Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
271/14.5TTLMG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCIDENTE DE REVISÃO DE INCAPACIDADE
PRAZO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LAMEGO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: BASE XXII, N.ºS 1 E 2, DA LEI 2.127, DE 03/08/1965 E ART. 59.º, N.º 1, AL.ª F), DA CONSTITUIÇÃO
Sumário:
I – É inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma contida nos n.ºs 1 e 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo de dez anos, contados da fixação original da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento superveniente de lesões sofridas, nos casos em que, desde a fixação da pensão e o termo desse prazo de dez anos, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável fique judicialmente obrigada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado.

II – Deve ter-se por afastada a presunção de estabilização das sequelas causadas por acidente de trabalho, presunção que deve ser a referência para a ponderação da caducidade do pedido de revisão – na conformidade constitucional –, no caso em que foi logo desde o início da fixação inicial da incapacidade – e depois mantida e agravada nos anos seguintes – a prestação de cuidados médicos e ortopédicos ao sinistrado.

III – Por conseguinte, no mesmo caso deve ser admitido o pedido de revisão ainda que tenham decorrido mais de dez anos sobre a última fixação judicial do grau de incapacidade decorrente das lesões sofridas em acidente de trabalho.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Apelação 271/14.5TTLMG-B.C1

Relator: Azevedo Mendes

Adjuntos:

Felizardo Paiva

Paula Maria Roberto

Autor: AA

Ré: Fidelidade – Companhia de Seguros, SA


            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em processo emergente de acidente de trabalho, em que assume a qualidade de sinistrado o identificado autor, este veio requerer exame de revisão da incapacidade.

A seguradora veio opor-se, requerendo que não fosse aceite.

A Sr.ª juíza a quo, aceitando o pedido de exame de revisão, proferiu o seguinte despacho:

«Nos presentes autos apensos à ação emergente de acidente de trabalho em que é Sinistrado AA e entidade responsável “Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., foi requerido, a 24.02.2022, pelo Sinistrado, a realização de exame de revisão, o que admitido.

Nessa sequência, a Companhia Seguradora (pela segunda vez – vide Inc. 4) pugnou pelo indeferimento do pedido de revisão, em virtude de haver decorrido o prazo de 10 anos, previsto no nº 2 da Base XXII da Lei 2127, sendo que no lapso de tempo decorrido desde a data da fixação da pensão não teve lugar atualização da pensão por agravamento das lesões sofridas pelo Sinistrado.

O Sinistrado pugnou pelo indeferimento do requerido pela Seguradora, defendendo, em suma, que na última reavaliação da sua situação, não obstante não ter sido alterada a IPP anteriormente fixada, a Seguradora foi condenada a continuar a assegurar ao Sinistrado consultas médicas, tratamentos médicos e fornecimento de calçado ortopédico, sendo que as sequelas apresentadas nessa altura foram consideradas como resultado de alterações degenerativas posteriores ao acidente.

O Ministério Público, no exercício do contraditório, pugnou pela admissibilidade do pedido de revisão e, consequentemente, pelo indeferimento do requerido pela Seguradora com base nos argumentos e fundamentos expostos pelo Sinistrado.

Cumpre apreciar e decidir.

O acidente de trabalho aqui em causa ocorreu a 30.08.1991.

A seguradora atribuiu ao Sinistrado alta a 31.12.1992 com uma IPP de 35%.

O Ex.mº Perito médico do Tribunal conferiu-lhe uma IPP de 35% com IPATH.

Na tentativa de conciliação de 22.03.1993, alcançou-se acordo, homologado judicialmente, tendo a Seguradora ficado obrigada a pagar ao Sinistrado uma pensão anual e vitalícia a partir de 01.01.1993, acrescida da obrigação de “proporcionar ao sinistrado todo o material ortopédico que o mesmo necessite”.

A 02.12.1993, o Sinistrado requereu exame de revisão, tendo-se mantido a incapacidade, mas recomendando o Ex.mº Perito médico do Tribunal que o Sinistrado deveria “ser reobservado pelo serviço de ortopedia da Companhia Seguradora para avaliar a necessidade de nova e eventual cirurgia”

A 21.06.1994, em Junta Médica, os Srs. Peritos alteraram a IPP para 52,5% com IPATH.

Posteriormente, embora o Sinistrado tenha requerido exame de revisão a 22.10.1997, a 13.11.2001 a incapacidade anteriormente fixada manteve-se inalterada.

Embora a atribuição de calçado ortopédico tenha sido, ao longo do tempo, objeto de várias reclamações do Sinistrado, as quais foram sendo atendidas pela Seguradora; noutras ocasiões, o Sinistrado dirigiu ao processo várias reclamações, as quais, como bem notou o Ministério Público, “foram sendo resolvidas, na medida do possível, a contento das partes (fls. 157-164, 168, 171, 174-175, 185, 190, 191, 193)”.

Por requerimento do Sinistrado de 07.11.2014, a 01.12.2014, o Sinistrado foi submetido a exame de ortopedia, onde o Sr. médico ortopedista concluiu que aquele “necessita de calçado ortopédico (um par de 3 em 3 meses); um tornozelo elástico (um por ano); e prescrição medicamentosa (uma receita de 3 em 3 meses) – fls. 193 – o que foi determinado por despacho judicial de 13.01.2015 (fls. 204).

A 21.06.2016, o Sinistrado dirigiu ao Tribunal nova exposição, na sequência do que a Seguradora veio a submeter o Sinistrado a “ecodopler arterial venoso e a consulta de cirurgia vascular” e “explicados sinais de alarme que devem precipitar reavaliação médica”.

Na sequência do que foi a 07.09.2016 requerido novo exame de revisão, que foi deferido por despacho judicial de 22.09.2016, e realizado exame pericial, foi proferida a sentença de 04.10.2017.

