Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
48/15.0GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CASO JULGADO
NE BIS IN IDEM
PRÁTICA DO MESMO CRIME
Data do Acordão: 03/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL DE LOUSÃ – SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 29.º, N.º 5, DA CRP
Sumário: I - À verificação da existência de caso julgado e, consequentemente, de violação do princípio ne bis in idem, a expressão “mesmo crime” não deve ser interpretada, no discurso constitucional, no seu estrito sentido técnico-jurídico, mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor, como um dado de facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui um crime.

II - Nos referidos termos, o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal, ou, dito de outro modo, todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 48/15.0GBLSA.C1 do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Instância Local de Lousã, – Secção Comp. Gen, J1, mediante acusação pública, foi o arguido A... , divorciado, gerente, filho de (...) e de (...) , nascido a 14/06/1984, natural de (...) , Ovar, portador do Cartão de Cidadão n.º (...) e residente na x(...) , , Lousã, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, agravado, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a) e c) e n.º 2 do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso do qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos - cf. fls. 880 -, por sentença de 30-10-2015 (depositada na mesma data) o tribunal decidiu (transcrição parcial):

“(..)

Pelos fundamentos expostos julgo procedente a acusação e parcialmente procedente pedido de indemnização cível, e por conseguinte decide-se:

 I. Parte Criminal:

 a. Condenar o arguido A... pela prática em autoria material, de um crime de violência doméstica, agravado, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a) e c) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

b. Determinar a suspensão da execução da pena de prisão pelo mesmo período de tempo, suspensão essa acompanhada de regime de prova afim de promover a reintegração do condenado na sociedade, assente em plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (art. 53º, nº1 e 2 do CPenal) e ainda condicionado às seguintes regras de conduta (art. 52º, nº3 do CPPenal):

 (1) Proibição de contactar com a vítima por qualquer meio;

 (2) Proibição de uso e porte de armas pelo período de dois anos e seis meses;

 (3) Proibição de se aproximar do local de trabalho e do local de residência da assistente, sem prejuízo dos contactos excepcionais e estritamente relacionados com a regulação das responsabilidades parentais, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se se vier a revelar continuar a ser necessário.

 c. Condeno o arguido nas custas crime, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s e nos encargos do processo (arts. 513º/1 e 514º/1, ambos do CPP, e art. 8º/9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário caso se mantenha (cfr. fls. 773/775).

II. Parte Cível:

 a. Julgo parcialmente procedente o pedido cível deduzido pela demandante B... contra o demandado A... , e, consequentemente, condeno-o no pagamento à demandante civil do valor de €1.600,00 (mil e seiscentos euros) a título de danos não patrimoniais.

 b. Uma vez que o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais foi objecto de decisão actualizadora, já que foram fixados valores indemnizatórios actuais, devem os juros ser contados, apenas, a partir da presente decisão, à taxa legal supletiva para os juros civis até efectivo e integral pagamento.

c. Condenar nas custas do pedido de indemnização cível que serão a suportar pelo demandado e pela demandante na proporção do decaimento (art. 527º, n.º 2, do Código Processo Civil, aplicável ex vi do art. 523.º do Código de Processo Penal e art. 4º/1, al. n), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário de que ambos gozam (cfr. fls. 610 e fls. 773/775).

d. Fixo o valor da acção para efeitos do pedido cível em €2.500,00 – cfr. arts. 297º, nº1 e 306º, nº1 do Código Processo Civil ex vi do art. 523.º do Código de Processo Penal.

*

Após trânsito:

 - Solicite à DGRS a elaboração do competente plano de reinserção social nos termos do nº1 e 3 do art. 494º do CPPenal, remetendo para o efeito aos serviços de reinserção social cópia da presente sentença.

- Oportunamente, deverá a DGRS remeter aos autos as competentes informações/relatórios, designadamente, alertando com urgência os autos no sentido da necessidade de proibição de contacto com a vítima, ser fiscalizada através dos meios técnicos de controlo à distância, nos termos dos arts. 152º, nº4 e 5 do Cód. Penal, 1º, al. e), e 4º, nº5, 9º e 10º da Lei 33/2010, de 02 de Setembro, 35º e 36º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro.

- Cumpra-se o disposto no artigo 37º, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro e Divulgação 80. De 13 de Abril de 2012 do Conselho Superior da Magistratura e Oficio-circular 32/DGAJ/DSAJ, de 14 de Maio de 2012 da DGAJ (comunicação, sem dados nominativos, ao organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género, bem como à Direcção-Geral da Administração Interna, para efeitos de registo e tratamento de dados, através de correio electrónico).

-Remeta boletins à D.S.I.C.

(…)».

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

“1º.

Considera o arguido que foi proferida uma decisão incorreta tanto na valoração da prova produzida, como na aplicação do Direito, pelo que existe:

2º.

A- a violação da exceção do caso julgado e do princípio ne bis in idem

B- a nulidade da acusação pública e consequentemente da sentença recorrida porquanto padece de omissão de pronúncia, de insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, e a prova produzida em audiência impunha decisão diversa quanto aos factos que constam dos pontos 3 a 41 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, os quais deviam ter sido dados como não provados;

C- a decisão recorrida violou o princípio in dubio pro reo;

D- da prova feita resulta que os factos dados como provados não integram a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, pelo que se impunha a absolvição do arguido;

3º.

A- a violação da exceção do caso julgado e do princípio ne bis in idem

O Tribunal a quo quando julgou verificada “a exceção do caso julgado da violação do princípio ne bis in idem apenas no que concerne ao facto descrito no décimo segundo parágrafo do libelo acusatório, a saber “No dia 13 de Março de 2009, na sequência de mais uma discussão o arguido desferiu um murro no rosto da ofendida”, pelo que tal facto não será atendido na presente sentença no que concerne ao preenchimento da tipicidade penal ”

4º.

E que “pelo menos, o ano de 2006 até à dita situação de 13 de Março de 2009, uma vez que estes factos não foram em concreto denunciados, pelo que não era possível que os poderes investigatórios do Ministério Público se estendem àquilo que não fora denunciado, sendo certo que não se trata de situações de continuação criminosa, pelo que quanto aos restantes factos da acusação não se verifica a excepção do caso julgado do violação do principio ne bis in idem. ” (itálico e sublinhado nosso).

5º.

Ora, não existem dúvidas que a ofendida/denunciante denunciou em Março de 2009 o que efetivamente haviam sido as situações ilícitas após iniciar a relação com o denunciado, nos últimos 6 meses (antes de Março de 2009) e no decurso de Março de 2009.

6º.

Na denúncia apresentada pela ofendida em 2009 todos estes factos foram ou poderiam ter sido investigados (especialmente se tivessem mesmo acontecido, o que não é verdadeiro mas sim mais uma ficção da ofendida para prejudicar o arguido), pois todo este período fazia parte da denúncia de factos suscetíveis de integrar o crime de violência doméstica, mas não foram.

7º.

Pelo exposto, “cai por terra” toda a argumentação do Tribunal a quo no sentido em que “não faz pois, sentido o “esquecimento /exclusão dos factos anteriores, ou seja, entre, pelo menos, o ano de 2006 até à dita situação de 13 de Março de 2009, uma vez que estes factos não foram em concreto denunciados, pelo que não era possível que os poderes investigatórios do Ministério Público se estendessem àquilo que não fora denunciado, sendo certo que não se trata de situações de continuação criminosa, pelo que quanto aos restantes factos da acusação não se verifica a excepção do caso julgado do violação do princípio ne bis in idem."

8º.

Face ao exposto, todo o comportamento descrito na denúncia efetuada pela ofendida em Março 2009 (NUTPC 115/09.0GBLSA ) terá que se considerar exaurido por ter sido já objeto de apreciação e decisão homologatória de desistência de queixa e arquivamento, e não podia ser conhecido neste novo processo in casu pois que integrando o crime único de violência doméstica imputado ao recorrente, comportaria a violação do caso julgado e da garantia constitucional do ne bis in idem, como de resto se sustenta. E tendo-o sido, restará julgar verificada a exceção do caso julgado por violação do princípio ne bis in idem e, em consequência, revogar a sentença recorrida.

B - A nulidade da acusação por não obedecer aos requisitos do art. 283 n° 3 al. b) do CPP e o consequente vício da insuficiência de prova para a matéria de facto provada.

9°.

De acordo com o disposto no artigo 283°, número 3, al. b) do Código de Processo Penal, a acusação tem de conter, sob pena de nulidade, "A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada".

10°.

Não é possível a ninguém defender-se de imputações como as que são feitas ao arguido na acusação.

11°.

Num período de tempo superior a dez anos imputa-se ao arguido um número indeterminado de ações, cujo conteúdo individualizado nem sequer está bem delimitado, o que constitui nulidade da acusação.

12°.

Todavia, é face à falha na construção da acusação que de acordo com o art.374, n°2, CPP deve ser aferida a falta de fundamentação da sentença penal, a qual deveria ser composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

13°

Perante a omissão de elementos relevantes na acusação que o exame crítico a efetuar pelo Tribunal a quo deveria consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador mais exigente, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efetuada, pois vejamos:

14°.

Quanto à motivação:

a)   deveria pois o Tribunal a quo ter questionado e obtido a necessária justificação ao motivo pelo qual dá credibilidade à ofendida quando a mesma perde total credibilidade se tivermos em conta que na denúncia supra referida apresentada pela assistente em Março de 2009 (NUIPC 115/09.0GBLSA), a qual relata o início da relação, o tempo em que viveram na Quinta de y(...) e nos seis meses anteriores a Março de 2009, e apenas reporta as injúrias “vaca, puta e filha da puta” que situa nos 6 meses anteriores a Março de 2009, a mesma não faz qualquer referência a outros factos que agora em 2015, quando a ofendida apresenta queixa, relativamente ao mesmo período temporal compreendido entre 2006 até 2009, já surge com novos argumentos sem qualquer detalhe, com o propósito óbvio de prejudicar o arguido e fundamentar a queixa crime.

b)   Mesmo depois da prova produzida, verificou-se que não foi só a ofendida mas também o Tribunal a quo, que teve dificuldade de assimilar que foi o arguido que trocou a assistente por outra pessoa e que foi ele que saiu de casa e que foi ele que pediu o divórcio, pois pretendia seguir a sua vida com outra pessoa, mas nunca o Tribunal a quo confrontou a assistente com aquela que poderia ter sido a sua reacção ao pedido de divórcio.

c)   Censura-se o Tribunal a quo quando encontra justificação no comportamento do arguido para alguma imaturidade e distúrbio de personalidade e de temperamento do arguido (a que não será alheio o facto de ter sido uma criança adoptada). Esta conclusão além de ofensiva é também impossível de ser retirada dos factos provados pois como se demonstrou os Pais adotivos do arguido sempre estiveram e estão presentes na vida do arguido (e neste Julgamento) dando-lhe todo o apoio e carinho que o mesmo necessita, ao que o Tribunal a quo não deveria ter sido alheio, e não julgá-lo com base nestes pressupostos.

d)   Vem o tribunal a quo alicerçar essa falta de prova “num maior investimento emocional da ofendida, afastando indícios de simulação no seu discurso, o qual se revelou próximo / comunicativo, seguro e impressivo.” Relembre-se que a ofendida não prestou declarações no Tribunal a quo, mas sim no Tribunal de Instrução de Coimbra, inexistindo qualquer relação de contacto direto, pessoal, entre o julgador e a ofendida cujas declarações veio valorar como feitas com grande investimento emocional.

e)   Vem o tribunal a quo caracterizar como “de grande riqueza” as declarações das testemunhas da acusação, quando uma das principais testemunhas “ H... ” vem dizer ao Tribunal que sabe o que “consta do processo” e que não veio a Tribunal para responder a determinadas questões colocadas pela defesa. Foram estas testemunhas que mereceram a credibilidade do Tribunal a quo.

15°

Quantos aos factos provados sem prova suficiente:

Ponto 4 — História de enorme ficção e com enormes falhas, a nível de lugar, tempo, modo, conforme se demonstra. Para mais não foi esta situação referida na denúncia efetuada pela assistente em 2009. Em conclusão, é totalmente insuficiente a matéria de facto produzida para dar como provado este ponto.

Ponto 5 - Mais uma vez reportamo-nos a uma situação que nunca foi referida na queixa de 2009, e que está situada no início da relação. Ora, questionou o Tribunal a quo a ofendida de qual ou quais carros que tiveram os vidros partidos com um murro do arguido? Cor? Marca? Data? Motivo? Não. Em conclusão, é totalmente insuficiente a matéria de facto produzida para dar como provado este ponto.

Ponto 6 - Tendo em conta que o arguido sempre foi camionista, que passou longos períodos fora de casa, não seria necessário mais do que isto, ou seja, de que forma é que o arguido impos esse controlo? Querendo saber com quem falava e controlava, através de telefone, as horas de entrada e saída do local de trabalho? Leia-se as declarações da ofendida para vermos quem exercia controlo sobre quem. Em conclusão, é totalmente insuficiente a matéria de facto produzida para dar como provado este ponto

Ponto 9 — Questão relativa à destruição de móveis num apartamento arrendado ainda antes de Março de 2009, e cuja situação nunca foi reportada na queixa anterior, e que apresenta várias falhas a nível de concretização, pois não teve o tribunal qualquer interesse em falar com um senhorio ou saber de alguém que pudesse confirmar a destruição total da casa. Em conclusão, é totalmente insuficiente a matéria de facto produzida para dar como provado este ponto

Ponto 10 — Mais um facto provado sem qualquer concretização, tempo, modo, lugar, prova-se que não foi a única vez que a fechou em casa, muitas vezes com ele lá dentro. Então quais foram as outras? Em conclusão, é totalmente insuficiente a matéria de facto produzida para dar como provado este ponto.

Pontos 18 e 19 - Como é possível que o Tribunal a quo dê como provado algo como o momento em que foi criado determinado perfil do facebook e por quem foi criado esse perfil sem declaração expressa da entidade competente (Facebook) de que tal corresponde à verdade? E manifesta a ausência de prova neste sentido, entre outras questões colocadas na motivação que demonstram a facilidade com que o Tribunal a quo condenou o arguido sem prova. Em conclusão, é totalmente insuficiente a matéria de facto produzida para dar como provado este ponto.

Ponto 20 - no decorrer da audiência de julgamento, e com base na experiência comum do homem comum foi o Tribunal a quo alertado para o facto de o veículo automóvel da ofendida se encontrar equipado com o sistema de fecho automático das portas o que impedia que qualquer pessoa abrisse a porta pelo exterior enquanto o veículo se mantivesse em movimento. O MP e o Tribunal a quo poderia/deveria ter chamado a ofendida para exigir melhores explicações, mas mais uma vez não o fez bastando a palavra da mesma. Em conclusão, é totalmente insuficiente a matéria de facto produzida para dar como provado este ponto.

Ponto 27 - Mais uma vez o Tribunal a quo faz acreditar que existe mesmo algum dispositivo legal que permite a prova por “vidência”, pois dá como provado o que a testemunha H... diz quando refere que com toda a certeza por detrás de um número anónimo cujo sujeito não falou consegue adivinhar ser o arguido! Além de que a testemunha Rafael diz que todos os SMSs foram juntos aos autos. Em conclusão, é totalmente insuficiente a matéria de facto produzida para dar como provado este ponto.

16°

-     Erro Notório na apreciação da Prova:

Há erro na apreciação da prova por parte da decisão recorridos, nos seguintes termos no artigo 410° n° 2 alínea c) do CPP na medida em que consta como matéria provada os seguintes factos, quando resulta manifesta a impossibilidade de os mesmos terem acontecido.

17°.

Se tivermos em conta dois momentos distintos, antes e depois da separação, poderemos ter a certeza que nunca antes da separação do casal alguma testemunha tenha visto qualquer agressão do arguido à ofendida, só podendo então o Tribunal suportar a sua motivação neste depoimento.

18°.

Vejamos:

Ponto 3 e 4 — Além do já exposto supra, não se entende como será isto relevante para o processo em causa, pois nada resulta de se o arguido utilizou algumas palavras injuriosas. Nada resulta e não foi feita qualquer outra prova, conforme se conclui pela leitura das declarações da assistente.

