultante da acção do agente se encontra individualizado numa vítima ou num bem (ou mais) sendo a produção ou verificação do perigo elemento do tipo, (cfr. Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, 2º vol., págs.127 e ss.).

Nas palavras de Faria Costa, os crimes de perigo concreto correspondem a um ilícito penal típico em que o perigo é elemento desse mesmo ilícito-típico, enquanto que os crimes de perigo abstracto correspondem a um ilícito-típico em que o perigo não é seu elemento (típico), tão-só motivação do legislador, (O Perigo em Direito Penal cit., págs.620-621), havendo apenas que referenciar (por não ser esta a sede própria para o tratamento de tal questão) as diversas teorias desenvolvidas quanto á questão de se saber a partir de que momento estão criadas as circunstâncias para que se possa qualificar a situação como concretamente perigosa: teoria extensiva do risco do perigo, teoria restritiva do risco de perigo, teoria normativa modificada do resultado de perigo, teoria científica do resultado de perigo, (cfr., a este propósito, Rui Pereira, Ob. e loc. cits.).

Por seu turno o art. 145º, do CP, consagra que:

1.Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:

a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do art. 143º;

b) Com pena de prisão de três a doze anos no caso do art. 144º.

2. São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente,

entre outras, as circunstâncias previstas no nº2 do artigo 132º.

Nos termos da alínea c) do nº2 do artigo 132º do CP, “é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente” “praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade”.

“O pensamento da lei é, na verdade, o de pretender imputar à ‘especial censurabilidade’ aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à ‘especial perversidade’ aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas” (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, pág. 29, anotação pelo Prof. Figueiredo Dias).

“A qualificação (…), na construção do art. 132.º do CP, assenta num juízo de especial censurabilidade ou perversidade sobre a conduta do agente, constituindo os exemplos-padrão descritos no n.º 2 do artigo indício dessa culpa agravada. A comprovação, no facto, de circunstâncias que preenchem um dos exemplos-padrão tem um efeito de indício da especial censurabilidade ou perversidade”, (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2012 - www.dgsi.pt/jstj - processo 525/11.2PBFAR).

O crime de ofensas à integridade física agravadas pelo resultado, p. e p., pelo art. 147º, do CP, é um crime preterintencional em que o resultado, excede a intenção do agente, ou seja, em que para além de um crime de ofensas corporais doloso, o resultado é imputado a título de negligência.

Com efeito, estamos perante um delito qualificado pelo resultado por uma especial combinação de dolo e negligência (crime preterintencional).

“O delito fundamental doloso (aqui a lesão da integridade física) é por si só susceptível de punição, no entanto a pena é substancialmente elevada com base numa especial censurabilidade do agente, uma vez que o perigo específico que envolve esse comportamento se concretiza num resultado agravante negligente (morte ou lesão da integridade física grave) (...) É claro que a morte ou a ofensa à integridade física grave deverão ser expressão de um perigo específico que o comportamento do agente envolve (e aqui, conjuntamente com a especial censurabilidade; cfr. infra § 9; Figueiredo Dias, Responsabilidade cit. 135, fala numa "previsibilidade subjectivamente possível"). Todavia, por imposição da própria letra do art. 145°, da sua estrutura e do próprio processo típico do crime em análise, deve esse perigo específico estar directamente relacionado com o crime fundamental doloso (que apresenta uma determinada natureza e que por isso anda associado a efeitos de determinado tipo), não se podendo responsabilizar o agente por consequências imprevisíveis ou anormais que não se relacionem com o mesmo crime. Ter-se-á que afirmar uma relação de adequação entre a acção fundamental dolosa e o evento agravante; com o que se entra no plano da imputação de determinado resultado à conduta do agente”, (“Comentário Conimbricense”, I, 240 e 242).

O crime preterintencional encontrava-se previsto no art. 361º, do CP de 1886, segundo o qual “Se, por efeito necessário da ofensa, ficar o ofendido privado da razão ou impossibilidade por toda a vida de trabalhar, a pena será de prisão de dois a oito anos.

§ único A mesma pena agravada, será aplicada, se a ofensa corporal for cometida voluntariamente, mas sem intenção de matar, e contudo ocasionar a morte”.

Neste preceito, a lei protegia a integridade física e a vida contra as ofensas corporais voluntárias com resultados muito graves – a morte, a alienação ou a impossibilidade permanente de trabalhar.

No § único do aludido preceito previa-se o então chamado “homicídio preterintencional”, em que o resultado morte não podia ser imputado dolosamente ao autor que só teve intenção de ofender corporalmente, exigindo-se a negligência do agente, quanto à produção do resultado, em face do princípio basilar do direito penal, consagrado no art. 44º, nº 7, do mesmo Código, de que sem culpa não há responsabilidade criminal (cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português, de 1886, 4ª Ed., pág. 580-581, Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 440 e segs., Figueiredo Dias, Responsabilidade pelo resultado e crimes preterintencionais, 1961, págs. 126º e segs. e jurisprudência citada na anotação 1., ao aludido preceito, por Maia Gonçalves).

No art 147º, do CP, «estamos perante um delito qualificado pelo resultado que se caracteriza por uma especial combinação de dolo e negligência (crime preterintencional). O delito fundamental doloso (aqui a lesão da integridade física) é por si só susceptível de punição, no entanto, a pena é substancialmente elevada com base numa especial censurabilidade do agente, uma vez que o perigo específico que envolve esse comportamento se concretiza num resultado agravante negligente (morte ou lesão da integridade físicas graves)». (…) «Através deste tipo legal protege-se a integridade física e a vida, uma vez que a não existir esta disposição a punição seria feita através das regras do concurso, o que implicaria necessariamente a consideração autónoma e diferenciada dos dois bens jurídicos (lesão da integridade física dolosa e homicídio negligente). Existe uma punição agravada em relação aos dois crimes (fundamental doloso e agravante negligente) que pressupõe bens jurídicos distintos», (Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol I, pág. 240).

Nos termos do disposto no artº 18º do CP “quando a pena aplicada a um facto for agravada em função de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência”; esta, por seu turno, está legalmente definida no artº 15º: “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização ou não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”. Considerou, a esse respeito, o Supremo Tribunal de Justiça: “No crime de ofensa à integridade física agravado pela morte o resultado está para além do dolo do agente, concentrando-se no descritivo típico uma especial combinação de dolo e negligência em que o dolo se cinge à lesão corporal, mas em que o agente é punido de forma mais gravosa, uma vez que o perigo específico que envolve o seu comportamento se materializa num resultado agravante não previsto – a morte ou lesão da integridade física grave. Esse perigo específico deve estar directamente relacionado com o crime fundamental doloso e a negligência referir-se às consequências possíveis da lesão, numa relação de adequação causal com a acção fundamental dolosa”, (Ac. STJ de 2 de Abril de 2008).

Assim, “o crime agravado pelo resultado é composto por um crime fundamental e um evento agravante que vai determinar uma especial agravação da moldura penal daquele. O fundamento desta agravação reside no perigo típico, no perigo necessário que o cometimento do crime fundamental determina para certos bens jurídicos e, portanto, na negligência grosseira do agente que, violando a diligência objectivamente devida, e que podia ter observado, não previu a possibilidade de resultar da sua conduta fundamental o evento agravante. Assim, para além do nexo de causalidade adequada entre a realização do crime fundamental e a verificação do resultado agravante, é ainda necessária a demonstração de que, relativamente ao resultado agravante, o agente violou o dever de cuidado a que estava obrigado e que tinha capacidade para o observar”, (Acórdão proferido nestes autos pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, a fls.945).

Do exposto resulta que o crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado, p. e p., pelo art. 147º, não só pela natureza dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a integridade física e a vida, como também tendo em atenção, a história do preceito, que radica no crime preterintencional, previsto no art. 361º, § único, do CP de 1886, trata-se de um crime autónomo em relação ao tipo legal fundamental, previsto no art. 143º, do CP.

Com efeito, no Preâmbulo do DL nº 48/95, de 05MAR95, afirma-se expressamente, no nº7, que «Também no domínio dos crimes contra a integridade física optou-se por uma sistemática mais coerente, operando-se uma considerável simplificação: fazer incidir critérios de agravação e de privilégio sobre a base de existência de um crime de ofensa à integridade física simples.».

Assim, ao lado dos tipos fundamentais ou tipos base de tipicidade criminal, existem os tipos de delitos construídos a partir deles, com acrescento de elementos, que constituem circunstâncias modificativas, dando lugar aos crimes qualificados ou privilegiados, (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Vol, págs. 308-09 e Jescheck, Tratado de Derecho Penale, parte geral, I Vol, págs. 382 e ss. (tradução espanhola).


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Tendo em conta o que se deixou dito quanto ao enquadramento jurídico-penal do crime de cuja prática a arguida, após a alteração da qualificação jurídica, vem acusada e bem assim a matéria de facto provada supra descrita, façamos o seu enquadramento jurídico-penal relativamente ao crime cuja prática é imputada, após a alteração da qualificação jurídica, à arguida.

Sendo certo que, conforme ensina o Professor Figueiredo Dias “o tipo de ilícito, o verdadeiro portador da ilicitude material, é sempre formado pelo tipo objectivo e pelo tipo subjectivo de ilícito”, tendo o tipo objectivo sempre como seus elementos constitutivos o autor, a conduta e o bem jurídico, só da conjugação destes elementos – e também da sua ligação ao tipo subjectivo de ilícito – resultando o sentido jurídico-social da ilicitude material do facto que o tipo abrange.

Vejamos então.

