Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/18.4PCCBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: SENTENÇA
FACTOS DECORRENTES DA DISCUSSÃO DA CAUSA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
MEIO PARTILARMENTE PERIGOSO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 03/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 30.º, N.º 3, E 132.º, N.º 2, AL. H), DO CP; ARTS. 321.º E SS., 368.º, DO CPP
Sumário: I – Perante um caso de “insubordinação” do arguido no decurso da audiência de discussão e julgamento, o juiz que à mesma preside deve limitar-se a exercer os poderes de disciplina e direcção que a lei lhe confere (cfr. art. 321.º e ss. do CPP) e, traduzindo a conduta um eventual ilícito criminal, agir em conformidade com as normas processuais penais e estatutárias, e não já fazer constar semelhantes ocorrências no acervo factual da sentença.
III – Resultando apurado que o arguido, conduzindo uma viatura automóvel, seguiu no encalço do veículo onde seguiam a sua mulher e a assistente, perseguindo-o, de muito perto, por várias artérias de Coimbra, e, quando o segundo entrou numa “bomba de gasolina”, embateu-o, por duas vezes, na parte traseira, seguida de uma terceira, atingindo agora o lado esquerdo/rectaguarda do mesmo, prosseguindo nos embates com a parte frontal do seu veículo na porta do lado do condutor da outra viatura, repetindo as colisões por, pelo menos, 5/6 vezes, fazendo, de cada vez, marcha atrás para ganhar margem e voltar a embater, esta conjunção de acontecimentos preenche a circunstância qualificativa prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do CP (utilização de meio particularmente perigoso).
Decisão Texto Integral:




Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 31/18.4PCCBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Coimbra – JL Criminal –Juiz 1, foi o arguido AA pronunciado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, de um crime de ofensa à integridade física simples, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, de um crime de ameaça agravada e de um crime de difamação, p. e p. respetivamente pelos artigos 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 143.º, n.º 1, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, com referência às alíneas e) e h), do artigo 132.º, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), artigo 180.º, todos do Código Penal – [cf. fls. 765 a 774].

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento no decurso da qual teve lugar a comunicação de uma alteração da qualificação jurídica relativamente ao número de crimes de difamação [cf. ata de fls. 1147] e, bem assim, em momento subsequente a comunicação da alteração não substancial dos factos [cf. ata de fls. 1269], por sentença de 18 de fevereiro de 2019, objeto de correção a fls. 1279, o tribunal decidiu [transcrição do dispositivo]:

I. Absolver o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 43.º, n.º 1 do CP, por factos praticados no mês de Julho de 2017, por caducidade do direito de queixa;

II. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CP, por factos praticados em 31 de Janeiro de 2018, na pena de dois anos e quatro meses de prisão;

III. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do CP, por factos praticados no dia 9 de janeiro de 2018, na pena de seis meses de prisão;

IV. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime ameaça agravada, p.p. pelo artigo 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al. a) do CP, por factos praticados no dia 9 de janeiro de 2018, na pena de cem dias de multa;

V. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de difamação, p.p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do CP, por factos praticados no dia 10 de janeiro de 2018, na pena de oitenta dias de multa;

VI. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de difamação, p.p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do CP, por factos praticados no dia 11 de janeiro de 2018, na pena de oitenta dias de multa;

VII. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de difamação, p.p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do CP, por factos praticados no dia 13 de janeiro de 2018, na pena de oitenta dias de multa;

VIII. Condenar o Arguido AA na pena única conjunta de dois anos e seis meses de prisão e na pena única conjunta de cento e sessenta dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia global de € 1.120,00 (mil cento e vinte euros);

IX. Condenar o arguido nas custas da ação criminal, cuja taxa de justiça se fixa em montante correspondente a seis UC e demais encargos, presentes e futuros;

X. Condenar o demandado cível a pagar à demandante cível BB a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, emergente da conduta praticada pelo arguido e subsumida no ilícito penal de difamação, ofensa à integridade física qualificada e ameaça grave;

XI. Condenar o demandado cível a pagar à demandante cível CHUC.EPE o valor de € 383,24 (trezentos e oitenta e três euros e vinte e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais, emergentes da conduta praticada pelo arguido e subsumida no crime de violência doméstica e ofensa à integridade física qualificada, e nos juros de mora de 4% contabilizados desde a data da citação até integral pagamento;

XII. Valor da ação cível: € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) e € 383,24 (trezentos e oitenta e três euros e vinte e quatro cêntimos);

XIII. Sem custas cíveis, em face dos valores peticionados;

XIV. Condenar o arguido ao pagamento da quantia de € 2,000,00 (dois mil euros) a pagar à CC, a título de compensação pelos factos praticados subsumíveis no crime de violência doméstica;

XV. Em face da condenação em prisão efetiva, mantem-se a medida de coação proibição de contactos da ofendida CC de BB, com monotorização da medida implementada em relação à CC através dos meios de controlo à distância, até trânsito em julgado da presente decisão, nos termos dos artigos 191.º, n.º 1, 193.º, 195.º, 196.º, 200.º, n.º 1, al. d) e 204.º, al. c), todos do CPP e artigo 36.º, n.º 7 da Lei n.º 112/2009.

[…].

3. Da sentença recorreu o arguido, tendo então declarado manter interesse no conhecimento dos recursos intercalares, por si, interpostos.

4. Por acórdão de 22.01.2020, proferido por este tribunal, foi decidido [transcrição do dispositivo]:

(a) Julgar improcedente o recurso interposto do despacho proferido em 14.12.2018;

(b) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs - [cf. artigos 513.º e 514.º do CPP; 8.º do RCP, com referência à tabela III];

(c) Julgar procedente o recurso interposto do despacho proferido em 06.02.2019 e, em consequência, determinar a sua revogação e substituição por outro que requisite a requerida perícia psiquiátrica ao arguido, o que implica a reabertura da audiência de julgamento - tudo sem prejuízo do aproveitamento da prova já produzida nessa sede –, com a observância do contraditório e da eventual produção de prova suplementar, cuja necessidade decorra da ordenada perícia, seguida - cumpridas as formalidades do julgamento - da prolação de nova sentença em conformidade;

(d) Sem tributação;

(e) Julgar prejudicada a apreciação do recurso interposto da sentença.

5. Remetido o processo à primeira instância, realizada a perícia psiquiátrica, conforme determinado no acórdão da Relação, seguida a ulterior tramitação, por sentença de 06.04.2021 o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

I. Absolver o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do CP, por factos praticados no mês de julho de 2017, por caducidade do direito de queixa;

II. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CP, por factos praticados em 31 de janeiro de 2018, na pena de dois anos e quatro meses de prisão;

III. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelo artigo 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h) do CP, por factos praticados no dia 9 de janeiro de 2018, na pena de seis meses de prisão;

IV. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p.p. pelo artigo 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al. a) do CP, por factos praticados no dia 9 de janeiro de 2018, na pena de cem dias de multa;

V. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p.p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do CP, por factos praticados no dia 10 de janeiro de 2018, na pena de oitenta dias de multa;

VI. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p.p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do CP, por factos praticados no dia 11 de janeiro de 2018, na pena de oitenta dias de multa;

VII. Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p.p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do CP, por factos praticados no dia 12 de janeiro de 2018, na pena de oitenta dias de multa;

VIII. Condenar o Arguido AA na pena única conjunta de dois anos e seis meses de prisão e na pena única conjunta de cento e sessenta dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia global de € 1.120,00 (mil cento e vinte euros);

[…]

X. Condenar o demandado cível a pagar à demandante cível RG a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, emergentes da conduta praticada pelo arguido e subsumida nos ilícitos penais de difamação, ofensa à integridade física qualificada e ameaça grave;

XI. Condenar o demandado cível a pagar à demandante cível CHUC.EPE o valor de € 383,24 (trezentos e oitenta e três euros e vinte e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais, emergentes da conduta praticada pelo arguido e subsumida no crime de violência doméstica e ofensa à integridade e ofensa à integridade física qualificada, e nos juros de mora de 4%, contabilizados desde a citação até integral pagamento;

[…]

XIV. Condenar o arguido ao pagamento da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a pagar a CC, a título de compensação pelos factos praticados subsumíveis no crime de violência doméstica.

6. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso visa a revogação da sentença recorrida na parte em que condena o Recorrente pelos crimes de: violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, do CP, na pena de dois anos e quatro meses de prisão; de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 e 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, artigo 132.º, n.º 2, alínea e) e h) do CP, na pena de seis meses de prisão; de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos. 153º nº 1 e 155º nº 1, alínea a) do CP na pena de cem dias de multa, e de três crimes de difamação, p. e p. pelo disposto no artigo 180º, n.º 1, todos do CP, na pena de oitenta dias de multa por cada um.

2. Visa também reagir, com particular acuidade, quer quanto à medida da pena, quer quanto à escolha da pena a que se deveria ter chegado, considerando a condenação a uma pena única conjunta de dois anos e seis meses de prisão efetiva e na pena única conjunta de cento e sessenta dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), que se considera, manifestamente excessiva, injusta e desproporcional, pugnando o ora recorrente, pela sua absolvição.

3. Com efeito, tal medida ofende o princípio de preferência por medidas não detentivas, na vontade clara do legislador de eliminar as penas curtas de prisão e, no caso concreto, o próprio objetivo da punição criminal.

4. Concluir-se-á, não vingando a absolvição, vista a imagem global do objeto dos autos e a pessoa do agente, que a pena de prisão efetiva é contraproducente no caso concreto, criando mais mal do que aquele que uma suspensão de execução da pena se afiguraria idóneo a efetivamente produzir, em caso de condenação pelos mesmos crimes, possibilidade que não se concebe.

5. Não sendo razoável que hoje em dia, os Tribunais desconheçam, apesar do sistema de justiça estar bem delineado, que não raras vezes é “usado” pelos cidadãos, homens e mulheres, ofendidos e arguidos para obter ganhos de causa.

6. Resultando uma total ausência, por parte do Tribunal a quo, de uma análise crítica, justa, ponderada e fundamentada da prova produzida, como se impõe. Tal imposição é, não só essencial como fundamental, quer à luz do respeito pelas regras basilares e princípios do Direito, quer pelo respeito dos direitos dos cidadãos (mesmo que do sexo masculino), quer ainda pelo humanismo que deve orientar as decisões judiciais.

7. É imprescindível a imparcialidade do julgador, não obstante o recurso às regras da experiência comum, e que não resulta, clara e indubitavelmente na sentença recorrida, sendo reveladora de uma excessiva, cega e irrazoável confiança nas versões paralelas e complementares da ofendida e da assistente, bem como das testemunhas que com elas corroboram.

8. Tão excessiva se mostrou essa confiança, nesses depoimentos, que se transformou numa avaliação conclusiva e opinativa com base em provas unívocas e equívocas, desprovidas de qualquer análise crítica quanto aos depoimentos produzidos da ofendida e da assistente, a roçar a qualificação de dogma.

9. Violando princípios constitucionais, nomeadamente, os ínsitos no artigo 13º, da CRP, que sob a epígrafe “Princípio da Igualdade” estatui no seu nº 1 que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e no seu número 2, “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” (negrito e sublinhado nosso) e no artigo 32º nº 2, da CRP, o Princípio “ in dubio pro reo”.

10.Resultando numa condenação totalmente desproporcionada e sem pejo de se prestar a conclusões ao ter sido aplicada intuitu personae, por o ora recorrente ser homem e ser agente da polícia.

11. Versa da mesma forma o presente recurso sobre a quantificação das indemnizações cíveis arbitradas à ofendida e à assistente.

Sem prescindir,

12. Padece a sentença recorrida de nulidade por excesso de pronúncia e por, na matéria respeitante aos factos 102. e 103., dever proceder o impedimento, por força da conjugação dos artigos 379º e 41º nº 3, ambos do CPP.

13. Em formal cumprimento, seja da norma do nº 2 do art. 374º CPP, supratranscrita, seja da pacífica interpretação jurisprudencial citada, refere-se na sentença ora recorrida (a pág. 3), quando é efetuada a enunciação dos factos provados:

Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:” (negrito e sublinhado nosso).

14.Em tal elenco, a par de muitos outros sem qualquer mácula formal, destacam-se, a fls. 11 e 12 da sentença, os seguintes:

Mais se apurou:

(...)

102. No dia 11 de Janeiro de 2019, após a sessão ter sido declarada interrompida, o arguido recusou-se a abandonar a sala de audiências, manifestando, em tom de voz elevado, vontade de falar, tendo sido várias vezes advertido que apenas prestaria declarações quando determinado pelo Tribunal, tendo sido ordenada a escolta às portas do Tribunal com recurso a auxílio da PSP, o que não chegou a concretizar-se atenta a sua saída voluntária;

103. No dia 23 de Janeiro de 2019, quando a testemunha M foi convidada a sair da sala de audiências o arguido levantando a voz afirmou seis vezes: «eu vou participar ao Conselho», dirigindo-se à Juiz que presidia à diligência, tendo afirmado quando advertido pelo Tribunal que só poderia falar quando lhe fosse dada permissão: «não se preocupe que vou reportar».”

15.Conclui-se, assim que a MMª Juiz “a quo” julgou factos, a que atribuiu interesse para a decisão da causa, ocorridos durante o julgamento e que a colocam a ela, MMª Juiz, com salvaguarda do devido respeito, como protagonista e interessada.

16.E é a tal ponto intensa a necessidade de salvaguarda da figura do juiz, enquanto, simultaneamente, titular e garante dum poder judicial independente e convictamente separado dos outros poderes, próprio dum Estado de Direito Democrático, que nada pode ou deve turvar essas qualidades primeiras, não se admitindo sequer, antes se impedindo vigorosamente [art. 39º nº 1 al. c) do CPP], que a mesma pessoa possa intervir no mesmo processo como representante do órgão acusatório e Juiz, como se faz, por exemplo, na República Islâmica do Irão (cfr. o caso de Abdol-Karim Lahiji e também o Ac. Piersack c. Bélgica, este do TEDH).

17.Constata-se, sempre com a salvaguarda do devido respeito, que a MMª Juiz a quo não limitou os seus poderes de cognição à matéria vinculativa da acusação, servindo de testemunha, acusadora e juiz, quanto a factos que em nada contendem com a matéria que respeita aos praticados pelo recorrente, e excedem a matéria em discussão, violando o disposto no art. 379º nº 1 c) do CPP, pelo que a decisão, nesta parte, é nula por excesso de pronúncia.

18.Violando os princípios tendentes à correta atividade do julgador, quando se pronunciou quanto a factos por esta presenciados, que em nada contendem com os em discussão em julgamento, sendo também, por se encontrar nas situações de impedimento descritas nas previsões da al. a) do nº 1 do art. 115º CPC (aplicável ex vi o disposto no art. 4º CPP), das alíneas c) e d) do artigo 39º CPP, a decisão é nula ao encontro do disposto no nº 3, do art. 41º CPP.

Mais ainda

19.No caso de entendimento distinto, a norma do nº 2 do art. 374º CPP, interpretada no sentido de ser possível ao juiz atribuir interesse para a decisão da causa, a factos ocorridos durante o julgamento dessa mesma causa, que em nada respeitam ao pedaço de vida factual descrito na acusação, podendo o juiz dar tais factos como provados e condenar o arguido, também, com suporte nos mesmos, tal norma, dizíamos, em tal dimensão prático-interpretativa, é inconstitucional por violação do princípio do acusatório e do processo justo tal como os mesmos se encontram definidos no nº 4 do art. 20º e nº 5 do art. 32º CRP e no nº 1 do art. 6º CEDH.

Sem embargo

(…)

De seguida, e sem prescindir,

(…).

65. Por outro lado, não se pode considerar a utilização de uma viatura automóvel, e, diga-se sempre, contra outra viatura automóvel, como no caso em apreço, como um meio particularmente perigoso.