Ponto 5 a 11 — Resulta das declarações da assistente que era a mesma que mantinha o controlo sobre o arguido e das declarações das testemunhas H... (a testemunha que sabia o consta do processo) Rafael, G... , que nada sabiam, ou se sabiam era tudo muito genérico. Nada resulta e não foi feita qualquer outra prova.

Ponto 14 — Resulta das declarações da assistente e das testemunhas que sempre que existiam discussões a assistente não coibia de injuriar também o arguido, o que não deixa de ser censurável aqui que agora ela bem dizer sobre essas situações, num venire contra factum proprium,

Ponto 15 a 17 — Pontos que se esvaziam no seu substrato quando se lê a queixa apresentada no dia 27 de Fevereiro de 2015, que não refere qualquer tipo de incidente, quando se avalia o sucedido no dia seguinte ao dia 3 (dia das alegadas ameaças) em que a assistente vai sozinha para a casa de morada de família e entrega as chaves ao arguido sem qualquer problema, além de que nas próprias declarações para memória futura a assistente diz que só começou a ter medo do arguido a partir do momento em que este lhe bateu, ou seja, a partir de dia 27 de Fevereiro de 2015, além de outros pontos que se chama a atenção supra.

Pontos 18 e 19 — Como ficou já referido estes pontos só poderiam ter sido provados quando for alterada a lei e eleger a “vidência” como instituto de direito, pois nenhum tribunal pode dar como provado algo que uma entidade credível e autorizada não consegue, como é o caso do “facebook”.

Pontos 20 e 21 — Quanto ao sucedido além do já referido quanto à impossibilidade de o arguido abrir a porta em andamento da viatura devido ao sistema de fecho de portas da mesma, o tribunal a quo permite contradições entre a assistente e a testemunha D. L... quando esta vem dizer que nunca viu o ofendida fora da viatura ao contrário do que a assistente diz que esteve para a chamar.

Quanto às lesões o Tribunal a quo permite contradições manifestas entre o referido pela assistente, o referido pelas testemunhas quanto às lesões, principalmente quando comparado com o evidenciado pelo Instituto de Medicina Legal.

Pontos 22 a 26 — factos oportunamente trazidos pela assistente que deixou completamente de trabalhar para vigiar o arguido e ver quando é que o mesmo passava à frente do seu local de trabalho para ir a correr ao Ministério Publico apresentar mais uma queixa.

Ponto 27 — Trata-se do referido caso de vidência em que através de um número oculto e sem ninguém falar a testemunha H... adivinha que é o arguido e o Tribunal a quo aceita.

Ponto 28 a 30 — Situações simuladas e genéricas que a assistente na falta de melhor tentou arranjar para prejudicar o arguido.

Pontos 31 a 39 — Situação que foi explicada pelo arguido e nunca bem explicada pela assistente e suas testemunhas que entram em contradição.

Pontos 40 e 41 — Não se provaram de forma nenhuma.

19°.

-     Da violação do princípio in dubio pro reo:

De tudo o exposto não é possível convencimento para além de toda a dúvida razoável da veracidade dos factos aduzidos pela acusação...logo deve ser aplicado o presente princípio e desta forma, serem os factos imputados ao arguido dados como não provados.

20°.

No caso, em apreço e tendo em atenção o texto da sentença da primeira instância apesar de o Tribunal ter dado como provados os factos elencados como tal, o mesmo só não manifesta dúvidas porque não as quis assim dar como relevantes, pois sobre a verificação de todos deles existem sérias duvidas.

21°.

Pelo exposto, violou o Tribunal a quo o princípio do in dúbio pro reu em todos os pontos supra referenciados violando-se o artigo 32, 2 da Constituição da Republica portuguesa.

-     Da prova feita resulta que os factos dados como provados não integram a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo aft.152.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, pelo que se impunha a absolvição do arguido;

22°.

Ora, certo é que em todos os momentos descritos depois de Março de 2009 verificamos que nunca existiu nenhuma situação que pudesse configurar uma situação de maus tratos que leve a condenação pelo crime de Violência doméstica do art. 152.°, do CP.

23°.

Nem toda a ofensa (que não se admite que tenha existido) representa maus tratos, pois estes pressupõem que o agente ofenda a integridade física ou psíquica de um modo especialmente desvalioso e, por isso, particularmente censurável. A ocorrência deste crime pressupõe uma agressão capaz de afectar a dignidade pessoal do cônjuge enquanto tal. (...)

24°.

O que conta é saber se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como “maus tratos”. Pois se assim for, e ainda que não tenha chegado a produzir-se um dano efectivo, é de admitir a existência de um perigo para a vida e para a saúde da vítima, que o legislador, consciente do padrão de comportamento deste tipo de agressores (por regra, intensifica o caudal de violência ou de manipulação da vítima ao longo do tempo), procura protegê-la por antecipação e de forma reforçada.

25°.

No caso dos autos, pareceu notório que o arguido quis continuar a sua vida e quem nunca se conformou emocionalmente com o fim da relação conjugal foi a assistente, que num período de descontrolo posterior ao divórcio, começa a “ficcionar” tudo para prejudicar o arguido.

26°.

Só que o juízo de censura que a conduta do arguido suscita, nas concretas circunstâncias do caso e por não haver uma situação de domínio emocional de um em face do outro, parece-nos que se compraz com a sua punição a título de cada um dos crimes parcelares, já que lhe falta aquele desvalor ou insensibilidade que, por tão ostensivos e graves, não recebam o devido acolhimento se não no seio do crime de violência doméstica. Ou seja, não nos parece que as injúrias possam ultrapassar as margens que o art° 181° do CP lhes define e transformar-se nos maus tratos que o corpo do art° 152° do mesmo Código exige para a punição a título de violência doméstica.

27°.

Terá, por isso, o arguido de ser absolvido do crime de violência doméstica de que vinha acusado.

Face ao exposto e sintetizando:

a)   Normas jurídicas violadas: maxime arts. 13°, 14°, 40°, 50°, 71° nos 1 e 2 a) a f), 143° n.° 1 e 145n° 1 al. a) e n° 2 CP, por referência ao art. 132°, n° 2 al. b); arts. 127° e 379° n° 1 b) e c) CPP; arts. 26°, 67° e 32° n° 2 da CRP;

b)   Princípios violados e erroneamente aplicados: maxime livre apreciação da prova, in dubio pro reo, da culpa, igualdade, garantias de defesa, proporcionalidade, subsidiariedade e ultima ratio do Direito penal bem como finalidades inerentes aos fins das penas.

Termos em que e nos demais de direito, requer-se a procedência do presente recurso e a consequente revogação do douta sentença recorrida, atentos os vícios de que a mesma padece, como seja, erro de julgamento da matéria de facto, erro notório na apreciação da prova, errada interpretação de normas legais e violação de princípios constitucionais, devendo o arguido ser absolvido em nome de um direito processual e penal que se queira justo, atento o não preenchimento integral do tipo de ilícito;

Mais se requer que em razão da reapreciação da prova gravada se venha a revogar a douta sentença recorrida relativamente a parte considerável dos factos dados como provados, corrigido o erro de julgamento face aos não provados bem como aditados demais factos relativos ao concreto circunstancialismo da sua prática;

fazendo-se assim a Habitual e Necessária

JUSTIÇA!”

*

4. Por despacho de 7-12-2015 - cfr fls 1020 - foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:
1. No que concerne à eventual violação de caso julgado, no caso em apreço verifica-se a decorrência de um episódio isolado (inquérito n.º 115/09.0GBLSA), que foi já alvo de apreciação e nessa medida, conforme decidiu, e bem a douta sentença recorrida, não poderá integrar essa globalidade delituosa.

2. A este respeito esclarece o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 8/11/2011, o crime de violência doméstica é muito mais que uma soma de ofensas corporais, não sendo as condutas que integram o tipo consideradas autonomamente, mas antes valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido revelador daquele crime. Na avaliação desse comportamento, a ponderação de um facto objecto de um processo autónomo, arquivado por falta de queixa da ofendida, não configura violação do princípio ne bis in idem.
3. A não ser assim e qualquer acto delituoso cometido pelo arguido antes desta data, mesmo que não denunciados, não poderiam ser apreciados, o que em si mesmo é uma contradição com a natureza do crime em apreço.
4. No que diz respeito a uma eventual omissão de pronúncia, não se vislumbra em concreto nenhum facto sobre o qual o Ministério Público ou o Tribunal não se tenha pronunciado, pelo que se admite que tenha ocorrido uma certa confusão conceptual na medida em que o arguido, neste ponto, impugna matéria de facto dada como provada, ao invés de indicar quais as matérias alegadamente ignoradas pelo Tribunal, que poderiam redundar numa nulidade por omissão de pronúncia.

5. Conforme esclarece o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 15/10/2008, o vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento. Quem a coima de nula uma decisão, deve precisar e procurar evidenciar quais os concretos pontos de carência fundamentadora em que faz ancorar a sua pretensão, sob pena de não poder desencadear, no tribunal de recurso, uma cingida critica ao labor desenvolvido pelo tribunal recorrido.
6. E não se diga que os referidos factos não se encontram circunstanciados, pois basta uma mera análise ao libelo acusatório, para se aferir das concretas datas, locais e modo de cometimento dos factos imputados ao arguido, sem que se vislumbre qualquer omissão de apreciação de episódios ou questões processuais.
7. Por sua vez, o vício de insuficiência de prova para a matéria de facto provado invocado pelo arguido não é o correspondente à alegação subjacente, na medida em que o arguido limita-se a discordar com a matéria de facto dada como provada, o que configura uma verdadeira impugnação da matéria de facto, nos termos do disposto no art. 412º, nº 3, do C.P.P., e não um vício de insuficiência de prova para a matéria de facto dada como provada.

8. A este respeito, o Professor Paulo Pinto de Albuquerque esclarece que, a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. Esta é uma questão que respeita ao recurso da matéria de facto.[1]
9. Mas ainda que assim não fosse, no que concerne à matéria de facto provada, cumpre assinalar que não compete ao Tribunal "arranjar" motivação para as decisões, sendo antes a prova produzida em audiência, que constrói essa mesma motivação, consubstanciada nos princípios da imediação, oralidade e livre apreciação da prova, tendente a um juízo conclusivo, este já sustentado num raciocínio lógico dedutivo resultante dessa mesma apreciação.
10. Conforme esclarece o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 20.3.2006, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, pois como ensinava o Prof.
11. Alberto do Reis, citando Chiovenda: "ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar." - Anotado, vol. IV, págs. 566 e segs.
12. Só a imediação entre o prestador de depoimento e o intérprete, in casu julgador, permite uma interpretação correcta da reconstituição histórica dos factos, e da credibilidade a conferir a cada meio de prova.

13. A este respeito, esclarece o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/4/2009, que, do exposto resulta que, para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
14. No caso em apreço, não existe qualquer erro notório na apreciação da prova, antes o julgador efectuou uma valoração diversa da pretendida pelo arguido, o que não configura qualquer erro-vício no texto da sentença, susceptível de impugnação por esta via.

15. Conforme esclarece o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 15/7/2009, os vícios previstos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP.

16. Ainda no que diz respeito à valoração de prova testemunhal, esclarece o STJ, em acórdão de 16/12/1992, não há erro notório se o tribunal diante de duas versões distintas dos factos não aplica o princípio in dúbio pro reu.

17. E no que concerne à alegada violação deste princípio, esclarece o Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão de 7 de Dezembro de 2005, o princípio in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver a certeza sobre factos decisivos para a solução da causa: Mas daqui não resulta que, tendo havido versões diferentes a até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido.
18. No caso em apreço, em face da prova produzida em julgamento e da demais prova documental existente nos autos, não restam quaisquer dúvidas que o arguido praticou factos integradores do crime de violência doméstica e não basta pincelar dúvidas aleatórias para ludibriar uma decisão baseada em princípios de normalidade e sustentada nas regras da experiencia comum.
19. Olhando para a matéria de facto dada como provada podemos facilmente concluir que o arguido vem, desde o início da relação, e com maior incidência após a separação do casal, reiterando numa conduta de desrespeito, perseguição, confrontação, coacção e ofensa verbal e física na pessoa da sua ex-companheira B... , sendo certo que esta conclusão permitiria por si só, e desprovida de qualquer outra escalpelização do tipo de crime em questão, integrar a sua conduta como prática do crime de violência doméstica.

20. Conforme esclarece o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 28/1/2010, não são os simples actos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal.
Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso ora interposto, mantendo-se a decisão nos precisos termos em que foi formulada, fazendo, desta forma, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, a costumada JUSTIÇA.”

6. A assistente também respondeu ao recurso concluindo:

1- O presente recurso não merece provimento.

2 - Não assiste qualquer razão ao recorrente quanto a uma eventual violação da exceção do Caso Julgado e do princípio ne bis in idem.

3 - Foi analisado pelo Tribunal a quo, de forma correta, exaustiva e assertiva, a eventual violação do caso julgado e do princípio ne bis in idem.

4 - Verificando-se todos os factos que constam da acusação pública proferida no âmbito dos presentes autos, verifica-se que o único facto que surge em comum é o seguinte: “No dia 13 de Março de 2009, na sequência de mais uma discussão o arguido desferiu um murro no rosto da ofendida”.

5 - Por tal motivo, o tribunal a quo considerou, e bem, que quanto a este concreto facto, “não restam dúvidas, que não poderá merecer relevância própria para o preenchimento da tipicidade penal como uma das condutas reiteradas do crime de violência doméstica ora imputado ao arguido, à luz do princípio ne bis in idem. ”, tendo, portanto, tal facto sido “excluído dos factos pertinentes ao libelo acusatório.”

6 - No que se refere a factos anteriores a esse dia 13 de Março de 2009, também o tribunal a quo andou bem, pois, conforme refere “todo o comportamento anterior a esse facto que ainda não foi especificamente apreciado anteriormente, à luz do referido processo de inquérito (NUIPC 115/09.4GBLSA., nem, aliás, do NUIPC 118/09.4GBLSA) não poderá ser considerado precludido/exaurido por ter sido, de facto, objecto de tais inquéritos. ”

7 - Não assiste qualquer razão ao recorrente quanto a uma eventual nulidade da acusação por não obedecer aos requisitos do art. 283 n° 3 al. b) do CPP.

8 - A acusação pública contém todos os requisitos exigidos por Lei e não se verifica qualquer nulidade.

9 - Ainda que a acusação pública fosse nula por não conter os elementos exigidos na alínea b) do n° 3 do art. 283° do C.P.P., como proclama o recorrente, o que não se admite e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, sempre se diria que há muito que teria precludido o direito do recorrente de arguir tal nulidade.

10 - Não sendo a nulidade a que ora se refere o recorrente abrangida na enumeração do art. 119° do C.P.P., essa nulidade não é insanável devendo, pois, ser arguida pelos interessados e ficando sujeita à disciplina prevista nos arts. 120° e 121° do C.P.P.. Pelo que, de acordo com o art. 120° n° 3 alínea c) do C.P.P., tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito, deveria a mesma ter sido arguida até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.

11 - Também nenhuma razão assiste ao recorrente quanto ao demais, nomeadamente, o vício da insuficiência de prova para a matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo:

12- O que o recorrente faz na sua motivação de recurso, embora com imputação (de forma algo confusa) à douta sentença de vícios nos termos das alíneas a) e c) do n° 2 do art. 410° do C.P.P. e alegação de pretensa violação do in dubio pro reo, é simplesmente discordar da convicção probatória espelhada na douta sentença em sede de fundamentação.

13- O recorrente quer encontrar vícios na douta sentença e para tal vai procurar no depoimento de cada testemunha (ou melhor, nas partes dos depoimentos que lhe convêm) as bases para a sua censura. Ou seja, o recorrente quer confrontar o tribunal a quo com a sua própria convicção, considerando ser essa a melhor (!!).

14 - Conforme se extrai do art. 127° do C.P.P., salvo os casos de prova vinculativa, o julgador aprecia a prova segundo a sua própria convicção, formada à luz das regras da experiência comum. E só perante a constatação de que tal convicção se configurou em termos errados é que é legalmente possível ao Tribunal Superior alterar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.

15 - Não pode o recorrente pretender que, sem fundamento válido para isso, o Tribunal Superior substitua a convicção vertida na decisão recorrida e aí devidamente fundamentada, pela sua própria convicção.

16 - Não se verifica, de todo, qualquer um dos vícios apontados pelo recorrente à douta sentença, nomeadamente erro notório na apreciação da prova.