E. Da culpabilidade da arguida


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Resulta claro do elenco factual provado que a arguida A... era sobrinha da vítima B... por parte do marido, C... ; que após a morte em 2005 do seu irmão D... , em cuja companhia B... viveu vários anos, A... e o seu marido, C... , passaram a administrar o património da vítima, bem como, a gerir o estabelecimento comercial que a mesma possuía no rés do chão da residência sita na (...) , em (...) e na conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, agência (...) , que a vítima possuía, passou a constar, como co-titular, o sobrinho C... , e a ser movimentada por este; que a arguida, juntamente com o seu marido, ficaram na posse do bilhete de identidade e do cartão de contribuinte da vítima; que a pensão de reforma que a vítima recebia, no valor de cerca de € 300,00, era entregue àqueles para que efectuassem o pagamento das despesas que a vítima possuía, nomeadamente: água, electricidade, mercearias e todas as despesas que aquela fazia nos estabelecimentos comerciais; que para além destes pagamentos, aqueles entregavam à vítima, no início da semana, a quantia de cerca de € 7,00, para as despesas suplementares daquela; que o valor da pensão de reforma que não era gasto, era utilizado pela arguida e marido, nas despesas do seu agregado familiar; revogando testamento anteriormente por si outorgado no Cartório Notarial de Santa Comba Dão a 3 de Fevereiro de 2004, B... , a 20 de Junho de 2005, fez testamento, no mesmo Cartório, no qual instituiu, como seu único e universal herdeiro, o seu sobrinho C... , marido da arguida A... ; que pela vítima B... foram feitos vários testamentos ao sobrinho C... , sendo os mesmos revogados quando o relacionamento entre ambos se deteriorava; que B... andava desagradada com a atitude do sobrinho e da arguida, uma vez que estes não lhe restituíam o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte, apesar de inúmeras vezes instados para procederem à sua entrega, o que não fizeram, facto que originava discussões entre ambos; que a relação de B... com o seu sobrinho, C... , agudizou-se no início do ano de 2009, altura em que a vítima descobriu que o valor da sua pensão de reforma era de cerca de € 350,00, enquanto que, de acordo com o que aquele e a esposa, A... , lhe diziam, a falecida estava convicta de que se tratava de um valor bastante inferior; que nessa altura, B... pediu a uma vizinha que a ajudasse a obter novo bilhete de identidade, para poder ser ela a levantar a pensão de reforma e saber em que estado se encontrava a sua conta da Caixa Geral de Depósitos; que para o efeito, e na companhia da referida vizinha, dirigiu-se ao Serviço de Identificação de (...) , e solicitou novo bilhete de identidade, sendo-lhe entregue o correspondente documento de substituição; que com este documento, B... dirigiu-se à Caixa Geral de Depósitos, balcão de (...) , e assim obteve a informação de que o dinheiro que tinha na conta tinha sido levantado; que no dia 10 de Julho de 2009, em hora não concretamente apurada, o C... foi a casa de B... , onde encontrou o envelope no qual tinha sido enviado o documento de substituição do bilhete de identidade, e confrontou a vítima com o mesmo, exigindo-lhe a entrega do documento, o que aquela não fez; que C... relatou à arguida, sua esposa, que tinha conhecimento de que a vítima havia adquirido o documento de substituição do bilhete de identidade; que no dia 15 de Julho de 2009, pelas 08H55, A... , como o fazia habitualmente, levou o pão a B... ; que ao chegar à residência da falecida, sita na (...) , em (...) , A... chamou a sua tia para o interior da residência, para lhe colocar gotas nos olhos, como era hábito, uma vez que aquela sofria de cataratas; que nesse momento, após a ofendida ter informado a arguida da revogação do testamento que beneficiava o seu marido, operada pela vítima, gerou-se discussão entre ambas, com troca de impropérios que não foi possível concretizar; que na sequência da discussão, A... lançou as mãos à cara de B... , arranhando-a com as unhas na asa direita e esquerda do nariz e boca; que na mesma sequência, a arguida lançou as mãos ao pescoço da vítima e apertou-o, com força, durante um período de tempo que não foi possível apurar, mas que fez com que a vítima, com falta de ar, desfaleceu e caísse ao solo, ficando na posição de decúbito lateral esquerdo com as pernas semiflectidas, com os joelhos encostados à parede, e com o pé esquerdo em cima do último degrau da escada; que verificando que B... se encontrava caída no chão, A... abandonou de imediato o local; que devido à actuação da arguida, A... , sofreu a vítima, B... , na cabeça: várias escoriações lineares na asa esquerda do nariz, sensivelmente transversais, a mais distal com 10mm e a mais próxima com 15mm, escoriações lineares logo abaixo da asa direita do nariz, na região nasogeniana direita, a maior transversal com 5mm de comprimento, rodeada de equimose arroxeada com 5mmde eixo maior por 3mm de eixo menor equimose arroxeada na asa direita com 3mm de eixo maior por 2mm de eixo menor; várias pequenas escoriações na parte direita mais distal do nariz, a maior com 3mm de eixo menor por 1mm de eixo menor; equimose arroxeada na região bucal direita com 33mm de eixo transversal por 6mm de eixo longitudinal; outra equimose arroxeada situada na mesma região, mas localizada mais posteriormente com 15mm de eixo transversal e 5mm de eixo longitudinal, apresentando ainda uma escoriação linear com 4mm de comprimento; escoriação na parte mediana da região mentoniana com 15mm de eixo longitudinal e 1mm de eixo transversal; equimose arroxeada na região mentoniana (metade esquerda), com 20mm de eixo longitudinal com 9mm de eixo transversal; - no pescoço: escoriação linear, transversal, na região cervical anterior com 6mm de comprimento; ponteado hemorrágico na região cervical lateral esquerda; - no abdómen: várias escoriações lineares na região lombar esquerda, a maior com 4cm de comprimento; - membros superiores: equimose arroxeada na região escapular direita (posterior) com 7cm de eixo transversal com 3,5cm de eixo longitudinal; equimose arroxeada no terço médio da região braquial direita com 1cm de eixos; equimose avermelhada do cotovelo direito (posterior) com 3,5cm de eixo transversal e 3cm de eixo longitudinal com ligeira esfoliação da zona; equimose arroxeada no dorso da mão direita, na transição entre a região metacárpia e falângica do 2º dedo, com 4cm de eixo transversal e 3,5 de eixo longitudinal; equimose arroxeada no terço proximal da região braquial anterior esquerda com 1cm de diâmetro; equimose arroxeada na metade lateral do punho esquerdo (posterior) com 10cm de eixo transversal e 13cm de eixo longitudinal; equimose arroxeada no dorso da mão esquerda, próximo do punho com 1,5cm de eixo longitudinal e 1cm de eixo transversal; escoriação com crosta; - membros inferiores: esfoliação linear no terço proximal da região femoral direita com 2cm de comprimento; equimose arroxeada no terço proximal da região crural anterior direita (metade lateral) com 2cm de eixo longitudinal e 2,5 de eixo transversal, equimose arroxeada no terço médio medial da região crural anterior direita com meio centímetro de diâmetro; escoriação no joelho direito (anterior) com 1cm de diâmetro e escoriação linear no terço médio da região crural anterior esquerda com meio centímetro de comprimento; infiltração sanguínea do músculo esterno-cleido-mastoideu esquerdo e do musculo longo do pescoço esquerdo; infiltração sanguínea peri corno superior esquerdo da cartilagem tiróide; infiltração retro-faringea e infiltração sanguínea pelo arco anterior no 1º e 2º arcos intercostais esquerdos; que ao nível do hábito interno, na região da cabeça, B... apresentava tronco cerebral com presença de ponteado hemorrágico a nível da ponte (terço distal metade esquerda), com cerca de 10 milímetros de diâmetro; que a morte de B... ocorreu devido a mecanismo reflexo inibitório, originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, conforme relatório de autópsia de fls. 131 a 138 e parecer de fls. 237, que se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos; que sabendo que se tratava de pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, a arguida agiu com o propósito de agredir B... e de lhe causar perigo para a vida, provocando-lhe lesões que determinaram perigo para a vida desta; que arguida não previu a possibilidade do falecimento da sua tia, B... , pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, e deveria tê-lo feito e que agiu A... , ao apertar o pescoço à sua tia, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibindo, ainda assim, de os concretizar.

E assim resulta da factualidade provada que a arguida representando o tipo de ilícito em todos os seus contornos objectivos (tendo ofendido da forma supra descrita o corpo e a saúde da ofendida, provocando-lhe com a aludida ofensa perigo para a vida da vítima), actuou com intenção de ofender o corpo e a saúde da vítima e também com o propósito de causar perigo para a vida da vítima, particularmente indefesa em razão da sua avançada idade, tendo resultado da aludida ofensa a morte da vítima, sem que a arguida tivesse previsto a possibilidade do falecimento da sua tia, e deveria tê-lo feito.

Posto isto e o mais que, a respeito, resultou provado temos que a conduta da arguida enquadra inequivocamente a prática, sob a forma de autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art.132º, nºs 1 e 2, c) e 147º, nº1, todos do Código Penal.

(…)”.

            E) E a fundamentação quanto à determinação da pena:

“ (…).

Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida, relativamente à qual apenas é aplicável a pena privativa da liberdade, importa, agora, determinar a medida da pena de prisão aplicar.


*

Na escolha e medida da pena o julgador tem que ter em conta, nessas tarefas, a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas, numa verdadeira aplicação do direito.

Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta.

Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no artº 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Ao exprimir as finalidades exclusivamente preventivas da pena, o nº 1 do art.º 40º serve-se das expressões “protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade”, o que levanta algumas dificuldades. Por um lado, a reintegração social, como forma de prevenção especial positiva, é ela mesma uma forma de protecção de bens jurídicos, que não deveria, pois, cumular-se com esta última finalidade. Mas, sobretudo, a protecção de bens jurídicos é no fundo o objectivo de toda a política criminal, repressiva e também preventiva, pelo que não representa nada que se possa considerar específico das penas.

Somos então levados a englobar na expressão “protecção de bens jurídicos” todas as finalidades que, sendo preventivas, se não confundam com a prevenção especial positiva, ou seja, com a reinserção social do delinquente.

De qualquer modo, com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. A avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de finalidades garantísticas, e só do interesse do arguido.

Quando, pois, o art. 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40º. Concretizando, e seguindo a doutrina largamente dominante na matéria, a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos com atenção às expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.”, (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág.229).

Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A prevenção geral negativa ou intimidatória surgirá como consequência de todo este procedimento, e já aflorava ao nível da própria tipificação na lei penal do comportamento.

Com efeito, o nº 2 do artº 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

Assim sendo, para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelo artigo 71º do mesmo Código, nos termos do qual, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstractamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.

No entanto, em caso algum, a pena poderá ultrapassar a medida de culpa do agente, concretamente revelada, correspondendo o limite superior da pena ao máximo grau de culpa (art. 40º, n.º 2 do C. Penal).

Não pode apenas atender-se à culpa e à sua medida impôs o legislador que a determinação concreta da pena seja feita também em função da prevenção. O que no entender do Prof. Figueiredo Dias “(…) é perfeitamente compreensível e justificável; através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do caso concreto e, consequentemente, à realização “in casu” das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção” (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime – Notícias editorial – pág. 215).

Assim, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art.71º, nº1, do CP), sendo certo que não se pode ignorar que a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (cfr. art.40º, nº2, do CP) nem a medida da pena poderá descer a um nível inferior às exigências de prevenção evidenciadas no caso concreto.”

“Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos –, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena”, (Prof. Figueiredo Dias, Ob. Cit., págs.230 e 231).

Por se reflectir na pena, através da culpa, antes de mais, há que considerar, como factor de graduação daquela, a ilicitude típica que se afigura importante no quadro da gravidade suposta pela moldura penal.


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Regressando ao caso concreto, vemos que nos termos do estatuído na alínea b) do nº 1 do artº 145º e no artº 147º, ambos do Código Penal a moldura penal in casu situa-se entre os 4 e os 16 anos de prisão.

Porém, conforme se refere no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, (fls.947 e 948) “tendo apenas recorrido a arguida, a sua posição processual não pode, em qualquer circunstância, vir a ser agravada, independentemente dos factos que vierem a ser fixados e da qualificação jurídica que lhes venha a ser dada, proibida que é a reformatio in pejus, figura que abarca directamente a decisão do tribunal de recurso (artigo 409º, nº1, do Código Processo Penal) e indirectamente a decisão que venha a ser proferida em novo julgamento, determinado por anterior decisão de reenvio em que só arguido recorreu (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº236/07, DR, II, de 24 de Maio de 2007)”.

O que significa que a pena a aplicar à arguida não pode ultrapassar a pena de 6 (seis) anos de prisão que lhe foi aplicada pelo acórdão que foi revogado em sede de recurso.

Ponderar-se-ão, então, as circunstâncias relevantes.

Primeiro, e como refere a alínea a) do artº 71º do CP, ponderou o colectivo “o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, para verificar que se tratava de uma sua familiar, a quem a arguida disponibilizava os cuidados necessários diários. O mesmo se diga da circunstância prevista na alínea c), ou seja, “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram”.

A esse propósito, resulta da factualidade provada que a arguida agiu motivada pela revogação do testamento a favor do seu marido, e assim por meros interesses materiais, com vista a assegurar que o seu marido fosse o beneficiário dos bens da sua tia.

Por outro lado, a arguida não revelou arrependimento, circunstâncias que, assim, devem ser ponderadas em desfavor da arguida.

Sendo certo, porém, que a arguida não antecedentes criminais, não se afigurando, assim, que as exigências de prevenção especial in casu sejam particularmente elevadas, embora não seja despicienda a personalidade revelada pela arguida.

