Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
40/13.0PANZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
TAXA
ÁLCOOL NO SANGUE
CRIME
CONTRA-ORDENAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
RESPONSABILIDADE CONTRA-ORDENACIONAL
Data do Acordão: 02/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA NAZARÉ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 292.º DO CP; ARTIGOS 170.º, N.º 1, ALÍNEA B), 81.º, N.ºS 1, 2 E 5, AL. B), 146.º, AL. J), 138.º E 147.º, N.ºS 1 E 2, TODOS DO CE; ARTIGO 77.º, N.º 1, DO RGCO
Sumário: I - A alínea b) do n.º 1 do artigo 170.º do CE, introduzida pela Lei n.º 72/2013, constitui norma interpretativa, porquanto veio precisar o sentido da lei anterior.

II - Não obstante o CE não regular crimes, deve aplicar-se a dita norma aos casos de condução de veículo com taxa de álcool que constituem ilícitos penais, ou seja, àqueles em que essa taxa é igual ou superior a 1,2 g/l.

III - Efectivamente, só após a avaliação do estado de influenciado pelo álcool é possível verificar a concreta infracção praticada pelo agente: crime ou contra-ordenação.

IV - Pese embora o disposto no n.º 1 do artigo 77.º do RGCO, nos casos, verificados na Relação, em que, por força do valor apurado da taxa de álcool no sangue, com recurso ao normativo acima citado, o crime se degrada em contra-ordenação, não deve ser retirado ao arguido em grau de jurisdição, devendo o processo ser devolvido à 1.ª instância para apreciação da sua responsabilidade contra-ordenacional.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I - RELATÓRIO
A... veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 8,00 €, no total de 880,00 € e, ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69º, n.º 1, al. a) do mesmo Código, pelo período de 4 meses e 15 dias.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:
1) Para prova de que efetivamente o arguido não ingeriu bebidas de acordo com a TAS apresentada, aquele arrolou diversas testemunhas que com ele passaram o dia de 03.02.2013;
2) Praticamente todas, com exceção da testemunha B..., confirmaram que o arguido não bebeu mais de dois copos pequenos de champanhe, equivalente a 2 dl, pouco tempo antes das autoridades o terem intercetado e procedido ao teste de alcoolémia.
3) Depoimentos de pessoas com mais de 40 e 50 anos de idade, inseridas na sociedade, trabalhadoras e outros já reformadas cujo, o seu único propósito, foi colaborar com a justiça e demonstrar a verdade dos fatos, sob juramento, através das descrições que fizeram.
4) Descrições feitas, de forma espontânea e livre, as quais, deveriam ter sido consideradas credíveis, para prova dos fatos alegados
5) Ora, afigura-se-nos fundamental, ter em conta o depoimento de C..., D..., E..., B... e F...;
6) Porque é de salientar que aquelas testemunhas, presenciaram diretamente os fatos que constam na acusação;
7) Uma vez que sabem qual foi a quantidade ingerida pelo arguido, porque estiveram sempre com ele durante aquele dia;
8) O que levou aquelas pessoas a confiar no arguido aquando da condução do veículo automóvel, para os colocar nas suas residências;
9) Uma vez que todos eles tinham ingerido efetivamente mais álcool que o arguido;
10) No entanto, o Tribunal a quo não analisou a prova apresentada.
11) Só considerou o depoimento da testemunha H..., agente da PSP da Nazaré;
12) Desvalorizou os depoimentos de todas as testemunhas indicadas pelo arguido, bem como as declarações daquele;
13) Por contrariarem a TAS apresentada pelo alcoolímetro.
14) Para tal o fundamento constante na decisão só afirma que “a versão apresentada pelo arguido e amigos (a destes com o claro propósito de ajudar o amigo a isentar-se da sua responsabilidade criminal)”;
15) Quando, a testemunha B... diz não saber qual a quantidade de álcool que o arguido ingeriu por não ter prestado atenção.
16) Quanto muito, o depoimento daquela testemunha deveria de ser analisar, contrariando o que alega o tribunal a quo, supra transcrito;
17) Se assim fosse não deveria o arguido indicar qualquer testemunha, sua conhecida, por se presumir que aquelas não respondiam com verdade mas sim de forma a desresponsabilizar criminalmente o arguido.
18) Ora, isso não faz qualquer sentido;
19) Bem como, qualquer outra que coloque efetivamente em causa a TAS apresentada pelo alcoolímetro.
20) Fatos, que se verificam, mas que o tribunal a quo não analisa nem valorizou.
21) De acordo com aqueles depoimentos, o arguido efetivamente não ingeriu mais de 2dl de champanhe;
22) Também nos depoimentos foi dito que é raro o arguido beber bebidas alcoólicas, devido aos seus problemas de saúde, nomeadamente de coração e estômago sobejamente conhecidos por todos;