17 - Os vícios da decisão elencados no n° 2 do art. 410° do CPP têm de resultar do próprio texto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma e sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos.

18 - Não é nenhum destes vícios que o recorrente quer afirmar, já que os não encontra no texto da decisão - o que o recorrente pretende, conforme já supra referido, é visar a convicção do tribunal a quo.

19 - Os vícios previstos no artigo 410°, n° 2 do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127° do CPP.

20 - Neste aspeto, o que releva, necessariamente, e conforme já se deixou dito, é a convicção formada pelo tribunal a quo, devidamente fundamentada, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.

21 - Quanto à alegada violação do princípio in dubio pro reo, importa referir que este princípio não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos.

22 - Este princípio só funciona em termos probatórios quando surge qualquer dúvida na mente do julgador sobre a prova relativa a determinado facto, devendo a dúvida do julgador ficar expressa na decisão.

23 - Analisada a fundamentação plasmada na douta sentença recorrida nenhuma dúvida probatória ali vem referida.

24 - No que se refere à qualificação do tipo de crime em apreço, as alegações do recorrente são completamente desprovidas de qualquer fundamento fático e jurídico.

25 - De acordo com o estabelecido no art. 152° n° 1 do C.P.P. “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) ao cônjuge ou ex-cônjuge; c) a progenitor de descendente comum em 1.0 grau é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. E no seu n° 2 “no caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos”.

26 - Tendo em conta toda a prova produzida, é inquestionável que, conforme refere a douta sentença, e bem, “as concretas ofensas verbais e físicas infligidas são no seu conjunto, susceptíveis de configurar forma de molestação, provocação, e ameaça (limitando-a quanto à livre formação e actuação da sua vontade, à livre disposição de si mesma ou ao seu “status libertatis”, que corresponde à afirmação mais genuína da personalidade humana) que, pela sua gravidade, atentam claramente contra a dignidade pessoal da vítima... ”

27 - Pelo que, indubitavelmente, estão verificados todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica.

28 - Não deve ser admitida a junção dos documentos que o recorrente junta com a sua motivação de recurso.

29- O recorrente já havia requerido a junção do referido documento em sede de audiência de discussão e julgamento, mais concretamente na sessão de julgamento ocorrida no dia 09-10-2015, tendo tal junção sido indeferida por douto despacho que se encontra gravado através do sistema habilus media studio entre as 12:48:13 e as 12:51:38 horas, despacho que não foi objeto de recurso.

30 - A apresentação e produção de prova tem a sua sede natural e própria nas fases preliminares e de audiência.

31- O tribunal de recurso limita-se a reanalisar os meios de prova já apresentados e produzidos, ou seja, não podem ser requeridos novos meios de prova distintos dos apresentados e produzidos na 1a instância.

32 - Pelo que, não deverá ser admitida a junção de tais documentos.

33 - Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a Douta Sentença recorrida,

Assim, se fazendo

JUSTIÇA!”

7. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, por entender que “… as regras da apreciação da prova previstas no art.° 127 do CPP se mostram respeitadas como resulta da fundamentação e exame crítico das provas na sentença, sendo naturalmente muito relevante para a sua apreciação a imediação da prova, bem assim a conjugação de todos os elementos de prova produzidos e a sua apreciação global. Também não se vislumbram do texto da decisão recorrida os apontados vícios do art.° 410° do CPP.
E, não devendo ser alterada a matéria de facto dada como provada, mostra-se correcta a legal subsunção feita na douta sentença recorrida.
Porém, sobre toda a matéria da impugnação do julgamento relativo à matéria de facto, em substância, já se pronunciou o Ministério Público como se referiu, no que o acompanhamos, sem necessidade de qualquer repetição.”

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve reacção.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No presente caso questiona o recorrente:

A - a violação da excepção do caso julgado e do princípio ne bis in idem

B - a nulidade da acusação pública

C - nulidade da sentença por de omissão de pronúncia - ausência na decisão da necessária e indispensável concretização dos factos

D - vícios da insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova,

E- Impugnação da matéria de facto provada por erro de julgamento - quanto aos factos que constam dos pontos 3 a 41 da matéria de facto dada como provada

F - a violação do princípio in dubio pro reo;

G - Errada qualificação jurídica penal dos factos - os factos provados integram a prática isolada dos crimes de injúria, previsto no artigo 181°, n.º 1 do mesmo Código.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

A) Factos provados: (Da acusação):

1. O arguido A... casou com a ofendida B... no dia 4 de Setembro de 2012, depois de um período de cerca de 10 anos em que viveram em comunhão de cama mesa e habitação, tendo esse casamento terminado com o divórcio ocorrido a 5 de Fevereiro de 2015.

2. Desse relacionamento nasceu AA... , a 21 de Setembro de 2007.

3. Desde o início da relação que o arguido começou a adoptar atitudes de controlo e obsessão relativamente à ofendida B... , condicionando-a nas suas relações de amizade e fazendo com que alguns amigos se afastassem dela.

4. Provado apenas que em data não concretamente apurada, mas há cerca de 8 ou 9 anos, depois de terem estado na discoteca w(...), sita na Lousã e por não ter gostado que um indivíduo tivesse estado a olhar para a ofendida, o arguido iniciou com esta uma discussão, que prosseguiu quando regressavam de Lisboa. Nessa ocasião, em local não concretamente apurado, o arguido parou o veículo em plena estrada, obrigando a ofendida a sair do mesmo, ali a deixando durante vários minutos, sem telemóvel, documentação e carteira, fazendo-a crer que tinha ficado sozinha em local desconhecido.

5. Durante o período em que viveram juntos, em datas não concretamente apuradas, mas pelo menos por três vezes, e sempre em contexto de discussões, o arguido desferiu murros nos vidros do veículo que utilizava, à frente da ofendida, partindo-os, assim demonstrando a sua agressividade.

6. Provado apenas que ao longo dos vários anos de vivência em comum o arguido foi intensificando o controlo que pretendia fazer da vida da ofendida, pois queria sempre saber com quem falava e controlava, através de telefone, as horas de entrada e saída do local de trabalho, em virtude dos seus ciúmes possessivos.

7. Por diversas vezes, nestas circunstâncias, em datas não concretamente apuradas, o arguido, com ciúmes, agarrou a ofendida pelos braços com força, causando-lhe dores e hematomas, assim como chegou a apertar-lhe o pescoço, nunca tendo recorrido a assistência médica. Também em algumas ocasiões o arguido saía de casa e deixava a ofendida trancada durante várias horas.

8. Na sequência de tais comportamentos, por vezes terminavam o relacionamento, mas o arguido acabava por mostrar uma postura de arrependimento que determinava a reconciliação do casal.

9. Quando já residiam no apartamento sito na Quinta de y(...), na Lousã, mais uma vez na sequência de uma discussão motivada por ciúmes, o arguido trancou a ofendida em casa e partiu móveis em quase todas as divisões, fazendo-a temer seriamente pela sua vida, face ao nível de agressividade incutido nas suas acções.

10. Aliás, essa não foi a única vez que a fechou em casa, muitas vezes com ele lá dentro.

11. Em 2007, depois de a ofendida ter engravidado, porque teve que deixar de trabalhar por gravidez de risco e a situação económica do agregado familiar piorou, os conflitos adensaram-se passando a ser quase diários. Numa ocasião, em que estava grávida de cerca de sete meses o arguido agarrou a ofendida à força e atirou-a ao chão.

12. Provado penas que desde data não concretamente apurada do mês de Março e até Dezembro de 2009 o arguido e a ofendida estiveram separados, tendo-se reconciliado no final desse ano.

13. Provado apenas que durante alguns meses a situação esteve mais calma.

14. Desde que casaram em Setembro de 2012 e até Dezembro de 2014 foram persistindo as discussões, no contexto das quais, por diversas vezes, em datas e por motivos não concretamente apurados, o arguido apelidava a ofendida de puta e vaca e agarrava-a com força nos braços.

15. Em Dezembro de 2014 o arguido saiu da residência onde habitavam, na Lousã e foi morar para casa dos seus pais, mas ordenou à ofendida que abandonasse tal residência, que era propriedade destes, proibindo-a de ali fazer entrar qualquer outra pessoa. No entanto, como precisava de ajuda para retirar alguns móveis e electrodomésticos, a ofendida pediu ajuda a dois colegas, que ali se deslocaram.

16. Em dia não concretamente apurado do início de Janeiro de 2015, tendo o arguido tido conhecimento do facto, telefonou à ofendida apelidando-a de puta e de vaca e dizendo, de forma séria e intimidatória «eu já aí vou, é hoje que te mato».

17. Em pânico, a ofendida saiu imediatamente de casa e refugiou-se em casa da madrinha, G... , sita em (...), Lousã, com receio de que o arguido pudesse atentar contra sua vida. Mudou-se depois a Rua k(...), na Lousã, onde ainda habita.

18. Provado apenas que mais recentemente, já em Fevereiro de 2015, o arguido criou um perfil de facebook com o nome de S... , mantendo conversação através do chat com a ofendida, após o que constatou de imediato que se tratava do arguido.

 19. Nesses contactos o arguido apelidava a ofendida de puta e vaca e referiu que se a ofendida não fosse dele não era de mais ninguém, que mesmo separados nunca a ía deixar.

20. No dia 27 de Fevereiro de 2015, pelas 19:30, quando a ofendida estava a estacionar o seu veículo na Praceta xx(...) , na Lousã, o arguido aproximou-se e abriu a porta do veículo quando ainda estava em movimento apelidando-a mais uma vez de puta e de vaca. Esta tentou fechar a porta mas não conseguiu, tendo o arguido desferido uma bofetada na sua face, momento que a ofendida gritou por ajuda aproximando-se duas pessoas que se encontravam nas proximidades, pelo que o arguido se afastou do local.

21. Como consequência directa e necessária da acção do arguido sofreu a ofendida dores e vermelhidão no local atingido.

22. Desde esse dia que a ofendida passou a temer seriamente andar sozinha, pelo que solicita frequentes vezes ao seu primo M... que a vá buscar a casa pela manhã e a leve ao seu local de trabalho, a transporte durante a hora de almoço e a vá buscar ao final do dia ao trabalho, conduzindo-a até casa, o que este fez por diversas vezes.

23. Provado apenas que no dia 13 de Março de 2015, cerca das 19:00, quando a ofendida se dirigia a casa no seu veículo, acompanhada pelo seu primo, que ia ao volante, seguindo pela Av. Dr. José Maria Cardoso na Lousã, o arguido surgiu em sentido contrário, ao volante de um Wolkswagen golf, dirigindo tal veículo na direcção daquele em que circulava a ofendida, obrigando o referido M... a fazer uma manobra rápida de desvio em direcção ao passeio.

24. Provado apenas que o arguido continuou a passar inúmeras vezes à porta da loja onde trabalha a ofendida e a estacionar o seu veículo à frente da mesma com o propósito de a intimidar.

25. Perante tal circunstancialismo a 27 de Março de 2015 foi o mesmo sujeito, entre outras, às medidas de coacção de proibição de contactos com ofendida por qualquer meio, pessoalmente, por escrito, por telefone ou internet, ressalvando o estritamente necessário ao exercício das responsabilidade parentais do filho menor de ambos e à proibição de se aproximar do seu local de trabalho, excepto para se deslocar ao escritório do eu ilustre advogado, que se situa no mesmo edifício.

26. Provado apenas que apesar disso, o arguido continuou com a sua actuação intimidatória, circulando praticamente todos os dias, várias vezes por dia, na Avenida (... ), na Lousã, em frente à loja onde trabalha a ofendida e aí estaciona os diversos veículos em que se faz transportar com o objectivo se se fazer ver e de a amedrontar.

27. Do mesmo modo, apesar de a ofendida ter trocado de cartão telefónico, passando então a utilizar o número (... ), que nunca deu ao arguido precisamente para evitar ser incomodada pelo mesmo, este teve conhecimento do mesmo através de consulta à caderneta escolar do filho e passou a telefonar-lhe e a enviar mensagens para este número, sendo que nas chamadas de voz a apelidava de puta, vaca, filha da puta, cabra. Os primeiros contactos eram efectuados com número oculto, mas depois da intervenção da H... , “madrinha de facto” do menor AA... , o arguido passou a telefonar e a enviar mensagens à ofendida para este seu novo número através do cartão telefónico (... ), o que fez dezenas de vezes nos meses de Abril e Maio de 2015 (cfr. fls. 466-A e 467).

28. Provado apenas que no dia 12 de Maio de 2015, pelas 8:55, quando a ofendida se deslocava no seu veículo de casa para o seu local de trabalho, sito na Avenida (... ), Lousã, o arguido ultrapassou-a ao volante de um veículo BMW cinzento, fazendo a manobra com brusquidão e abrandando rapidamente quando se colocou à sua frente fazendo com que a ofendida tivesse que travar bruscamente para não embater no veículo daquele.

29. Provado apenas que com receio que o arguido viesse ao seu encontro a ofendida trancou os vidros, mas o arguido seguiu viagem. Contudo, fê-lo em marcha muito lenta, parando e reiniciando a marcha de forma a manter sempre contacto próximo com o veículo conduzido pela ofendida.

30. Provado apenas que ao entrar na rotunda da Avenida (... ), o arguido contornou-a a alta velocidade, fazendo com que os pneus derrapassem e voltando a parar repentinamente na via onde circulava a vítima. Depois de parado, arrancou novamente a alta velocidade.

31. No dia 22 de Maio de 2015, cerca das 18:00/18:30, já depois de ter ido buscar o filho para passar consigo o fim-de-semana o arguido telefonou à ofendida por causa da roupa do menor, tendo-lhe perguntado «se para além de puta e vaca agora também era má mãe?». Depois de a ofendida ter desligado o telemóvel o arguido efectuou várias chamadas, que a mesma não atendeu, com receio, assim como telefonou para o pai desta a fim de saber onde a ofendida se encontrava.

32. Provado apenas que como o pai da ofendida nunca lhe disse onde a filha estava, depois das 20:00 o arguido deslocou-se, pelo menos, uma vez, junto da casa desta sita na Rua , k(...), Lousã, a fim de ver se a mesma já tinha chegado a casa.

33. Como não viu o veículo da ofendida (que estava escondido), o arguido ausentou-se do local.

34. No entanto, pelas 21:30 desse mesmo dia, o arguido deslocou-se novamente à residência da ofendida, levando o filho menor de ambos no veículo em que se fazia transportar.

35. Parou junto à residência, saiu do veículo e dirigiu-se à porta de entrada da habitação, pontapeando a porta, apelidando a ofendida de “puta” e “puta de merda” e dizendo que dava cabo dela, que a matava, ao mesmo tempo que desferia pontapés na porta, tentando arrombá-la, o que não conseguiu, lançando depois vasos contra a janela, que se desfizeram, deixando o vidro marcado com o impacto.

36. O barulho causado alertou o tio e primo da ofendida, N... e M... , que habitam uma residência contígua e que se acercaram do arguido.

37. Entretanto chegou também junto do mesmo o pai da ofendida I... , que saiu de casa pela porta das traseiras e perguntou-lhe o que se estava a passar, tendo o arguido respondido prontamente «é a puta da tua filha, eu mato-a».

38. Provado apenas que do mesmo modo, também questionado pelo tio da vítima, N... , o arguido disse-lhe, «eu mato-vos a todos».

39. Após, o arguido entrou novamente no veículo e ausentou-se do local conduzindo a alta velocidade.

40. No dia 24 de Maio de 2015 os pais do arguido foram entregar o neto à ofendida, tendo a criança referido que o pai tinha dito que a matava. Aliás, o menor tem receio de que o pai se aproxime da mãe.

41. No dia 25 de Maio de 2015 pouco depois das 9:00, o arguido estacionou o veículo BMW de matrícula (... ), registado em nome da sua mãe mas que habitualmente conduz, quase em frente ao local de trabalho da ofendida, assim a procurando, mais uma vez, intimidar.

 42. Em todos os contactos telefónicos, perseguições de carro e aproximações ao local de trabalho da ofendida, quis o arguido vigiá-la, amedrontá-la e intimidá-la, o que conseguiu, pois a ofendida vive em permanente pânico, com receio do que aquele possa atentar contra si.

43. Em todas as situações supra descritas o arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, logrando atingir a ofendida na sua honra, dignidade e consideração, quis e conseguiu molestar o corpo e a saúde da mesma, provocando-lhe dores e fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, já que as ameaças foram proferidas em tom agressivo, sério e intimidatório, não se abstendo de assim actuar, em algumas ocasiões, na presença do filho menor de ambos.