Já o mesmo não se pode dizer das exigências de prevenção geral, as quais são relevantes dado o natural alarme na comunidade que crimes como o destes autos suscita, implicando uma reafirmação mais robusta das normas jurídicas violadas com vista a reintegrar a confiança da comunidade.

É que, como é sabido, têm vindo a aumentar cada vez mais os casos de violência perante cidadãos de avançada idade, com uma cada vez maior repercussão social e em face da frequência de situações semelhantes, o caso reclama consideráveis exigências de prevenção geral.

Deste modo, sopesando todas as circunstâncias acabadas de mencionar e todos os factores com influência na medida concreta da pena, face ao circunstancialismo fáctico apurado, afiguram-se-nos proporcional e adequada a aplicação de uma pena de 6 (seis) anos de prisão.

(…)”.


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            Nota prévia

            Na motivação do recurso a arguida numerou as conclusões que formulou de 1 a 124. Acontece que dela não constam as conclusões 64 a 100 e 118.

            Por outro lado, na conclusão 1, que enuncia os concretos pontos de facto sindicados, a arguida indica como incorrectamente julgados os pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28 e 29 dos factos provados, fazendo a sua integral transcrição.

            Porém, lendo a transcrição feita, constata-se que aos pontos identificados por 25 e 26 correspondem, efectivamente, os pontos 26 e 27 dos factos provados do acórdão pelo que serão considerados impugnados os pontos 20 a 24 e 26 a 29 dos factos provados.


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Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a violação do princípio in dubio pro reo

1. Alega a arguida – conclusões 1 a 41 – ter existido erro de julgamento relativamente aos pontos 20 a 24 e 26 a 29 dos factos provados que constam do acórdão recorrido, porquanto a prova em que se fundou a decisão, constituída pelo relatório da autópsia, pelos esclarecimentos da perita médica e pela reconstituição do facto, não a permite, antes, conjugada com o parecer médico de fls. 237 e o depoimento da testemunha E... , impõe decisão diversa, na medida em que não só não se provou que tenha apertado o pescoço da vítima, que só tenha parado com o desfalecimento dela e que desta conduta tenha resultado a sua morte, como também não se apurou, em termos médicos e científicos, a concreta causa da morte da vítima, acrescendo ter sido indevidamente considerada uma versão diversa da contida na reconstituição do facto na medida e ter sido violado o princípio in dubio pro reo

Como provas que impõem decisão diversa da recorrida especificou a arguida o relatório da autópsia, os esclarecimentos da perita médica, o parecer médico de fls. 237, o auto de reconstituição do facto, o depoimento da testemunha E... e ainda, de certa forma, as suas próprias declarações, tendo feito, no corpo da motivação, a transcrição dos segmentos dos esclarecimentos e do depoimento que entendeu relevantes.

Estando pois cumprido o ónus de especificação previsto no art. 412º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal, nada obsta ao conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto deduzida, com o objecto e limites que lhe foram definidos pela recorrente.

2. Os pontos 20 a 24 e 26 dos factos provados têm a seguinte redacção:

- [20] Nesse momento, após a ofendida ter informado a arguida da revogação do testamento que beneficiava o seu marido, operada pela vítima, gerou-se discussão entre ambas, com troca de impropérios que não foi possível concretizar;

- [21] Na sequência da discussão, A... lançou as mãos à cara de B... , arranhando-a com as unhas na asa direita e esquerda do nariz e boca;

- [22] Na mesma sequência, a arguida lançou as mãos ao pescoço da vítima e apertou-o, com força, durante um período de tempo que não foi possível apurar, mas que fez com que a vítima, com falta de ar, desfalecesse e caísse ao solo, ficando na posição de decúbito lateral esquerdo com as pernas semiflectidas, com os joelhos encostados à parede, e com o pé esquerdo em cima do último degrau da escada;

- [23] Verificando que B... se encontrava caída no chão, A... abandonou de imediato o local;

- [24] Devido à actuação da arguida, A... , sofreu a vítima, B... , na cabeça: várias escoriações lineares na asa esquerda do nariz, sensivelmente transversais, a mais distal com 10mm e a mais próxima com 15mm, escoriações lineares logo abaixo da asa direita do nariz, na região nasogeniana direita, a maior transversal com 5mm de comprimento, rodeada de equimose arroxeada com 5mm de eixo maior por 3mm de eixo menor, equimose arroxeada na asa direita com 3mm de eixo maior por 2 mm de eixo menor; várias pequenas escoriações na parte direita mais distal do nariz, a maior com 3mm de eixo menor por 1mm de eixo menor; equimose arroxeada na região bucal direita com 33mm de eixo transversal por 6mm de eixo longitudinal; outra equimose arroxeada situada na mesma região, mas localizada mais posteriormente com 15mm de eixo transversal e 5mm de eixo longitudinal, apresentando ainda uma escoriação linear com 4mm de comprimento; escoriação na parte mediana da região mentoniana com 15mm de eixo longitudinal e 1mm de eixo transversal; equimose arroxeada na região mentoniana (metade esquerda), com 20mm de eixo longitudinal com 9mm de eixo transversal; - no pescoço: escoriação linear, transversal, na região cervical anterior com 6mm de comprimento; ponteado hemorrágico na região cervical lateral esquerda; - no abdómen: várias escoriações lineares na região lombar esquerda, a maior com 4cm de comprimento; - membros superiores: equimose arroxeada na região escapular direita (posterior) com 7cm de eixo transversal com 3,5cm de eixo longitudinal; equimose arroxeada no terço médio da região braquial direita com 1cm de eixos; equimose avermelhada do cotovelo direito (posterior) com 3,5cm de eixo transversal e 3cm de eixo longitudinal com ligeira esfoliação da zona; equimose arroxeada no dorso da mão direita, na transição entre a região metacárpia e falângica do 2º dedo, com 4cm de eixo transversal e 3,5 de eixo longitudinal; equimose arroxeada no terço proximal da região braquial anterior esquerda com 1cm de diâmetro; equimose arroxeada na metade lateral do punho esquerdo (posterior) com 10cm de eixo transversal e 13cm de eixo longitudinal; equimose arroxeada no dorso da mão esquerda, próximo do punho com 1,5cm de eixo longitudinal e 1cm de eixo transversal; escoriação com crosta; - membros inferiores: esfoliação linear no terço proximal da região femoral direita com 2cm de comprimento; equimose arroxeada no terço proximal da região crural anterior direita (metade lateral) com 2cm de eixo longitudinal e 2,5 cm de eixo transversal, equimose arroxeada no terço médio medial da região crural anterior direita com meio centímetro de diâmetro; escoriação no joelho direito (anterior) com 1cm de diâmetro e escoriação linear no terço médio da região crural anterior esquerda com meio centímetro de comprimento; infiltração sanguínea do músculo esterno-cleido-mastoideu esquerdo e do musculo longo do pescoço esquerdo; infiltração sanguínea peri corno superior esquerdo da cartilagem tiróide; infiltração retro-faringea e infiltração sanguínea pelo arco anterior no 1º e 2º arcos intercostais esquerdos;

- [26] A morte de B... ocorreu devido a mecanismo reflexo inibitório, originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, conforme relatório de autópsia de fls. 131 a 138 e parecer de fls. 237, que se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos.

Quanto a estes pontos de facto a convicção do tribunal colectivo fundou-se, se bem percebemos a motivação de facto do acórdão recorrido, na análise e valoração conjugadas do relatório da autópsia, do parecer de fls. 237, dos esclarecimentos da perita médica prestados na audiência, do auto de reconstituição do facto de fls. 154 a 157, das certidões do testamento público de fls. 182 a 183 v. e da revogação de testamento de fls. 177 a 179, da contestação de fls. 383 a 391 e dos depoimentos das testemunhas G... , L... , I... , N... , J... e R... . Já os depoimentos das testemunhas G... , L... , I... , N... e J... , terão relevado quanto às relações entre a vítima e a arguido e marido desta, e os depoimentos das testemunhas, O... , quanto à colaboração da arguida na diligência de reconstituição do facto, e R... , quanto ao estado de saúde da vítima.     

Posto isto.

2.1. No que respeita ao ponto 20 dos factos provados cumpre dizer, numa primeira abordagem, que assiste razão à arguida quando afirma que nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou os factos. Efectivamente, é isso o que se pode ler na motivação de facto do acórdão, quer relativamente ao ponto sindicado em referência, quer relativamente aos restantes, supra enunciados.  

Por isso, não tendo a vítima, por razões óbvias, deixado assinalada a sua versão dos factos, apenas a arguida estava em condições de relatar o que aconteceu. 

A Relação ouviu o registo das declarações por si prestadas na audiência de julgamento, segundo as quais, pelas 8h55m do dia 15 de Julho de 2009 [circa 00:02:22 das declarações], como habitualmente fazia, levou o pão a casa da vítima, e aí discutiram por causa do desaparecimento da chave do correio, que a vítima lhe atribuía [circa 00:05:30 das declarações], e que só soube da revogação do testamento, na tarde do mesmo dia, por lhe ter sido dito por um tal Y... que tinha visto a vítima, na véspera, no cartório notarial [circa 00:22:10 das declarações], facto que dias depois foi confirmado por uma sua amiga, advogada [circa 00:25:04 das declarações] . 

A 1ª instância só muito limitadamente relevou as declarações da arguida e não o fez, seguramente, relativamente às razões que aquela apontou para o início e desenrolar da discussão com a vítima, tanto mais que na contestação de fls. 383 a 391 [apenas subscrita pela arguida] não é apresentado qualquer motivo específico para o início do atrito entre ambas, mas se afirma a existência da discussão. Nenhuma testemunha, como sabemos, presenciou a discussão, e é um facto plenamente provado – pelas respectivas certidões, a fls. 177 a 179 e 182 a 183, v., respectivamente – a revogação pela vítima, no dia que precedeu a sua morte, de todos os testamentos por si feitos, incluindo o de 21 de Junho de 2005, que instituía como seu único e universal herdeiro, o seu sobrinho, cônjuge da arguida, como é também um facto provado o relacionamento atribulado que nos meses que precederam a morte da vítima existia entre esta e o seu sobrinho e a arguida e que culminou com a revogação do testamento, face aos depoimentos concordantes das testemunhas G... , L... , I... e N... , relevados no acórdão, nos termos que constam da respectiva motivação de facto.  

É por isso razoável admitir que, face ao clima de conflito existente e ao significado que para a vítima não poderia deixar de ter tido aquela revogação, que a B... , no decurso da discussão, tenha dito à arguida o que havia feito no dia anterior, relativamente ao testamento, tanto mais que, como também se provou – sem contestação (cfr. ponto 10 dos factos provados) – a vítima já anteriormente havia revogado outros testamentos que beneficiavam o cônjuge da arguida, quando o relacionamento entre tia e sobrinho se deteriorava.

Deste modo, porque os concretos meios de prova especificados pela arguida são insusceptíveis de impor diferente decisão quanto ao ponto 20 dos factos provados [em bom rigor, não foi exactamente para este facto que a recorrente apontou ‘baterias’, no contexto da argumentação deduzida] o qual, pelo contrário, tem apoio na prova valorada pelo tribunal colectivo, mantém-se o referido facto nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.

2.2. Relativamente ao ponto 21 dos factos provados, valendo também aqui o que foi dito quanto à inexistência de prova testemunhal presencial, há que reconhecer igualmente não assistir razão à recorrente. Explicando.

A arguida, não obstante a já referida relevância dada às suas declarações pela 1ª instância, admitiu a existência do confronto físico com a vítima [bem mais significativo do que o toque na tia, referido na motivação de facto], embora com coloração própria, tendo-lhe posto as mãos nos ombros e dado, com a mão aberta, um ‘chega para lá’ na B... [circa 00:09:55 das declarações], confronto que também se mostra admito na contestação, em moldes mais assertivos, com expressa afirmação de ter colocado a mão direita no pescoço da vítima, para a afastar de si.