A 13.11.2017, entrou o expediente de fls. 2 a 4 e 7, I. 4, o qual veio a dar origem à promoção de fls. 8 e ao despacho judicial de 08.02.2018 (fls. 9, ambos do I.4), que determinou a realização de novo exame de revisão.

Por decisão de 27.11.2018 foi mantida a IPP de 52,5% com IPATH e determinado que a Seguradora continuasse a assegurar o Sinistrado as avaliações e tratamentos médicos e o fornecimento de calçado ortopédico, tornozelo elástico e prescrição medicamentosa.

A 07.03.2019, o Sinistrado requereu nova revisão da incapacidade (Inc. 5), que foi admitida, e por decisão de 20.09.2019 concluiu-se que, pese embora mantendo a mesma IPP com IPATH, havia necessidade de assegurar outras consultas de especialidade e, bem assim, de corrigir o calçado ortopédico, pelo que se declarou o seguinte:

“o Sinistrado continua afectado da mesma IPP que já anteriormente lhe foi fixada - 52,5% e IPATH - e, em consequência, mantenho a pensão que lhe foi arbitrada e que já se encontra paga (devido a remição);

» bem como, a Seguradora continuará a assegurar ao Sinistrado:

- avaliação anual com consulta periódica a ser definida pelos seus serviços clínicos;

- consultas nas especialidades de Cirurgia Vascular e Ortopedia, sendo que estas deverão ocorrer pelo menos três vezes por ano;

- prescrição medicamentosa (uma receita de três em três meses).

» mais deve a Seguradora assegurar ao Sinistrado:

» consultas nas especialidades de Fisiatria e de Dermatologia, sendo que estas deverão ter uma periodicidade semestral;

- o fornecimento de calçado ortopédico, cuja correcção se impõe, a definir em consulta de Fisiatria, que deve ter uma periodicidade semestral.”

Chegados ao momento presente, importa referir que, atenta a data da ocorrência do acidente de trabalho, é aplicável o disposto na Base XXII, nº 2 da Lei nº 2 127, de 03/08/65, que preceitua “a revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão (...)”.

Pese embora firmado o limite temporal de 10 anos pelo legislador, o certo é que, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 147/06, datado de 22.02.2006, in DR II, nº 85, de 3-5-2006, debruçando-se diretamente sobre a compatibilidade da referida norma com o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional, consagrado no art. 59º, 1, al. f), da CRP, julgou inconstitucional a referida norma quando interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo do prazo de 10 anos tenham ocorrido atualizações da pensão, por ser dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.

Subjacente encontra-se a circunstância de, desde a fixação inicial da pensão e o termo do prazo de 10 anos, ter ocorrido alteração da pensão, resultando, assim, demonstrado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado, o que acarreta a não estabilização, no período de tempo de 10 anos, da situação de incapacidade resultante do acidente de trabalho.

A este propósito, e com o mesmo sentido, e sobretudo a partir da entrada em vigor da Lei nº 98/2009, de 04.09, outros Arestos se sucederam, aliás mencionados pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público, e que defendemos: Acórdãos da RP de 14.04.2008, in CJ, II, p. 241; do TC nº 161/2009, 25.03.2009, DR, 2ª Série, nº 80 de 24.04.2009, p. 16747; da RP de 03.12.2012, Proc. 109/1992.1.P1 e de 19.12.2012, Proc. nº 42/1976.1. P1, ambos in www.dgsi.pt; e o recente AC. do TC nº 433/2016, de 13.07.2016, DR, 2ª Série, nº 189, de 30.09.2016.

Com efeito, o aludido prazo legal de 10 anos é considerado um prazo suficientemente dilatado para se concluir pela consolidação da situação clínica do sinistrado, sendo que o comprovado agravamento das lesões afasta aquela presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado.

Volvendo ao caso vertente, verificamos que desde a fixação inicial da pensão e o termo do prazo de 10 anos, foi requerida e determinada a revisão da pensão em face do agravamento da incapacidade do Sinistrado, pelo que não se poderá considerar aquele prazo preclusivo, como, aliás, já decidimos a 02.05.2018, despacho proferido no Incidente de Revisão 4, a propósito desta mesma questão também suscitada pela Seguradora.

Note-se que a 21.06.1994, em Junta Médica, os Srs. Peritos alteraram a IPP para 52,5% com IPATH e, desde então, têm sido requeridas sucessivas revisões que, embora mantendo a mesma IPP com IPATH, têm ajustado às necessidades do Sinistrado, em consequência das sequelas que padece decorrentes do acidente de trabalho, a assistência médica e medicamentosa por parte dos serviços clínicos da Seguradora e o fornecimento de material ortopédico e outro.

Em face de todo o exposto, sufragamos ser de admitir a revisão de incapacidade, à semelhança da orientação legislativa que atualmente se consagra no art. 70º da Lei 98/2009, de 4/9.

Assim, e pelos motivos expostos, mantém-se o já admitido incidente de revisão de incapacidade requerido pelo Sinistrado, indeferindo-se o requerido pela Seguradora.»

É deste despacho que a ré veio apelar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

“1ª- O presente recurso de apelação é interposto do douto despacho proferido em 13.06.2022 , que indeferiu o requerimento da Ré em que solicitava o indeferimento do pedido de revisão, em virtude de haver recorrido o prazo de mais de 10 anos desde a data da fixação da pensão por IPP de 52,50% e não ter lugar entretanto a actualização da pensão por agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado e da IPP.

2ª- No essencial e para o que o presente recurso interessa, podemos considerar assente os seguintes factos:

1-O acidente de trabalho aqui em causa ocorreu a 30.08.1991. e resultou uma IPP de 35% com IPATH.