44. Perante tal circunstancialismo a ofendida tem sentido profundo desgosto, malestar, tensão e inquietação e tem visto a sua liberdade de acção e movimentos prejudicada, encontrando-se assim profundamente afectada na sua saúde física e psíquica.

45. O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

(Pedido de indemnização cível):

46. Tudo isto tem afectado de forma profunda e irreversível a demandante, que teme diariamente pela sua vida.

47. Desde 11, de Junho, de 2015 que as medidas de coacção são fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distanciada DGRSP.

48. A situação em causa tem provocado na demandante enormes danos na sua saúde física e psíquica, integridade moral e dignidade pessoal

49. À medida que o tempo vai passando, a demandante sente-se cada vez mais fragilizada, vulnerável e completamente desgastada.

50. As condutas do demandado causaram e causam na demandante, para além das dores, no que se refere às agressões físicas, um profundo desespero, angústia, intranquilidade, tensão e inquietação;

51. Pois a demandante vê-se constantemente perseguida, importunada e pressionada pelo demandado.

52. Para além disso a demandante vive aterrorizada, pois, não raras foram as vezes que o demandado referiu à demandante, ou a terceiros, incluindo o filho menor de ambos, que poderia atentar-lhe contra a vida ou ofender a sua integridade física,

53. Fazendo-a crer que iria concretizar o mal anunciado.

54. A demandante passou a ter medo de sair sozinha à rua,

55. Andando em constante sobressalto e a olhar, vezes sem conta, em redor com receio de, a qualquer momento, “dar de caras” com o demandado.

56. As condutas do demandado afectaram de tal ordem a saúde psíquica da demandante que esta tem vindo a desenvolver sintomatologia depressiva e ansiosa.

57. Provado apenas que a demandante viu-se obrigada a recorrer a ajuda especializada, na área da psicologia, sendo necessário o recurso a medicação, face ao seu estado psíquico e emocional.

58. A demandante apresenta um quadro clínico marcado por períodos de marcada instabilidade humoral, ansiedade exacerbada, astenia, anedonia, insónias, humor deprimido, irritabilidade fácil, redução de apetite (já perdeu neste período 11 Kg),

59. Tudo isto com prejuízo da sua performance laboral, familiar e social.

60. E tudo isto em consequência directa das condutas do demandado.

61. A demandante era pessoa alegre, saudável, bem disposta e activa, quer com amigos e colegas, quer com os familiares,

62. Passando a ser triste, receosa e apavorada, receando novas “investidas” do demandado.

(Da contestação):

63. Provado apenas que no “calor” das discussões do casal a ofendida também, por vezes, em resposta, fazia uso de impropérios.

64. Provado apenas que, por vezes, a ofendida também telefonava para o arguido para saber onde o mesmo andava e com quem andava.

65. Provado apenas que na data do falecimento da avó dela, o arguido levou um ramo de rosas à ofendida, tendo havido desentendimento quanto à forma de entrega das flores, tendo a ofendida devolvido lhe as flores.

66. Provado apenas que foi depositado na conta da CCAM Beira Centro CRL titulada por B... , em numerário, durante o mês de Outubro 550€, durante o mês de Novembro (1.425,00€), no mês de Dezembro (€370) e no mês de Janeiro (690€).

67. Provado apenas que no dia 26 de Fevereiro de 2015, à noite, o arguido que se encontrava com a actual companheira em sua casa na Lousã, na x(...) ( Praceta xx(...) ) e a ofendida B... , entraram em contacto telefónico, em virtude de assuntos relacionados com o filho de ambos, tendo a ofendida chamado a atenção do arguido para o facto deste ter deitado a companheira na cama, com o filho deles, e desta beber vinho.

(Mais se provou):

68. No dia 13 de Março de 2009 na sequência de mais uma discussão o arguido desferiu um murro no rosto da ofendida.

69. O arguido cedeu a sua quota na sociedade comercial T... , Lda.”, há cerca de dois meses.

70. Em termos profissionais o arguido assume-se actualmente como desempregado.

71. Actualmente, apenas se encontra registado em nome do arguido um dos seus veículos.

72. O arguido foi adoptado, mantendo uma relação de grande proximidade afectiva com os pais adoptivos.

73. Dadas as características da localidade e residência de ambos, os circuitos de movimentação para as rotinas diárias entrecruzam-se: a ofendida exerce a sua actividade profissional em imóvel onde se situa o escritório do advogado do arguido, e situando-se a 100-200 metro da casa do mesmo.

74. O arguido nasceu em 14/06/1984 (31 anos) e como habilitações literárias tem o 12º ano de escolaridade incompleto.

75. Do certificado do registo criminal do arguido constam averbadas as seguintes condenações:

a. No âmbito do processo colectivo nº37/05.3NJPRT (Crime Militar), por um crime de incumprimento dos deveres de serviço praticado em 12-04-2015, foi o arguido condenado pelo acórdão de 19/06/2007, transitado em julgado em 05/07/2007, numa pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de €3, já extinta em 13/09/2007.

b. No âmbito do processo comum singular nº45/10.2GBNIS, do Tribunal Judicial de Nisa, foi o arguido condenado pela prática do crime de injúria agravada, de ameaça agravada e de condução de veículo em estado de embriaguez, todos praticados em 28/12/2010, por sentença proferida em 12/04/2012, transitada em 11/10/2012, na pena de 150 dias de multa à taxa de €6 e na pena acessória de 3 meses, já declarada extinta em 12/03/2013.

76. A ofendida encontra-se a residir com o seu filho menor de 7 anos na casa do progenitor.

77. A ofendida é administrativa numa empresa de distribuição/comercialização de combustíveis.

78. Tanto a ofendida, como o arguido, mantêm uma boa relação com o filho.

79. A regulação das responsabilidades parentais foi homologada por decisão de 5 de Fevereiro de 2015, proferida pela Conservatória do Registo Civil da Lousã, tendo menor ficado confiado à mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores estabelecida por mútuo acordo.

80. O arguido ficou obrigado no acordo de regulação das responsabilidades parentais a pagar de prestação alimentícia cerca de 200€/mensais, mas não tem cumprido nos últimos meses.

81. A animosidade relacional, sobretudo, após 22 de Maio de 2015, tem causado instabilidade no exercício das responsabilidades parentais, interferindo no cumprimento do acordo de responsabilidades parentais, agora, também quanto ao direito de visitas consignado no acordo.

*

B) Factos Não Provados:

1. Que nas circunstâncias referidas em 4) que tivesse sido no dia seguinte que a discussão prosseguiu.

2. Que nas circunstâncias referidas em 6) o arguido fizesse também com que a ofendida deixasse de frequentar bares ou discotecas.

3. Que nas circunstâncias referidas em 18) a ofendida tivesse tido conhecimento que o arguido andava na Vila da Lousã à sua procura.

4. Que nas circunstâncias referidas em 19) o arguido tivesse remetido um pedido de amizade para a ofendida, que não aceitou porque não conhecia aquele nome.

5. Que no dia 13 de Fevereiro de 2015 o arguido apareceu junto ao local de trabalho da ofendida, sito na Avenida (... ) na Lousã, a controlar os seus movimentos.

6. Que no dia 10 de Março de 2015 o arguido se tivesse deslocado junto da residência da ofendida aí ficando a aguardar pela mesma cerca das 19:00, o que foi constatado por familiares desta, tendo-se depois ausentado do local.

7. Que no dia 13 de Março de 2015, entre as 18:50 e as 19:00, o arguido tivesse passado junto à loja onde trabalha a ofendida por três vezes.

 8. Que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidos em 24) os objectos que tinha dentro do veículo caíram dos bancos.

9. Que nas circunstâncias referidas em 25) e 27) fosse esse o único propósito do arguido.

10. Que nas circunstâncias referidas em 30) tivesse pegado no telemóvel para contactar a GNR.

11. Que episódios semelhantes aos referidos em 30) e 31) se tivessem sucedido quase todos os dias até 22 de Maio de 2015, principalmente de manhã e à noite, quando a ofendida se deslocava de casa para o trabalho e do trabalho para casa.

12. Que o demandado tivesse andado no dia 03/1/2015 à procura da demandante na vila da Lousã.

13. Que a demandante passasse a ser reservada, distante de tudo e de todos, evitando abrir-se nomeadamente com familiares e amigos.

14. Que nas circunstâncias referidas em 48), ainda assim, o demandado faz questão de continuar a aproximar-se dos locais frequentados pela demandante, fazendo disparar inúmeras vezes o aparelho que a demandante traz consigo.

15. Que o arguido seja pessoa de vincadas qualidades morais, de intensos hábitos de trabalho, com sentido de respeito por terceiros e familiares.

16. Que o arguido ao invés de agressor, antes vem e foi ao longo dos anos, vítima fundamentalmente moral e psicológica da esposa, que perante si sempre adoptou comportamentos que o menosprezam e humilharam.

17. Que toda a sustentabilidade económica da vida familiar, tivesse sido ao longo dos anos assegurada pelo arguido, ainda que a ofendida, exercesse actividade remunerada.

18. Que durante a relação a ofendida actuou muitas vezes com a intenção de molestar física e psicologicamente o arguido, sendo constante o uso de impropérios, quando se dirigia ao arguido, principalmente, por motivos de ciúmes, nomeadamente, quando o arguido estava mais tempo em viagem, no âmbito das suas funções de transporte de mercadorias.

 19. Que tal situação, tivesse levado mesmo a que o arguido tivesse de alterar a sua forma de vida, deixando de conviver com as suas amigas e amigos e alguns dos seus familiares.

 20. Que quando a ofendida fazia uso dos impropérios, fazia-o em alta voz, por vezes de modo a ser ouvida pelos vizinhos, e na rua, e, quando calhava, diante do filho, Pais do arguido e do Pai da própria denunciante.

21. Que nas circunstâncias referidas em 66) a ofendida telefonasse constantemente para o arguido para saber onde o mesmo andava e com quem andava e que mantivesse também durante todo o relacionamento um sistema de controlo constante sobre o arguido.

22. Que estas actuações provocassem no arguido, estados de nervos constantes, angústia, privação de sono, excitação e irritabilidade permanentes, além de muitas vezes temer pela sua integridade física e do seu filho, já que a mesma actuava de forma séria e intimidatória.

23. Que em Julho de 2008, em dia não apurado, quando o arguido se deslocou ao local de trabalho de denunciante, sito na “U...”, Avenida (...) Lousã, para a ir buscar como habitualmente fazia por volta das 19 horas, foi agredido pela denunciante que lhe atirou um agrafador acertando-lhe no ombro esquerdo, causando-lhe dores, enquanto o chamava de “filho da puta” e “cabrão” em alta voz.

 24. Que no mesmo dia, pouco tempo depois de ambos se terem deslocado para sua casa, na Lousã, no mesmo automóvel, mas ainda na rua à frente da casa, a denunciante iniciou nova discussão, chamando-o de novo de “filho da puta” e “cabrão”, enquanto lhe desferiu uma estalada na cara, que lhe causou dores e humilhação, pois a Mãe do arguido estava presente.

25. Que na data de 13 de Março de 2009 e ao invés do relatado na acusação pública e pela ofendida, a mesma por motivos de ciúmes, dirigiu-se ao arguido apelidando-o de “filho da puta” e “cabrão”, desferindo-lhe um golpe com uma garrafa na cabeça, o que o deixou a sangrar e com muitas dores, tendo ainda hoje a cicatriz.

26. Que tivesse sido por causa dessa situação que se separaram entre Março a Dezembro de 2009, levando a que o arguido passasse a trabalhar mais tempo em Espanha.

27. Que durante esse período, quando o arguido vinha à Lousã e pretendia ver o filho, era sempre abordado da pior forma pela ofendida, que uma das vezes o encontrou casualmente na Av. (... ), na Lousã, e dirigiu-se ao mesmo chamando-o “filho da puta” e “cabrão” e outra das vezes impediu-o de dormir em casa dizendo-lhe “volta para Espanha ter com as putas”, desferindo-lhe vários arranhões nos braços e na cara.

28. Que na data do falecimento da avó dela, o arguido deslocou-se a casa da morada de família para ir buscar o seu filho levando-lhe um ramo de rosas, o qual lhe foi atirado à cara pela ofendida, arranhando o mesmo na cara, que lhe chamou “filho da puta”.

 29. Que apesar do arguido nunca ter pretendido casar com a ofendida, pois considerava não alterar em nada a sua relação, aquela incentivou o mesmo ao casamento, sendo que após o mesmo em nada mudou a sua postura ciumenta e possessiva.

30. Que no dia 5 de Maio de 2013, dia da mãe, o arguido estivesse no Algarve em trabalho, na área de serviço de Portimão, quando às 21h recebeu uma chamada da denunciante a dizer “ó filho da puta estás aí com as putas?”

31. Que em finais de Outubro de 2014, num dia útil da semana, em data que não consegue precisar, mas no período da tarde, por volta das 14 horas 30 minutos, enquanto a ofendida entrou em contacto telefónico com a Mãe do arguido D... , com o objectivo de saber se esta tinha conhecimento onde se encontrava o Sr. A... , porquanto o mesmo tinha saído de casa, e não sabia onde este se encontrava, ao saber que tinha acolhido o filho em sua casa respondeu-lhe da seguinte forma: “é um porco, gasta o dinheiro todo com mulheres em Coimbra, é um cabrão, Filho da Puta”.

32. Que por não aguentar mais a situação foi o arguido que saiu de casa em Novembro de 2014, permitindo que a denunciante ficasse a viver na casa até ao divórcio, pois a casa é pertença dos Pais do arguido.

33. Que tivesse sido por tudo isto que o arguido deu início ao processo de divórcio em Novembro de 2014, que a denunciante se recusava a aceitar, atrasando o processo que veio apenas a ser concluído em Fevereiro de 2015 mediante homologação do divórcio por mútuo consentimento pela Conservatória de Registo Civil da Lousã.

34. Que frustrada com o início do processo de divórcio e verificando que já não havia retorno do arguido a ofendida começasse a ter posturas ainda mais censuráveis a fim de prejudicar o arguido em tudo o que fosse possível, utilizando para isso provocações constantes e comportamentos que destabilizassem emocionalmente e psicologicamente o arguido.

35. Que durante o mês de Novembro de 2014 o arguido se tivesse dirigido a sua casa para ir buscar a roupa e veio a encontrar a sua roupa toda cortada com tesoura, mais exactamente, 3 pares de calças e 3 t-shirts e alguma roupa interior, roupa que se encontrava dentro de uma mala preparada para o arguido ir buscar. Todo o resto da sua roupa encontrava-se na varanda da sua casa à chuva, situação que danificou a mesma.

36. Que em 11 de Janeiro de 2015, pelas 17 horas, o arguido telefonou para a denunciante na presença da sua actual companheira C... , tendo o telemóvel em alta voz, havendo abordado a denunciante quanto a uma roupa que este tinha comprado para o filho, dizendo que não ia a casa da denunciante B... entregar-lha de modo a evitar problemas. Esta ao ouvir que o seu ex-marido se recusava a ir a sua casa, perguntou-lhe se “estava com a puta ou era um travesti?”.

37. Que em 17 de Janeiro de 2015, pelas 22 horas, data em que a denunciante B... se encontrava a fazer mudanças de mobília e outros bens da casa propriedade da mãe do arguido D... , o Sr. A... , encontrando-se na casa da sua mãe, na Rua (...) na Lousã, efectuou um telefonema em alta voz à frente da sua mãe e do seu pai, motivado pelo facto de ter tido conhecimento de que estavam duas pessoas em casa dos seus pais, que não tinham autorização para lá entrarem, ao que a denunciante B... prontamente lhe respondeu: “Ó filho da puta, tu não tens nada a ver com isso”.

38. Que no dia seguinte, dia 18 de Janeiro de 2015, quando o arguido regressou a casa verificou que a denunciante lhe levou os seus bens pessoais e próprios todos, com a intenção deles se apropriar, pois apesar das constantes solicitações nunca os mesmos foram devolvidos.

39. Que todo o restante recheio da casa, bem comum de ambos, e cujo valor rondará os €2.000,00 foi também objecto de apropriação indevida pela denunciante, que sem qualquer partilha de bens, levou os mesmos, deixando a casa sem possibilidade de ser habitada, numa total desconsideração pelo arguido e pelo seu filho, que ficou até sem cama para dormir, com o objectivo de o provocar e humilhar.