O relatório da autópsia de fls. 131 a 138 descreve várias lesões traumáticas lineares na face, designadamente, na asa esquerda do nariz, na região nasogeniana direita e na região bocal direita, sugerindo ser algumas, na opinião da perita médica, estigmas tipo ungueal, e ainda equimoses na região do nariz, da boca e do queixo.

E embora a testemunha Dr. U... tenha defendido que nos documentos fotográficos referentes à autópsia da vítima nada revelem quanto a possíveis unhadas e que as lesões descritas são compatíveis com queda das escadas [circa 00:40:33 do depoimento], a 1ª instância não relevou o seu depoimento, e o tribunal ad quem não descortina razões para dela dissentir, pelo menos, nesta parte, na medida em que a testemunha manteve sempre a opinião de que as lesões eram compatíveis com queda de escadas e que o seu conjunto e dispersão apontavam até para esta causa, para, na parte final do depoimento, confrontada com o teor da acusação e portanto, com a admissão pela arguida do conflito físico com a vítima, admitir relutantemente a compatibilidade das lesões com esta outra causa [circa 00:53:02 do depoimento].

Em conclusão, os concretos meios de prova especificados pela arguida são insusceptíveis de impor diferente decisão quanto ao ponto 21 dos factos provados o qual, por outro lado, tem pleno apoio na prova valorada pelo tribunal colectivo, devendo por isso manter-se nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.

2.3. Relativamente ao ponto 22 dos factos provados, entende a arguida que da análise da prova produzida não pode resultar ter sido feita prova de que apertou o pescoço da vítima e de que apenas parou de apertar quando ela desfaleceu, com falta de ar, também aqui, em primeiro lugar, porque a prova testemunhal não foi presencial dos factos, depois porque o relatório da autópsia, o parecer médico e os esclarecimentos da perita, não só não o demonstram, como o contrariam, acrescendo que também o depoimento da testemunha Dr. U... e, finalmente, porque a valoração feita da reconstituição do facto redunda numa contradição entre a fundamentação e a decisão.

Vejamos.

No que concerne à prova testemunhal, já várias vezes dissemos que, efectivamente, nenhuma testemunha inquirida nos autos afirmou ter presenciado os factos ocorridos na manhã do dia 15 de Julho de 2009, no interior da residência da vítima.

O relatório da autópsia descreve lesões externas – escoriação linear transversal na região cervical anterior e ponteado hemorrágico na região cervical lateral esquerda – e lesões internas – infiltrações sanguíneas, do músculo esterno-cleido-mastoideu esquerdo na metade medial, e do músculo longo esquerdo, infiltração sanguínea peri corno superior esquerdo da cartilagem tiróide – no pescoço da vítima. Na discussão do relatório admite-se que possa ter ocorrido uma compressão traumática da região cervical e a mesma possibilidade é admitida no parecer.

A perita médica, nos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, afirmou a existência de manuseamento da face e região cervical da vítima [circa 00:9:40 das declarações], que houve qualquer coisa externa, compressão ou não, que actuou sobre o pescoço [circa 00:16:47 das declarações], admitiu que a causa da morte possa ter sido o agarrar a vítima pelo pescoço [circa 00:21:20 das declarações], excluiu a possibilidade de ter ocorrido uma queda das escadas [circa 00:35:15, 00:41:40 e 00:44:39 das declarações], e afirmou não se tratar de um problema de falta de ar da vítima [circa 00:36:30 das declarações],      

Relativamente ao depoimento da testemunha supra mencionada, valem as considerações feitas em 2.2. que antecede, em especial, a admissão de compatibilidade das lesões com a ocorrência de um confronto físico.

Finalmente, a reconstituição do facto.

Diz o arguido que o tribunal colectivo, na sua valoração, incorreu em ‘contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, relativamente à apreciação deste meio de prova’ porque sendo a versão dos factos que consta da reconstituição a por si [arguida] dada nas declarações prestadas, foram estas desconsideradas pelo tribunal colectivo que, contudo e contraditoriamente, aceitou, in totum, a reconstituição.   

Sem razão, porém. Explicando.

Há lugar à reconstituição do facto, meio de prova autonomamente regulado no art. 150º do C. Processo Penal, quando exista a necessidade de determinar se ele poderia ter ocorrido de certa forma, consistindo a mesma na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo (nº 1, do artigo citado). Portanto, quando a investigação considera necessário confirmar a forma como um determinado facto ocorreu, procede-se à sua repetição, tentando nesta reproduzir as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que se supõe que aquele aconteceu, em ordem à validação probatória ou não, da descrição feita pelo sujeito ou interveniente processual que está na sua origem.

Na reprodução destas circunstâncias pode intervir qualquer sujeito ou interveniente processual designadamente, o arguido, exigindo-se apenas que a sua participação não tenha sido determinada por qualquer condicionamento da sua vontade.

Quando na reconstituição do facto participam sujeitos ou intervenientes processuais, v.g., o arguido, os eventuais contributos individuais por este prestados – informações, sugestões e declarações – não se autonomizam, transformando-se em declarações de arguido. Tais contribuições individuais vão antes fundir-se com os demais elementos usados, designadamente, fotografias, desenhos, plantas, sendo o conjunto daí resultante que corporiza a reconstituição do facto, um meio de prova distinto e autónomo portanto, a valorar em si mesmo, e não em função de cada um dos elementos que o compõem. Precisamente por esta razão, se vem entendendo que as contribuições individuais do arguido na reconstituição do facto relevam apenas para este meio de prova, e não valem como declarações de arguido [enquanto meio de prova], não estando por isso protegidas pelo regime legal do direito à não auto-incriminação (cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 5 de Janeiro de 2005, proc. nº 04P3276, e 20 de Abril de 2006, proc. nº 06P363 e de 14 de Junho de 2006, proc. nº 1574/06-3, todos in www.dgsi.pt, e de 3 de Julho de 2008, proc. nº 824/08-5, in www.stj.pt). 

Pois bem.

A reconstituição do facto de fls. 154 a 157 teve lugar na fase do inquérito e visou a validação probatória da versão dos factos dada pela arguida no de 19 de Novembro de 2010, tendo até ambas as diligências tido lugar no mesmo dia.      

Consta do auto que o mesmo foi feito na presença da arguida, que prescindiu da presença de advogado, e escrupulosamente de acordo com as indicações por ela fornecidas. O auto é integrado por cinco documentos fotográficos, que documentam a versão apresentada designadamente, as fotografias 4 e 5 onde a inspectora O... , figurando a vítima, tem o pescoço apertado pela mão da arguida [figurada, tudo leva a crer, por ela própria], e a respectiva legendagem limita-se a explicar o que aquelas retratam. O auto termina com o 5º momento, segundo o qual, «após o cometimento das agressões, abandonou o local, deixando a B... no chão, fragilizada e a respirar com dificuldade.».  

Nas declarações prestadas na audiência de julgamento, brevitatis causa, a arguida disse que a vítima, após o atrito motivado pelo desaparecimento da chave do correio [já referido], depois de lhe dizer que tinha que ir vestir cuecas, [circa 00:08:25 das declarações], subiu dois degraus da escada e parou a olhar para a escada, perguntou-lhe se estava a sentir-se mal e não obteve resposta, colocou-lhe as mãos nos ombros, disse-lhe para se sentar e forçou-a a sentar-se [circa 00:10:40 das declarações], a vítima reagiu, desceu os degraus e tentou chegar-lhe à cara e por essa razão, com a mão aberta, deu-lhe um ‘chega para lá’ e perguntou-lhe o que estava a fazer, ela parou, não respondeu e sentou-se no degrau [circa 00:11:40 das declarações], saiu de casa dizendo à vítima que trazia o almoço para as duas e ela já estava então mais delicada [circa 00:12:25 das declarações].

Como facilmente se conclui, a versão dos acontecimentos apresentada pela arguida na audiência de julgamento é bem distinta da que resulta da reconstituição do facto e, aliás, também não coincide com a que consta da contestação, sendo certo que na primeira é admitido o confronto físico, ainda que com cores de baixa intensidade. 

Visto isto e porque, declarações de arguido e reconstituição do facto se não confundem, enquanto meios de prova, e estão ambos sujeitos ao princípio probatório ínsito no art. 127º do C. Processo Penal, nenhuma contradição insanável se detecta, na valoração feita pelo tribunal colectivo. 

Deste modo, tendo a arguida admitido o contacto físico com a vítima, revelando a reconstituição do facto que tal contacto integrou, além do mais, a colocação da mão da arguida no pescoço da vítima e aperto do mesmo, descrevendo o relatório da autópsia lesões, internas e externas, no pescoço da B... , esclarecendo a perita médica que estas lesões são compatíveis com aquela conduta e não compatíveis com uma queda das escadas, tendo a testemunha também admitido esta compatibilidade, constando do auto de reconstituição as circunstâncias da vítima quando a arguida abandonou a residência e sendo estas compatíveis com os documentos fotográficos de fls. 66 e 67 [igualmente valorados pelo tribunal colectivo], só pode concluir-se, contrariamente ao pretendido pela arguida, que a prova produzida suporta abundantemente a decisão de facto.

A única ressalva a fazer prende-se com a afirmada «falta de ar» que a perita médica, nos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, afastou.

Assim, o ponto 22 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- Na mesma sequência, a arguida lançou as mãos ao pescoço da vítima e apertou-o, com força, durante um período de tempo que não foi possível apurar, mas que fez com que a vítima desfalecesse e caísse ao solo, ficando na posição de decúbito lateral esquerdo com as pernas semiflectidas, com os joelhos encostados à parede, e com o pé esquerdo em cima do último degrau da escada.

Sendo aditado aos factos não provados o facto hh) com o seguinte teor:

- O desfalecimento mencionado no ponto 22 dos factos provados, deveu-se a ter a vítima ficado com falta de ar.  

2.4. Relativamente aos pontos 23 e 24 dos factos provados, até porque, quanto aos mesmos, a arguida não desenvolveu argumentação distinta e específica, atenta a matéria que versam, pouco mais há a acrescentar para além as considerações feitas em 2.2. e 2.3. que antecedem.

Assim, tendo em conta as declarações prestadas pela arguida na audiência e, especialmente, o teor do auto de reconstituição do facto, designadamente o seu 5º momento, não merece censura a decisão de facto que teve por objecto o ponto 23, por ter suporte bastante na prova produzida devidamente conjugada.

Por outro lado, tendo em conta que o ponto 24 versa as lesões observadas no cadáver da vítima e o nexo de causalidade entre a conduta da arguida e elas, face a tais considerações, resta concluir não merecer censura a decisão de facto, por solidamente suportada pela prova produzida devidamente conjugada.

Mantêm-se, em consequência, os pontos sindicados nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.

2.5. Entremos agora na análise do ponto 26 dos factos provados, inquestionavelmente o ponto fulcral do presente recurso, já que versa a contestada causa da morte da vítima.