23) Que por esses motivos, confiaram no arguido para os levar às respetivas residências;
24) Também no âmbito da prova, o tribunal a quo, não valorou as declarações do arguido para prova da quantidade de ingestão de álcool, da sua culpa e ilicitude no crime alegadamente cometido, as quais foram feitas de forma credível e congruente.
25) O arguido sempre respondeu com verdade dizendo que não bebeu mais de 2 copos pequenos de champanhe enquanto comia e via um jogo de futebol, acompanhado pelas testemunhas supra referidas.
26) Se as respetivas declarações servem para incriminar também quanto muito deveriam de ser consideradas no âmbito da defesa daquele;
27) O Tribunal a quo vem fundamentar que o arguido sabia que estava sob a influência de álcool no sangue, que agiu de forma livre deliberada e consciente, portanto com dolo;
28) Ora, não é proibido a ingestão de bebidas alcoólicas antes da condução, mas sim, a ingestão de álcool até a um determinado grau de TAS.
Até porque,
29) Independentemente da TAS apresentada, não deverá, desde logo presumir-se que efetivamente aquele arguido ingeriu bebidas suficientes indicadoras daquela taxa;
30) A não ser que, não se apresente qualquer outra prova em contrário;
Sabe-se;
31) Que qualquer pessoa pode calcular a taxa de alcoolémia no sangue. Para tal, de acordo com informações retiradas do site http://www.alcoologia.net
32) De acordo com a fórmula matemática indicada na Motivação;
33) Para apresentar a TAS de 1,28, o arguido, em circunstâncias normais, teria necessariamente de ter ingerido mais de 1 L e meio de champanhe.
34) E não 2 ou 3 dl de champanhe;
35) Pelo que, supra se alega, é de extrema importância que seja valorada a prova produzida pelas diversas testemunhas, as quais têm conhecimento direto dos fatos e consequentemente considerada provada a ingestão de 2 dl de champanhe, o que por si só, em circunstâncias normais, numa pessoa saudável, é impossível de atingir aquela TAS apresentada.
36) O tribunal a quo, deu como provado o fato do arguido ser pessoa doente do estômago intestinos e coração, tendo a necessidade de tomar diversos medicamentos ali descritos;
37) No entanto quanto à potencialidade do aumento exponencial de TAS, tais medicamentos ou eventualmente as doenças que o arguido padece o tribunal não valorizou, nem sindicou;
Porém,
38) No próprio site de Segurança e Prevenção Rodoviária, em http://www.azores.gov.pt/Portal/pt/entidades/srctedrett/textoTabela/%C3%81lcool+e+Condu%C3%A7%C3%A30.htm
39) Reconhecem que “Há diversos fatores que interferem na TAS. Estes fatores podem ser de ordem pessoal ou relacionados com as formas de absorção, (...)”.
40) Quanto ao fatores de ordem pessoal, entre outros, temos as crianças, filhos de alcoólicos, epilépticos e doentes do aparelho digestivo.
41) Ora, no caso em apreço, o arguido tem graves problemas de estômago, fato que o leva a evitar as bebidas alcoólicas.
42) E provavelmente fato que levou a potencializar a TAS;
43) Não obstante dessa probabilidade, o arguido invocou a possibilidade de ter eventualmente sido potencializado a TAS pelos medicamentos que toma;
44) Quanto a este fato, o tribunal a quo afirma que o arguido a tomar a medicação há vários meses deveria ter mais cuidado na ingestão de bebidas alcoólicas;
45) Pois bem, a bula dos medicamentos não mencionar a necessidade de abstinência e, os próprios médicos que os receitaram também não referirem esse cuidado;
46) Pelo que o arguido não viola o seu dever aquando da toma de uns meros 2 copos pequenos de champanhe;
47) Quanto muito, na eventualidade de se ingerir mais de litro e meio de álcool;
48) Fato que não aconteceu e, se provou;
49) Ora, todos os fatos supra demonstrados e devidamente gravados nos depoimentos das testemunhas indicadas, levantam uma potencial incerteza da culpa do arguido;
50) Por aquele não ter bebido álcool de acordo com a TAS apresentada;
51) Não agindo de forma consciente e deliberada;
52) Pelo que supra se alega o Tribunal a quo deveria ter considerado o principio basilar in dubio pro reo.
53) Como é sabido o princípio “in dubio pro reo” funciona na hipótese da incerteza dos factos que constituem o pressuposto da decisão.
54) Perante a prova produzida e recorrendo à formula matemática existente que por si só presume a TAS, necessariamente nasce uma dúvida sobre os factos.
55) Uma dúvida razoável, tendo em consideração que nunca é possível obter uma certeza absoluta quando estão em causa comportamentos humanos.
56) Com efeito deveria ter valorado, o fato na sentença dado como provado, que a taxa de alcoolemia poderia ter sido provocada pelas doenças que o arguido padece, a considerar, doença de coração, intestinos e estômago;
57) Tendo em conta toda a restante prova;