40. Que o arguido tivesse de adquirir tudo, mas mesmo tudo, para a sua própria casa, além de ter de reparar paredes e fichas eléctricas que ficaram completamente danificadas.

41. Que apesar de tudo o arguido nunca deixou de garantir a estabilidade financeira da denunciante, como fez durante o casamento, já que desde 03-10-2014 até à apresentação da queixa de violência doméstica (27/02/2015) o arguido depositou na conta da denunciante o valor total de €3.375,00.

42. Que nas circunstâncias referidas em 68) a ofendida, dirigindo-se ao arguido, tivesse proferido [textualmente] a seguinte expressão: “Ó filho da puta, o que é isso de andares a deitar putas na nossa cama, com o nosso filho, ainda mais uma puta que bebe vinho.”

43. Que no dia 27 de Fevereiro de 2015, pelas 19:15h, na x(...) ( Praceta xx(...) ), junto à residência do arguido, estando este acompanhado pela sua companheira C... , quando estes se deslocavam para a residência do arguido, e já depois de terem saído da sua viatura, verificaram que a ofendida B... , tinha passado por eles de carro, e que ao aperceber-se da presença do arguido e do seu companheiro, deu uma segunda volta regressando para passar de novo em frente dos mesmos, e ainda em movimento começou a gesticular com a mão e o dedo, levantando o dedo (pirete) em direcção à arguido e à sua companheira proferindo as seguintes expressões: “ó Filho da puta”, virando de seguida para a arguido C... e disse: “ó puta”,

44. Que essa situação deixasse o arguido estupefacto e sem reacção.

45. Que de seguida, e já no lado contrário da Praceta mas na direcção do arguido, a ofendida parasse a sua viatura ainda no meio da faixa de rodagem, e saísse do carro em direcção ao arguido e sem que nada o fizesse prever empurrou-o com ambas as mãos nas costas, com força suficiente para o desequilibrar e como este reagiu começou a bater-lhe nas costas com palmadas dizendo: “bate-me, bate-me à frente da puta”.

46. Que no dia 22 de Maio de 2015, sexta-feira, quando o arguido depois de ir buscar o seu filho à escola reparou que o mesmo não trazia consigo a roupa (par de calças de ganga, 2 t-shirts, e um fato de treino) e a play station 3, propriedade do arguido e que este tinha comprado para o seu filho, mas que tinha entregue ao mesmo para que durante a semana pudesse utilizar em casa da mãe, aqui ofendida, resolveu entrar em contacto telefónico com a mesma para que esta procedesse à devolução dos mesmos, tanto que o arguido não tinha roupa para vestir o seu filho durante o fim de semana, e que a ofendida, respondeu-lhe: “ó filho da puta, queres as coisas vai comprá-las!”, pretendendo com essa actuação apropriar-se ilegitimamente dos bens pertencentes ao arguido.

47. Que a ofendida chegasse ao ponto de na presença do Filho, dirigindo-se e nomeando o Pai, lhe dizer e repetir, todas e outras idênticas e ou similares às supra mencionadas.

48. Que induzindo e/ou condicionando aquele a desprezar o Pai, ora arguido.

49. Que o Filho do Casal, desde o divórcio, que é impedido de falar com o Pai e com os Avós Paternos, tudo com natural efeito e consequência da postura do “arguido”, o que a ofendida sabe, e provoca.

50. E que tivesse sido ainda com esse propósito, que quando a ofendida viu que não havia retorno na vontade do arguido se divorciar, apresentasse queixa-crime de violência doméstica, sobre factos falsos, quer alegadamente passados em 2015, quer outros alegadamente passados durante toda a relação (relação que a ofendida pretendia por todos os meios manter), tudo isto porque deixou de ter a fonte de rendimento que era o arguido.

*

 Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, dos alegados, que importem para a decisão da causa, constituindo tudo o mais alegado pelas partes meros factos conclusivos ou irrelevantes, atenta a repartição de ónus probatório, meras repetições dos factos relevantes e matéria de direito.

*   

“C) Motivação da convicção do Tribunal:

A convicção do tribunal resultou da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida, relevando, designadamente, a razão de ciência dos declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento, as suas certezas e/ou lacunas, hesitações e contradições, contradições, hesitações, inflexões de voz, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças, a sua linguagem e cultura, os sinais e reacções comportamentais revelados, e a coerência do seu raciocínio, que transpareceram em audiência. Esta conjugação só pode ser alcançada, pelo menos, no grau desejável, através da imediação e da oralidade da prova, porquanto só contacto directo do julgador com a prova, o “frente a frente” entre o juiz e o declarante ou a testemunha, o coloca em perfeitas condições de proceder, primeiro, à avaliação individual, e depois, à avaliação global da prova. Neste sentido o Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234 ensina que “só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com os sujeitos processuais, a recolha da impressão deixada pelas respectivas personalidades. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos mesmos. E só eles permitem uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso”. É de tal envergadura a importância do princípio da oralidade que o Prof. Alberto dos Reis afirmava no Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 566. “A oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal... Ao juiz que há-de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar”.

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca - derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de inimputáveis e “in dubio pro reo”, Coimbra, 1997, pág. 13). Sendo que da conjugação de todos estes elementos deve resultar uma convicção objectivável e motivável, certo é também que essa convicção é também uma convicção pessoal, nela tendo papel de relevo, para além da actividade meramente cognitiva, elementos não racionalmente explicáveis, como a própria intuição, e mesmo elementos exclusivamente emocionais (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 205). De forma assertiva sobre os indicadores objectivos da mentira já se escreveu (Bella De Paulo , in “Cues do Deception”, in Psychological Bulletin, 2003, Vol. 129, nº1, pag. 102) “Quando os actores sociais estão a apresentar com verdade aspectos de si próprios que lhe são particularmente importantes, eles têm um investimento emocional que não é facilmente simulado por aqueles que fingem ter essas qualidades sociais. Eles têm também o apoio de uma vida de experiências a viver o papel. O desempenho do mentiroso será comparativamente pálido. Consistente com esta formulação está a nossa descoberta de que os mentirosos foram geralmente menos próximos/comunicativos do que os que falavam verdade e os seus relatos foram menos persuasivos. Por exemplo, os mentirosos proporcionam menos detalhes do que os declarantes verdadeiros. Em contraste, estes parecem mais envolvidos, mais seguros, mais directos e mais pessoais.” Na mesma senda, Luís Filipe Pires de Sousa (in “Prova Testemunhal”, Almedina, 2013, pag. 108 e segs) sobre os indicadores objectivos da mentira escreveu “Os mentirosos são menos próximos do que os declarantes verazes, ou seja, não atingem a mesma proximidade interpessoal. Manipulam estrategicamente a sua actuação com falta de imediatismo, reticência e distanciamento. Estas estratégias visam distanciar-se do outro e impedir o escrutínio por parte do observador/interrogador. Usam construções linguísticas que parecem distanciá-los dos seus ouvintes ou do conteúdo do que dizem. Parecem mais evasivos, confusos e impessoais. Estão menos envolvidos, verbal e vocalmente, com as suas autoapresentações do que os não impostores, mostrando menos gestos para acompanhar o seu discurso”. Revertendo estes ensinamentos ao caso em apreço, desde já se sublinha que na sua convicção o tribunal atendeu, não apenas ao que se disse, mas sobretudo, ao modo como se disse, ao comportamento e à postura de todos os declarantes. A complexidade, heterogeneidade, longevidade, vicissitudes e especificidade desta relação conjugal, obriga o tribunal a uma análise mais detalhada e articulada de todos os elementos de prova produzidos, de forma a fazer uma “leitura” selectiva e interpretativa mais profunda de toda a prova produzida, tendo em conta que são muitos factos, muitos anos de vida em comum, que o arguido e a vítima têm um filho em comum, que foi patente o difícil relacionamento que mantiveram ao longo dos anos e que minaram uma convivência saudável, e, que, lamentavelmente, puserem até em cheque o cumprimento das responsabilidades parentais e o equilíbrio do próprio menor… Tendo optado por prestar declarações o arguido apresentou uma versão diferente e antagónica da dinâmica dos factos por contraposição à versão da ofendida. Perante as declarações do arguido, os factos foram considerados sedimentados sobretudo face à diferente credibilidade conferida às duas versões apresentadas (arguido-assistente) e às corroborações periféricas pertinentes e tidas por credíveis produzidas. Com efeito, o tribunal não acreditou na versão do arguido sobretudo por evidenciar manipulação estratégica e pré-programação, não se mostrar imbuída, à luz de juízes de normalidade e razoabilidade, de coerência, lógica e acerto, mas antes, fundamentalmente, na versão da ofendida, a qual foi apresentada de forma mais envolvida, segura, directa e pessoal, e se mostrou também mais congruente com toda a restante prova produzida, quer testemunhal, que documental, e ainda, com juízes de experiência comum e com os princípios da oralidade e da imediação. Portanto, desde logo, a convicção do tribunal foi formada, pela diferente valoração/credibilidade dada às declarações do arguido e testemunhas de defesa, por contraposição, às declarações da ofendida e das testemunhas de acusação. De facto, ao longo da audiência de julgamento foi patente aos olhos do tribunal, um maior investimento emocional da ofendida, afastando indícios de simulação no seu discurso, o qual se revelou próximo/comunicativo, seguro e impressivo. Tal discurso teve também o apoio da riqueza dos detalhes relatados e do suporte conferido pelos depoimentos credíveis das testemunhas de acusação G... , H... , I... , J... , L... , M... , N... , O... , P... , Q... , R... , X... , Z... , W... , Y... , conjugados com a prova pericial e documental junta aos autos e com as regras da normalidade do acontecer. O tribunal teve, desde logo, em consideração que neste tipo de criminalidade, as declarações e reacções imediatas das vítimas merecem uma ponderada valorização, uma vez que os maus tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem normalmente dentro do domicílio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservado da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada dum casal. Já as declarações, atitude e postura do arguido ao longo do julgamento, e bem assim, das testemunhas de defesa C... , D... , E... , F... , revelaram-se comprometidas, mais evasivas, distantes, e, reticentes e, por isso, foram menos persuasivas e convincentes. O arguido, em síntese, negou a prática dos factos que lhe são imputados, invertendo as posições: a queixa criminal e o presente processo seriam, como que, uma represália da ofendida por ter sido “deixada”, e por não se conformar pelo facto do arguido ter um novo relacionamento. Ora, não se olvidando que a existência de uma relação extraconjugal afecta sempre a auto-estima de uma mulher, mesmo quando a relação se encontra desgastada em virtude de ciclos de animosidade relacional, entende-se que a visão do processo enquanto mera “represália” da ofendida, não encontra sedimentação lógica na prova produzida. De igual forma, também, não se nos afigura que o arguido, ao tomar a atitude que tomou, saindo da casa de morada de família, mas ali deixando todos os seus pertences pessoais (a própria mãe referiu que o mesmo teve que comprar roupa interior) e profissionais (caso do computador portátil e documentos essenciais à sua actividade profissional diária), tivesse, a certeza absoluta, que o seu desejo fosse mesmo o divórcio. Numa relação tão longa e com tantas vicissitudes, em que tantas vezes os papéis maritais e filiais se misturam, se estendem e se retraem, mas que nesta, por várias vezes foram “fracturados”, e em que é bem patente alguma imaturidade e distúrbio de personalidade e de temperamento do arguido (a que não será alheio o facto de ter sido uma criança adoptada), e, de certo modo um “amor obsessivo e dependente”, afigura-se que o arguido não pretendia com a sua saída, verdadeiramente, o divórcio da ofendida por ter deixado de gostar da mesma (e ainda que se admita que tivesse ou perspectivasse um relacionamento extraconjugal). No seu papel de clara ascendência, é convicção do tribunal, que pretendia, mais uma vez, uma chamada de atenção, uma reacção de sofrimento da ofendida, uma recusa à separação e ao divórcio e uma atitude de clara suplicação ao reatamento conjugal, e, sobretudo que a mesma não demonstrasse apego a qualquer perspectiva de novo relacionamento. Tratar-se-ia, no nosso entender, de mais de uma manifestação de um comportamento manipulador e até obsessivo: ia sair de casa para aferir da reacção da ofendida. Só assim se compreende que dois dias antes da homologação do divórcio na Conservatória do Registo Civil (que ocorreu no dia 05/02/2015), o arguido em pleno delírio de ciúme (admitindo até que se encontrava “esgotado da cabeça”) estivesse profundamente desagrado com a criação de um perfil de facebook e com o adicionamento de pessoas do sexo masculino como amigos por parte da ofendida. E ainda que, uns dias depois (que tudo indica ser o dia dos namorados, 14/02) tivesse mesmo desabafado “a rapariga adora o nosso menino e tu só não estás no lugar dela porque não queres…pois porque assinaste tudo de livre vontade para quem dizia que jamais ia assinar o que quer que fosse porque amava”… E ainda, desabafos como aquele em que disse que se ela não fosse dele, não seria de mais ninguém. Ademais, da conjugação das declarações da ofendida com as declarações da mãe do arguido D... , é possível extrair, que um dos últimos desentendimentos entre eles este relacionado com uma tatuagem que o arguido fez, com o nome do filho e da ofendida. O que bem demonstra a perplexidade de uma saída definitiva e com a intenção de divórcio, logo após a adoptação de uma atitude, que na sua perspectiva, seria uma “prova de amor”. Tratava-se, claramente, de uma relação algo obsessiva e, de certo modo, doentia (aliás, só assim se explica o inflacionamento de tudo, a multiplicidade de queixas, entretanto, apresentadas…), mas, da conjunção de todos estes elementos, incluindo as atitudes subsequentes do arguido (de que a postura em tribunal não será indiferente): é vítreo que o arguido, que manifestamente não lida bem com as contrariedades da vida, não estava à espera que a ofendida aceitasse o divórcio, e até de uma forma amigável. Esta é a explicação mais lógica e consonante com as regras da experiência comum, numa relação desta natureza. Por isso, saiu sem levar os seus bens pessoais mais íntimos, e, sem nada ter combinado com a ofendida sobre a partilha do recheio da casa de morada de família. Por este prisma se compreende, também, a sua profunda exaltação e agressividade quando teve conhecimento de colegas da ofendida, do sexo masculino, a ajudarem a ofendida nas mudanças, e a sua resposta hostil e intimidatória. Por estes motivos, se considera caricata a justificação que o arguido deu para o facto de não ter levado consigo os seus objectos pessoais/profissionais: “a ofendida no momento da discussão transforma-se”, e ele próprio “chega a temer um pouco pela sua própria vida”, ora, continuando ele com as chaves de casa, poderia lá ter ido sem a presença daquela e retirado os seus pertences.