66. Atente-se, ao vertido nos Doutos Acórdãos: Ac. TRP, Proc. 53/17.2GFPNF.P1, de 13-06-2018 (José Carreto) em que se pode verificar que: “I A utilização de um veículo automóvel consubstancia meio particularmente perigoso para atingir outrem na sua integridade física. II - O uso de modo anormal e ilícito, e absoluto desrespeito pelas normas estradais e ao contrário do agir que elas impõem - pois que em vez de ceder passagem ao peão, ao aproximar-se da passadeira, acelerou e aumentou a velocidade, assim enganando o peão confiante e incauto – revela especial censurabilidade e perversidade.”; bem como Acórdão do TRE, Proc. 318/12.0GEBNV.E1 de 08-05-2018, (Alberto Borges) “Um veículo automóvel, quando utilizado numa agressão, é um meio particularmente perigoso, face à enorme supremacia que confere um veículo automóvel e da sua exponencial perigosidade, o que dificulta a defesa da vítima. II – Comete um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22, 23, 145 n.ºs 1 al.ª a) e 2, 132 n.º 2 al.ª h) do CP, o arguido que, após, juntamente com outros, ter subtraído bens com intenção de apropriação de uma residência, ao iniciar a marcha do veículo em ordem a abandonar o local, tendo sido surpreendido pelo ofendido – que, a dada altura, arremessou uma pedra contra o veículo, em ordem a evitar que este se pusesse em fuga – , conduziu o mesmo veículo contra o ofendido, só não o logrando atingir porquanto este se conseguiu desviar, evitando dessa forma ser colhido pelo referido veículo.”. Disponíveis www.dgsi.pt.

67. Conforme jurisprudência supra e feita a sua leitura a contrário, conclui-se que o uso de um veículo automóvel será considerado um meio especialmente perigoso se e quando, utilizado contra o corpo de um terceiro, e não, como no presente caso, contra uma viatura.

68. E refira-se que, após a saída das mesmas dentro da viatura, o aqui recorrente continuou a embater com o seu carro, na viatura da ofendida, como se afere do facto dado como provado em 60. da sentença.

Mais

69. Face ausência de grande velocidade, aquando dos embates, nunca houve, nem poderia haver, qualquer perigo de explosão, porquanto é consabido que os tanques de combustível que se encontram nas estações de serviço, estão revestidos de válvulas de retenção e de proteção, que inibem qualquer explosão, mesmo em situações em que haja uma verdadeira colisão com a bomba de abastecimento. Pelo que a sentença recorrida carece de fundamentação que sustente a qualificação deste ilícito.

Sem embargo

(…)

Mais,

(…).

Ainda que assim não se entenda,

(…).

Mais se diga que

(…).

Sem embargo,

(…)

Nesta senda e quanto à escolha e medida da pena a aplicar e considerando o supra alegado e a convicção do recorrente:

(…)

Termos em que,

Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, ao encontro das precedentes motivação e conclusões, e em consequência, serem declaradas as invocadas nulidades da decisão recorrida, com as legais consequências.

Ou, mesmo que assim se não entenda,

Deve a decisão recorrida ser revogada na parte em que condena o arguido pelos crimes de violência doméstica, de ofensa à integridade física qualificada, de ameaça agravada e por 3 crimes de difamação,

Alterando-se a matéria de facto dada como provada, em consonância com o supra especificado, e sendo substituída por decisão que determine a absolvição do arguido pelos crimes de violência doméstica, de ofensa à integridade física qualificada, de ameaça agravada e por 3 crimes de difamação.

A assim não se entender,

Alterando-se a matéria de facto dada como provada, em consonância com o supra especificado, e sendo substituída por decisão que determine a absolvição do arguido pelos crimes de violência domestica, de ofensa à integridade física qualificada, de ameaça agravada e por 3 crimes de difamação, condenando o recorrente, no limite, por um crime de ofensa à integridade física simples, na pessoa da ofendida, um crime de ofensa a integridade física negligente na pessoa da assistente e um crime de difamação na pessoa da assistente.

Se ainda assim não se entender,

E vingando as condenações de que ora se recorre – uma pena única conjunta de 2 anos e 6 meses de prisão e na pena única conjunta de 170 dias de multa, deve ser revogada a parte da decisão que determina a aplicação da pena de prisão efetiva, e substituída por uma que determine a aplicação de pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, por período igual, sujeita a regime de prova com os deveres e regras de conduta suprarreferidos.

E ainda,

Ser a decisão condenatória revogada na parte em que condena o recorrente a indemnizar a ofendida CC na quantia global de €2.000,00 e a assistente BB na quantia global de €1.800,00, nos termos alegados.

Assim se fazendo justiça!

7. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

8. Ao recurso respondeu a assistente BB, concluindo:

(…).

9. Também o Ministério Público reagiu ao recurso concluindo:

(…).

10. O Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

11. Cumprido o n.º 2, do artigo 417.º do CPP, nenhum dos sujeitos processuais reagiu.

12. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Questão prévia

(…).

2. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no caso em apreço importa decidir se (i) incorre a sentença em excesso de pronúncia e/ou se se verifica impedimento do juiz a quo; (ii) ocorre erro de julgamento; (iii) foi violado o princípio do in dubio pro reo; (iv) não foram praticados os crimes de violência doméstica, de ameaça agravada, de difamação, de ofensa à integridade física qualificada; (v) deveria ter sido considerada a prática de um único crime continuado ou de trato sucessivo de difamação; (vi) no que respeita ao crime de ofensa à integridade física não se verifica a circunstância qualificativa traduzida na utilização de meio particularmente perigoso; (vii) estão reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena única de prisão ainda que sujeita a deveres e regras de conduta.

3. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]:

2.1. – Matéria de Facto Provada:

Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

1. Desde data não concretamente apurada, no ano de 2009, que CC residia com o arguido na Rua ..., (…), tendo celebrado casamento civil com este no dia 31/08/2013;

2. Nos anos letivos 2015/2016 e 2016/2017, CC, professora do ensino secundária de filosofia e psicologia, foi colocada na Direção da Escola de (…);

3. Após uma fase inicial em que fazia o percurso (…) – (…) – (…), CC passou a ficar em (…) durante a semana, pernoitando em casa da M, companheira do tio, A, deslocando-se para a residência do casal apenas aos fins-de-semana;

4. Durante o período discriminado em 2), o arguido, durante a semana, exigia que a CC lhe dissesse onde estava, o que fazia, a que horas entrava e a que horas saía;

5. Durante o período discriminado em 2), o arguido, durante a semana, aparecia sem avisar, mesmo durante a noite, sempre a horas diferentes;

6. Durante o período discriminado em 2), sempre que discutiam, o arguido acusava CC de o trair, de ser mentirosa compulsiva, promíscua, doente sexual, doente psiquiátrica, que o traía todos os dias com pretos, gregos, velhos, adolescentes, com alunos e alunas, que só servia para sexo, que se oferecia a todos e que só servia para despejar colhões;

7. Durante o período discriminado em 2), sempre que discutiam, o arguido acusava CC de, antes do casamento com o arguido, ter assaltado casas para dar a cona, ter deixado a filha sozinha, entregue à divina providência, de ter feito do pai da filha um corno manso, que pôs o pai da filha fora de casa porque precisava de lá meter outro, mas que o arguido não permitiria que isso lhe acontecesse;

8. Durante o período discriminado em 2), aos fins-de-semana, em (…), o arguido, sempre que discutia com CC, arremessava coisas para o chão: a maquilhagem quando esta se encontrava a arranjar-se na casa de banho; a loiça, cestos do pão e do lixo, se ambos se encontravam na cozinha;

9. Em data não concretamente apurada, durante o período discriminado em 2), na residência em (…), em contexto de discussão, o arguido danificou a porta da casa de banho, onde CC se encontrava fechada;

10. Durante o período discriminado em 2), na residência em (…), o arguido partiu três telemóveis pertença de CC, que arremessou para o chão, no contexto de uma discussão;

11. Durante o período discriminado em 2), na residência em (…), o arguido, durante uma discussão, rasgou peças de roupa que CC trazia vestidas;

12. Em data não concretamente apurada, em 2016, foi diagnosticada a CC artrite reumatoide e fibromialgia, encontrando-se medicada, desde então, com “flexiban”, “medrol”, “tramadol” (toma diária) e “ácido fólico”, com o propósito de apaziguar as dores, relaxar os músculos e dar-lhe o mínimo de funcionalidade, diagnóstico conhecido pelo arguido desde o primeiro momento;

13. Em data não concretamente apurada, em finais de Junho, inícios de Julho de 2017, CC encontrava-se a tomar banho na casa de banho afeta ao quarto de casal, com a porta aberta e o arguido, dirigindo-se à filha daquela, BB, começou a dizer-lhe que a mãe não era a pessoa que ela conhecia, que a andava a enganar e que o traía;

14. Como a BB tivesse colocado os dedos nos ouvidos e lhe dissesse que se recusava a ouvi-lo, o arguido arrancou as portas espelhadas do roupeiro do quarto de casal e atirou-as na direção da BB;