3-Na tentativa de conciliação de 22.03.1993, alcançou-se acordo, homologado judicialmente, tendo a Seguradora ficado obrigada a pagar ao Sinistrado uma pensão anual e vitalícia a partir de 01.01.1993, acrescida da obrigação de “proporcionar ao sinistrado todo o material ortopédico que o mesmo necessite”.

3ª- Em 04.12.1993 o sinistrado requereu o 1º Incidente de revisão e em 21.06.1994, em Junta Médica, os Srs. Peritos alteraram a IPP para 52,5% com IPATH, sendo a douta sentença proferida a 23.06.1994;

4ª- Em 22.10.1997 o sinistrado requereu o 2º Incidente de revisão e em 13.11.2001 a incapacidade anteriormente fixada manteve-se inalterada.

5ª- Em 07.09.2016 o sinistrado requereu o 3º Incidente de revisão e realizado exame pericial, foi proferida a sentença de 04.10.2017, e que manteve a mesma IPP.

6ª- Em 13.11.2017, requereu o 4º incidente de revisão e por decisão de 27.11.2018 foi mantida a IPP de 52,5% com IPATH;

7ª- Em 07.03.2019, o Sinistrado requereu o 5º Incidente de revisão e por decisão de 20.09.2019 manteve a mesma IPP com IPATH;

8ª- Assim:

- Foram deduzidos cinco (5) incidentes de revisão da incapacidade pelo sinistrado;

- A incapacidade permanente parcial com IPATH de 52,5% mantém-se inalterada desde 23.06.1994.

9ª- Como consta dos autos principais e apensos, o acidente de trabalho a que estes autos se reportam ocorreu no dia 30.08.1991, sendo, assim, a lei aplicável ao tempo da ocorrência do sinistro, a Lei 2127 de 03.08.1965, concretamente o nº 2 da Base XXII;

10ª- Ora, salvo o devido respeito, o douto despacho recorrido padece de erro quando parte do pressuposto que houve um agravamento da incapacidade e pensão “com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas …”

11ª- Na verdade, a Ré insurge-se quanto à admissão do incidente de revisão da incapacidade e pensão, não porque decorreu o prazo de dez anos desde a data da fixação inicial da pensão, mas porque decorreram mais de dez anos desde a data da fixação da incapacidade parcial permanente de 52,50% que foi em 23.06.1994.

12ª- Desde a data da fixação da pensão por incapacidade de 52,50% com IPATH em 23.06.1994 até 24.02.2022, data em que deduziu o presente incidente, não houve qualquer alteração ou agravamento da incapacidade, pese embora os 5 incidentes entretanto deduzidos.

13ª- A afirmação contida no douto despacho de que “subjacente encontra-se a circunstância de, desde a fixação inicial da pensão e o termo do prazo de 10 anos, ter ocorrido alteração da pensão, resultando, assim, demonstrado agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado…” é errónea, pois que desde 1994 que não ocorreu alteração da pensão por agravamento da IPP, dado que as lesões se mantiveram estabilizadas.

14ª- Como é errónea a afirmação contida no douto despacho de que “Volvido ao caso vertente, verificamos que desde a fixação inicial da pensão e o termo do prazo de 10 anos, foi requerida e determinada a revisão da pensão em face do agravamento da incapacidade do sinistrado…”, pois desde 21.06.1994 até 24.02.2022, data em que foi determinada a revisão da pensão em face do agravamento da incapacidade do sinistrado é a mesma.

15ª- Por isso aquando da entrada em vigor da nova Lei 98/2009 de 4/9 o direito do autor sinistrado já se encontrava extinto, pois que desde 1994 a 2010 já haviam decorrido mais de 10 anos, sendo unânime, quer na doutrina, quer na jurisprudência, tal entendimento, designadamente no Ac STJ de 29.10.2014, Acórdão do STJ de 22.05.2013 ou Acórdão do STJ de 05.11.2013 - Relator Gonçalves da Rocha: “tratando-se de um acidente de trabalho sofrido na vigência da lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965, é de considerar extinto o direito do sinistrado a requerer a revisão da sua incapacidade por ter transcorrido mais de dez anos entre a data da ultima fixação da incapacidade e o requerimento de realização desse exame de revisão” .

16ª- Pelo que ,sendo aplicável a Lei 2127, relativamente à revisão das pensões, , tendo o acidente ocorrido em 30.08.1991 e sido fixada a ultima incapacidade em 21.06.1994, como decorre dos autos principais, já há muito que caducou o pedido de revisão de incapacidade.

17ª- Aliás , neste sentido se decidiu no Ac Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 08.04.2021 in Proc 30/1982.1.C1, e tal interpretação não padece de qualquer inconstitucionalidade, como decorre do acórdão do Tribunal Constitucional de 29.06.2010 in Processo 612/18, e de igual modo no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2006 e Acórdão do Tribunal Constitucional de 30.01.2007 in Acórdão 59/07 supra citados.

Termos em que, e nos mais e melhores de direito que V. EXªs doutamente suprirão, deve ser revogado o douto despacho recorrido, substituindo-se por outro que indefira o pedido de incidente de revisão da incapacidade , e assim se fará inteira J U S T I Ç A.»

O sinistrado autor apresentou contra-alegações pronunciando-se pela improcedência do recurso, de acordo com as seguintes conclusões:

(…).

O Ex.mo PGA veio apresentar parecer, pronunciando-se pela improcedência da apelação.


*

II.  Apreciação:

As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se deve ser revogado o despacho que deferiu o pedido de revisão da incapacidade do sinistrado, considerando que decorreram mais de 10 anos desde a data da fixação da pensão.