58) E se, assim não se considerar, deverá considerar-se provado que o arguido não agiu com culpa ou dolo;
59) Pelo que não se encontram preenchidos os elementos subjetivos do crime.
60) A questão a saber, é se «A taxa de álcool no sangue, a levar em consideração para efeitos do disposto no artigo 292º n.º 1 do C. Penal, é a correspondente ao valor indicado pelo alcoolímetro ou, antes, a correspondente a tal valor deduzido o valor de erro máximo admissível a que alude o n.º 6 do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 748/94, de 13-08 [a que corresponde, o artigo 8° do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10-12, que revogou a Portaria n.º 748/94]»
61) De acordo com o nosso mais Alto Tribunal entende-se que o que está em causa é "uma questão de apuramento de factos, e, portanto, de apreciação de prova.
62) Se os alcoolímetros têm erros antes da calibração, periódica, então é evidente que no dia anterior ao da calibração, se foram usados, "declararam" a TAS - taxa alcoolemia no sangue com uma margem de erro que, por imposição da Lei, deve ser deduzida ao valor declarado.
63) Importa acrescentar que em estudo empírico publicado no BMJ 384°, pgs. 5 e segs, se concluiu que "todos os métodos de determinação da alcoolémia, incluindo a CFG (2) que utilizamos como técnica de referência, são passíveis de erro". Por isso, "a necessária eliminação de falsos culpados aconselha o uso de determinações repetidas, suas médias e fatores adequados de correção" (realce nosso).
64) Daí que a Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML R 126) aconselhe o uso de fatores de correção. O que levou o legislador português a consagrar em corpo de lei - artigo 8° do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10-12- os EMA dos aparelhos, variáveis em função do teor do álcool expirado.
65) A calibração tem de fazer-se por referência a determinados valores, médios, e não um para cada valor, inferior ou superior, o que não é possível, repete-se. Por isso, a última correção terá de ser feita em concreto. O que no caso concreto deverá ser considerada a taxa de 1,18 e não 1,28g/1 ou seja, um resultado inferior a 1,20 g/l exigida como requisito objetivo do tipo legal de crime previsto no artigo 292°, do CP, pelo que, o tipo legal de crime de condução em estado de embriaguez não se encontra preenchido, levando a absolvição do arguido.
Pelo que se requer que este Digníssimo Tribunal analise a prova produzida e decida em conformidade;
Assim, de acordo com o supra exposto, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra absolvendo o arguido do crime que vem sendo acusado.
*
Respondeu o Magistrado do MP junto do tribunal a quo, defendendo que deverá ser negado provimento ao recurso e, consequentemente mantida a sentença recorrida.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Notificado nos termos e para os efeitos consignados no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido respondeu mantendo os fundamentos enunciados na motivação do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da sentença recorrida (por transcrição):
Factos provados:
1. No dia 03/02/2013, pelas 22h41m, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Honda, com a matrícula (...)GM, na Avenida da República, na Nazaré, com uma taxa de álcool no sangue de 1,28g/l.
2. Ao iniciar a condução do veículo acima identificado, o arguido sabia que estava influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais, e não obstante, quis e conseguiu praticar os factos, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei.
3. Por sentença proferida em 22/04/2010, transitada em 24/05/2010, no âmbito do Proc. n.º 107/10.6PANZR, deste tribunal, foi o arguido condenado pela prática, em 16/04/2010, de um crime de condução em estado de embriaguez na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 10,00€, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses.
4. O arguido é funcionário bancário, auferindo mensalmente cerca de 1.050,00€.
5. Vive sozinho em casa própria.
6. Despende mensalmente cerca de 400,00€ para pagamento de empréstimo contraído para aquisição de habitação.
7. Despende mensalmente cerca de 280,00€ a título de pensão de alimentos devida ao filho de 15 anos de idade.
8. Possui um empréstimo de saúde, despendendo mensalmente para amortização do mesmo a quantia de 201,00€.
9. É pessoa doente do coração, intestinos e estômago, tomando medicação diária há vários meses, designadamente, Diovan, Carvedilol Ratiopharm, Pantoprazol Ratiopharm, Crestol Razovastatina, Ezetrol, Spasmamen, Diazepam Ratiopharm e Cozaor.
10) Ajuda os pais monetária e fisicamente, que são pessoas doentes.
11) É reputado no meio social em que se insere como pessoa de bem, trabalhador e correcto.