O discurso do arguido evidenciou, em muitos momentos, e de diferentes formas de comunicação, menos uma postura de defesa e mais uma atitude de ataque e até de desafio, traço inquestionável da sua rebeldia, imaturidade, autoritarismo e temperamento/personalidade. Não obstante, se denotar, ao longo das suas declarações, um discurso preparado, trabalhado com afinco em prole da sua defesa, revelando respostas pré-programadas às perguntas que previamente previu, também evidenciou algumas discrepâncias e reconheceu algumas circunstâncias (que pela ilogicidade das mesmas), em conjugação com a demais prova (criticamente analisada), reconduziram o tribunal à convicção dos comportamentos que considerou provados. Ora, um exemplo bem demonstrativo dessa falta de lógica, é que sendo certo que admitiu a existência de discussões conjugais e separações, em vários momentos, todas as agressões ocorridas teriam sido unilateralmente provocadas pela ofendida, sendo ele a vítima, revelando-se incoerente, ilógico e contrário às máximas da experiência da vida, que tivesse sido esta que, por diversas vezes, tivesse agredido o arguido e que este, até pelas suas vincadas características de personalidades, bem patenteadas em julgamento, tivesse ficado contido, retraído, sem dar qualquer resposta. O depoimento da testemunha de V...permitiu até evidenciar algumas das discrepâncias nas declarações do arguido, designadamente, quando afirmou que conhece sobretudo o arguido em termos profissionais, e que não têm grandes contactos, que “não estão todos os dias juntos, não têm tempo para isso”, ao invés, do garantido pelo arguido quando descreveu as suas rotinas (de forma a tentar afastar os factos imputados no parágrafo 31 da acusação) de que “normalmente saía cerca das 8h40 da manhã, que ia levar a C... a Miranda do Corvo, e que depois seguia e ia ter com o V..., de Miranda do Corvo, que também tinha uma empresa de transportes, encontrando-se com ele todos os dias. Os depoimentos das testemunhas de defesa, maxime D... , C... e E... , denotaram até algumas perplexidades, incoerências, e subjectividades, pelo que não foram considerados depoimentos convincentes. A testemunha D... , mãe do arguido, começou por dizer que a sua relação com a ofendida sempre foi “simples e normal”, ela nunca a tratou mal, nem vice-versa. Todavia, mais à frente no seu depoimento, acabou por admitir que actualmente também apresentou uma queixa contra a assistente. Se por um lado refere que se tratava de um “casamento normal”, em que por vezes, tinham “umas discussõezitas, mas coisas normais”, por outro lado, também destacou, três situações que, de normal, aparentemente, pouco têm, sendo que todas elas tiveram a ofendida como a única “agressora”. Assim, relatou, embora sem qualquer contextualização temporal, duas situações em que teria assistido a ofendida a desferir uma bofetada ao filho; e outra situação, sem qualquer contextualização temporal e motivacional, em que teria visto o filho com três arranhões no rosto, e em que este lhe teria confidenciado terem sido feitos pela arguida com as unhas. Por altura das segunda situação, e agora também por altura da separação definitiva, ter-lhe-ia chamado nomes (“filho da puta”. “porco”, “cabrão”), porque “normalmente o A... punha sempre o telemóvel em alta voz para eles ouvirem. O filho, noutra situação (que não contextualizou) ter-lhe-ia aparecido com uma cicatriz na cabeça, tendo-lhe dito que foi provocada por uma garrafa, ela não sabe, não viu. Eles tinham as “zaragatas” deles e passado um bocado “já era amor para aqui, e para ali”. Quando confrontada pelo motivo pelo qual o filho colocava o telemóvel em alta voz, se numa fase inicial não pretendiam vir para tribunal, e se ela também admitiu que ele também a teria tratado mal durante o relacionamento, hesita, para concluir que se “tratam mal um ao outro”, e, para logo a seguir admitir que o arguido “também era capaz de lhe chamar algumas palavras, como cabra”, e, ainda, para reconsiderar de que seriam “aquelas questões normais”, que, a nosso ver, de natural teriam muito pouco, pelo que, do depoimento da testemunha, apenas poderá o tribunal extrair que se pretende fazer crer ao tribunal que se pretende uma coincidência entre um “juízo de normalidade” e um “juízo de frequência”, o que não se aceita. Ao longo do seu depoimento, foi assim, perceptível, lacunas e imprecisões suspeitas, e inverosimilhanças, pois, se procurou selectivamente apontar situações menos correctas da ofendida, certo é que, logo a seguir, desvalorizar os acontecimentos, assacando também responsabilidade ao arguido: “aquelas coisas que eles faziam, que era uma criancice”. Por outro lado, também revelou uma memória selectiva, não congruente até com a “antiguidade” e até “gravidade” dos acontecimentos, e que assim, pudesse encontrar suporte nos seus problemas de saúde ou na sua idade avançada. Com efeito, não deixa de ser estranho que nada soubesse sobre os acontecimentos do dia 22 de Maio, designadamente, que o filho não lhe tivesse falado sobre umas roupas do menino que não teriam sido entregues nesse fim de semana. Na sua perspectiva maternal, o filho todos os dias lhe ligava, pelo que seria natural que também ligasse à esposa. Considera que a ofendida “criava situações”, ligando-lhe às vezes a perguntar onde estava o arguido, com ciúmes e desconfianças, quando ele estaria a trabalhar. No entanto, é ela que também admite que a ofendida seria incapaz de a maltratar intencionalmente, pessoa que sempre a respeitou e a quem não tem nada a apontar…, para logo de seguida, voltar a admitir que recentemente apresentou queixa contra a ofendida porque esta teria chamado “filho da puta” ao seu filho, pelo que também a estaria a ofender a ela, o que demonstra algumas das perplexidades do seu depoimento. Aliás, ela própria reconhece que a relação entre ela e a ofendida apenas se distanciou após a medida de coacção de proibição de contactos com vigilância electrónica, admitindo que neste dia lhe ligou e lhe disse “pode levar o seu filho a levar o pai à cadeia” e que “a partir daí [a ofendida] nunca mais lhe atendeu o telefone”, o que se percebe. Pelo exposto, este depoimento revelou-se tendencioso e subjectivo e, por isso, foi, em grande medida, desconsiderado. De igual forma, ao longo do depoimento da testemunha E... , prima direita do arguido, foi bem patente alguma hostilidade e até relutância da mesma em relação à ofendida. Confrontada com tal desconforto a testemunha, de forma, evasiva e reticente, não soube ou não quis esmiuçar, limitando-se a dizer que “no início tiveram alguma relação, ainda a ajudou no enxoval, mas a relação ter-se-ia distanciado quando o menino tinha 2/3 anos”, sem, aparentemente, terem existido problemas (“não sabe o motivo” acha que a ofendida “nunca gostou muito dela”), o que é bem evidenciador de uma atitude comprometida. Demonstrou também uma memória selectiva sobre episódios, que à partida seriam neutros para si mas que, de forma ilógica, “gravou a ferro” (exemplo do jantar de natal da forma a que a ofendida teria ido, e ele ficou com o menino), ao invés, de assuntos da sua própria vida pessoal em que revelou sérias dificuldades em recordar (como a idade em que se teria reformado, sendo pessoa ainda jovem). Também se estranhou o facto desta testemunha, de forma conveniente, ter ouvido através do “sistema alta voz” telefonemas entre eles, ainda, em que “ela sempre muito má e agressiva”. Se a testemunha refere que eles falavam “ainda bem” até ao divórcio, e que agora “lhe salta a tampa”, não apresentando qualquer explicação lógica para a alteração dessa forma de estar/comunicação posterior (a questão da criança será sempre uma consequência e não uma causa como quis fazer passar), é porque parte do pressuposto que a ofendida “não era assim”, pelo que este depoimento também se mostrou tendencioso, parcial e subjectivo, pelo que foi desconsiderado. Os depoimentos das testemunhas V...e BB..., colega e amiga do arguido, embora tenham deposto de forma serena, demonstraram um conhecimento em grande parte indirecto (sabiam sobretudo aquilo que lhe era relatado pelo arguido), sincopado e parcial (não residem na Lousã, não eram amigos comuns do casal, não conheciam propriamente a vivência do casal, tendo, sobretudo a percepção do que lhe chegou por um dos seus elementos, o que não é necessariamente a mesma coisa).

Vejamos, agora, com mais detalhe a convicção do tribunal, por referência aos factos provados e não provados.

Os factos provados nº1 e 2 estão provados através da prova documental consubstanciada na certidão de casamento de fls. 37 e 38 e na certidão de nascimento de fls. 39 e 40, tendo ainda sido admitidos por acordo do arguido e da assistente.

Os factos provados nº3 e 6 (atitudes de controlo e obsessão desde o inicio da relação por parte do arguido, com condicionamento nas sua relações de amizade e afastamento de amigos e intensificação do controlo) ficou demonstrado pela conjugação das declarações da assistente (declarações para memória futura da vítima B... , gravadas no sistema H@bilus, cfr. fls. 205 e 206, 455 e 456, e transcritas a fls. 382 a 427 na transcrição de fls.566/575) com as declarações das testemunhas de acusação consideradas credíveis H... , M... , O... , e, I... .

Nas suas declarações para memória futura a assistente relatou que desde o início da relação o arguido foi ciumento e possessivo, controlador das amizades, e por isso, ela afastou-se do seu círculo de amigos, colegas de trabalho e familiares. Afastou-se de amigos do sexo masculino e de amigos que ele considerava que não eram boas companhias, evitava familiares que ele achasse que a convidavam de mais para ir lá a casa para “evitar situações”. Passava a vida a controlar-lhe os passos (ia levar ao trabalho, ligando-lhe inúmeras vezes durante o dia para saber o que estava a fazer). Este comportamento controlador podia ser um misto entre “gostar dela e controlar”.

H... , amiga de infância da ofendida desde os 13 anos e com uma relação normal com o A... , referiu que quando ela iniciou a relação com o A... se afastou completamente de todos os seus amigos, sendo que ela foi a única pessoa com quem a ofendida continuou a relação. Ela confidenciava-lhe que ele a intimidava, impunha que se afastasse de certas pessoas, ou porque não gostava das mesmas, ou porque não queria que estivesse próxima de rapazes. Também lhe confidenciou que o A... não gostava da família dela e que também quis impor regras. Caracterizou a relação como “poucas vezes bem e muitas vezes mal” e que se assistiu a “situações normais”, também teve conhecimento de “situações extremamente graves”. Caracterizou o arguido como uma pessoa agressiva, bipolar e ciumento. Considera que foi essa forma de estar do A... que levou a ofendida a afastar-se das pessoas. Também referiu que o arguido manipulava a assistente e que ela cumpria o que ele lhe dizia.

M... , primo da assistente, depôs de forma genuína, impressiva denotando forte investimento emocional. Apesar de ser jovem, ainda se relacionou durante algum tempo com o casal durante a pendência da relação, esteve algumas vezes em casa deles e o “ambiente era mau”, e ele sentia que não era bem vindo lá a casa, a ofendida não se podia dar com um amigo, e ele até a levava ao emprego. Durante a pendência da relação o comportamento da B... mudou. A separação definitiva do final do ano passado tem causado vários traumas à ofendida, porque o arguido parece que é obcecado por ela e por quem a rodeia, encontrando-se afectada e necessitando de ajuda psicológica. A sua casa é a cerca de 5 m. da casa dela, tendo-se oferecido para a ajudar, acompanhando-o ao local de trabalho após a situação da Praceta xx(...) face ao seu estado de pânico. O... , referiu que ainda chegou a frequentar a casa do casal, embora de forma esporádica, e que foi diminuindo os contactos ao longo da relação, em virtude das atitudes e discussões, desabafando às vezes a B... com ela dizendo que se sentia muito desgastada e que a relação não dava para aguentar.

I... , pai da assistente, também referiu que quando “era solteira tinha os amigos dela, e que ultimamente não tinha amigos nenhuns”.

As declarações do arguido foram desconsideradas por não se apresentarem convincentes à luz da globalidade da prova produzida. Na sua versão, de forma vaga disse que foi ele que se “viu privado da liberdade”, no entanto, também admitiu que passava pouco tempo em casa atenta a sua profissão de motorista, pelo que, não concretizou afinal em que é que traduziu essa falta de liberdade. Ela não tinha muitas amizades, só duas amigas. De igual forma, negou que tivesse partido vidros de veículos e as atitudes controladoras, considerando, mais uma vez que o “controlado era ele” e que era ela que tinha muitos ciúmes, por isso muitas das situações serem por sua iniciativa acusando-o de andar com outras mulheres. Os contactos telefónicos diários, apenas pretendiam demonstrar preocupação. Ora, afigura-se-nos que o depoimento da assistente foi sincero e permite também, em parte, explicar que nos primeiros tempos da relação, a frequência e tais contactos, era visto como um misto de “gostar e controle”, mas que com o desenvolvimento da mesma e suas vicissitudes vieram também revelar traços de alguma possessividade, obsessão, dependência e controle. Neste tocante consideraram-se depoimento subjectivos e tendencioso o das testemunhas de defesa, maxime da mãe do arguido, D... , e da prima, E... .

O facto provado nº4 (Discussão na discoteca w(...); viagem a Lisboa com discussão e paragem do veiculo em que o arguido a deixou durante vários minutos na estrada sem documentação, telemóvel e carteira) resultou sobretudo da análise critica entre as declarações da assistente e do arguido em conjugação com as regras da experiência comum. A assistente confirmou a situação da discoteca w(...) há cerca de 8/9 anos: ciúmes e paranóia do “estão a olhar para ti”, arranjou confusão, tiveram que ir embora. O A... quando bebe descontrola-se bastante. Apenas terão discutido. Confirmou também (com um misto de nervosismo de chorar e rir) a viagem a Lisboa (não fez referencia expressa que foi no dia seguinte, a pergunta foilhe colocada já nesses termos) e os seus contornos: discutiram em virtude da situação da discoteca w(...) e de outras, e o arguido abriu-lhe a porta e deixou-a na estrada, sem telemóvel, sem carteira, sem documentação, e foi-se embora; passado algum tempo (10 m) voltou para a vir buscar. Nesse dia pediu-lhe para sair de casa, mas como sempre ele não saia, ele chorou e pediu desculpas e ela perdoou. Nesta altura, ele dizia-lhe que a culpa era dela, por o enervar, e ela acabava por pensar que estava a errar na forma como lhe dizia as coisas e acabava por perdoar, o que é uma atitude típica das vítimas de violência doméstica. Já a versão negatória do arguido, quer pela forma como foi apresentada, quer pelo seu conteúdo, não se apresentaram credíveis. Embora admita que lá estiveram e até acompanhados de um colega dele (o K..., que por lapso não o indicou como testemunha), diz que é mentira que não houve ciúmes da sua parte. Portanto, limitou-se a negar que na situação da discoteca w(...) tivesse havido ciúmes da sua parte, não entrando em detalhes, designadamente, como é que não tendo ocorrido nada de especial se recordasse dessa ida à discoteca e até da presença de um colega que se esqueceu de arrolar como testemunha. Por outro lado, admitiu a viagem para Lisboa na companhia da ofendida para ir consulta no Hospital Militar da Estrela, no qual andou em consultas durante seis meses, mas que tal não ocorreu a uma segunda-feira (por a discoteca só estar aberta ao fim de semana), negando qualquer discussão e paragem do veículo até porque vai sempre pela auto-estrada. Todavia, também admitiu que apenas apanhou a auto-estrada em Condeixa-a-Nova. Portanto, o arguido reconheceu algumas circunstâncias, que pela ilogicidade das mesmas, e em conjugação com as declarações da assistente (que se consideraram credíveis, porquanto não se mostra consonante com as regras do acontecer que, em centenas/milhares de viagens que a ofendida pudesse ter feito como o arguido durante uma relação de mais de dez anos, tivesse necessidade de intencionalmente que escolher uma viagem a Lisboa, que teria apenas decorrido, durante um curto período de tempo –seis meses – para “inventar” uma história), reconduziram o tribunal à convicção também destes comportamentos que consideram provados O tribunal apenas deu como não provado que fosse no dia seguinte a viagem a Lisboa, porque o arguido disse que as consultas eram à quarta-feira (embora não o comprovasse documentalmente) e que a discoteca nessa altura só estava aberta ao fim de semana, e a assistente não o confirmou directamente (a pergunta já continha em si essa parte, e ela não o confirmou expressamente na resposta), pelo que na dúvida, deu-se esta parte, como não provada.

O facto provado nº5 (desferimento, em contexto de discussões, pelo menos, 3 vezes, de murros nos vidros do veiculo que utilizava, partindo-os à frente da ofendida), a convicção do tribunal alicerçou-se na conjugação das declarações da assistente, com as da testemunha H... e com as regras da experiência comum, por contraposição às declarações reticentes e evasivas do arguido. A assistente, de forma lógica e detalhada, contextualizou e motivou tais situações, as quais também relatou à amiga de infância H... , denotando esta corroboração periférica um indicador de verdade. Refere ela que o A... , num período do “tipo de um ano”, se enervava quando discutiam, às vezes, no interior do veículo, e que ele, num local isolado, travava o carro, e no calor da discussão, por 3 vezes, espetou “murros no vidro do carro” que se encontravam a utilizar e que por 3 vezes partiu o vidro da frente do carro. A “ideia” era intimidá-la “bato aqui para não te dar a ti”.

H... , de forma convincente, disse que logo no início da relação, viu uma vez o pará-brisas partido do carro e questionou a assistente no dia seguinte, ao que esta lhe confidenciou que estavam num jantar e que ele desceu cá abaixo, que deu um murro no pára-brisas e partiu-o tinha sido o arguido que, revoltado e exaltado, e com um murro partiu o vidro.

Já o arguido se limitou a dizer que era falso, sem mais.