Podemos considerar assentes os seguintes factos, como tal considerados no despacho recorrido e não impugnados pela apelante:

- O acidente de trabalho ocorreu a 30.08.1991;

- A seguradora atribuiu ao Sinistrado alta a 31.12.1992 com uma IPP de 35%;

- O perito médico do tribunal, na fase conciliatória do processo, conferiu-lhe uma IPP de 35% com IPATH;

- Na tentativa de conciliação de 22.03.1993, alcançou-se acordo, homologado judicialmente, tendo a seguradora ficado obrigada a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia a partir de 01.01.1993, acrescida da obrigação de “proporcionar ao sinistrado todo o material ortopédico que o mesmo necessite”;

A 02.12.1993, o sinistrado requereu exame de revisão, tendo-se mantido a incapacidade, mas recomendando o perito médico do Tribunal que o sinistrado deveria “ser reobservado pelo serviço de ortopedia da Companhia Seguradora para avaliar a necessidade de nova e eventual cirurgia”;

- a 21.06.1994, em junta médica, os peritos alteraram a IPP para 52,5% com IPATH;

- posteriormente, embora o sinistrado tenha requerido exame de revisão a 22.10.1997, a 13.11.2001 a incapacidade anteriormente fixada manteve-se inalterada;

- a atribuição de calçado ortopédico foi, ao longo do tempo, objeto de várias reclamações do sinistrado, as quais foram sendo atendidas pela seguradora; noutras ocasiões, o sinistrado dirigiu ao processo várias reclamações, as quais, “foram sendo resolvidas, na medida do possível, a contento das partes” (fls. 157-164, 168, 171, 174-175, 185, 190, 191, 193).

- por requerimento do sinistrado de 07.11.2014, a 01.12.2014, o sinistrado foi submetido a exame de ortopedia, onde o Sr. médico ortopedista concluiu que aquele “necessita de calçado ortopédico (um par de 3 em 3 meses); um tornozelo elástico (um por ano); e prescrição medicamentosa (uma receita de 3 em 3 meses)” – fls. 193 – o que foi determinado por despacho judicial de 13.01.2015 (fls. 204);

- a 21.06.2016, o sinistrado dirigiu ao tribunal nova exposição, na sequência do que a seguradora veio a submeter o sinistrado a “ecodopler arterial venoso e a consulta de cirurgia vascular” e “explicados sinais de alarme que devem precipitar reavaliação médica”;

- na sequência do que foi requerido novo exame de revisão, a 07.09.2016, que foi deferido por despacho judicial de 22.09.2016 e, realizado exame pericial, foi proferida a sentença de 04.10.2017;

- a 13.11.2017, entrou o expediente de fls. 2 a 4 e 7, I. 4, o qual veio a dar origem à promoção de fls. 8 e ao despacho judicial de 08.02.2018 (fls. 9, ambos do I.4), que determinou a realização de novo exame de revisão;

- por decisão de 27.11.2018 foi mantida a IPP de 52,5% com IPATH e determinado que a seguradora continuasse a assegurar o sinistrado as avaliações e tratamentos médicos e o fornecimento de calçado ortopédico, tornozelo elástico e prescrição medicamentosa;

- a 07.03.2019, o sinistrado requereu nova revisão da incapacidade (Inc. 5) que foi admitida e, por decisão de 20.09.2019, concluiu-se que, pese embora mantendo a mesma IPP com IPATH, havia necessidade de assegurar outras consultas de especialidade e, bem assim, de corrigir o calçado ortopédico, pelo que se declarou o seguinte:

o Sinistrado continua afectado da mesma IPP que já anteriormente lhe foi fixada - 52,5% e IPATH - e, em consequência, mantenho a pensão que lhe foi arbitrada e que já se encontra paga (devido a remição);

» bem como, a Seguradora continuará a assegurar ao Sinistrado:

- avaliação anual com consulta periódica a ser definida pelos seus serviços clínicos;

- consultas nas especialidades de Cirurgia Vascular e Ortopedia, sendo que estas deverão ocorrer pelo menos três vezes por ano;

- prescrição medicamentosa (uma receita de três em três meses).

» mais deve a Seguradora assegurar ao Sinistrado:

» consultas nas especialidades de Fisiatria e de Dermatologia, sendo que estas deverão ter uma periodicidade semestral;

- o fornecimento de calçado ortopédico, cuja correcção se impõe, a definir em consulta de Fisiatria, que deve ter uma periodicidade semestral.”

Vejamos:

Sobre esta matéria do prazo para a revisão já se pronunciou esta Relação, entre outros no Acórdão de 08-04-2010, proferido no proc. 30/1982.C1 (in www.dgsi.pt) e de 09-02-2012, no proc. 92/1993.1.C1, relatados pelo relator do presente acórdão, e que aqui seguiremos em parte da argumentação no desenvolvimento da apreciação.

A Base XXII da Lei 2.127, de 1965-08-03 (aplicável, no tempo, à situação dos autos), dispõe o seguinte:

1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.

2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.

3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.

Ao incidente de revisão de incapacidade em questão e que deu origem ao despacho recorrido é, sem dúvida, aplicável a Lei n.º 2127 já que o acidente dos autos ocorreu em 1991 e a LAT (lei dos acidentes de trabalho) aprovada pela Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, só entrou em vigor em 1 de Outubro de 1999, sendo certo também que a essa LAT e o decreto-lei que a regulamentou só são aplicáveis aos acidentes de trabalho que ocorreram após a entrada em vigor destes mesmos diplomas (cf. a alínea a) do nº 1 do artigo 41º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro), o mesmo se podendo dizer da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), a qual só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, mas só se aplica (no que toca ao regime de revisão de incapacidades) aos acidentes ocorridos depois dessa data (v. art. 187.º). A solução de permitir a revisão a todo o tempo (com o limite de uma vez por ano) é a que veio a ser acolhida pelo art. 70.º da recente Lei n.º 98/2009, de 4/9, mas como dissemos se aplica aos acidentes ocorridos depois de 01-01-2010.