Factos não provados:
Não se provou que:
a. Nas circunstâncias mencionadas em 1) o arguido não conduzia com a taxa de alcoolemia aí mencionada.
b. Na noite da ocorrência o arguido bebeu unicamente 3 pequenos copos de champanhe.
c. Os próprios agentes autuantes ficaram espantados com a taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido.
d. O arguido vive a 4 Km do seu emprego.

Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
A convicção do tribunal quanto à factualidade provada assentou na prova produzida em sede de audiência de julgamento, em conjugação com as regras de experiência comum e a livre convicção da entidade competente, nos termos do art. 127.º do CPP.
Mais concretamente foi considerado o depoimento da testemunha H..., agente da PSP da Nazaré que procedeu à fiscalização do arguido, o qual com conhecimento directo dos factos e de forma credível, confirmou que, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas em 1), quando se encontrava de patrulha o veículo conduzido pelo arguido passou pelo seu, e ao ver que alguns dos ocupantes não traziam colocados os cintos de segurança foram abordados e notou que aquele cheirava a álcool e tinha os olhos vermelhos, motivo porque foi submetido ao teste de alcoolemia, tendo o arguido requerido a contra-prova e sujeito ao respectivo exame acusou a taxa mencionada em 1).
Por outro lado, o arguido confessou que nas circunstâncias de tempo e lugar conduzia o veículo mencionado em 1) tendo sido interceptado pela PSP da Nazaré e sujeito ao teste para pesquisa de álcool no sangue tendo apresentado a taxa considerada provada. Referiu, no entanto, que antes de ter sido interceptado tinha ido a uma inauguração de um restaurante e que ficou espantado com a taxa apresentada uma vez que se sentia bem e apenas tinha bebido dois copos de champanhe (e acompanhados de comida), cada um com cerca de um decilitro. Tal foi igualmente referido pelas testemunhas G..., D..., E..., F... e B..., amigos do arguido e que estavam com o mesmo na inauguração e momento em que aquele foi interceptado.
Ora, a versão apresentada pelo arguido e amigos (a destes com o claro propósito de ajudar o amigo a isentar-se da sua responsabilidade criminal) não colhe perante o teste que o arguido admitiu ter realizado e apresentado a respectiva taxa que foi considerada provada. Por outro lado, a versão apresentada pelo arguido de que a taxa de alcoolemia se apresentou mais elevada devido aos medicamentos que ingere também não vinga na medida em que o arguido já toma tal medicação há vários meses e é pessoa minimamente informada (empregado bancário), pelo que o facto de estar sujeito a medicação apenas lhe reforça o dever de ter mais cuidado na ingestão de bebidas alcoólicas e posteriormente exercer a condução.
Teve ainda o tribunal em consideração o teor dos documentos juntos aos autos a fls.2, talões de leitura de fls.7 e 8, certificado de registo criminal junto a fls.12 a 14.
Por fim, e no que concerne à taxa de álcool apresentada pelo alcoolímetro, dispõe o art. 153.º, n.º1 do Código da Estrada que o exame de pesquisa do álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, acrescentando o n.º 4 do art.170.º do mesmo diploma legal que os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares, fazem fé em juízo até prova em contrário. Ora, conforme resulta do auto de notícia de fls.2 verso, os aparelhos utilizados cumpriam as exigências legais e regulamentares e por isso mesmo, os valores que apuraram fazem fé em juízo. Fazendo fé em juízo, apenas poderiam ser contrariados através de meio de prova que mostre não ser verdadeiro o valor apresentado. Por outro lado, o art. 153º, n.º 3 do CE indica os meios que permitem a produção de prova em contrário: novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado ou análise de sangue.
Compulsando os autos verifica-se que aquando da sua sujeição a exame, o arguido até declarou desejar contraprova, o que se fez, tendo acusado então uma TAS de 1,28gr/l (taxa que veio a ser considerada provada).
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 28/04/2010, in www.dgsi.pt, “a Portaria n.º1556/2007, de 10 de Dezembro não impõe qualquer acerto nas taxas de alcoolemia registadas pelos aparelhos aprovados para o efeito. Com efeito, nem a Lei n.º 18/2007,de 17 de Maio (que aprovou Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas), nem a Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de Agosto (que fixa os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos, o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises laboratoriais, os procedimentos a aplicar na realização das referidas análises e os tipos de exames médicos a efectuar para detecção dos estados de influenciado por álcool ou por substâncias psicotrópicas), prevêem a aplicação de qualquer margem de erro para os concretos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos certificados e o mesmo acontece, como se disse, com Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro. Os erros máximos admissíveis correspondem apenas às variáveis a considerar nos procedimentos de homologação ou de ulterior verificação dos alcoolímetros já homologados e são da exclusiva competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. — IPQ, conforme expressamente determina o seu art.5º”. Em consequência, não há que deduzir quaisquer erros máximos admissíveis, devendo a TAS constante do talão de leitura de fls. 8 manter-se nos seus precisos termos.
Para prova das condições pessoais do arguido foram consideradas as suas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento, as quais se mostraram credíveis, em conjugação com os depoimentos dos amigos acima identificados e documentos de fls.33 a 40 e 45.
Os factos considerados não provados deveram-se à ausência de qualquer prova segura da sua veracidade.
***