Estão bem presentes aqui os indícios situacionais e contiguetas: as contigências de tempo e de espaço inerentes à dinâmica dos factos contribuem para defini-la e interpretá-la, permitindo dar uma maior consistência e lógica à versão do ofendido. Portanto, mesmo na ausência de outra prova directa, para além do depoimento do ofendido, certo é que a leitura conjugada destes elementos de prova, feita à luz das regras da experiência comum, aponta uniforme e decisivamente no sentido de que foi o arguido o autor destes factos ilícitos.

A convicção do tribunal quanto aos factos provados nº7 a 11 (agarrar nos braços com força, aperto no pescoço; trancada em casa; rupturas e reconciliações face ao arrependimento do arguido; partir móveis na Quinta de y(...); atirada ao chão grávida de 7 meses) resultou da conjugação das declarações da assistente, com os depoimentos« credíveis das testemunhas H... , por contraposição às declarações do arguido e ao depoimento parcial e tendencioso da sua mãe D... .

A assistente confirmou, de forma detalhada, que o A... , por mais de uma de uma vez, para ela não sair de casa, fechava a porta e tirava a chave. Algumas vezes aconteceu com ele lá dentro. Confirmou também que ele costumava agarrá-la nos braços (abanava-a causando-lhe hematomas) e no pescoço (chegando a apertá-lo “várias, muitas de mais em dez anos”) quando estava mais nervoso. Diz que a única pessoa que mostrou as mais graves foi à sogra. Depois arrependia-se, que não voltava a fazer, jurava pelo menino, que tinham de tentar pelo menino. Referiu que o A... quando bebe descontrola-se muito e que não suporta as contrariedades, quando se diz “não” ou “não pode ser”, as coisas “não têm uma dimensão normal para ele”, confirmando que em certo dia, por motivo que já não consegue concretizar se esteve relacionado com os ciúmes ou com dinheiro, o A... partiu tudo dentro de casa, desde polibans que tinham acrílico a armários de encastrar. Confirmou também que em 2007, com gravidez de risco, deixou de trabalhar. Quer em virtude do dinheiro ser menos, quer dela se encontrar “fechada em casa, sem poder fazer nada” e ele com mais liberdade para estar e beber com os amigos, as discussões agudizaram-se, porque ele não tinha horários, chegava quando queria e quase todos os dias bêbado. Nessas circunstâncias, confirmou que uma vez o arguido lhe agarrou à força e a mandou ao chão grávida de “talvez uns sete meses”. A agressividade verbal era já uma coisa natural “já era por qualquer coisa” que ela “já nem ligava”.

A testemunha H... , de forma credível, confirmou que a assistente lhe confidenciou que foi agredida várias vezes pelo arguido; no entanto, reconheceu que em virtude disso ter sido há tanto tempo, já não se conseguir recordar com exactidão de todas as situações.

Já o arguido nas suas declarações, negou que a tivesse deixado trancada, para tanto, justificando que “acha que ela nunca faltou ao trabalho”. Todavia, tal poderia ter ocorrido durante a noite ou ao fim de semana. A motivação que encontra para que ela fizesse isso era por “ser uma pessoa psicologicamente instável”. Todavia, nenhuma das dezenas de testemunhas ouvidas, fez referência que este fosse um traço de personalidade da ofendida, inclusivamente, a mãe do arguido, considerou ter sempre uma boa relação com ela, que sempre a respeitou, não dando indícios de qualquer sinal de instabilidade.

Por outro lado, admitiu 3 interregnos no relacionamento, sendo que em dois deles, a vontade de sair de casa teria sido dele; uma primeira separação entre fins de Março até Nov. de 2009; uma segunda separação de cerca de 2/3 meses em 2011; e uma terceira separação em 2012, cerca de 2/3 meses. Justificou estas separações com o facto de se “ter cansado do controlo que ela lhe fazia; das pressões psicológicas, das injúrias; de meter os pais contra ele a toda a hora; sendo que sempre que voltou “foi derivado ao filho”. Era uma pessoa instável, ele limitava-se a ouvir e a sair, não se defendia. Houve reconciliações, mas não houve arrependimento da parte dele, mas sempre da ex-mulher. Ele nunca lhe pediu desculpas, porque não tinha motivos. Que durante o relacionamento “desempregado já esteve muitas vezes, mas sempre com trabalho”, considerando trabalho ir ajudar o pai ou um colega, desta forma, como que justificando, que não haveria motivos para discussões por problemas económicos, sobretudo na fase da gravidez. Todavia, a sua versão mostra-se até algo contraditória com as declarações da sua mãe, D... , que afirmou “sempre os ajudou muito, porque eles sempre tiveram muitas dificuldades”, admitindo que, por vezes, também pagava contas por esse motivo.

Ora, como já supra referimos, bem demonstrativo da falta de credibilidade da versão do arguido, é que, sendo certo que admitiu a existência de discussões conjugais e separações, em vários momentos, todas as agressões ocorridas teriam sido unilateralmente provocadas pela ofendida, sendo ele a vítima, revelando-se incoerente, ilógico e contrário às máximas da experiência da vida, que tivesse sido esta que, por diversas vezes, tivesse agredido o arguido e que este, até pelas suas vincadas características de personalidade, bem patenteadas pelo contacto vivo com o tribunal durante o julgamento, tivesse ficado contido, retraído, sem dar qualquer resposta.

Os factos relacionados com a situação de 13/03/2009 (murro no rosto da ofendida e separação entre Março e Dezembro de 2009), embora parcialmente não sejam atendidos pelo tribunal no preenchimento da tipicidade penal do crime ora em apreciação (relegamos para a questão prévia), nem por isso, se deixará se fundamentar a convicção do tribunal uma vez que poderão ser atendidos em sede de determinação da pena. Ora, neste tocante, alicerçou-se a convicção na concatenação das declarações da assistente com as do arguido e também no depoimento de M... .

A assistente de forma detalhada e fundamentada relatou e contextualizou estes factos, explicando as causas de terem discutido (o facto dele estar desempregado, não aceitar um emprego de 500€ por ir ganhar menos que ela) à frente dos sogros, o filho com meses, a forma como ele a pôs na rua e de ela ir para casa dos tios paternos, onde ficou durante uma semana. Durante essa semana o arguido implorou-lhe para regressar e andaram “sempre a tentar falar bem um com o outro”. No fim de semana a avó faleceu. Ela foi ao velório e o arguido ficou a tomar conta do filho na casa dos tios. Nessa altura desentenderam-se por causa do ramo de flores que aquele lhe trouxe. Em virtude de se terem desentendido pela forma como ele lhe deu as flores (cada um tem a sua própria interpretação) ele deu-lhe um murro contra a parede, pelo que o tio pô-lo na rua. No dia seguinte a irmã foi buscá-la ao trabalho (ele tirou-lhe o carro que ambos estavam a pagar) e o arguido atravessou o carro à frente delas e começou a tratá-la mal, a chamar-lhe nomes, e a irmã a defendê- la. O arguido tentou agarrá-la pelo tejadilho do carro, cuspiu para a cara da irmã. Foi então esta a situação que despoletou a primeira queixa.

O próprio arguido admitiu que lhe deu uma chapada neste contexto. A única agressão que admite, mas que já foi alvo de desistência de queixa, e que foi excluído do preenchimento da tipicidade à luz do principio ne bis in idem.

Estiveram separados desde Março a Dezembro de 2009; como a irmã faleceu no dia 6 de Dezembro num acidente de viação, e face à sua fragilidade, acedeu a voltar para casa, para o apartamento dos sogros.

 O primo da ofendida, M... , de forma emocionada, também corroborou as declarações da ofendida, de que esta separação do casal durou cerca de dez meses, numa altura em que havia grande proximidade da ofendida com a sua irmã, que entretanto faleceu, e na qual teve conhecimento que o A... até chegou a cuspir no rosto.

A convicção do tribunal quanto ao facto provado nº14 baseou-se nas declarações da assistente que referiu que “andaram uma fase calma” e “minimamente estável”. Mas que depois “é fases”, depende do sítio onde ele está a trabalhar (motorista de pesados) ou das pessoas com quem se dá, não aludindo expressamente a que esteve nesta altura a trabalhar em Espanha.

A convicção do tribunal quanto ao facto provado 15 (entre Setembro de 2012 até Dezembro 2014, discussões, apelidar de puta e vaca e agarrar com força nos braços), a convicção do tribunal baseou-se nas declarações da assistente, resultou das declarações da assistente, em conjugação, com os depoimentos de H... , I... , N... e O... .

Nas suas declarações a assistente fez menção a um temperamento difícil do arguido (bem visível, aliás, na audiência) que não lida bem com as contrariedades, descontando em quem lhe esteja mais próximo. Nessas alturas, com facilidade e naturalidade chamava-a de vaca, puta e “tudo o que lhe passasse pela cabeça”, o que ocorria “basicamente em todo o lado”, à frente da família algumas vezes, mesmo do filho, só com o cuidado de não ser público. Todavia, ultimamente, também, em frente dos pais. Confirmou que o arguido lhe continuou a chamar nomes, a agarrar e a agredir.

A testemunha I... , pai da assistente, referiu que nunca assistiu a agressões físicas, mas que assistiu a agressões verbais (“vaca” e “és uma puta”), as quais situou nos últimos meses em que estiveram casados. Notava que a filha andava triste, mas esta nunca “lhe fazia queixinhas”, até à altura da separação final no final de 2014. Nessa altura, a filha chegou-lhe a casa a chorar e a dizer-lhe que tinha 15 dias para tirar as coisas e entregar a chave, e se ele lhe arranjava casa porque não tinha para onde, o que o levou a fazer obras em casa para a receber. Nessa altura, a filha, muito nervosa, confidenciou-lhe que o arguido já tinha sido bruto, já lhe tendo batido.

A testemunha N... , tio da assistente, depondo de forma globalmente credível. Referiu que até 2012 (ou seja, até ao casamento) ele não tinha quase convivência com o casal, e que, embora nunca tivesse assistido a agressões “viu uma vez a sobrinha com manchas (braço e pescoço)” que situou há cerca de dois anos e meio. Fez referência ainda ao feitio especial do arguido e ao facto de ser obcecado pela ofendida.

O relato que fez sobre a reacção do arguido ao “diferendo” que teve com este relacionado com gastos de energia eléctrica não autorizada, é bem demonstrativo de tal especial feito e personalidade do arguido já que este até lhe chegou a dizer “que matava o cão”.

No seu depoimento sereno O... fez alusão a que, sendo a sobrinha muito contida, por vezes, desabafava que “a relação não dava para aguentar”, que “suportou e escondeu muito”, e que lhe aparecia, às vezes, com “algumas marcas”.

Já o arguido nas suas declarações nega tais factos, invocando que entre Set. de 2012 e Dez. de 2014 “nem sequer cá estava”, era o período de separação, trabalhava no Algarve, era muito “raro vir cá acima”, e que “não passavam tempos juntos”. Durante aqueles dois anos as discussões eram pelo telefone, em que a ofendida é que lhe chamava nomes e ele calava-se. Ela procedia assim por ter um “desequilíbrio mental”. Todavia, para além de ninguém ter confirmado, na íntegra tais declarações, certo é que o próprio arguido quando inicialmente se referiu às separações apenas disse que em 2012 estiveram apenas 2,5 a 3 meses separados. Note-se que a testemunha V..., colega de trabalho na rota do Algarve, apenas referiu que, naquela altura, o arguido já lá estava há cerca de “dois meses e qualquer coisa sem vir cá acima”, o que podendo evidenciar que a relação não pudesse estar muito bem, porque ninguém passa tanto tempo sem vir a casa, também não significa que não o estivesse em virtude da alegada conduta da assistente, como o arguido quis, unilateralmente, fazer crer, sendo que o arguido nunca confidenciou nada a V...nesse sentido.

Os factos provados nº 16 (separação de Dezembro 2014), 17 (telefonema de injuria e de ameaça: “eu já aí vou, é hoje que te mato”), 18 (refúgio em casa da madrinha) a convicção do tribunal alicerçou-se na conjugação das declarações da assistente, com as das testemunhas credíveis G... , H... , I... , e P... .

Vejamos.

Nas suas declarações a assistente explicitou, de forma detalhada e coerente, o seu “enfoque” sobre as circunstâncias em que o arguido saiu de casa e todos os acontecimentos imediatos e encadeados: que em virtude de uma discussão relacionada com uma tatuagem que o arguido tinha ido fazer, “ele não voltou mais para casa, e ela não ligou”, considerando que era “mais uma das birras dele”. Não lhe atendia o telefone. Andaram assim uns dias, e o arguido deixou de vir para casa. Reconhece que “não andava com paciência para andar a tentar perceber, nem a pedir”… que “deixou andar”.

Mostram-se também coerente as suas declarações, designadamente, quando admitiu que que andava numa “fase mais nervosa” e com menos paciência e tolerância, por ser no mês de Dezembro o mesmo em que a irmã havia falecido de forma trágica uns anos antes.

De forma credível, assume que desvalorizou que a saída do arguido de casa durante algumas noites, sem levar os seus pertences, fossem sinal de uma separação definitiva e divórcio até porque este nunca falou directamente com ela sobre este assunto, foi o advogado que o fez. Durante aquele mês o arguido todos os dias “a metia na rua”, dando-lhe prazos para sair; o que ela não levou a sério, porque ele não lhe pediu o divórcio a ela, ela andava a deixar a andar, não o levou a sério: aquilo era “uma paranóia dele”.

Confirmou que pediu ajuda a dois colegas de escritório para retirar os móveis da sala, e que quando o arguido soube disso através de comentário do filho “se passou”, ligando-lhe a tratá-la mal, dizendo “quem é que tinha autorizado alguém a ir dentro de casa, ainda por cima para roubar coisas”.

Ambos reconheceram que não conversaram até então sobre a partilha do recheio da casa.

A assistente considerou legítimo pedir ajuda a terceiros para levar os móveis da sala, por terem sido comprados com dinheiro dado pelo pai, e porque ele lhe tinha dado um prazo para sair.

 Confirmou a forma alterada como o arguido reagiu proferindo o seguinte “Ah tu já vais ver minha puta, eu vou aí e mato-te”. Não teve dúvidas, por conhecer bem o arguido, da forma intimidatória e séria como proferiu tal ameaça.

E o tribunal também não, uma vez que toda a conduta subsequente da arguida revela efectivamente que a mesma se assustou ao ponto de ficar em pânico e procurar ajuda e abrigo em casa de alguém de quem o arguido não estivesse à espera.

Neste sentido as suas declarações foram absolutamente congruentes com as da madrinha G... , que confirmou que no dia em que a ofendida fugiu para casa dela ia muito em pânico e a chorar muito, confirmando o teor do telefonema e que o arguido andava atrás dela para a matar. Confirmou que ela lhe telefonou a contar quando já ia na Estrada da Beira desesperada. Ofereceu-lhe a sua casa, deu-lhe dormida; ela encontrava-se amedrontada, tendo chorado a noite inteira. De forma lógica com o medo evidenciado foi o fato de ter confirmado a preocupação da assistente em esconder o carro no pinhal e o facto de ter escolhido a sua casa (por não existir convivência). Não restam dúvidas que se tratou do dia em causa, por a testemunha ter confirmado que se tratava de um sábado, e que no dia seguinte, ela lhe ter ido dar ajuda a tirar os pertences de casa. Nesse dia ficou combinada a entrega da chave porque o arguido passou lá ao fim da tarde, e esteve cá em baixo, tendo ambos falado ao telefone.

No entanto, apenas se considerou provado “dia não concretamente apurado do inicio do mês de Janeiro”, uma vez que a assistente não fez referência expressa ao dia do mês em causa.

A testemunha H... , confirmou que também teve conhecimento do telefonema do arguido a dizer que ia matar a assistente, e que ela teve que sair de casa para a casa da madrinha em virtude da assistente lhe ter confidenciado, logo nesse dia à noite, quando lhe telefonou. A assistente estava desorientada, “estava muito, muito assustada”, e não aceitou o convite dela para ir para sua casa, dando a entender que não o fez por ser um lugar óbvio a procurar. De igual modo disse que “no dia em que o arguido deu um tempo à assistente para retirar as suas coisas”, que ela assistiu a uma conversa entre ambos quando se dirigiu ao local para ir buscar a carrinha que tinha emprestado à assistente. Nessa conversa ele questionava-a de forma muito agressiva porque é que tinha retirado certas coisas da casa. Esta testemunha acabou por corroborar também a atitude de desvalorização inicial da ofendida, e as emoções subsequentes: o arguido teria saído de casa e a assistente não teria percebido o motivo dessa saída, só muito depois é que se apercebeu de que o arguido tinha alguém. A testemunha sempre lhe disse que para ele sair de casa é porque tinha alguém. Considerou, ainda, que a assistente saiu de casa, face ao prazo dado pelo arguido, e levou apenas “as coisas que lhe pertenciam”, já que o pai tinha dado dinheiro aquando do falecimento da irmã, para ela adquirir o mobiliário e o equipamento da sala.