15. A primeira porta que o arguido arremessou na direção da Assistente BB foi intercetada pela CC, sendo que a segunda porta atingiu a BB no braço direito;

16. Nesse mesmo dia, o arguido partiu novamente caixas de maquilhagem e o telemóvel da CC;

17. Em Setembro de 2017, CC foi colocada em (…), na Escola Secundária (…), com contingente especial por doença, por lhe ter sido diagnosticada artrite reumatoide e fibromialgia;

18. Desde Setembro de 2017, o arguido começou a pressionar CC para sair de casa, dizendo que “a relação estava podre”, que “não aguenta mais”, que a mesma “só tem sexo no corpo, só anda bem a mostrar-se, a dizer que é um avião, a micar gajos, que não aguenta os enxovalhos que a ofendida lhe faz” e que era imperioso que a mesma saísse de casa;

19. Desde essa altura, o arguido começou a impedir CC de estacionar na garagem o seu carro, obrigando-a a estacionar na rua, tendo o carro sido vandalizado, nunca se tendo apurado quem o estragou;

20. Nesse período, o arguido dizia que a ofendida “era o diabo”, recusava-se a olhar para a ofendida e nalgumas ocasiões fazia as refeições à parte, comendo de costas voltadas para esta;

21. Em data não concretamente apurada, depois de Setembro de 2017, o arguido tirou toda a roupa que se encontrava dentro da mesa-de-cabeceira da ofendida para o chão, embrulhou o móvel em película e deu-lhe ordens para não colocar lá a roupa e para tratar de tirar as restantes senão iria deitar tudo fora;

22. Desde setembro 2017, o arguido deixou de usar aliança de casado, passou a dormir em quarto à parte, que estava destinado à M, filha do arguido, recusando qualquer intimidade com a ofendida, porque, segundo dizia àquela “preferia bater punhetas a estar com uma mulher como ela”;

23. Em data não concretamente apurada, após essa data, a ofendida combinou sair à noite com a filha BB e o arguido para impedir que a mesma saísse trancou-a em casa, levando as chaves;

24. Em data não concretamente apurada, antes do Natal de 2017, o arguido desmontou o quarto de casal, retirando o colchão e desmontou o estrado, esvaziou as mesinhas de cabeceira, atirando a roupa para o chão e envolvendo-as em película, tendo a BB convencido o arguido a voltar a montar tudo, tendo tal sido realizado por ambos, durante horas;

25. Em data não concretamente apurada, antes do dia 23/10/2017, o arguido mandou cortar o gás da habitação de ambos, para impedir CC de tomar banho, ficando a casa sem gás, durante período aproximado de 45 dias;

26. Em data não concretamente apurada, antes do dia 23/10/2017, o arguido desmontou as torneiras da casa de banho;

27. Só com a intervenção da filha da CC, a BB, o arguido foi convencido a montar a cama de casal, a repor as torneiras, assim como a não mandar cortar a água e a eletricidade;

28. O arguido aceitou, mas, como contrapartida, exigiu à BB que convencesse a mãe, CC, a sair de casa até ao dia 27/12/2017;

29. A 07/12/2017, o pai de CC teve um acidente, caiu na lareira e queimou-se gravemente, com internamento na Unidade de Queimados do Centro Hospitalar ....;

30. O acolhimento da mãe de CC, doente de Parkinson e demência, totalmente dependente do marido, na casa do casal, em (…), teve a oposição do arguido, que ripostava dizendo para ela tirar dias de apoio à família e para que fosse viver para casa dos pais, em (…), (…), apesar de saber que CC tinha fibromialgia e artrite reumatoide e estava colocada em (…) ao abrigo de contingente especial por doença;

31. No dia 21/12/2017, o arguido trancou as portas dos quartos de hóspedes e do quarto destinado à filha dele, de uma outra relação, levando as chaves consigo, para impedir que a mãe da ofendida e a assistente BB pudessem ali dormir e foi para (…);

32. No dia 21/12/2017, o arguido deixou em casa um escrito em formato impresso, contendo os termos de uma minuta para obtenção de divórcio por mútuo consentimento, para a CC elaborar e de seguida dar entrada do divórcio;

33. No dia 26/12/2017, CC abandonou a residência do casal, levando consigo objetos adquiridos na pendência do casamento;

34. Entre o dia 21/12/2017 e o dia 27/12/2017, o arguido não telefonou, não enviou mensagens e não estabeleceu qualquer contacto com CC;

35. Depois do dia 27/12/2017, em data não concretamente apurada, o arguido foi à aldeia onde CC cresceu com os pais, em (…), à procura desta e, como não a encontrou, falou com familiares desta, em casa do tio A e L, que vivem na vivenda ao lado da casa dos pais desta;

36. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra mencionadas, o arguido disse aos familiares e A que a CC “o traía, que não era mulher de uma foda só”, entre outras obscenidades;

37. Entre o dia 27/12/2017 e o dia 09/01/2018, o arguido andou à procura de CC, querendo saber onde esta estava, porque segundo o mesmo dizia: “era um direito seu enquanto marido” e que “quando um homem expulsa a mulher de casa, não é suposto esta sair, esconder onde foi morar e com quem”, ora suplicando, ora exigindo saber onde a mesma morava e com quem, pedindo para que a mesma voltasse para casa;

38. Quando as aulas recomeçaram, no dia 03/01/2018, o arguido estacionou o seu carro perto da Escola onde CC leciona e aguardou, dentro do veículo, que esta chegasse, não a tendo visto, nem a abordado porque a CC, de propósito, sabendo que ele ali se encontrava, entrou por outro lado;

39. No dia seguinte, CC, por ter a sua casa em obras, foi com o empreiteiro à ..., em (…), tendo o arguido aparecido lá, rondado o local e ido embora sem a interpelar;

40. No dia 04/01/2018, o arguido deslocou-se ao local onde a ofendida tem hidroterapia, estacionou o seu carro junto ao veículo da ofendida e pediu para falar com esta, tendo-lhe prometido que se inscreveria em psicoterapia com a Dra. (…);

41. Mesmo perante a recusa de CC em divulgar onde se encontrava a residir e em regressar a casa, o arguido continuou a enviar-lhe mensagens escritas, perguntando-lhe onde estava e com quem, perguntando-lhe qual a razão desta sair de casa, afirmando que a história iria provar que a ofendida tinha outras intenções e que queria que a mesma voltasse para casa;

42. No dia 09/01/2018, cerca das 16h, CC deslocou-se ao ... para acompanhar o pai numa consulta na ..., tendo encontrado o arguido, junto ao seu pai, com o saco da roupa do pai desta na mão;

43. Logo que CC chegou, o arguido insistiu que queria falar com ela, perguntando-lhe onde estava a viver, dizendo-lhe que tinha o direito de saber porque é seu marido;

44. Como CC se recusasse a dizer onde estava a viver, o arguido puxou-a do hall onde se encontrava o pai desta, agarrou-a pelos ombros enquanto a encostava à parede, puxando-lhe os cabelos no processo, tendo encostado a mão aberta à cara da CC, enquanto a questionava onde estava a viver, dizendo-lhe que não saía dali enquanto esta não lhe dissesse;

45. Nesse instante, surgiram dois bombeiros, que dirigindo-se ao arguido lhe disseram para não continuar com aquele comportamento, tendo-lhe pedido para se ir embora, tendo este recusado;

46. Perante a recusa do arguido em se ir embora, os bombeiros levaram a CC, juntamente com o seu pai, tendo-a deixado, a seu pedido, junto ao edifício central do ...