APRECIANDO
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, atendendo ao texto da motivação e respectivas conclusões, no presente recurso considera o recorrente que a Mmª Juiz a quo não apreciou correctamente a prova produzida, com violação do disposto no artigo 127º do CPP e, imputando à decisão recorrida os vícios de contradição entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova (als. b) e c) do n.º 2 do art. 410º do CPP), através dos quais pretende pôr em causa o julgamento da matéria de facto, conclui que deveria ter sido absolvido ao abrigo do princípio in dubio pro reo.
Por outro lado, considera o recorrente que sempre deveria ser absolvido, porquanto ao valor aferido pelo alcoolímetro deve ser descontada a margem de erro admissível, pelo que, no caso concreto, deverá ser considerada a taxa de 1,18 g/l (e não 1,28 g/l), ou seja, uma taxa inferior a 1,20 g/l, relevante para efeitos de preenchimento do tipo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
*
A-
Vem o recorrente questionar a apreciação da prova produzida e examinada em audiência, considerando incorrectamente julgados os pontos 1) e 2) dos factos provados e as alíneas a), b) e d) dos factos não provados.
Para tanto alega que “para prova de que efectivamente não ingeriu bebidas de acordo com a TAS apresentada, arrolou diversas testemunhas ( C..., D..., E..., B... e F...) que com ele passaram o dia de 03.02.2013 e, todas elas confirmaram que o arguido não bebeu mais de 2 dl de champanhe, pouco tempo antes das autoridades o terem interceptado e procedido ao teste de alcoolemia; porém, tal prova não foi valorada pelo tribunal”.
Portanto, no presente recurso vem impugnada a matéria de facto provada (concretamente a TAS de que o arguido era portador aquando do exercício da condução), e discordando da convicção probatória expressa na sentença recorrida, o recorrente invoca os vícios de contradição entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova.