Na impugnação deduzida, para além da inexistência de prova testemunhal presencial o que, como já se disse, corresponde à verdade, a arguida alega que o relatório da autópsia concluiu pela impossibilidade de determinação da causa da morte da vítima, admitindo apenas como possibilidade, que ela tenha sido causada por eventual mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática da região cervical, ou que tenha sido causada por lesão isquémica cardíaca, não podendo dele resultar a prova do ponto sindicado, acrescenta que o parecer médico de fls. 237 se limita a admitir como compatível uma hipótese colocada pelo Ministério Público – se as lesões traumáticas descritas no relatório da autópsia eram compatíveis com o apertar do pescoço e unhadas e se tais lesões eram susceptíveis de causar a morte da vítima – quando o solicitou, parecer é meramente especulativo e não conclusivo, como se exige à prova pericial, não estando por isso abrangido pelo valor especial deste meio de prova, e termina dizendo que o tribunal a quo violou as excepções ao princípio da livre apreciação da prova, na medida em que, estando o relatório pericial subtraído à livre apreciação do julgador, e não se afirmando, nem nele, nem no parecer, nem nos esclarecimentos da perita médica que a morte da vítima se deveu a mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, mas apenas admitido tal mecanismo como uma possibilidade compatível com o resultado morte, entrou-se num campo especulativo e hipotético, incompatível com a remoção das dúvidas exigida, pelo que não se poderia ter considerado provado o teor do ponto de facto impugnado.

Vejamos.

2.5.1. O Relatório da Autópsia, datado de 8 de Julho de 2010, subscrito pela perita médica, especialista e consultora de Medicina Legal, Dra. F... , contém a seguinte discussão e as seguintes conclusões:

“ (…).

I. Discussão

O exame post mortem efectuado revelou lesões traumáticas ténues, tanto do lado direito como esquerdo do cadáver.

Atendendo à posição da vítima, com a hemiface esquerda voltada para peça de mobiliário (posição esta aliás que está de acordo com a apresentação dos livores), embora se compreendam as lesões observadas no lado esquerdo, face a eventual queda sobre esse lado, já o mesmo não sucede com as lesões traumáticas verificadas à direita.

Na hipótese de se ter verificado uma queda do cima ou a meio da escada, seria de esperar, neste caso, lesões traumáticas muito mais acentuadas, tanto ao nível externo como interno, o que não se constatou.

Também não foram detectados quaisquer vestígios de sangue a nível das escadas. Atente-se ainda que, através das fotografias do local, a vítima parece estar a colocar o seu pé direito no primeiro degrau da escada referida.

Pode aceitar-se que a vítima se tenha sentido mal ao iniciar a subida das escadas, tendo caído para o lado esquerdo. O exame autóptico e seus exames complementares histopatológicos não detectaram qualquer patologia que, só por si, possa ter determinado uma morte repentina, embora não se possa excluir que, eventualmente, uma lesão isquémica cardíaca aguda, não passível de ser claramente traduzida do ponto de vista histológico, tenha determinado a morte. No entanto, face a esta suposição, as discretas lesões traumáticas à direita, nomeadamente as da face, continuam sem poder ser explicadas cabalmente.

Não tendo a autópsia evidenciado lesões traumáticas adequadas a produzir a morte, particularmente a nível da cabeça e da coluna cervical, ou os exames histológicos identificado qualquer patologia responsável por uma paragem cárdio-respiratória súbita, não se pode excluir que esta tenha resultado de eventual mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática da região cervical. Note-se que o exame detalhado das lesões traumáticas da face revela escoriações pequenas, muitas vezes lineares, sugerindo algumas até estigmas tipo ungueal e, a nível cervical, equimose e ponteado hemorrágico, não havendo referência a manobras de reanimação. Atente-se, contudo, que os sinais a nível da face e da região cervical são muito ténues e, a nível do hábito interno, localizados à esquerda, o que impossibilita ser mais peremptório quanto a esta hipótese de causa de morte, não a podendo contudo rejeitar.

Neste contexto, não há elementos seguros e concretos que possibilitem a determinação da causa de morte de B... .

J. Conclusões

1ª. Não existem elementos seguros e concretos que possibilitem a determinação da causa de morte de B... (ver Discussão).

2ª. As lesões traumáticas denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, não sendo possível a determinação concreta do objecto (ver Discussão).

3ª. As análises toxicológicas realizadas não revelaram a presença de quaisquer substâncias.

4ª. O exame post mortem revelou ainda a presença de infiltrado sugestivo de processo linfoproliferativo.

(…)”.

Por despacho de 20 de Setembro de 2011 (fls. 229), o Digno Magistrado do Ministério Público solicitou ao Gabinete de Medicina Legal que esclarecesse, tendo em conta as declarações prestadas pela arguida [foram enviadas cópias das mesmas, pois a perita médica não poderia conhecer a versão dos factos dada pela arguida, pois a data em que subscreveu o relatório da autópsia é muito anterior à do interrogatório da arguida], se a conduta desta era susceptível de causar as lesões observadas na vítima, e se tais lesões eram susceptíveis de causar a morte.

A Sra. Perita Médica que realizou a autópsia e fez o respectivo relatório, elaborou o Parecer de fls. 237, datado de 2 de Novembro de 2011, que tem o seguinte teor, na parte em que agora releva:

(…).

As lesões traumáticas referidas no relatório de autópsia são compatíveis com o mecanismo descrito [este mecanismo é o mencionado no interrogatório da arguida de 19 de Novembro de 2010, transcrito no documento, a saber: «… esta acusação, seguida de insultos motivou uma acesa discussão entre ambas. Acto contínuo, a B... descalçou os botins e caminhou na direcção das escadas de acesso ao primeiro andar, sempre a insultar a depoente. Seguia-a e ao fundo das escadas, envolveu-se em confronto físico com ela, acabando por agredi-la na cara e no pescoço com as suas mãos, admitindo que nessa altura lhe apertou o pescoço e a feriu com as unhas. Decorrente das agressões a tia acabou por cair, tendo ficado deitada no chão, ao fundo das escadas, fragilizada e a respirar com alguma dificuldade. Não avaliou como graves as consequências do seu acto. Por isso não providenciou por qualquer auxílio, nem contou imediatamente ao seu marido.»].

Relativamente se estas são susceptíveis de causar a morte, remete-se para a discussão do relatório de autópsia. De facto, face ao contexto agora conhecido e em que o nível de stress foi elevado, nomeadamente numa pessoa idosa, podendo ter determinado a existência de qualquer perturbação cardíaca, isquémica muito recente ou arrítmica, não passível de tradução no exame post mortem, não é possível, no entanto, atendendo ao mesmo contexto ora referido, de excluir a existência de qualquer mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática cervical, mesmo pouco intensa, ao nível dos seios carotídeos.

(…)”.    

Posto isto.

O Relatório da Autópsia e o Parecer, contrariamente ao que parece pressupor a arguida, não podem, ressalvado sempre o devido respeito, ser analisados e valorados, em termos probatórios, isoladamente considerados, precisamente porque o último complementa o primeiro, no seguimento da alteração da base de facto pressuposta.

Este entendimento é, pelas mesmas razões, integralmente aplicável aos esclarecimentos da perita médica, prestados na audiência de julgamento. Com efeito, todos estes elementos se referem ao mesmo meio de prova, à prova pericial concretamente produzida nos autos, e sempre com o mesmo objecto, concretamente, à mesma perícia médico-legal.

Por outro lado, contrariamente ao afirmado pela arguida, o parecer não se deveu a uma «hipótese ‘encomendada’ pelo Ministério Público» mas à necessidade de esclarecer, na parte em que agora releva – pressuposta a falta de clareza, quanto ao aspecto visado, do relatório da autópsia –, se as lesões observadas na vítima eram susceptíveis de causar a morte. Acresce que, se pode aceitar-se que os esclarecimentos de perito se destina, essencialmente, a esclarecer o julgador sobre quaisquer dúvidas suscitadas pelo relatório pericial que careçam de dissipação, certo é que, nem o parecer, nem os esclarecimentos prestados pela perita médica na audiência de julgamento contrariaram o relatório da autópsia.

2.5.2 Dispõe o art. 151º do C. Processo Penal que há lugar a prova pericial quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos

A perícia é, assim, a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (Germanos Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 197), cuja utilização é recomendada sempre que a investigação seja confrontada com obstáculos de apreensão ou de apreciação de factos não removíveis através dos procedimentos e meios de análise de que normalmente dispõe. No fundo, a prova pericial permite ao juiz suprir a sua falta de específicos conhecimentos científicos ou artísticos, auxiliando-o na apreensão realidades não directamente captáveis pelos sentidos.

O auxílio conferido ao juiz em que se traduz a prova pericial é actuado por intermédio de pessoas com conhecimentos especializados nas matérias em questão. E porque estas pessoas   integram um grupo restrito e seleccionado – por ordem de preferência, estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, perito nomeado de entre os constantes de listas de peritos existente na comarca, ou pessoa de honorabilidade e reconhecida competência na matéria (art. 152º, nº 1 do C. Processo Penal) – de colaboradores do tribunal com específicos conhecimentos, se estabelece no art. 163º, nº 1 do C. Processo Penal que, o juízo técnico, científico ou artístico, inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.

Não estamos pois, perante uma verdadeira presunção, na medida em que não se trata de tirar uma ilação de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (cfr. art. 349º do C. Civil), antes de impor ao julgador o parecer ou juízo técnico, científico ou artístico, salvo quando o mesmo seja susceptível de crítica da mesma natureza (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1ª Edição, Reimpressão, pág. 209, Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 198, e Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Volume I, 3ª Edição, 2008, Rei dos Livros, pág. 1075).

Deste modo, quando a convicção do julgador diverge do juízo pericial, o art. 163º, nº 2 do C. Processo Penal permite-lhe a discordância – com o consequente afastamento do valor, presuntivamente pleno, da prova pericial – desde que fundamente a divergência com argumentos da mesma natureza e valor portanto, com base em diferente juízo técnico, científico ou artístico.

A autópsia médico-legal – que tem lugar em situações de morte violenta ou de causa ignorada (art. 18º, nº 1, da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto) – é uma perícia tanatológica. Como tal, está sujeita, além do mais, ao regime do art. 163º do C. Processo Penal, pelo que, o juízo técnico ou científico que lhe é inerente se presume subtraído à livre apreciação do julgador.

Note-se, porém, que apenas ficam sujeitos à disciplina do art. 163º, nº 1 do C. Processo Penal os juízos periciais, os juízos técnicos, científicos ou artísticos propriamente ditos, e já não os dados de facto que lhes serviram de fundamento. Note-se ainda que o juízo pericial tem que constituir sempre uma afirmação categórica, isenta de dúvidas, sobre a questão proposta, não integrando tal categoria, os juízos de probabilidade ou meramente opinativos. Por isso, quando tal não sucede, quando o perito, em vez de emitir um juízo técnico-científico claro e afirmativo sobre a questão proposta, emite uma probabilidade, uma opinião ou manifesta um estado de dúvida, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto, este decide livre de qualquer restrição probatória e portanto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, onde deverá ter na devida conta o pro reo (cfr. Acs. do STJ de 5 de Novembro de 1998, CJ, ASTJ, III, pág. 210 e de 27 de Abril de 2011, proc. nº 693/09.3JABRG.P2.S1, e da R. do Porto de 27 de Janeiro de 2010, proc. nº 45/06.7PIPRT.P1, ambos in, www.dgsi.pt).

2.5.3. Conjugando o Relatório da Autópsia com o Parecer – tendo em conta os segmentos transcritos – retiramos que:

- As lesões traumáticas observadas no cadáver da vítima designadamente, ao nível da cabeça e da coluna cervical, não são adequadas a produzir a morte;

- Não existem elementos seguros e concretos que possibilitem a determinação da causa de morte da vítima;

- Não se pode excluir que a morte da vítima tenha resultado de perturbação cardíaca, isquémica muito recente ou arrítmica [entendendo-se por perturbação cardíaca isquémica a alteração da circulação sanguínea e, consequentemente, do aporte de sangue ao coração, e por perturbação cardíaca arrítmica a alteração do ritmo regular e normal das pulsações do coração];   

- Não se pode excluir que a morte da vítima tenha resultado de qualquer mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática cervical, mesmo pouco intensa, a nível dos seios carotídeos [o seio carotídeo é a dilatação fusiforme da bifurcação terminal da artéria carótida primitiva e que é uma zona baroceptora com importante função na regulação da pressão arterial e do ritmo cardíaco (Freitas e Costa, Dicionário de Termos Médicos, Porto Editora, pág. 1097)], sendo as lesões traumáticas cervicais referidas no relatório da autópsia compatíveis com este mecanismo.