Por conseguinte, a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei 2.127 se não for desaplicada por interpretação que a julgue inconstitucional daria desde logo bom sustento à posição da recorrente - a revisão da incapacidade em causa foi requerida mais de dez anos (cerca de quatorze anos depois) depois da fixação inicial (e última) da pensão.

Todavia, deve entender-se que a Srª. Juíza a quo invocou a inconstitucionalidade da norma, partindo das posições expressas no Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 147/2006 de 22.02.2006 (in DR, II Série, de 03.5.2006) e n.º 433/2016, de 13.07.2016 (DR, II Série, de 30.09.2016).

Esta Relação já se tinha pronunciado em Acórdão proferido no proc. 89/1988.1.C1, na sequência de várias posições que nos últimos anos tinham sido tomadas a este respeito e que culminaram com o Acórdão do TC n.º 147/2006, já referido, que a limitação que decorre do n.º 2 da Base XXII (e que passou a ter correspondência no artigo 25º da LAT que se lhe seguiu) padecia de inconstitucionalidade.

Aquele Acórdão do TC (de 2006) sintetizou ser “inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59º, nº 1, alínea f), da Constituição, a norma do nº 2 da base XXII da Lei nº 2127,de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado” [sublinhado nosso].

Ou seja, não considerou a norma totalmente inconstitucional, mas apenas que o era na medida em que não consentia ponderar absolutamente situações de revisão nas situações referidas no segmento acima sublinhado.
Tal posição veio a formar corrente jurisprudencial no Tribunal Constitucional, podendo citar-se os Acórdãos nºs 59/07, 612/08 e 341/09, de acordo com a qual o julgamento de inconstitucionalidade normativa só tem lugar quando entre a data da fixação inicial da pensão e o termo do prazo legal de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
Conforme se referiu no Ac. 612/08, não reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão, sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada (sublinhado nosso). Salientando que diferente é a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho de vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada. E dando nota que, apresentando o direito à justa reparação por acidentes de trabalho natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a fixação de um prazo para a revisão da pensão, nos termos previstos na n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, configura um mero requisito relativo ao modo de exercício do direito. E que só as normas restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de exigências e cautelas consignado no artigo 18.º n.ºs 2 e 3 da Constituição. Concluindo que, para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar efectivamente numa restrição, torna-se necessário que ele possa dificultar gravemente o exercício concreto do direito em causa, o que não sucede quando a lei fixa um prazo suficientemente dilatado que, segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados. Por isso, nesse condicionalismo, seria de entender que essa exigência de prazo se não mostrava excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade.
Acolhendo essa posição do Tribunal Constitucional, no Acórdão de 08-04-2010, no proc. 30/1982.C1, manifestámos o entendimento enunciado no seu sumário: “II- O Acórdão do TC nº 147/2006, de 22/02/2006 (in DR II série, de 03/05/2006) não considerou a citada norma totalmente inconstitucional, mas apenas que o era na medida em que não consentia ponderar absolutamente situações de revisão nas situações referidas no mesmo – isto é, considerou inconstitucional a norma do nº 2 da base XXII da Lei 2127, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, mas apenas nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado. III- Com efeito, não reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão, sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada (sublinhado nosso).
A situação dos autos reveste uma nítida singularidade face ao entendimento seguido que nos conduz ao afinamento do critério sobre o que deve ser entendido por “consolidação da situação” das sequelas causadas pelo acidente de trabalho, tendo em conta que o fundamento essencial da decisão recorrida assenta justamente na demonstração dessa não consolidação.
Neste ponto devemos assinalar que o nosso entendimento bem expresso no sumário do Acórdão desta Relação de 15-09-2016 (proc. 254/10.4TTFIG.L.C1, relatado pelo hoje Conselheiro Ramalho Pinto e subscrito pelo presente relator como adjunto): “I- O incidente de revisão de incapacidade, por definição e nos termos do artº 145º do CPT, destina-se a apreciar se se verificou um aumento ou diminuição da capacidade laboral do sinistrado, culminando com o despacho do juiz a manter, aumentar ou reduzir a pensão ou a declarar extinta a obrigação de a pagar – art. 145º, nº 6, do CPT; II- Contudo, esse preceito não proíbe, nem faria qualquer sentido que o fizesse, que nos autos se discuta outro tipo de questões, como sejam o direito à prestação em espécie a que se refere o artº 10º, al. a) da Lei nº 100/97, de 13/09 (LAT aplicável ao caso)”. Ou seja, o incidente de revisão da incapacidade destina-se a aferir não apenas do aumento ou diminuição da incapacidade para efeitos de fixação de pensão, mas também para verificar o estado da consolidação das sequelas sofridas no sinistro laboral e determinar se ocorre ou não necessidade doutro tipo de apoio reparador (clínico, medicamentoso ou outro).
No caso dos autos é patente que a consolidação das sequelas não ocorreu, embora mantido o grau de desvalorização funcional fixado no incidente de revisão de 1993. Nesse mesmo ano de 1993, no acordo homologado na tentativa de conciliação da fase conciliatória dos autos, a seguradora ficou logo obrigada a “proporcionar ao sinistrado todo o material ortopédico que o mesmo necessite”. Por outro lado, para além do acompanhamento clínico, medicamentoso e ortopédico que foi sendo ditado no processo ao longo dos anos, como se vê dos factos assentes, no incidente de revisão de 2019, mantendo-se a mesma IPP com IPATH, concluiu-se pela necessidade de assegurar ao sinistrado outras consultas de especialidade e de corrigir o calçado ortopédico, tendo-se decidido que a seguradora deveria assegurar ao sinistrado “avaliação anual com consulta periódica a ser definida pelos seus serviços clínicos”, “consultas nas especialidades de Cirurgia Vascular e Ortopedia, sendo que estas deverão ocorrer pelo menos três vezes por ano”, “ prescrição medicamentosa (uma receita de três em três meses)”, “consultas nas especialidades de Fisiatria e de Dermatologia, sendo que estas deverão ter uma periodicidade semestral”, “o fornecimento de calçado ortopédico, cuja correcção se impõe, a definir em consulta de Fisiatria, que deve ter uma periodicidade semestral”.