Como consta do auto de notícia foi o arguido interceptado por elemento da PSP, pelas 22.41h do dia 3-2-2013, conduzindo a sua viatura e, ao ser submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, apresentou uma TAS de 1,31 g/l (cfr. talão de fls. 7).
Requereu o arguido a realização de contraprova, através de novo teste de ar expirado, tendo acusado a TAS de 1,28 g/l (resultado constante de fls. 8).

O auto de notícia é um documento que vale como documento autêntico quando levantado ou mandado levantar por autoridade pública (art. 363º, n.º 2 do CC) seja autoridade judiciária ou autoridade policial e, por isso, faz prova dos factos materiais dele constantes nos termos do art. 169º do CPP.
Estabelece ainda o artigo 170º, n.º 3 do Código da Estrada que “O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário”. E, acrescenta o n.º 4 que “O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares”.
Todavia, tal especial valor probatório não afecta o direito de defesa do arguido e o seu exercício do contraditório – cfr. Ac. do TC de 7-2-1990.

Alega o recorrente que, as aludidas testemunhas confirmaram em audiência que o arguido não bebeu mais de 2 dl de champanhe, pouco tempo antes de ter sido interceptado e submetido ao teste de alcoolemia.
Efectivamente assim aconteceu; declararam as testemunhas que estiveram com o arguido, a comer e a beber desde a tarde (era dia de S. Brás), e que à noite foram à inauguração de um restaurante; todos disseram que foi o arguido quem bebeu menos, até devido a problemas de saúde e, embora a test. D... tenha dito que não podia precisar quantos copos o arguido bebeu, as testemunhas E..., B... e F... disseram que o arguido não terá bebido mais de dois copos (de tamanho normal) de champanhe.

Porém, contrariamente ao argumentado pelo recorrente, a matéria de facto constante da decisão recorrida, não é contrariada pela prova produzida em audiência, de harmonia com a valoração dela feita pelo tribunal a quo, obedecendo à livre convicção do tribunal, nos termos legalmente permitidos, e segundo as regras da experiência, conforme o disposto no artigo 127º do CPP.
Encontra-se a sentença recorrida devidamente fundamentada e, como decorre da Motivação, quanto ao referido facto provado sob o ponto 1) a convicção do tribunal alicerçou-se no depoimento da test. H..., agente da PSP da Nazaré que procedeu à fiscalização do arguido, o qual com conhecimento directo dos factos e de forma credível, confirmou as circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas e, ainda, nos documentos juntos aos autos [o auto de notícia e os talões de leitura (talões emitidos pelos alcoolímetros usados nos exames a que aquele foi sujeito.)].
No depoimento que prestou, indicou a testemunha H... que interceptou a viatura conduzida pelo arguido por se ter apercebido que alguns dos ocupantes não traziam colocados os cintos de segurança, e que ao abordar o arguido notou que tinha “bafo” de álcool e os olhos vermelhos, motivo porque foi o mesmo submetido a teste de alcoolemia.
Vem ainda explicado na Fundamentação por que o tribunal não acolheu a versão do arguido e dos seus amigos.
Os valores da taxa de álcool no sangue resultam de um juízo técnico-científico, não tendo o tribunal a quo desprezado provas relevantes para a decisão da causa produzidas em audiência, daí que, nenhum reparo há a fazer à apreciação e valoração efectuada pelo tribunal a quo relativamente à TAS de 1,28 g/l apresentada pelo arguido.
*
No que respeita aos vícios de contradição entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova invocados pelo recorrente, teriam os mesmos de resultar do próprio texto da sentença recorrida, na sua globalidade, sem recurso a elementos externos, ou seja, não podendo o tribunal de recurso socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo, pelo que o objecto da apreciação seria tão só a própria sentença.
Como facilmente se constata, mais não pretende o recorrente do que pôr em causa a forma como o tribunal a quo apreciou a prova produzida em julgamento.
Ora, considerando a data em que foi proferida a sentença recorrida (19-3-2013), contrariamente ao alegado pelo recorrente, a análise dos documentos juntos aos autos e as provas produzidas e examinadas em audiência, em que se baseou o tribunal de 1ª instância, não revelam que a decisão recorrida extraísse ilação contrária e logicamente impossível. Por outro lado, a matéria de facto assente era suficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
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B-
Sustenta o recorrente que deverá ser absolvido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por não se mostrar preenchido o elemento objectivo do tipo deste ilícito (condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l), porquanto ao valor aferido pelo alcoolímetro deve ser descontada a margem de erro admissível, e assim, no caso concreto, deverá ser considerada a taxa de 1,18 g/l (e não 1,28 g/l).
Coloca o recorrente a seguinte questão: “se a taxa de álcool no sangue, a levar em consideração para efeitos do disposto no artigo 292º, n.º 1 do C. Penal, é a correspondente ao valor indicado pelo alcoolímetro ou, antes, a correspondente a tal valor deduzido o valor do erro máximo admissível a que alude o n.º 6 do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 748/94, de 13-08 [a que corresponde o artigo 8º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10-12, que revogou a Portaria n.º 748/94]”.