Por outro lado, nenhuma destas premissas é afastada pela perita médica, nas declarações prestadas na audiência de julgamento. Com efeito, por ela foi afirmado ter havido manuseamento da face e região cervical da vítima [circa 00:09:40 das declarações], ter havido alguma coisa externa sobre o pescoço mas não poder dizer se foi ou não comprimido [circa 00:16:47 das declarações], admitir que a causa da morte possa ter sido o agarrar do pescoço da vítima mas nada se ter apurado, a nível toxicológico e histológico que pudesse indicar a causa da morte [circa 00:21:20 das declarações], que tiraria as mesmas conclusões do relatório da autópsia, mesmo que já tivesse informação sobre a versão dada pela arguida, mas não pode excluir, tendo havido agressão, o mecanismo reflexo inibitório originado por compressão do pescoço e estimulação do seio carotídeo como causa [circa 00:25:45 das declarações], que soube que a vítima não foi socorrida e não sabe se o tivesse sido, morria ou não, mas sendo assim, houve omissão de cuidados [circa 00:31:10 das declarações], que face à localização de algumas das lesões afasta a queda do início das escadas [circa 00:44:40 das declarações], que não pode afirmar como certeza, a insuficiência cardíaca e a manipulação do seio carotídeo como causas da morte mas também não as pode excluir [circa 00:46:45 das declarações], que o stress numa discussão e confronto físico se prende com a idade da vítima e pode desencadear imediatamente uma reacção destas [circa 00:50:10 das declarações], que não pode conectar directamente as lesões verificadas com a morte [circa 01:00:02 das declarações], que a existência da infiltração sanguínea existente no lado esquerdo da cartilagem tiróide, porque próxima do seio carotídeo, compatibiliza o mecanismo da sua estimulação com a morte, mas não pode afirmar, com certeza, que foi esta a causa da morte, na carótida não tem nada [circa 01:07:45 das declarações], que é difícil atribuir um grau de probabilidade a ter havido a compressão do seio carotídeo, mas pode ter acontecido, é uma probabilidade [circa 01:10:34 das declarações].       

Temos assim, que a prova pericial globalmente considerada – relatório pericial, parecer e esclarecimentos da perita médica – não estabelece um juízo de certeza quanto à causa da morte da vítima, antes afirma a impossibilidade médica da sua determinação. Mas, por outro lado, não exclui que a morte da vítima possa ter ocorrido, ou por perturbação cardíaca isquémica ou arrítmica, ou por inibição causada por compressão cervical ao nível do seio carotídeo. E isto, sem esquecer a possibilidade aventada pela perita medica, nas declarações prestadas na audiência, de poder ter ainda ou também existido omissão de socorro. 

Assim, ao afirmar, por um lado, a impossibilidade de determinação da causa da morte da vítima, por insuficiência de elementos seguros e concretos, e ao admitir, como possibilidade ou hipótese, as duas ‘causas’ apontadas, a prova pericial tornou-se inconclusiva.

Por tal razão, tendo o tribunal colectivo acolhido uma das hipóteses de causa da morte admitidas como possibilidade na prova pericial – que a morte da vítima se deveu a mecanismo reflexo inibitório, originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos – não se pode afirmar que, ao decidir como decidiu, violou o disposto no art. 163º, nº 1, do C. Processo Penal – se assim fosse, estaria verificado o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º do mesmo código – precisamente porque, como já se deixou dito, verificado este condicionalismo, se devolveu plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto, de acordo e apenas sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.

2.5.4. Questão diferente, de que passaremos a cuidar de seguida, é a de saber se, à luz deste princípio, o ponto 26 dos factos provados deve ou não manter o teor impugnado.

Começaremos por dizer, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, que nos parece tecnicamente incorrecto que se faça constar num facto provado, os respectivos meios de prova aí dados por integralmente reproduzidos, mesmo que tenha sido essa, como foi, a opção da acusação pública. Com efeito, e como resulta do art. 374º, nº 2 do C. Processo Penal, a enumeração dos factos provados e a indicação das provas que formaram a convicção não devem confundir-se, ainda que uma e outra integrem a fundamentação da sentença penal.

Por outro lado, e como supra se deixou dito, tão-pouco é exacta a proposição que consta do ponto sindicado segundo a qual, conforme o relatório da autópsia e o parecer, a morte da vítima ocorreu devido ao mecanismo nele descrito. Como vimos, o que consta destes elementos de prova é que tal mecanismo, como causa da morte, é mera possibilidade ou hipótese. 

Quanto ao mais.

Como se pode ler na motivação de facto, o tribunal colectivo, analisou conjugadamente o relatório da autópsia, o parecer e os esclarecimentos da perita médica, depois de considerar que «Apesar de na discussão do relatório de autópsia se afirmar que as lesões traumáticas observadas no cadáver (incluindo as do pescoço) não eram adequadas a produzir a morte, nem os exames histológicos identificaram patologia responsável por uma paragem cárdio-respiratória súbita, acrescentou-se, porém, que na hipótese de ser esta a causa da morte, não podia excluir-se a possibilidade de a paragem ter resultado de eventual mecanismo reflexo inibitório originado por compressão traumática da região cervical, embora os sinais a nível da região cervical fossem muito ténues e a nível do hábito interno, localizados à esquerda, concluindo-se (na primeira conclusão) não existirem elementos seguros e concretos que possibilitem a determinação da causa da morte da vítima.», passou ao parecer do qual relevou que a perita médica «(…) esclareceu que as lesões traumáticas verificadas no pescoço da vítima são compatíveis com a acção humana de o apertar com as mãos e que o contexto de que só agora tinha conhecimento (discussão e confronto físico entre vítima e arguida) “em que o nível de stress foi elevado, nomeadamente numa pessoa idosa, podendo ter determinado a existência de qualquer perturbação cardíaca, isquémica muito recente ou arrítmica, não passível de tradução no exame post mortem, não é possível no entanto, atendendo ao mesmo contexto ora referido, de excluir a existência de qualquer mecanismo reflexo, inibitório originado por compressão traumática cervical, mesmo pouco intensa, a nível dos seios carotídeos”», e concluiu que a perita médica «admite como possibilidade para a causa da morte da vítima o mecanismo reflexo inibitório por compressão traumática cervical, a nível dos seios carotídeos.».

 

Relevando agora o que se deixou dito em 2.5.2. e 2.5.3., dúvidas não subsistem de que a perita médica que realizou a autópsia e subscreveu o respectivo relatório bem como o parecer que o complementa, admitiu como possibilidade, que a causa da morte da vítima tenha sido o mecanismo reflexo inibitório por compressão traumática cervical, a nível dos seios carotídeos levado ao facto sindicado, mais precisamente, a anoxia [insuficiente oxigenação dos tecidos (Freitas e Costa, ob. cit., pág. 75)] causada pela manipulação do seio carotídeo esquerdo no decurso da compressão do pescoço da vítima, operada pela arguida. 

Porém, como o próprio tribunal colectivo afirma, trata-se de uma possibilidade, a par de outras possibilidades, tal como a também adiantada possibilidade de um stress elevado no decorrer do conflito, numa pessoa idosa, como a vítima, ter desencadeado uma perturbação cardíaca isquémica ou arrítmica, não detectável no exame post mortem. Aparentemente, a proximidade da infiltração sanguínea peri corno superior esquerdo da cartilagem tiróide observada no pescoço da vítima, do seio carotídeo esquerdo, suscitou na perita médica a possibilidade adiantada, e ao mesmo dado objectivo parece não ter ficado indiferente o colectivo.

Sucede que a perita médica também afirmou que não havia nenhum dedo marcado no pescoço [circa 00:29;54 das declarações] e que a carótida nada tinha. E quando o Mmo. Juiz Presidente, ciente das dificuldades de prova que se deparavam ao colectivo, lhe solicitou que indicasse o grau de probabilidade de o descrito mecanismo ter causado a morte da vítima, não o fez, limitando-se a dizer que podia ter acontecido. Pois bem.

Todos estamos cientes de que a ciência médica não é absolutamente exacta, comportando me muitos casos, resultando, em frequentes casos, o juízo médico-científico da consideração de parâmetros com algum grau de incerteza. Veja-se, por exemplo, o caso recorrente de fracturas que obrigam a imobilização no leito, onde a ocorrência de trombo-embolia pulmonar é uma eventualidade sempre possível e frequente, sobretudo, nas semanas mais próximas do traumatismo, razão pela qual o juízo médico-científico as considera causa adequada da morte. Aqui, a incerteza é, em termos médicos, superada pela probabilidade elevada de uma fractura com imobilização favorecer a superveniência da embolia.

Mas é precisamente a inexistência, in casu, duma probabilidade elevada de a morte ter sido causada por este mecanismo, que não nos permite razoavelmente afastar a dúvida sobre a real causa do decesso da vítima. Na verdade, se nem a perita médica, apesar de insistentemente instada, se revelou capaz de, ao menos, afirmar, de entre as várias possibilidades, ser este mecanismo o que maior probabilidade tinha de ser a causa da morte, e se nem sequer foi referida a existência de literatura sobre a frequência com que este mesmo mecanismo surge associado a mortes ou acidentes que a ela podem conduzir, não vemos como possa o julgador, que não só não dispõe de conhecimentos médicos, como até não dispõe de qualquer outro elemento probatório relevante dirigido especificamente para esta questão, ultrapassar a incerteza que a perita médica afirmou não poder afastar.

Já vimos que, no que a esta concreta decisão de facto respeita, o teor probabilístico e/ou dubitativo da prova pericial implicou a devolução da decisão ao tribunal sem qualquer restrição de prova, apenas sujeito ao princípio da livre apreciação da prova e relevando o pro reo.

O princípio in dubio pro reo, tributário do princípio da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa) dá resposta, como é sabido, à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido. Produzida a prova, se no espírito do juiz subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.
Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, face ao termos da decisão isto é, tem que resultar clara e inequivocamente do texto da decisão que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.

Ora, é precisamente este estado de dúvida sobre a causa da morte da vítima que, no entendimento deste tribunal de recurso, e ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, persiste e não se descortina como, face aos elementos probatórios existentes e produzidos nos autos, possa, com razoabilidade, ser removido.

Deste modo, e em consequência, o ponto 26 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- A morte de B... ocorreu devido a causa que não foi possível determinar.

Sendo aditado aos factos não provados o facto ii) com o seguinte:

- A morte de B... ocorreu devido a mecanismo reflexo inibitório, originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, conforme relatório de autópsia de fls. 131 a 138 e parecer de fls. 237, que se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos.  

2.6. O ponto 27 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Sabendo que se tratava de pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, a arguida agiu com o propósito de agredir B... e de lhe causar perigo para a vida, provocando-lhe lesões que determinaram perigo para a vida desta

A arguida alega que resultando do relatório da autópsia nem dos depoimentos dos médicos que o ‘resultado morte não é possível concretizar’, não se pode considerar provado que a vítima morreu devido às lesões por si, arguida, provocadas, do mesmo modo que não se pode considerar provada a intenção de provocar perigo para a vida ‘quando medicamente não se consegue concretizar o motivo do resultado morte’, e acrescenta que, sendo tão complexa a tarefa médica de manipulação dos seios carotídeos, não se vê como possa ter tido a intenção de realizar tal manobra e consciência de que a mesma provocaria perigo para a vida.