Confrontado com um caso semelhante ao dos autos, o Tribunal Constitucional no já acima mencionado Acórdão n.º 433/2016, de 13.07.2016 (DR, II Série, de 30.09.2016), julgou inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma contida nos n.ºs 1 e 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo de dez anos, contados da fixação original da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento superveniente de lesões sofridas, nos casos em que, desde a fixação da pensão e o termo desse prazo de dez anos, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável fique judicialmente obrigada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado (sublinhado nosso).

Nesse Acórdão foi referido o seguinte na respectiva fundamentação:

«(…) a dimensão normativa agora questionada (por violação do princípio da justa reparação previsto no artigo 59.º, nº 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa (CRP)), da norma que consagra um prazo preclusivo de 10 anos, desde a fixação inicial da pensão, para, em caso de agravamento ou recidiva das lesões, poder ser pedida a revisão da pensão, toma por referência a condenação judicial da seguradora responsável para o fornecimento de prestações em espécie – tratamento médico, acompanhamento estomatológico, reparação de próteses – para ilidir a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado.

Ora, a “presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado” foi o elemento determinante na jurisprudência constitucional que concluiu não se mostrar desconforme com a Constituição – e ainda dentro da margem de conformação do legislador – a fixação de um prazo findo o qual se mostra vedado o direito de revisão da pensão atribuída ao sinistrado em acidente laboral.

Essa jurisprudência incidiu sobre situações diversas, tendo todas por comum a circunstância de entre a fixação da pensão atribuída e o pedido da respetiva revisão ter decorrido o prazo fixado na lei sem que se registassem alterações ou circunstâncias relevantes para o afastamento da presunção de estabilização da situação do sinistrado. Para o efeito, foram tidas em conta quer as situações em que não tinham sido formulados quaisquer pedidos de revisão de pensão dentro do prazo de dez anos desde a fixação da pensão inicial (assim, os Acórdãos n.ºs 155/2003 e 612/2008), quer as situações em que, tendo ocorrido atualizações da pensão inicialmente fixada (na sequência de pedidos de revisão a tanto dirigidos), decorrera o prazo de 10 anos desde a última revisão da pensão (assim, o Acórdão n.º 219/2012), quer as situações em que, não obstante ter sido requerida a revisão da pensão durante o período inicial subsequente à incapacidade inicialmente fixada, fora a mesma indeferida, não ocorrendo, assim, qualquer revisão intercalar do grau de incapacidade e pensão fixada (assim, o Acórdão n.º 134/2014).

Ora, mesmo por referência aos dois últimos acórdãos citados – e encontrando neles, quanto à situação sub judicie, o elemento comum de o prazo preclusivo do direito de requerer a revisão da pensão concedida ser tido por decorrido desde a fixação da pensão por incapacidade não obstante ter o mesmo direito sido exercido, com ou sem sucesso, no período subsequente à fixação inicial – considera-se não se mostrar a jurisprudência neles exarada aplicável à situação dos autos.

(…)

Isto, desde logo, porque, no caso vertente, mesmo não tendo havido, nos primeiros dez anos após a fixação da pensão, atualizações intercalares da pensão, certo é que também dificilmente se pode ter por estabilizada a situação de incapacidade resultante do acidente de trabalho em causa.

A circunstância de a seguradora responsável ter sido judicialmente condenada a acompanhar a situação clínica do sinistrado e a prestar os tratamentos médicos necessários, designadamente a reparação das próteses dentárias cuja deterioração motivou os pedidos de revisão da pensão pelo sinistrado, formulados antes e após o decurso do prazo de dez anos sobre a data da fixação da incapacidade permanente parcial, conduz à conclusão – assumida na decisão judicial ora recorrida – de não se ter por verificada, ou mesmo presumida, a estabilização da situação clínica do sinistrado no período temporal estabelecido pelo legislador.

E essa circunstância afigura-se determinante da ratio da decisão recorrida e, assim, da dimensão normativa em causa no presente recurso.

13. A relevância da dimensão normativa reportada à circunstância da condenação da seguradora na prestação ao trabalhador sinistrado decorre, desde logo, da densificação – a que o legislador ordinário não se mostra alheio – do direito fundamental dos trabalhadores à assistência e justa reparação quando vítimas de acidentes de trabalho (e doenças profissionais), plasmado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP desde a revisão constitucional de 1997.

A ideia de justa reparação - em face de danos provocados por um acidente de trabalho - aponta para um conceito compreensivo que não se esgota na atribuição aos trabalhadores de pensões por incapacidade (prestações em numerário), antes incluindo prestações de diferentes tipos, como as reparações em espécie, exemplificadas no acompanhamento e tratamento médico das lesões decorrentes do sinistro laboral, no caso vertente justificadas pela verificada deterioração das próteses colocadas.

Assim, e já antes da expressa inclusão daquele direito no catálogo dos direitos constitucionais dos trabalhadores, a Base IX da Lei n.º 2127 de 3 de agosto de 1965 – regime legal aplicável à situação dos autos - assim configurava o direito à reparação em caso de acidente laboral ou doença profissional (em termos muito próximos, sublinhe-se, do regime atualmente vigente – artigo 23.º, da Lei n.º 98/2009, de 4/09):

«Base IX

(Reparação)

O direito à reparação compreende as seguintes prestações:

a) Em espécie: prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida activa;

b) Em dinheiro: indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente; pensões aos familiares da vítima e despesas de funeral, no caso de morte.»