47. No dia 09/01/2018, entre as 17:03h e as 18:39, CC trocou mensagens escritas, pelo telemóvel, com o arguido pedindo para se ir embora, que falariam noutro dia, ao que este respondia: “responde a minha questão, e vem para casa, porque eu não aguento mais. Hoje, ficara tudo decido”, “Esta tudo estragado. O que me estas a fazer so me e furece”, “tens de dizer ao marido onde estas”, “Não me podes tratar assim, como um bicho. Assim, agirei como um bicho”, “C, vem falar comigo. Eu não irei embora”, “Não vou embora. Hoje tens que dizer ao marido onde esta s e com quem? So quero saber onde esta a minha mulher. Eu, não vou rondar portas. So quero fazer a terapia de casal e estar contigo”;

48. CC deslocou-se a pé desde o edifício central do ... até à ..., onde tinha o seu carro, e onde o arguido ainda continuava à sua espera;

49. CC disse ao arguido que se ia embora, que ia buscar a filha BB e entrou no seu carro, um veículo da marca ..., modelo ..., de cor ... claro, matrícula (…), movido a gás, sendo seguida pelo arguido, num veículo da marca ..., modelo ..., de cor ... escuro, com a matrícula (…);

50. CC parou o carro na ... da (…), onde entrou a BB e o arguido continuou a segui-las, ao volante do seu veículo;

51. CC tentou parar o seu veículo automóvel junto da ..., na baixa de (…), junto à CGD, mas o arguido parando o seu carro entre estas e a entrada para a esquadra fez com esta desistisse e prosseguisse a marcha;

52. CC aumentou a velocidade do seu veículo automóvel, não imobilizando o carro perante sinalização vertical de cor ..., para tentar despistar o arguido, mas este aumentou também a velocidade, não imobilizando o seu carro perante sinalização vertical de cor ..., circulando a poucos metros do veículo conduzido pela CC e continuou a segui-la;

53. CC e BB, ao telefone com o arguido, em alta voz, gritavam para que parasse e se fosse embora, ao que o arguido respondia que só iria parar quando soubesse onde a ofendida estava a morar e que naquele dia ia terminar tudo;

54. Na Av. (…), (…), no sentido (…) - (…), a CC, sempre seguida pela viatura automóvel do arguido, sem respeitar a distância de segurança, entrou nas bombas de combustível da ... e parou o seu veículo automóvel;

55. Imediatamente o arguido embateu com a frente do seu veículo na traseira do veículo da CC, dando dois toques seguidos;

56. CC arranca com o carro, sendo embatida terceira vez na parte esquerda traseira do seu veículo automóvel;

57. Já com a viatura automóvel na zona destinada à água e verificação de pressão dos pneus, o arguido continuou a embater no veículo automóvel de CC e BB, com a parte frontal direita do seu veículo automóvel, na porta de lado do condutor do veículo destas;

58. O arguido embatia, fazia marcha atrás para ganhar margem, e voltava a embater, repetindo essa ação, por pelo menos cerca de 5/6 vezes, junto ao local onde se enche os pneus e onde se coloca água nos veículos, no interior do espaço destino à gasolineira;

59. Como o arguido não parava, CC e BB, tiveram de sair as duas pela porta do pendura;

60. Já com CC e BB fora do carro, o arguido continuou a embater no veículo, pelo menos duas vezes, tendo-se este imobilizado no meio da estrada, já fora das bombas, a cerca de 20-30 metros do local onde começaram os embates;

61. As pessoas que se encontravam no local levaram, de imediato, CC e BB para dentro do quiosque das bombas de gasolina e trancaram-nas lá dentro;

62. O arguido parou calmamente o seu carro, dirigiu-se ao quiosque das bombas, tentando ainda assim falar com CC, sua mulher, sendo impedido pelas pessoas que ali se encontravam, às quais o arguido dizia para não se meterem, que aquilo era um assunto entre marido e mulher e que não era mais que um acidente;

63. CC foi logo transportada em ambulância para os ... onde recebeu tratamento médico;

64. A assistente BB ficou no local e, quando o arguido a viu, disse-lhe que lhe torcia o pescoço quando a apanhasse;

65. A assistente BB sentiu-se mal e foi de seguida transportada para os ... onde recebeu tratamento médico;

66. Em consequência da atuação do arguido descrita em 55) a 58), CC sofreu, no pescoço, acentuada contractura para-vertebral, bilateralmente, no tórax, contractura interescapular;

67. Tais lesões determinaram um período de doença fixável em 6 dias, com afetação da capacidade geral e profissional, por igual período;

68. Em consequência da atuação do arguido descrita em 56) a 59), a assistente BB sofreu, no pescoço, contractura para-vertebral bilateral;

69. Tais lesões determinaram um período de doença fixável em 6 dias, com afetação da capacidade geral e profissional, por igual período;

70. Desde o dia 10.01.2018 até à presente data, CC foi contactada por várias pessoas, a pedido do arguido, pedindo-lhe para não prestar declarações e para pedir às testemunhas para não falarem;

71. O arguido enviou um “print” à BB, por correio eletrónico, com o nome e o contacto das testemunhas do dia 9/1/2018 dizendo para estas fazerem o que tinham a fazer e que a ofendida lhe estava a dar cabo da vida e que era a culpada disso;

72. No dia 26/01/2018, o arguido enviou a CC uma mensagem com o seguinte teor: “em ultima ratio apelo à tua douta inteligência e faças parar esta barbárie contra aquele que merecia no mínimo que lhe estendesses uma passadeira vermelha”;

73. Nos dias 11/01/2018, 12/01/2018 e 13/01/2018, o arguido divulgou pela rede de amigos /conhecidos / colegas de faculdade / colegas de trabalho, pelo menos por 6 pessoas, uma mensagem de correio eletrónico de 11 páginas referindo pormenores da vida privada de CC, em termos que não correspondiam à imagem que os visados tinham da mesma;

74. No dia 31 de Janeiro de 2018, o arguido introduziu-se na Escola ... (…), onde CC leciona, tendo conseguido chegar junto da sala de professores, e dirigindo-se a esta entregou-lhe um papel e disse-lhe: "Esta é a minha ordem de expulsão da PSP. Estás satisfeita?";

75. CC devolveu-lhe o papel, que lhe pareceu uma notificação, e apressou-se a sair do local, tendo abandonado as instalações da Escola por uma porta alternativa, deslocando-se, de imediato, para o ...;

76. Ao atuar do modo descrito em 14), 15) e 55) a 58), quis o arguido molestar fisicamente CC, sua mulher, e BB, filha daquela, o que conseguiu, quanto a esta última em duas ocasiões distintas.

77. O arguido utilizou o seu veículo automóvel como instrumento da sua ação, que sabia ser muito perigoso;

78. Os motivos que determinaram o arguido a atuar conforme supra descrito prendiam-se com o facto de querer saber onde vivia à data a CC, sua mulher;

79. Quis, o arguido, com a sua conduta reiterada, infligir sofrimento físico e psíquico na CC, agredindo-a, maltratando-a, amedrontando-a, perseguindo-a, ofendendo-a na sua honra e consideração, através de insultos e difamando-a, pese embora não ignorasse que devia à visada, na qualidade de sua mulher, especial respeito e consideração;

80. Ao agir da forma descrita em 64), dizendo que lhe torcia o pescoço quando a apanhasse, querendo com isso significar que a matava, teve ainda o arguido o claro e firme propósito de provocar medo e inquietação na assistente BB, ciente de que a sua conduta era adequada a produzir o efeito pretendido;

81. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

No que respeita à acusação particular de BB e PIC:

82.Nos dias infra discriminados o arguido enviou mensagem para, pelo menos, os endereços de correio eletrónico aqui indicados:

(…).

83. Do teor da mensagem a que se alude em 82), o arguido profere afirmações contra a assistente BB, afirmando que esta é “manipuladora, astuta e ardilosa”, que no contacto com ela, aquela “…perguntava-me com a falsidade que a caracterizava…”, denegrindo o carácter e a imagem da Assistente perante pessoas que a conhecem há muitos anos, a consideram e estimam, ofendendo a honra e a consideração de uma jovem muito estimada por todos aqueles com quem priva;

84. Com as mensagens enviadas através de correio eletrónico da forma identificada em 82) e 83), a assistente BB sentiu-se envergonhada, não só pelo teor das afirmações transcritas supra em 83), mas pela forma leviana e ostensivamente humilhante com que se refere à assistente ao longo do texto de 11 páginas que produziu e enviou para amigos comuns, bem sabendo que iria perturbar e ofender a assistente, conhecimento que não o impediu de agir como agiu, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal;

85. A conduta do arguido, descrita em 55) a 58) e 64), provocou na assistente medo e ansiedade, bem como provocou dores que determinaram um período de doença de 6 dias, com afetação da capacidade geral e profissional, por igual período;

86. A assistente BB é uma jovem do último ano de licenciatura do Curso de Engenharia ..., tendo sido sempre boa aluna, com bons resultados nos sucessivos anos letivos;

87. Como consequência direta e necessária do descrito em 85), 86) e em 88) e 89) a assistente não conseguiu concentrar-se, juntar-se aos colegas para estudar e realizar trabalhos, naquele que deveria ter sido o último ano do curso, que não conseguiu concluir;

88. Como consequência direta e necessária da ocorrência de 09/01/2018 perdeu a oportunidade de concluir o curso, obrigando a mais um ano de propinas, as quais ascendem a €977,12; Do PIC da Demandante EE:

89. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido descrita em 56) a 59), a CC e a BB receberam tratamento hospitalar de urgência no Centro Hospitalar ...