O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por agente de autoridade, mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. Sobre a fiscalização da condução sob influência de álcool rege o artigo 153º do Código da Estrada. Aí se prevê a forma de realização do exame e, como deve ser requerida e realizada a contraprova: – com novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado, ou com análise de sangue.
In casu, na análise da contraprova foi utilizado o aparelho Drager Alcotest, modelo 7110 MKIII-P, série ARRA-0052, aprovado para fiscalização pelo Despacho n.º 19684/2009, da ANSR (1), de 25 de Junho e verificado pelo IPQ em 30-11-2012. Está tal aparelho sujeito às operações de controlo metrológico, a realizar pelo Instituto Português da Qualidade, em conformidade com a Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dez. (Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros).

Nos termos do artigo 5º do aludido Regulamento (aprovado pela Portaria n.º 1556/2007):
«O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P.-IPQ e compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária».

E, quanto a “Erros máximos admissíveis” dispõe o artigo 8º que «Os erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE, são os constantes do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante».

A questão colocada pelo recorrente não tem reunido consenso nas Relações, se bem que maioritariamente se tenha decidido que não há lugar ao desconto do erro máximo admissível (EMA), porquanto tais erros são de considerar tão só nos específicos domínios da aprovação e verificação dos alcoolímetros pelo Instituto Português da Qualidade e não na fase da sua utilização casuística pelas autoridades policiais (2).
Também o STJ, em plenário das secções criminais, se pronunciou sobre a questão no acórdão de 27-10-2010 (3), nos seguintes termos: «Os erros máximos admissíveis apenas são considerados no momento técnico da aferição do alcoolímetro, não devendo esses mesmos valores ser dedutíveis nas taxas de alcoolemia no sangue reveladas pelos talões desses mesmos aparelhos de medição, por meio de teste no ar expirado.».

Acontece, porém, que a Lei n.º 72/2013, de 3 Set., que procedeu à última revisão do Código da Estrada, e que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2014 (art. 12º), veio solucionar o diferendo, impondo que no momento do exame para detecção de álcool no sangue através de ar expirado se deduza a margem de erro máximo admissível, passando o n.º 1 do artigo 170º do CE a ter a seguinte redacção:
«1- Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:
a) Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;
b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares. (sublinhado nosso)
(…)».

Como se poderá constatar a Lei n.º 72/2013 aditou ao n.º 1 do preceito o constante na alínea b), colocando, assim, termo à polémica gerada.
Deste modo, esta norma deverá ser considerada como interpretativa, porquanto veio precisar o sentido da lei anterior (art. 13º CC).
Como sabemos, lei interpretativa é aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado. Ela considera-se integrada na lei interpretada; isto quer dizer que retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada – cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, anotação ao art. 13º.

Ainda que no Código da Estrada não estejam previstos crimes, não nos suscitam dúvidas de que, quando nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 170º se menciona a “infração”, se deve aplicar o disposto na alínea b) à condução de veículo com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, o que já constitui crime p. e p. pelo artigo 292º do CP.
Aliás, só após a avaliação do estado de influenciado pelo álcool se verificará se está em causa uma contraordenação ou um crime (vide Regulamento de Fiscalização de Condução sob Influência de Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio).
Recordemos que, em Agosto/2006, a Direcção-Geral de Viação remeteu ao Conselho Superior da Magistratura (para que promovesse a sua divulgação junto dos Srs. Magistrados, se assim o entendesse) cópia de ofício que dirigiu ao Sr. Comandante Geral da GNR, relativo a “Margens de erro dos alcoolímetros”, onde solicitava que fossem transmitidas instruções para que, na fiscalização da conduta de condução sob influência do álcool, o valor relevante quer para efeitos da qualificação do acto como crime ou contra-ordenação, quer para efeitos da qualificação desta como grave ou muito grave, é o que resultar da TAS registada deduzida do valor do erro máximo admissível atrás indicado.