O direito do trabalhador às diferentes prestações será, naturalmente, ditado pelas especificidades do caso. Assim, o direito a uma pensão (in casu, vitalícia) destina-se às situações em que se verifica uma incapacidade permanente (absoluta ou parcial) do trabalhador como consequência do sinistro. Naturalmente, as lesões que possam ditar uma situação de incapacidade (permanente) do sinistrado são associadas a uma maior gravidade do acidente ocorrido e dos seus efeitos (necessariamente duradouros, previsivelmente vitalícios) na saúde e aptidão do trabalhador que sofreu o acidente de trabalho em causa. Assim, e para esses casos, é previsto o direito a uma pensão vitalícia:

«Base XVI

(Prestações por incapacidade)

1 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho da vítima, esta terá direito às seguintes prestações:

a) Na incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho: pensão vitalícia igual a 80 por cento da retribuição-base, acrescida de 10 por cento por cada familiar em situação equiparada à que legalmente confere direito a abono de família, até ao limite de 100 por cento da mesma retribuição;

b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual: pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

c) Na incapacidade permanente e parcial: pensão vitalícia correspondente a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho;

(…)»

Ora, a relação estabelecida entre a prestação «pensão vitalícia» e as prestações em espécie destinadas à reparação da situação (sobretudo clínica) do sinistrado não pode ser ignorada. Ela ocorre, pelo menos, em três diferentes perspetivas.

Em primeiro lugar, pela finalidade das prestações em causa.

Assinala-se aqui que a principal função das pensões é a de substituição ou compensação da perda de contribuição que o vencimento do próprio trabalhador representava para a sua subsistência. Verificada (médica e judicialmente) uma incapacidade permanente, a reparação do dano causado ao trabalhador é feita pela compensação (através de uma prestação periódica em dinheiro) da redução na capacidade de trabalho ou ganho da vítima acarretada por aquela.

Já o direito à reparação em espécie – neste caso reparações de natureza médica – é devido sempre que estas prestações se mostrem necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida ativa. A função das prestações em espécie é, assim, dirigida à reintegração da situação, no que for médica e tecnicamente (em cada momento) possível.

Deste modo, não se pode ignorar que os resultados das prestações em espécie, incluindo dos tratamentos médicos devidos, podem vir a influir – especialmente, se bem-sucedidos – no grau de incapacidade estabelecido para o efeito da atribuição da correspondente pensão.

Nesta sequência e em segundo lugar, pelas possíveis consequências das reparações em espécie.

É que, não obstante o assinalado objetivo das reparações em espécie – reintegração da situação (recuperação, restabelecimento, reabilitação) –, o próprio legislador não descurou a possibilidade de o tratamento (médico, farmacêutico, hospitalar) poder acarretar como consequência lesões ou doenças derivadas do próprio tratamento (o que vai para além do possível agravamento ou a recidiva das lesões e sequelas causadas pelo acidente de trabalho).

Daqui se retirou uma nova concretização do direito à reparação dos danos sofridos pelas vítimas de acidentes de trabalho – prevista, pelo legislador no n.º 4 da Base VIII, da Lei n.º 2127 (hoje quase textualmente reproduzido no artigo 11.º, n.º 5, da Lei n.º 98/2009):

“Confere também direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento de lesão ou doença resultante de um acidente de trabalho e que seja consequência de tal tratamento.”

Depois, por último, quanto à revisibilidade das prestações.

A Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, na sua Base XXII (supra citada em 9.), veio prever a possibilidade de revisão das pensões e, bem assim, de outras prestações «quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia», estabelecendo, (pelo menos) quanto às primeiras, um prazo de dez anos contados da fixação da pensão. E, no regime atualmente vigente, a revisibilidade das prestações devidas para reparação dos danos provenientes de acidentes de trabalho encontra-se prevista no artigo 70.º, da Lei n.º 98/2009 (supra citado em 9.).

Verifica-se, assim, que a lei (num regime como noutro) prevê a revisibilidade de diversas prestações – e não apenas das pensões por incapacidade – dirigindo-se também, e especificamente, às prestações destinadas à reparação em espécie (seja na formulação mais compreensiva do n.º 1 do artigo 70.º da lei atual, seja na formulação mais estrita da aplicação de próteses e tratamentos de ortopedia adotada no n.º 1 da Base XXII da Lei n.º 2127). Ora, em todo o caso, trata-se da previsão da revisão de prestações em espécie que não apenas se traduzem na aplicação de tratamentos e técnicas suscetíveis de evolução e modificação (seja pelo avanço das ciências médicas e da tecnologia ao serviço da medicina, seja pela necessidade de ajustamentos em função da própria evolução da situação clínica do sinistrado), como podem influir na «capacidade de ganho ou de trabalho» que determina o grau de incapacidade e a correspondente prestação em dinheiro sob a forma de «pensão». A aplicação de próteses (no caso, dentárias) mostra exemplarmente o que fica dito.

Assim, se nem todas as prestações se mostram contempladas no regime de revisibilidade contido na lei – uma indemnização, por exemplo, assumirá carácter definitivo, quando decretada – certo é que quer as pensões por incapacidade (permanente), quer as prestações em espécie destinadas à reparação dos danos causados na saúde e aptidão (sobretudo, física) do trabalhador vítima de um acidente de trabalho (aqui se incluindo, inequivocamente, a colocação de próteses), pela sua natureza e finalidades, se afiguram passíveis de revisão.

14. Deste modo – e dadas as interconexões estabelecidas entre as prestações “revisíveis”, no plano dos factos e do direito, acima assinaladas (supra, 13.) –, a ocorrência de uma condenação judicial da seguradora com vista a prestar tratamentos médicos ao trabalhador sinistrado (in casu, com a incumbência de proceder ao devido acompanhamento e à reparação das próteses dentárias), de acordo com o relatório pericial elaborado por junta médica, é um dado da maior relevância no contexto das prestações devidas ao sinistrado como forma de reparação da situação decorrente do acidente de trabalho.