90. Os encargos com a assistência à CC importam a quantia de €157,27;

91. Os encargos com a assistência à BB importam a quantia de €225,97; 92. As quantias discriminadas em 90) e 91) ainda não foram pagas até ao dia de hoje;

Mais se apurou nos presentes autos:

(…).

102. No dia 23 de Janeiro de 2019, quando a testemunha M foi convidada a sair da sala de audiências o arguido levantando a voz afirmou seis vezes: “eu vou participar ao Conselho”, dirigindo-se à Juiz que presidia à diligência, tendo afirmado quando advertido pelo Tribunal que só poderia falar quando lhe fosse dada permissão: “não se preocupe que vou reportar”;

(…).


*

2.2. – Matéria de Facto Não Provada:

(…).


*

2.3 – Motivação da Matéria de Facto

(…).

4. Apreciação

§1. Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia; do impedimento do juiz a quo

Nos pontos 12 a 19 das conclusões, em função dos factos dados por assentes (provados) nos itens 102 e 103, invoca o recorrente o excesso de pronúncia, bem como o impedimento do juiz a quo.

Reportando-se os mesmos ao comportamento do arguido, ora recorrente, em sede de audiência de julgamento, já enquanto, instado para tanto, se teria recusado a abandonar a sala de audiência, acabando, contudo, por se ausentar de forma voluntária, já enquanto, nas circunstâncias descritas no ponto 103, teria “ameaçado” o juiz, que presidia ao julgamento, de ir participar/reportar ao Conselho, afigura-se-nos que a questão terá de ser objeto de outra apreciação.

Com efeito, relevando para a determinação da medida da pena a conduta do agente anterior e posterior ao facto a “tese” do recorrente conduziria a que qualquer conduta da sua parte – v.g. a confissão, o arrependimento, a reparação em audiência das consequências do crime –, não pudesse ser considerada pelo juiz, por um lado, por representar violação do acusatório, da vinculação temática, do direito a um processo justo e equitativo e, por outro lado, por aquele se mostrar impedido, conforme as alíneas c) e d) do n.º 1, do artigo 39.º do CPP, o que carece de fundamento.

Porém, daqui não se segue que perfilhemos o entendimento no sentido de dever a matéria inscrita nos itens em questão integrar o acervo factual. Sobre a conduta processual do agente, acompanhamos as palavras de Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 232, quando refere dever a mesma «funcionar como uma importantíssima circunstância atenuante. A confissão integral e sem reservas dos factos é um sinal poderoso no sentido da inexistência de necessidades preventivas, (…). De um modo genérico, toda a colaboração prática com as autoridades na descoberta da verdade deve ser creditada favor do agente no balanço das necessidades preventivas do caso. Ao invés, o tribunal deve ter a maior contenção na utilização da conduta processual do agente como circunstância agravante (…). Por exemplo, viola a presunção da inocência a ponderação na determinação da medida da sanção da manifestação durante a audiência de “uma exaltação e nervosismo acima da média” ou de “indiferença quanto à possibilidade de condenação e ao juízo de censura nela ínsito (…)». Também na perspetiva deste tribunal, perante um caso de “insubordinaçãodo arguido no decurso da audiência o juiz que à mesma preside deve limitar-se a exercer os poderes de disciplina e direção que a lei lhe confere (cf. artigo 321.º e ss. do CPP) e, traduzindo a conduta um eventual ilícito criminal, agir em conformidade com as normas processuais penais e estatutárias, e não já fazer constar semelhantes “aspetos” no acervo factual.

Isto dito, não se configurando, embora, a alegada causa de nulidade da sentença e/ou de impedimento do juiz, impõe-se considerar não escritos os factos reportados nos itens 102 e 103 (factos provados), certo, porém, que analisada a sentença não resulta haverem, os mesmos, seja em que domínio for, relevado.

§2. Da impugnação da matéria de facto

§2.1.

(…).

§3. Da qualificação jurídico-penal

§3.1. Do crime de violência doméstica

Insurge-se o recorrente contra a condenação sofrida pelo crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do C. Penal, surgindo, no essencial, o dissídio sustentado na matéria de facto, a qual, contudo, não sofreu alteração.

De acordo com o artigo 152.º (na redação em vigor à data dos factos):

1 – Quem, de modo reiterado ou não infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

(…)

d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 – No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

(…).”

Trata-se de crime em relação ao qual a doutrina e a jurisprudência vem maioritariamente identificando o bem jurídico protegido, de forma genérica, como sendo a dignidade da pessoa humana individualmente considerada e, em particular, a saúde física e mental, ou seja um bem jurídico complexo que pode ser afetado por toda uma multiplicidade de comportamentos, configurando, assim, um tipo em que as condutas contra a integridade física, contra a honra e consideração e contra a autodeterminação encontram proteção – [cf. Taipa de Carvalho, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, pág. 329 e sgs.].

Como escrevem M. Miguez Garcia e Castela Rio, “Em contraste com outros tipos de ilícito, que para a sua consumação se bastam invariavelmente com uma única ação (…), no crime de “violência doméstica” (art.º 152.º) revela também a reiteração caracterizadora de uma certa habitualidade (…). A reiteração implica tanto a habitualidade como a intensidade, o que significa que a conduta daquele que maltrata deve ser especialmente grave. É umas vezes crime de um único ato (neste caso com exigências aprofundadas no plano da ilicitude); outras vezes, não obstante a pluralidade de ações, estas não conformam vários delitos, mas aglutinam-se num só. Faltando estes aspetos, conformadores de uma maior ilicitude, os respetivos factos serão elementos de ofensa à integridade física simples, ameaça, crime contra a honra, ofensa sexual ou privação da liberdade, constituindo estes mesmos crimes – e não mais do que isso.” – [cf. “Código Penal – Parte Geral e Especial”, 2014, Almedina, págs. 618-619].

Assim, a questão de saber se as condutas violadoras encontram adequação nos diferentes tipos atomísticos exige um juízo sobre a intensidade da violação de todos ou cada um dos bens em causa, quer pela sua reiteração, quer em função da gravidade da ofensa, quer pela conjugação de ambas, de modo a aferir se ocorreu uma violação especial dos direitos a demandar resposta que já não se compadece com a aplicação das normas penais tipificadoras das condutas (de per se), as quais, não fosse a natureza e carga da violação, constituiriam punição adequada.

Vejamos o caso concreto.

Revisitando os factos dúvidas não restam de que o recorrente durante um período de mais de dois anos, reiteradamente adotou (i) condutas visando controlar o quotidiano, os movimentos no dia-a-dia, da mulher (procurando saber onde estava, o que fazia, a que horas saia, surpreendendo-a com a sua presença, em dias e horas diferentes) numa atitude de sistemática desconfiança; (ii) comportamentos manifestamente ofensivos da sua honra (acusando-a de ser mentirosa compulsiva, promíscua, doente sexual, de o trair todos os dias com pretos, gregos, velhos, adolescentes, alunos e alunas, só servir para o sexo, de se oferecer a todos, de só servir para despejar colhões, de assaltar casas para dar a cona, de ter deixado a filha sozinha, entregue à divina providencia, de ter feito do pai da filha um corno manso); (iii) ações violentas (danificando e arremessando portas, deitando para o chão objetos, v.g. a maquilhagem da mulher quando a mesma se estava a arranjar para sair, vários telemóveis pertença da ofendida, o que fez por diversas vezes, rasgando peças de roupa que a mesma na ocasião envergava). Por outro lado, quando em setembro de 2017 a ofendida CC, por motivos de saúde, foi colocada numa Escola ... em ... o recorrente, numa nítida posição de domínio, começou, insistentemente, a pressioná-la para que saísse de casa, referindo-lhe não aguentar mais, que ela era o diabo, que só andava a micar gajos, recusando-se olhá-la, chegando a fazer refeições de costas voltadas para a mulher, tirando-lhe a roupa que guardava dentro da mesa-de-cabeceira, desmontando o quarto do casal, esvaziando os móveis, mandando cortar o gás para a impedir de tomar banho (situação que se manteve durante cerca de 45 dias), bem como as torneiras do quarto de banho (tudo conforme melhor descrito nos itens 4 a 32 dos factos provados). Mas, nem quando CC acabou por abandonar a residência do casal, conforme lhe ordenara, a perseguição terminou; pelo contrário o recorrente procurou-a por diversos sítios, inclusive junto de familiares, perante os quais não se coibiu de destratá-la; enviou-lhe mensagens, querendo saber onde estava, dizendo que “era um direito seu enquanto marido”, que “quando um homem expulsa a mulher de casa, não é suposto esta sair, esconder onde foi morar e com quem” (tudo conforme melhor resulta dos itens 33 a 46 dos factos provados). Por fim, moveu-lhe a perseguição de automóvel descrita nos itens 49 a 61, tendo então protagonizado uma conduta de grande violência, suscetível de colocar em perigo a integridade física, e mesmo a vida, quer da ofendida, quer da sua filha, a assistente BB, com o que lhes provou lesões e, já após, tratou de divulgar pela rede de amigos/conhecidos/colegas da faculdade/colegas de trabalho uma mensagem de correio eletrónico divulgando pormenores da vida privada da mulher (cf. o item 73).