Vejamos.

2.6.1. O facto sindicado refere-se, na sua maior parte ao dolo da arguida, relatando ainda na parte final um facto objectivo a saber, que as lesões provocadas causaram perigo para a vida da vítima [este facto tem origem no despacho proferido na audiência de julgamento de 11 de Dezembro de 2012, a fls. 571, ainda no âmbito do primeiro julgamento e que teve por objecto a comunicação de uma alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica dela decorrente].

Na parte em que traduz um facto objectivo, cumpre dizer que em lado algum do relatório da autópsia, nem do parecer que o complementou, é afirmado que as lesões físicas observadas no cadáver, descritas no primeiro, determinaram ou causaram perigo para a vida da vítima. E também não o afirmou a perita médica.

2.6.2. No que ao dolo concerne, cumpre dizer que sendo este, sempre, um facto subjectivo, um facto da vida interior do agente, a sua apreensão por terceiro não pode ser feita directamente, razão pela qual a sua demonstração probatória só pode ser feita por inferência, resultando da conjugação da prova de factos objectivos – em regra, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.

Ora, que a vítima nasceu a 16 de Outubro de 1929 está plenamente provado pela certidão do assento de nascimento de fls. 262 e verso, e que a arguida não ignorava este facto resulta, desde logo, da circunstância de ser sua sobrinha por afinidade e de dela cuidar há já alguns anos, como afirmou nas suas declarações [circa 00:46:10 das declarações, na segunda fase da gravação onde, erradamente, surge identificada com o nome da vítima] e consta do ponto 30 dos factos provados. Por outro lado, e pelas mesmas razões, não ignorava a arguida que a vítima padecia dos achaques comuns em pessoas da sua idade, designadamente, de um problema cardíaco ligeiro, tendo até referido ter-lhe a vítima informado, no dia da morte, que o médico lhe havia mandado fazer um electrocardiograma [circa 00:04:45 das declarações]. Logo, evidenciada está a particular fragilidade da vítima e o seu conhecimento pela arguida.

Focando agora, especificamente, o dolo de perigo, e ultrapassando o que se nos afigura ser, ressalvado sempre o devido respeito, uma confusão efectuada pela arguida entre este facto subjectivo e a prova da causa da morte, cumpre dizer que, não sendo a arguida licenciada em medicina e não sendo crível que, não obstante, tenha conhecimentos médicos, o seu conhecimento e, mais do que isso, o seu domínio sobre o mecanismo descrito pela perita médica – compressão do pescoço > estimulação do seio carotídeo > bradicardia > anoxia > morte –, atenta a elevada complexidade deste, é pura e simplesmente muitíssimo improvável, pelo que, razoavelmente, não se vê como possa a arguida, através do seu eventual exercício, ter agido com intenção de causar perigo para a vida da vítima.  

Deste modo, e em consequência, o ponto 27 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- Sabendo que se tratava de pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, a arguida agiu com o propósito de agredir B... .

Sendo aditado aos factos não provados o facto jj) com o seguinte teor:

- No circunstancialismo referido no ponto 27 dos factos provados a arguida agiu ainda com o propósito de causar perigo para a vida da vítima, provocando-lhe lesões que determinaram perigo para a vida desta. 

2.7. O ponto 28 dos factos provados tem o seguinte teor:

- A arguida não previu a possibilidade do falecimento da sua tia, B... , pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, e deveria tê-lo feito.

O ponto sindicado, para além de repetir, em parte, o que consta do ponto 27 dos factos provados, prende-se com a negligência da arguida, relativamente ao resultado morte, tendo subentendido o nexo de causalidade entre a sua conduta e este.

Por isso, a modificação operada no ponto 26 dos factos provados impõe a modificação deste mesmo facto, no que respeita à previsibilidade do resultado.

Por outro lado, torna-se absolutamente desnecessária a repetição do que já consta do ponto 26.

Deste modo, e em consequência, o ponto 28 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- A arguida não previu a possibilidade do falecimento da sua tia, B... .

Sendo aditado aos factos não provados o facto ll) com o seguinte teor:

- A arguida devia ter previsto o falecimento da B... .

2.8. O ponto 29 dos factos provados tem o seguinte teor:

- Agiu A... , ao apertar o pescoço à sua tia, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibindo, ainda assim, de os concretizar.  

Também este facto se refere ao dolo e, pelas razões que se deixaram expostas, deve manter-se nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.


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            Da inexistência de nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e da incorrecta qualificação jurídica dos factos

            3. Definitivamente fixada a matéria de facto, cumpre agora analisar a respectiva qualificação jurídica.

A arguida vinha acusada da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, c) e e), do C. Penal.

No acórdão recorrido o crime imputado foi convolado para um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos arts. 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art. 132º, nºs 1 e 2, c), e 147º, nº 1, todos do C. Penal, e a arguida sancionada com a pena de seis anos de prisão.

Vejamos então.

3.1. O crime de homicídio encontra-se previsto – tipo fundamental – no art. 131º do C. Penal que dispõe, quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.

Trata-se de um crime comum e de resultado, que tutela o bem vida humana e tem como elementos do respectivo tipo:

[Tipo objectivo]

- Que o agente cause a morte de outra pessoa;

[Tipo subjectivo]

- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.

Não se tendo provado que [facto g) não provado] a arguida tenha agido com o firme propósito de tirar a vida à vítima atenta a forma como lhe apertou o pescoço, bem sabendo ou prevendo que dessa forma lhe produzia a morte por asfixia, conformando-se com a mesma, não se tendo provado que [facto ff) não provado] a arguida tenha agido com intenção de ofender a integridade física da ofendida, sabendo que necessariamente lhe causaria a morte e não se tendo provado que [facto gg) não provado] a arguida tenha agido com intenção de ofender a integridade física da ofendida, admitindo como consequência possível da sua conduta a morte da ofendida, e com ela se tenha conformado, afastada fica a possibilidade de verificação, in casu, do dolo de homicídio por parte da arguida e, consequentemente, o preenchimento do tipo do crime de homicídio.

Por outro lado, a impossibilidade de preenchimento do tipo fundamental determina, necessariamente, a mesma impossibilidade relativamente ao crime de homicídio qualificado.  

3.2. Atentemos agora na convolação operada pela 1ª instância.

O crime de ofensa à integridade física grave encontra-se previsto no art. 144º do C. Penal, cuja alínea d) dispõe, quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a: (…) provocar-lhe perigo para a vida; é punido com pena de prisão de dois a dez anos.

Tal como no tipo fundamental, previsto no art. 143º, do C. Penal, também aqui estamos perante um crime de ofensa à integridade física mas agora agravado em função do maior desvalor do resultado, que tutela o bem integridade física, entendida como integridade corporal do ofendido, e tem como elementos constitutivos do respectivo tipo, na parte em que agora releva:

[Tipo objectivo]

- Que o agente ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa;

- Que a ofensa ou lesão [que pode não ser grave] provoque perigo para a vida;

[Tipo subjectivo]

- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto com conhecimento da sua censurabilidade, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal, e que deverá abranger, para além da ofensa do corpo ou da saúde, o resultado grave, in casu, o perigo para a vida.

Trata-se de um crime comum, pois dele pode ser autor qualquer pessoa, um crime de resultado quanto à ofensa à integridade física, pois a conduta do agente pressupõe a causação de um evento, e um crime de perigo concreto contra a vida, pois o perigo faz parte do tipo.

Estando provado que a arguida, no interior da residência de B... , na sequência de uma discussão com esta, arranhou-a com as unhas no nariz e na boca, e lançou-lhe as mãos ao pescoço que apertou com força, durante um período de tempo que não foi possível apurar, fazendo com que B... desfalecesse e caísse ao solo, após o que, a arguida abandonou o local, assim lhe causando as lesões físicas descritas no relatório da autópsia, agindo com o propósito de a agredir, dúvidas não subsistem de que estão verificados todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime base do art. 143º, nº 1 do C. Penal.

Por outro lado, não se tendo provado que a arguida, no referido circunstancialismo, provocou à vítima lesões que lhe causaram perigo para a vida, nem que ao actuar como actuou, agiu com o propósito de causar tal perigo, não estão verificados os elementos, objectivo e subjectivo, que conduziam ao preenchimento do tipo agravado do art. 144º, d) do C. Penal.

3.3. O crime pelo qual foi a arguida condenada era qualificado pelo art. 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art. 132º, nºs 1 e 2, c), e 147º, nº 1, todos do C. Penal isto é, por as ofensas terem sido produzidas em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade do agente e, mais especificamente, por ser a vítima pessoa particularmente indefesa, em razão da idade.

Nota Figueiredo Dias que, se é a especial vulnerabilidade da vítima que justifica a qualificação, então terá que existir uma relação entre o concreto estado desta – idade, deficiência, doença ou gravidez – e a menor capacidade de defesa e consequente aumento de possibilidades de êxito do agressor (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 60 e ss.).

In casu, como se provou, a vítima tinha nascido a 16 de Outubro de 1929, pelo que, na data dos factos, tinha 79 anos de idade [portanto, já no limite da esperança média de vida para as cidadãs portuguesas nascidas já em finais do século XX]. E por isso, tinha as debilidades e problemas de saúde próprias de tão elevada idade, como resulta de se ter provado que padecia de cataratas e que a arguida e seu cônjuge, durante anos, lhe prestaram cuidados de saúde. Acresce que a própria arguida afirmou em audiência de julgamento que no dia dos factos, antes de se iniciar o conflito entre ambas, a vítima lhe tinha dito, como já referimos, que tinha que fazer um electrocardiograma, e que, no desenrolar da conversa, disse a dada altura à vítima que precisava de tomar o pequeno almoço porque tinha ido tirar sangue [circa 00:07:50 das declarações].

Por sua vez, a arguida nasceu a 11 de Janeiro de 1963, tendo na data dos factos 46 anos de idade, e tinha perfeito conhecimento da idade e dos problemas de saúde da vítima, quando actuou. Não tendo a arguida qualquer deficiência física nem padecendo, à altura, de doença que a fragilizasse [que não foram sequer alegadas], parece-nos que a enorme diferença de idade entre ambas [mais trinta anos], aliada à avançada idade da vítima e à debilidade física a ela inerente, permitem concluir pela existência, no caso concreto, do requerido nexo entre o factor qualificativo – a idade – e a menor capacidade de defesa da vítima.

Deste modo, provado que está que a arguida, ao actuar como actuou, sabia que a vítima era pessoa particularmente indefesa em razão da idade, e porque a agressão a idosos, por quem não tem tal qualidade, em circunstâncias como as apuradas nos autos, revela especial censurabilidade, consideramos preenchida a previsão do art. 145º, nº 1, a) do C. Penal.

3.4. O crime pelo qual foi a arguida condenada era ainda agravado pelo resultado morte, nos termos do art. 147º, nº 1 do C. Penal.

Trata-se, como se sabe, de um crime preterintencional que, tutelando, além do bem integridade física, também o bem vida, combina de uma forma particular o dolo e a negligência de forma a que na sua estrutura, ao crime fundamental, que é o crime doloso de ofensa a integridade física, acresce um resultado agravante negligente da morte do ofendido. Como nota Paula Ribeiro de Faria (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 384), é a desatenção qualificada ao perigo que tipicamente se liga à conduta inicial e cuja concretização num resultado mais grave o agente previu ou podia ter previsto, que justifica o significativo agravamento da moldura penal proposta.

Posto isto.