Destinando-se a contraprova a infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado, o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame (inicial) – n.º 6 do artigo 153º.
No caso vertente, o arguido requereu o exame de contraprova, e daí que tenha sido dado como provado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,28g/l, sendo este o valor registado no alcoolímetro.
Acontece que, por via da alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 170º do CE, aplicável às situações ocorridas antes da entrada em vigor da Lei n.º 72/2013, teremos de concluir que a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, dado não estar deduzido o erro máximo admissível, que no caso é de 8 %, conforme anexo da Portaria n.º 1556/2007. Por conseguinte, o valor apurado, após a dedução do EMA, no exame de contraprova é de 1,18 g/l.

Perante o aludido vício, constando do processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base, pode este tribunal decidir da causa, ao abrigo do disposto no art. 431º, n.º 1, al. a) do CPP.

E decidindo:
- o ponto 1) dado como provado passará a ter a seguinte redacção:
1) No dia 03/02/2013, pelas 22h41m, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Honda, com a matrícula (...)GM, na Avenida da República, na Nazaré, com uma TAS registada de 1,28g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,18 g/l.

Em consequência, por falta do elemento objectivo do tipo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do CP, deverá o arguido ser absolvido do mesmo.

Por via desta alteração da TAS, a factualidade provada, não constituindo crime, integra a contraordenação muito grave p. e p. pelos artigos 81º, n.ºs 1, 2 e 5, al. b), 146º, al. j), 138º e 147º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada.
Pese embora o disposto no n.º 1 do artigo 77º do RGCO de que o tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime, afigura-se-nos que não deverá ser retirado ao arguido um grau de jurisdição, pelo que deverá ser o tribunal de 1ª instância a apreciar da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
Assim sendo, caberá ao tribunal de 1ª instância notificar o arguido para, no prazo legal, querendo, proceder ao pagamento da coima pelo valor mínimo e, não ocorrendo o pagamento, deverá ser proferida nova sentença tão só para o apuramento do quantitativo da coima e da sanção acessória.

***
III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a) alterar o ponto 1) dado como provado, que passará a ter a seguinte redacção:
1) No dia 03/02/2013, pelas 22h41m, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Honda, com a matrícula (...)GM, na Avenida da República, na Nazaré, com uma TAS registada de 1,28g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,18 g/l;

b) revogar a sentença condenatória e, absolver o arguido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do Código Penal;
c) determinar que a 1ª instância aprecie da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.

Sem custas (artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).
*****
Coimbra, 19 de Fevereiro de 2014

Elisa Sales (Relator)
Paulo Valério



1 - A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária é um serviço central de natureza operacional, criado pelo art. 16º, n.º 1, al. a) da Lei Orgânica do Ministério da Administração Interna (aprovada pelo DL 203/2006, de 27 de Outubro), e cuja Lei Orgânica foi aprovada pelo DL n.º 77/2007, de 29 de Março. Este serviço (ANSR) sucedeu nas atribuições da DGV, que foi extinta pelo art. 16º, n.º 2, al. e) da Lei Orgânica do MAI, nos seus domínios das políticas de prevenção e segurança rodoviária e das contra-ordenações de trânsito (cf. art. 10º, n.º 1).
2 - Neste sentido, as conclusões do 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, realizado em 17 de Novembro de 2006, relativas à comunicação de Maria do Céu Ferreira e António Cruz, subordinado ao tema “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português de Qualidade, de que destacamos o seguinte excerto:
« um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais (…). Os EMA não são uma “margem de erro” nem devem ser interpretados como tal. O valor da indicação do instrumento é em cada situação, o mais correcto. O eventual erro de indicação, nesse momento, nessa operação, com o operador que a tiver efectuado (…) está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA. Por essa razão os autores defendem a ideia de que a instrução de processos pelas entidades competentes deveria observar os estritos limites definidos na lei, para as respectivas penalidades. Os condutores autuados deveriam, se assim o entendessem, recorrer às faculdades que a lei lhes faculta»”.
3 - Publicado na CJ STJ, 2010, Tomo III, pág. 243 e ss.