O quadro vindo de descrever é por demais elucidativo de uma conduta maltratante, levada a efeito, de forma reiterada, durante um longo período de tempo, ofensiva da liberdade, da honra, da integridade física da ofendida, causadora de grande sofrimento, sobretudo psíquico, traduzindo a vontade de rebaixar, de humilhar, de amedrontar tudo numa atitude de desprezo, de amesquinhamento, sinalizando um acentuado desrespeito pela dignidade da mulher, com quem vivia desde 2009 e veio a casar em 2013, que já não encontra resposta adequada nas normas penais tipificadoras das condutas (de per se).

Perfetibilizado que se mostra igualmente o elemento subjetivo do tipo, nenhuma censura merece a sentença recorrida enquanto decidiu no sentido de ter incorrido o arguido/recorrente, como autor material, na prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do C. Penal.

Improcede, nesta parte, o recurso.

§3.2. Do crime de ameaça agravada

Sustentando a divergência, quanto à condenação sofrida pelo crime de ameaça agravada, no “erro de julgamento”, na violação da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo, patologias que não lograram vingar, não nos suscitando reserva a subsunção dos factos ao crime em questão, improcede, também neste domínio, o recurso.

§3.3. Dos crimes de difamação

Iniciando por referir ter admitido os factos provados constantes dos itens 82 a 84 (cf. ponto 108 das conclusões), defende o recorrente não haver praticado qualquer crime de difamação, muito menos em número de três.

Em crise estaria, por um lado, a “inexistência de qualquer dolo de ofensa da honra e consideração” da assistente e, por outro lado a violação do artigo 30.º do C. Penal.

Se é verdade que o teor do item 84, onde se mostra consignado: «Com as mensagens enviadas através de correio eletrónico da forma identificada em 82) e 83), a assistente BB sentiu-se envergonhada, não só pelo teor das afirmações transcritas supra em 83), mas pela forma leviana e ostensivamente humilhante com que se refere à assistente ao longo do texto de 11 páginas que produziu e enviou para amigos comuns, bem sabendo que iria perturbar e ofender a assistente, conhecimento que não o impediu de agir como agiu, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal» contraria decisivamente a alegação, enquanto põe em causa o dolo, convém, ainda assim, relembrar ser hoje pacífico o entendimento que afasta, em relação aos crimes de difamação e injúria, a exigência de um qualquer dolo específico, traduzido no especial propósito (por parte do agente) de atingir o visado na sua honra e consideração.

Mas também quanto ao invocado “erro” de “interpretação e aplicação” do artigo 30.º do C. Penal não assiste razão ao recorrente, enquanto defende assistir-se a «um único crime em trato sucessivo ou continuado».

Não resultando do acervo factual assente que o arguido/recorrente tenha agido mediante uma única resolução criminosa, a unificação das condutas, decorrentes da pluralidade de resoluções (tantas como as condutas), para efeitos punitivos, mostra-se, desde logo, comprometida em face do n.º 3 do artigo 30.º do C. Penal, na redação em vigor à data da prática dos factos.

Com efeito, após a turbulência gerada com redação introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, ao n.º 3 do artigo 30.º do C. Penal na parte em que excluía da figura do crime continuado «os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima» [cf., a Exposição de motivos do Projeto Lei n.º 277/XI], a Lei n.º 40/2010, de 3 de setembro eliminou a ressalva feita à mesma vítima, não subsistindo hoje qualquer dúvida de que sempre que estejam em causa bens eminentemente pessoais - como o é a honra – ainda que respeitantes à mesma vítima, arredada fica a punição pelo crime continuado – [sublinhado nosso]. Terá sido eventualmente a constatação de que a execução de vários crimes perpetrados contra a mesma vítima, estando em causa bens eminentemente pessoais, não diminui, antes aumenta, a culpa do agente a ditar a alteração introduzida.

Sem prejuízo, sempre se dirá que sendo o elemento determinante do crime continuado a diminuição considerável da culpa, diminuição essa que terá de resultar de circunstâncias exógenas ao agente, no caso em apreço não se detetando tal circunstancialismo exterior, resultando antes, nas palavras impressivas de Eduardo Correia, ter sido o arguido/recorrente o veículo através do qual a oportunidade criminosa se encontrou de novo à sua mercê, dito de outro modo tendo o mesmo contribuído de forma decisiva para essa repetição, sempre seria de afastar a continuação criminosa. Não tem ainda cabimento considerar a categoria doutrinária do “trato sucessivo” quando perante a renovação da resolução criminosa – e ainda que se tratasse de persistência na mesma – se impõe, em face do bem jurídico pessoal tutelado, por cada atentado ao mesmo, reafirmar a sua validade – [cf., a propósito de crimes que tutelam bem jurídicos pessoais, os acórdãos do STJ de 27.11.2019 (proc. n.º 1257/18.6SFLSB.L1.S1), de 25.06.2020 (proc. n.º 277/16.3T9VFR.P1.S1), de 12.01.2022 (proc. n.º 1079/20.4PASNT.S1)].

Soçobra, pois, o recurso.

§3.4. Do crime de ofensa à integridade física qualificada

Insurge-se o recorrente contra a condenação por um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do C. Penal.

Neste domínio, ao contrário do que parece ser seu entendimento, não existe qualquer “impedimento” em que a mesma conduta surja a sustentar a condenação pelo crime em referência (em relação a BB) e simultaneamente haja relevado quanto à violência doméstica (de que foi vítima CC), bastando para assim concluir atentar no n.º 1, do artigo 30.º do C. Penal.

Por outro lado, verifica-se que parte substancial do dissídio remonta ao “acerto” dos factos, contra os quais, como vimos, o recorrente se manifesta, mas já definitivamente fixados.

Considerando os itens 50, 55, 56, 57, 58, 65, 68, 69, 76 e 81, dos factos provados resultam perfetibilizados os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime de ofensa à integridade física prevenido no artigo 143.º do C. Penal.

Na verdade, para o que ora importa, posto que o arguido/recorrente sabia que no interior do veículo, conduzido pela sua mulher, seguia a assistente é irrelevante que o seu primeiro “alvo” fosse a primeira, pois nunca poderia ignorar que, ao embater sucessivamente com a sua viatura no automóvel onde as mesmas seguiam, atentava necessariamente contra a integridade física de ambas. Como é irrelevante, para o efeito, que os embates tenham ocorrido na parte traseira do veículo e na porta do lado do condutor, sendo certo - pese embora, inócuo - que as lesões dos mesmos decorrentes (para as ofendidas) se equivaleram em ambos os casos. Relevante, isso sim, é o facto de ter agido conforme descrito (desferindo sucessivos embates no veículo) ciente da adequação da sua conduta a provocar, como foi o caso, ofensa no corpo ou na saúde, também, da assistente e que para tanto de tenha determinado de forma livre, voluntária e conscientemente.

Não se conforma ainda o recorrente com a qualificação do crime de ofensa à integridade física com fundamento na alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º do C. Penal, na parte respeitante à utilização de meio particularmente perigoso, perfilhando o entendimento de que apenas quando dirigido contra o corpo de uma pessoa – e não já contra um outro veículo – assumiria a perigosidade suposta na norma.