A modificação operada nos pontos 26 e 28 dos factos provados e o aditamento dos pontos de facto não provados dos pontos ii) e ll), por via da parcial procedência da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pela arguida, tiveram como consequência que, passando a ser desconhecida a causa da morte da vítima, deixasse de poder estabelecer-se o nexo de causalidade entre a conduta da arguida e o decesso da B... . Deste modo, e por maioria de razão, deixou também de ser factualmente defensável dever ter a arguida previsto a morte da vítima como resultado da sua conduta.

Assim, não está preenchida a previsão do art. 147º, nº 1, do C. Penal.

3.5. Podemos agora concluir que, fixada a matéria de factos nos termos supra expostos, a apurada conduta da arguida preenche o tipo objectivo e subjectivo do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nº 1, a), do C. Penal, com referência ao art. 132º, nº 2, c), do mesmo código.


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            Da excessiva medida da pena de prisão e da sua substituição

4. Condenada no acórdão em crise pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos arts. 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art. 132º, nºs 1 e 2, c), e 147º, nº 1, todos do C. Penal, foi imposta à arguida a pena de seis anos de prisão.

Entendendo-se agora que a sua apurada conduta antes corresponde ao cometimento de um crime de crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nº 1, a), do C. Penal, com referência ao art. 132º, nº 2, c), do mesmo código, a questão que se coloca não é já a saber se é ou não excessiva a pena decretada – posto que esta excede o limite máximo da nova moldura penal – mas a de determinar a medida concreta da pena, tendo em conta a moldura penal aplicável à nova qualificação jurídica feita.

Vejamos então.

 4.1. Dispõe o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, estabelece o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Prevenção e culpa são, assim, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena. A primeira reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a segunda, dirigida ao agente do crime, constitui o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.

Deste modo, a medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

A determinação da pena, em sentido amplo, passa, frequentemente, pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. O critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta. Para tanto, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

4.2. A moldura penal abstracta aplicável, resultante da norma do art. 145º, nº 1, a), do C. Penal é a de prisão até quatro anos.

É elevado o grau de ilicitude do facto embora a sua execução tenha sido levada a efeito através de um processo comum nisto tipo de crime – agressão com as mãos – e não são de desprezar as suas consequências [excluído que está, obviamente, o resultado morte]. Acresce que a arguida violou grosseiramente os deveres que éticos e sociais que sobre si recaiam, decorrentes da relação que entre ambas se estabeleceu ao longo dos anos, não tanto pela relação familiar existente – tia e sobrinha por afinidade – mas sobretudo pela circunstância de a arguida e o cônjuge terem desempenhado durante anos e até 15 de Julho de 2009 a função de cuidadores da vítima. 

A arguida agiu com dolo directo portanto, na modalidade mais intensa de dolo.

Por outro lado, na origem da discussão que terminou na agressão física esteve a revogação do testamento feito pela vítima em benefício do cônjuge da arguida, sendo, portanto, razões materiais, puramente egoístas, que conduziram a arguida à prática do crime.

São muito elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que vêm sendo cometidos crimes contra a integridade física que tem por ofendidos pessoas idosas, e o enorme alarme e reprovação social que causam.

No que à prevenção especial respeita, temos que a arguida não tem antecedentes criminais. Porém, a circunstância de a arguida ter, perpetrada a agressão e ciente de que a B... se encontrava caída no solo, desfalecida, abandonado o local, sem aguardar que ela se restabelecesse e, muito menos, de providenciar pelo auxílio médico ou paramédico que a situação requeria, dado todo o condicionalismo conhecido, aliada à circunstância de não ter revelado arrependimento, denotam a existência de uma personalidade desconforme com os valores sociais tutelados pela normas penais e fazem realçar as exigências de que agora cuidamos. 

Milita a favor da arguida a circunstância de se encontrar inserida em termos familiares, laborais e sociais.  

Assim, tudo ponderado, porque as circunstâncias agravantes em muito sobrelevam a circunstância atenuante, porque são elevadas as exigências de prevenção geral positiva e porque não passam despercebidas as de prevenção especial, considera-se adequada e perfeitamente suportada pela culpa da arguida a pena de dois anos de prisão.

5. Cumpre agora conhecer da substituição ou não da pena de prisão, questão que, atenta a medida concreta fixada só se coloca relativamente à suspensão da execução da pena de prisão e à prestação de trabalho a favor da comunidade.

Vejamos.

5.1. A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio já que tem carácter não institucional – o seu cumprimento é feito extramuros – e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão.

Tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena aplicada ao agente não seja superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1, do C. Penal).

E tem como pressuposto material da sua aplicação a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

O objectivo de política criminal visado pelo instituto é, como ensina Figueiredo Dias “(…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 343). 

            As finalidades da punição ou seja, as finalidades das penas, são, já sabemos, a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal). São, portanto, razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição), que fundam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

Todavia, os objectivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. A prevenção geral “ deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 333).

O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, elemento fundamental do funcionamento da suspensão da execução da pena de prisão, parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

Na formulação deste juízo o tribunal deve correr um risco prudente na medida em que a prognose é apenas uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando tenha dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Edição, Rei dos Livros, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).

Não basta porém a formulação de um juízo de prognose favorável para que seja decretada a suspensão da execução da prisão. A prognose favorável radica exclusivamente em considerações de prevenção especial de socialização e a lei, como dissemos, para além dela, exige ainda que à suspensão se não oponham as necessidades de prevenção e reprovação do crime.

Posto isto.

5.2. A pena fixada, já por via do presente recurso, é a de dois anos de prisão pelo que verificado está o pressuposto formal da aplicação da pena de substituição.

Atentemos agora no pressuposto material.

A arguida [nascida a 11 de Janeiro de 1963, como consta do Relatório do acórdão recorrido] não tem antecedentes criminais. Mas se tem hoje 52 anos de idade, a verdade é que a todo e qualquer cidadão é exigível um comportamento socialmente responsável e conforme ao direito, pelo que a apontada circunstância não tem especial significado.

A arguida apresentou na audiência de julgamento uma versão não coincidente com a considerada provada e sempre orientada para a auto-desresponsabilização, o que revela incapacidade de assunção da culpa circunstância que, enquanto reflexo da sua personalidade, não pode deixar de relevar negativamente.

Acresce, no que cremos dever assumir especial relevo, também enquanto reflexo da personalidade da arguida, a circunstância de, com plena consciência do estado de desfalecimento da B... e das mais que prováveis dificuldades que então passaria, ter abandonado a residência desta, sem lhe prestar ou cuidar que terceiros prestassem os necessários socorros. Com efeito, ao assim actuar, a arguida manifestou uma absoluta insensibilidade e completo desrespeito por deveres básicos da convivência social.

Por tudo isto, ainda que, para além de ser primária, a arguida se encontre inserida em termos laborais, familiares e sociais, não constituindo, como atrás se disse, o juízo de prognose uma certeza, antes traduzindo uma conjectura sustentada em elementos de facto limitados e não raras vezes, fluidos, de que é possível a realização da socialização em liberdade, cremos que, in casu, face aos traços de personalidade da arguida, muito dificilmente se poderá considerar viável a formulação de um prognóstico favorável.      

Por outro lado, já vimos que não basta a prognose favorável para que o tribunal decrete a pena de substituição, sendo também necessário que a tanto não se oponham as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

Ora, os crimes violentos cometidos contra idosos, nos quais se integra, necessariamente, o praticado pela arguida, para além de apresentarem hoje uma enorme visibilidade social, são fonte de grande e justificada preocupação da comunidade, por abalarem, além do mais, a estrutura social de referência que deve ser a família. Por tal razão, entendemos que, sendo elevadas as necessidades de reprovação e de prevenção do crime, é igualmente uma exigência comunitária a aplicação da pena de prisão, como forma de repor a confiança na manutenção da norma violada, tanto mais que, no caso concreto, nenhuma circunstância revela, bem pelo contrário, uma menor ilicitude do facto e/ou da culpa.

Em suma, a dificuldade de formulação da prognose favorável, por um lado, e as elevadas exigências de prevenção geral de integração, por outro, impedem a aplicação da pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão.

6. A prestação de trabalho a favor da comunidade [doravante, PTFC] é igualmente uma pena de substituição em sentido próprio, que tem como pressupostos da sua aplicação (art. 58º, nºs 1 e 5 do C. Penal):

- A aplicação ao agente de pena de prisão até dois anos;

- O consentimento do condenado;

- A sua adequação e suficiência para satisfazer as finalidades da punição.

Também aqui se verifica o pressuposto formal enunciado. 

Relativamente ao consentimento do condenado, o mesmo não se mostra dado pela arguida. Não obstante, o tribunal de recurso poderá sempre determinar que venha aos autos declarar pessoalmente o consentimento pelo que este escolho formal só assumirá verdadeiro relevo, se e quando verificados os demais pressupostos de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade.

Atentando agora no pressuposto material, na adequação e suficiência da PTFC à realização das finalidades da punição, precisamente pelas razões que no ponto que antecede se deixaram apontadas, cremos que a sua aplicação não daria adequada e suficiente realização àquelas finalidades.

Em conclusão, entende-se não haver também lugar à substituição da pena de prisão por PTFC.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Em consequência:

A) Modificam a decisão proferida sobre a matéria de facto,

1. Alterando a redacção do ponto 22 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

- Na mesma sequência, a arguida lançou as mãos ao pescoço da vítima e apertou-o, com força, durante um período de tempo que não foi possível apurar, mas que fez com que a vítima desfalecesse e caísse ao solo, ficando na posição de decúbito lateral esquerdo com as pernas semiflectidas, com os joelhos encostados à parede, e com o pé esquerdo em cima do último degrau da escada.

E aditando aos factos não provados o facto hh), com a seguinte redacção:

- O desfalecimento mencionado no ponto 22 dos factos provados, deveu-se a ter a vítima ficado com falta de ar.  

2. Alterando a redacção do ponto 26 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

- A morte de B... ocorreu devido a causa que não foi possível determinar.

E aditando aos factos não provados o facto ii), com o seguinte redacção:

- A morte de B... ocorreu devido a mecanismo reflexo inibitório, originado por compressão traumática cervical a nível dos seios carotídeos, conforme relatório de autópsia de fls. 131 a 138 e parecer de fls. 237, que se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos.  

3. Alterando a redacção do ponto 27 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

- Sabendo que se tratava de pessoa particularmente indefesa, já que nasceu a 16 de Outubro de 1929, a arguida agiu com o propósito de agredir B... .

E aditando aos factos não provados o facto jj), com a seguinte redacção:

- No circunstancialismo referido no ponto 27 dos factos provados a arguida agiu ainda com o propósito de causar perigo para a vida da vítima, provocando-lhe lesões que determinaram perigo para a vida desta. 

4. Alterando a redacção do ponto 28 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

- A arguida não previu a possibilidade do falecimento da sua tia, B... .

E aditando aos factos não provados o facto ll), com a seguinte redacção:

- A arguida devia ter previsto o falecimento da B... .


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B) Absolvem a arguida A... da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, c) e e), do C. Penal.

C) Revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou a arguida A... , pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos arts. 144º, d), 145º, nºs 1, b) e 2, com referência ao art. 132º, nºs 1 e 2, c), e 147º, nº 1, todos do C. Penal, na pena de seis anos de prisão.


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C) Condenam a arguida A... , pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nº 1, a), do C. Penal, com referência ao art. 132º, nº 2, c), do mesmo código – resultante da convolação do acusado crime de homicídio qualificado –, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

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D) Confirmam, quanto ao mais, o acórdão recorrido.

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    Recurso sem tributação, atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal)


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Coimbra,  01 de Julho de 2015



(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)