Com efeito, sendo as prestações em espécie determinadas se necessárias e adequadas à reparação dos danos causados pelo acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador, a sua decretação (por decisão judicial) é, desde logo, reveladora da evolução não favorável (e nessa medida não estabilizada) da situação clínica que as reclama, acrescendo a sua (também necessária) revisibilidade em função da evolução da situação patológica que visam reparar e do progresso dos meios médicos e técnicos disponíveis e, bem assim, as possíveis consequências da sua utilização, seja no sucesso da reparação das lesões causadas pelo acidente, seja no insucesso dessa reparação, traduzido, no limite, no possível agravamento ou recidiva das lesões ou sequelas causadas pelo acidente ou mesmo no surgimento de novas lesões ou doenças provocadas pelo próprio tratamento, também incluídas no direito à reparação.

Em todos os casos, a avaliação da situação clínica do sinistrado que habilitou um juízo sobre o seu grau de incapacidade e a pensão correspondente mostra-se suscetível de alteração, não se compaginando com qualquer presunção de estabilidade da situação clínica do trabalhador na sequência do acidente por ele sofrido.

Assim sendo, afigura-se correta a conclusão – assumida na decisão judicial ora recorrida – de se ter por afastada, de modo irrecusável, a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado que legitimaria, na linha jurisprudencial seguida neste Tribunal, a opção normativa de fixação de um prazo de dez anos findo o qual a revisão das prestações (ou, especificamente, da pensão por incapacidade) se mostraria vedada ao trabalhador.

Deste modo, tendo sido judicialmente determinada – e antes de decorrido o prazo de 10 naos sobre a fixação da pensão – a prestação de cuidados médicos ao sinistrado, a recusa (liminar) do pedido de revisão da pensão (in casu, acompanhado do pedido de tratamento médico), em virtude de entre a fixação da pensão decretada e esse pedido ter decorrido o prazo de dez anos previsto no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, consubstanciaria uma ofensa não consentida pela Constituição ao direito fundamental dos trabalhadores à assistência e justa reparação quando vítimas de um acidente de trabalho, expressamente consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP.

(…)

Ora, no caso vertente, concluiu-se já pela determinante relevância da condenação judicial para a reparação (em espécie) da situação do sinistrado, ocorrida no período de dez anos desde a fixação da pensão por incapacidade, para a ilisão da presunção de estabilidade da situação clínica do trabalhador que sofreu o acidente de trabalho em causa.

Aproximamo-nos, deste modo, da jurisprudência constitucional que julgou a norma legal sob escrutínio inconstitucional por ofensa ao direito consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição. É que, não obstante as circunstâncias determinantes do afastamento da presunção de estabilização das lesões (e da incapacidade por estas causada) tidas em conta quer nos Acórdãos n.ºs 147/2006, 59/2007 e 548/2009 (a alteração da pensão estabelecida nos primeiros dez anos desde a fixação da pensão original), quer mesmo no Acórdão n.º 161/2009 (em que a circunstância relevante para o efeito assume um carácter singular – cirurgia inovatória desconhecida ao tempo da lesão, ocorrendo em momento muito posterior ao decurso do prazo ora impugnado) não se mostrarem totalmente replicadas no caso sub judicie, certo é que a ideia de justiça subjacente aos juízos de inconstitucionalidade neles produzido merece plena aplicação no caso vertente, no qual, durante o período de dez anos subsequente à fixação da pensão por incapacidade, foi determinada judicialmente a obrigação de prestação de tratamentos médicos ao sinistrado.

Daqui decorre que a efetivação do direito constitucional à justa reparação dos danos causados por acidente de trabalho não se mostra, in casu, concluída ou suficientemente assegurada pela primeira fixação de uma pensão por incapacidade, em termos irrevogáveis ou imodificáveis, decorrido o prazo de dez anos para o pedido da respetiva revisão. Isto, na medida em que a verificada necessidade de recurso a prestações em espécie (tratamento médico estomatológico) e a possibilidade de alteração da própria situação de incapacidade verificada (que, por um lado, a necessidade daqueles tratamento indicia e que, por outro lado, se assume como risco possível da própria intervenção ou tratamento médico) não se compadecem com a fixação de um prazo absolutamente preclusivo para o pedido de revisão da pensão pelo sinistrado, sob pena de desproteção do próprio trabalhador.»

A detalhada posição transcrita do Tribunal Constitucional merece a nossa inteira adesão.

No caso dos autos, inteiramente similar, deve ter-se por afastada a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado que daria razão à apelante no seu entendimento sobre a caducidade do direito de requerer a revisão.

No mesmo caso, tendo sido judicialmente determinada a prestação de cuidados médicos e ortopédicos ao sinistrado – e antes de decorrido o prazo de 10 anos sobre a fixação da pensão (foi mesmo concomitante à fixação inicial da incapacidade) –, a recusa do pedido de revisão da pensão em virtude de entre a última fixação da pensão decretada e esse pedido ter decorrido o prazo de dez anos previsto no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127 consubstanciaria, como se refere no Ac. do TC, uma ofensa ao direito fundamental dos trabalhadores à assistência e justa reparação de acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º da CRP.

Por conseguinte, o incidente de revisão não deveria ter sido indeferido, por extemporâneo, tal como o tribunal a quo o não indeferiu, recusando assim o pedido da seguradora ré.

Concluímos, pois, pela improcedência do recurso.


*
Sumário:
(…).

***

*


III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

   Coimbra, 9 de Novembro de 2022


 (Luís Azevedo Mendes)

 (Felizardo Paiva)

 (Paula Maria Roberto)