Na perspetiva deste tribunal a solução não pode prescindir das circunstâncias do caso concreto, sob pena de se incorrer numa visão de todo redutora.

Vejamos.

A acrescida censurabilidade ou perversidade do agente, decorrente dos exemplos padrão do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, constituindo elementos da culpa, não opera automaticamente. Com efeito, é pacífico o entendimento de que a qualificação, assentando num tipo de culpa agravado, ter-se-á de reconduzir à cláusula geral do n.º 1, isto é à especial perversidade ou censurabilidade do agente.

Como refere Teresa Serra, inHomicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena”, Coimbra, 1992, págs. 63-65, “No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores (…).”

Também Figueiredo Dias, inComentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 29, reportando-se à especial censurabilidade realça que em causa estão “aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas”.

No caso concreto resultou apurado que o arguido/recorrente seguiu no encalço do veículo onde seguiam a mulher e a assistente, perseguindo-o de muito perto, por várias artérias de Coimbra, e quando a primeira entrou nas bombas de gasolina da ... embateu com a frente da viatura automóvel por si conduzida na traseira do veículo da mulher, o que aconteceu por duas vezes, seguida de uma terceira atingindo agora a parte esquerda traseira do mesmo, prosseguindo nos embates com a parte frontal do seu veículo na porta do lado do condutor daquele, repetindo os embates por, pelos menos, 5/6 vezes, fazendo, de cada vez, marcha atrás para ganhar margem e voltar a embater.

Nas apuradas circunstâncias, para além do perigo, para a integridade física e mesmo para a vida, que sempre representa o embate entre dois veículos automóveis, tendo ainda presente o local em que as ações ocorreram, nas bombas de gasolina, onde se situam produtos altamente inflamáveis, potenciadores de risco de explosão – não sendo por acaso que se assiste a uma profusão de proibições associadas às bombas de combustível -, bem como os sucessivos embates em diferentes zonas do veículo onde seguiam as vítimas, vários dos quais precedidos da manobra de marcha atrás, com vista a ganhar margem, aumentando assim a força dos impactos, afigura-se-nos inequívoca a presença da circunstância em questão – utilização de meio particularmente perigoso -, a denunciar, sem dúvida, uma especial censurabilidade – [cf. o n.º 1, do artigo 132.º do C. Penal].

Como tal, não nos merece censura a sentença em crise enquanto, também, considerou a verificação da especial censurabilidade da conduta do arguido, decorrente da utilização de meio particularmente perigoso.

Mantém-se, pois, nesta parte a decisão recorrida.

§4. Da não suspensão da execução da pena de prisão

Dedica o recorrente os pontos 132 a 189 das conclusões à matéria relativa à pena, abordando-a de forma pouco clara e, por vezes, contraditória, dificultando desse modo a sua apreciação.

No que respeita às penas parcelares cominadas pelos crimes de violência doméstica, ofensa à integridade física qualificada e ameaça agravada, o recurso limita-se, para o caso de não proceder o pedido de absolvição, a avançar para diferentes tipos legais (v.g. ofensa à integridade física simples, ofensa à integridade física negligente), aos quais correspondem diferentes molduras penais, alegação de todo infrutífera considerando o decidido em sede de qualificação jurídico-penal(cf. §.3.).

No que concerne aos crimes de difamação o “aparente” dissídio surge sustentado no pressuposto erróneo de se tratar de um único crime, sendo certo que quer quanto a estes, quer quanto aos demais ilícitos típicos é o próprio recorrente quem afirma «(…) não poderemos deixar de sublinhar o facto da sentença recorrida ter aplicado uma pena ao recorrente perto do mínimo da moldura do cúmulo, que por sua vez foi sempre sendo determinada perto do mínimo da moldura dos crimes individualmente considerados (conforme págs. 43 e 44 da sentença)» - [cf. ponto 147 das conclusões].

Reconhecida assim a parcimónia utilizada na determinação das penas parcelares e únicas, a questão que urge decidir traduz-se em saber se, como defende o recorrente, ao contrário do decidido, estão reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena única de prisão, fixada em dois anos e seis meses.

Nos termos do artigo 50.º do C. Penal:

«1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 – O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos

No caso concreto, verificado que se mostra o pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão, vejamos se o mesmo sucede quanto ao pressuposto dito material (subjetivo), sobre o qual escreve Figueiredo Dias: «Pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena (…) «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade» (…). Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto» - [cf., “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, AEQUITAS, págs. 342/343]. Nas palavras do Ilustre Professor não estão aqui em questão «quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico

Estarão, no caso, reunidos os pressupostos (subjetivos/materiais) que consintam concluir pelo afastamento futuro do arguido da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente?

Os crimes praticados pelo ora recorrente encontram-se, entre si, imbrincados surgindo no contexto de vida familiar donde sobressai uma atitude persecutória, destituída de racionalidade, cuja causa próxima assenta, sem dúvida, no ciúme desmesurado, que conduziu a ações de sinal oposto, mesmo contraditórias – como o ilustra a circunstância de, por um lado, ter forçado a mulher a sair de casa e, por outro lado, se haver indignado, adotando condutas violentas, pelo facto de a mesma, cumprindo o que lhe havia determinado, ter efetivamente abandonado a residência comum. Na verdade, as ações que incidiram sobre a assistente surgem como reflexo de toda uma atitude do arguido para com a sua mulher (mãe da assistente).

A gravidade dos factos é incontornável.

A sua postura perante os factos, os quais em parte admitiu pese embora assumindo uma atitude desculpabilizante encontrará “justificação” nos relatórios médico-legais de perícia psiquiátrica e psicológica (mencionadas na sentença recorrida) enquanto concluem ser o mesmo «portador de uma perturbação de personalidade SOE», revelando «um funcionamento psicológico perturbado» e «sintomatologia depressiva significativa», a recomendar «um regular e estável acompanhamento terapêutico, por equipa pluridisciplinar».

O arguido mostra-se profissional e socialmente inserido, reside com a mãe, contribui para o sustento da filha menor, é bem considerado pelas pessoas que com ele privam, não tem antecedentes criminais e cumpriu a medida de coação que lhe foi imposta no presente processo de proibição de contactos com a vítima.

Neste quadro, afigura-se-nos ser possível formular um juízo de prognose favorável acerca do seu futuro em liberdade, afastado da prática de novos crimes; dito de outro modo, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, ainda se acredita na sua capacidade para alcançá-la arredado da reincidência, circunstância que afasta o decretamento da execução da pena de prisão.

Não pode ser o facto de o arguido ser chefe da PSP, desde logo por não resultar que os crimes tenham sido perpetrados no exercício da sua função ou por causa dela, sequer pela mesma facilitados, a afastar a suspensão da execução da pena.

Decide-se, pois, suspender a execução da pena única de dois anos e seis meses de prisão, pelo período de três anos, mediante regime de prova, pelo tempo de suspensão, assente num Plano de Reinserção Social, executado com vigilância e apoio dos Serviços de Reinserção Social, com a proibição de (i) contactar, por qualquer meio, com CC e BB ou, das mesmas, se aproximar; (ii) se sujeitar a acompanhamento terapêutico na área da psicologia/psiquiatria, com a periodicidade que for determinada pelo respetivo clinico, acompanhamento de que deverá fazer prova nos autos a cada seis meses, a contar do trânsito em julgado da decisão – (cf. ponto 188, iii das conclusões relativo ao consentimento) – [cf. artigos 50.º, 52.º, n.º 3, 53.º e 54.º do C. Penal].

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência:

a) Suspender a execução da pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, aplicada ao arguido AA, pelo período de 3 (três) anos, mediante regime de prova, pelo tempo de suspensão, assente num Plano de Reinserção Social, executado com vigilância e apoio dos Serviços de Reinserção Social, com a proibição de (i) contactar, por qualquer meio, com CC e BB ou, das mesmas, se aproximar; (ii) se sujeitar a acompanhamento terapêutico na área da psicologia/psiquiatria, com a periodicidade que for determinada pelo respetivo clinico, acompanhamento de que deverá fazer prova nos autos a cada seis meses, a contar do trânsito em julgado da decisão – (cf. ponto 188, iii das conclusões relativo ao consentimento), revogando em correspondência a sentença recorrida;

b) Em tudo o mais manter a sentença recorrida.

Sem tributação.

Texto processado e revisto pela relatora.

Coimbra, 2 de Março de 2022

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)