A testemunha I... , pai da ofendida, também confirmou que esta lhe confidenciou antes de “fugir para casa da madrinha” que o arguido lhe disse que a matava.

A testemunha P... confirmou que foi ele e R... , foram os colegas que ajudaram nas mudanças (tendo apenas levado um frigorifico, uma máquina de lavar roupa e uma chaise longue) e que a casa não ficou danificada.

Já na versão do arguido, este após sair de casa, teria dito à assistente que podia ir lá a casa família/amigos, mas não pessoas estranhas à casa, porque ela sabia que estava a ir embora e estava a deixar os objectos pessoais; e que ela só poderia levar os móveis/electrodomésticos com a presença dele na casa para efectuarem partilhas. Refere que eles não efectuaram partilhas, que ele ficou com uma casa vazia, apenas ficando com o quarto do filho e com o quarto dele, e que ficou com uma casa vandalizada (sem candeeiros, fios cortados…).

Instado sobre a estranheza dele pretender que ela deixasse a casa de morada de família com o filho, dando-lhe prazos de saída e entrega da chave, e de não terem combinado previamente a partilha dos bens, apresentou uma explicação pouco credível: “que saiu à pressa, porque ela começou a exaltar-se muito quando lhe disse que queria o divórcio, por isso não combinou nada com ela, porque ela estava exaltada”. Denotando também a ilogicidade desta explicação, foram as suas declarações posteriores em que a toma, afinal, como uma “pessoa coerente” ao arrepio de tudo o que havia dito (“sempre pensou que ela fosse uma pessoa coerente que quando tivesse uma casa lhe ligasse …”).

Por outro lado, quando o arguido descreve toda a dinâmica prévia e subsequente a tal telefonema (incluindo a sua deslocação no dia seguinte à Praceta xx(...) , telefonemas trocados), negando que tivesse mostrado descontentamento, dizendo que não foi agressivo, falando de forma calma e com o seu tom de voz normal, foi, desde logo, contrariado pelo depoimento da sua prima E... que dizendo-se presente, foi peremptória em afirmar que “ele estava exaltado”, o que, aliás, seria normal neste tipo de situações. Pese embora se considerar que tais factos são sobretudo ramificações dos factos essenciais, e portanto com uma importância menor, apenas se trazem aqui à colação, para demonstrar que a versão do arguido em que pretende uma “inversão de posições” e a adopção de uma atitude de vitima e de abnegação, não se mostram coerentes, lógicas nem convincentes, quer por contrárias às mais elementares regras da experiência comum, quer até face, em parte, às declarações das testemunhas por si apresentadas.

Foram patentes também algumas discrepâncias entre as declarações do arguido e da sua companheira C... , designadamente, quanto à data do início da relação: enquanto ele disse que começaram a namorar no final de Outubro, ela disse que foi em Novembro. De forma, até algo reveladora, a amiga do arguido BB..., fez referência a que o arguido se separou em Setembro de 2014, como que indiciando que foi nessa altura que iniciou a relação extraconjugal.

Aliás, na convicção do tribunal, o facto da assistente retirar o referido equipamento/móveis não revestirá a grave conotação negativa que o arguido e a defesa lhe quiseram assacar, porquanto, a própria mãe do arguido disse que a assistente teve o cuidado de lhe telefonar a perguntar se não podia ficar a viver na casa e se podia levar a mobília do menino (não a tendo levado). Por outro lado, quer a assistente, o seu pai, a amiga H... , quer o próprio arguido fizeram referência ao facto desta antes do início do relacionamento com o arguido já ter “casa montada” por já viver sozinha há um/dois anos, pelo que é legítimo esperar que possuía bens móveis próprios.

Por estas razões, conjugadas com as regras de experiência comum que mostram que em situações desta natureza as animosidades, emoções e tensões se inflamam, com perda da razão e do discernimento, o tribunal considerou, ainda assim, que o grau de ascendência e turbulência do arguido foi muito superior, nada justificando uma atitude ameaçadora e intimidatória daquela natureza, atitude, aliás, plenamente consonante com o seu temperamento.

A convicção do tribunal quanto aos factos provados nº19 e 20 (perfil do facebook com o nome de S... ) e ao facto não provado nº4 conexo, resultaram da conjugação do conteúdo das mensagens trocadas (quer face ao seu teor escrito, quer de imagem - fotografia com o filho remetida à ofendida) que se extrai do registo de mensagens de fls. 105/110, da sua contextualização temporal e situacional, com a articulação das declarações da assistente e do arguido.

Não obstante o arguido ter negado estes factos, e o facebook não ter feito chegar em tempo aos autos a informação requerida, da conjugação de todos os elementos de prova, relacionação de indícios e presunções, não existe qualquer dúvida, dos factos assim dados como provado.

Desde logo, a assistente confirmou a criação da conta no facebook após o divórcio (05/02/2015) e as mensagens que recebeu através do Messenger do nome “ S... ”, pessoa que não lhe pediu amizade, nem ela o adicionou. Confirmou o teor dessas mensagens e o motivo porque imputou a sua autoria ao arguido: por ninguém a tratar mal.

Ora, do conteúdo do diálogo estabelecido (e face à fotografia digital do próprio filho remetida à assistente) extraído do registo de mensagens de fls. 105/110, não existe qualquer dúvida que o próprio arguido reconhece, assume que era ele. As próprias razões fornecidas pela assistente, segundo as quais esta tem a certeza absoluta (ninguém mais a trata mal, designadamente a trata por vaca) e o conteúdo do diálogo estabelecido, sedimentam, de forma irrefutável, tal convicção.

No que respeita aos factos provados nº21 (situação da agressão na Praceta xx(...) ), 22 (dores e vermelhidão), e 23 (temor sério de andar sozinha desde esse dia) resultaram da conjugação das declarações credíveis da assistente, com as corroborações periféricas conferidas pelos depoimentos das testemunhas J... , L... , M... , e dos seus colegas de trabalho, maxime, P... , R... e X... , em articulação com o relatório médico-legal e de informação social de fls. 160 a 163 e com o auto de notícia de fls. 2.

Ora, pela carga emocional que envolveu toda a situação, a convicção do tribunal é que a versão da assistente é a mais credível, porque as suas declarações contaram com as corroborações periféricas dos depoimentos das testemunhas J... , L... , e das testemunhas a quem, de imediato, contou o ocorrido (sobretudo, o pai I... e o primo M... ), e dos colegas de trabalho (maxime, P... e X... que estiveram com ela no dia seguinte, por ser sábado de prevenção, e confirmaram que viram a marca da agressão no rosto; portanto, antes da data do exame pericial, 02/03, segunda feira) que permitirem sedimentá-la e dar-lhe consistência.

A assistente de forma credível, justificou a razão de ser de se encontrar naquele local àquela hora (ir buscar o filho que se encontrava a fazer os deveres num gabinete de estudos ali situado), as presenças no local e a agressão sofrida por parte do A... (“chapada com a mão aberta junto ao olho”). No entanto, considerando que da conjugação de toda a prova produzida (sobretudo da posição dos dois principais protagonistas com o facto do divórcio e da regulação das responsabilidades parentais terem sido “amigáveis”) é possível afirmar que o relacionamento no hiato temporal compreendido entre inicio de Janeiro e 27 de Fevereiro ser mais ou menos cordial (cumprido o acordo de regulação das responsabilidades parentais), também é nossa convicção, por uma questão lógica, que a atitude do arguido (de injúria e agressão, obviamente desmedida e grave) tivesse tido um ponto de conexão com telefonema/contacto anterior relacionado com o desconforto da convivência da companheira do arguido, e até, de certo modo, desabonando o seu comportamento (o que aliás, não é anormal em situações desta natureza, quando existem filhos menores, mensageiros entre os pais, e novos relacionamentos ancorados em anteriores relações extra-conjugais). Neste tocante, é crível que o telefonema a que fez referência C... , sobre o facto desta beber álcool na cama na qual também estivesse o seu filho, tivesse ocorrido (e sem ser este o momento próprio para averiguar da veracidade de tal factualidade), nas vésperas desse acontecimento. Com efeito, do encadeamento de toda a prova produzida, designadamente, da conjugação das declarações da própria assistente de que terá desvalorizado, numa fase inicial, a saída do arguido de casa, por julgar tratar-se de mais uma birra daquele, com o depoimento de H... de que ela teria sido apanhada de surpresa com a nova relação, para a eventualidade da qual a testemunha já a teria advertido (sempre lhe disse que para ele sair de casa é porque tinha alguém), com o facto da relação entre eles, após a atribulação do início de Janeiro de 2015 (telefonema ameaçador, diferendos sobre partilha do recheio da casa, prazo para entrega da chave), se apresentar como mais ou menos cordial e estável, já que se haviam divorciado e se haviam entendido quanto às responsabilidades parentais de forma consensual, mostra-se também congruente que o arguido na Praceta xx(...) encontrando-se acompanhado da nova namorada, tenha partido para a agressão em virtude também da supra aludida motivação.

Tal enquadramento, face ao temperamento facilmente inflamável e agressivo do arguido, e atendendo até ao facto de se encontrar acompanhado pela nova companheira e esta se demitir de o fazer, permitem afastar qualquer tipo de dúvidas sobre a agressão por si perpetrada, isto é, que tivesse desferido a chapada na zona do olho da ofendida. Portanto o tribunal não tem dúvidas que o arguido injuriou e agrediu a assistente, embora não o tenha feita exactamente da forma como esta o descreveu: isto é sem motivo. Todavia, alguma motivação no comportamento do arguido, apenas permite sedimentar de forma mais lógica e congruente com as máximas da vida o que terá ocorrido, não descredibiliza a versão da assistente, nem retira, obviamente, a gravidade do mesmo, tanto mais, que se desenvolveu num local público.

Não se crê já que a assistente tivesse saído do seu automóvel para ir no encalço do casal e empurrado pelas costas o arguido, quando estava em minoria, e estar-se-ia a colocar na “boca do lobo”.

A nossa convicção é que a assistente estava sentada no banco do condutor, com a porta ou (até só a janela) aberta, quando o arguido lhe desferiu a chapada no olho, porque é esta a reconstituição dos factos que encontra maiores pontos de suporte na conjugação de todos fragmentos das corroborações periféricas relatados por todos os intervenientes, maxime dos depoimentos das testemunhas J... e L... .

A testemunha L... , com boas relações com ambos, conhecendo até melhor o arguido em virtude da mãe deste ter uma loja junto ao talho que explorou até ao final de 2014, depôs de forma espontânea, escorreita e isenta. Da dinâmica dos facto relatados pela testemunha L... é possível obter retalhos importantes para a composição do “puzzle”: encontrava-se próxima e com bom ângulo de visão (a cerca de 10 metros, vinha a sair da frutaria que se localiza quase em frente ao ocorrido – vinha de baixo e o veículo estava virado para baixo - quando começou a ouvir os gritos, numa sexta feira “rente” à noite a mudar do dia para a noite), confirma que o carro da ofendida se encontrava parado no meio da estrada, que ouviu gritar de forma aflita “D. L... acuda-me”, e que quando se aproximou viu o arguido “a retirar a mão da parte de dentro da janela do carro e a ofendida a gritar e a chorar muito e com a cara muito vermelha”. O A... estava exaltado. Discutiam muito, ele estava muito enervado e ela estava muito assustada. A B... estava com medo porque era uma discussão muito grande. Não mostrou dúvidas neste tocante: a ofendida estava dentro do carro, sentada ao volante, a mão do arguido estava a sair do interior do veículo. O arguido estava junto do carro da ofendida enquanto a “outra moça” já “não estava rente ao carro”. A J... também apareceu, vinha do carro dela. Também o tribunal não tem dúvidas de que a agressão assim tivesse ocorrido, até considerando a zona atingida: de acordo com juízos de experiência comum se alguém de pé agride alguém que se encontra sentado ao volante de um carro, é natural que a mão bata numa zona do corpo mais visível e mais elevada: precisamente a parte do rosto junto ao olho.

A própria testemunha teve esta percepção, porque, por um lado, não duvidou em qualquer momento que os gritos da B... eram sinceros e revelavam verdadeira aflição, e por outro, sentiu necessidade de o chamar à atenção: “Ó A... , então um menino que eu vi criar tão meiguinho e educado que figura estás a fazer; ó A... arreda-te, senão levas um estalo”, e segundo a testemunha o arguido não disse nada não se desculpou e foi-se embora. Aqui deu-se mais credibilidade a esta testemunha que se considerou isenta e desinteressada do que às declarações do arguido e da sua namorada, de que aquele teria respondido.

Para além da aflição denotada nos gritos da ofendida, a descrição dos sinais visíveis percepcionados “in loco” pela testemunha também permitem concluir que a mesma não estava a fingir e que tinha acabado de ser agredida e de viver um momento de forte tensão emocional: encontrava-se a chorar, com a cara vermelha, e a tremer dentro do carro, o que levou a própria testemunha a perguntar-lhe se queria ajuda para a levar a casa ou arrumar o carro.

De igual modo a testemunha J... , revelou ter boas relações com ambos (conhece o A... desde criança e a B... já foi freguesa dela), e por isso demonstrou isenção e desinteresse na causa. Confirmou os gritos da ofendida já referidos pela testemunha L... (D. L... , D. L... ). Quando colocou os sacos no seu carro que se encontrava atrás da ofendida, foi ver o que era; quando chegou o arguido que se encontrava junto do carro da ofendida, e a namorada, foram-se logo embora, apenas ficou a ofendida e a L... .

Esta testemunha, embora não tivesse visto o que se passou, confirmou de forma congruente com o depoimento da anterior testemunha, e até com apelo a linguagem gestual, o estado em que se encontrava a ofendida: estava a tremer e chorava.

De forma congruente com os depoimentos destas testemunhas, nas suas declarações a ofendida referiu até que “eu deixei o carro ir abaixo, foram elas que me ajudaram que eu estava a tremer tanto que nem consegui…, tinha o carro destravado e tudo. A D. L... até me queria estacionar”.

Também foi possível obter outras corroborações periféricas: os depoimentos das pessoas com quem a ofendida desabafou que foram valorados sobretudo naquilo que estes percepcionaram sobre o seu estado emocional.

Com efeito, este estado de fragilidade emocional da ofendida foi confirmado também pelos seus colegas de trabalho, designadamente, P... , R... , X... , Z... , W... , Y... e Q... , bem como pelo seu primo M... .

Bem elucidativo do estado emocional da ofendida, foi o relato da testemunha M... que, de forma espontânea, disse também ter recebido uma chamada da prima a logo após os factos a pedir-lhe ajuda, e que aquela estava tão nervosa que nem percebia bem o que dizia.

As testemunhas P... , R... e X... , de forma credível, disseram que logo no dia seguinte (sábado) à agressão da Praceta xx(...) , viram uma marca (no rosto da B... perto do olho (o primeiro referiu mesmo “pele meio descascada”), a qual foi confirmada por ela de que tinha sido causada pelo arguido. Referiram ainda de forma convincente que após esses factos e durante muito tempo era o primo dela ( M... ) que a levava ao escritório. O primeiro disse que ficou numa das manhã de sábado (manhãs de prevenção) na loja a acompanhar a B... em virtude desta temer ficar sozinha, e, o segundo que por lá passou a pedido do encarregado. Nessa altura, a assistente tremia e até vomitou, não se segurando em pé, sendo que já tinha visto passar duas ou três vezes o arguido em frente ao escritório.

Do depoimento de M... foi patente a existência de um “marco” a partir do qual a situação se agudizou: quando foi chamado através do telemóvel pela prima, bastante nervosa, para ir ter com ela à Praceta xx(...) . Deslocou-se à Praceta xx(...) e ela contou-lhe que o A... a tinha agredido. Começou a acompanhar a prima a partir do episódio da agressão do Mercado Municipal (27, Fev. 2015). Entre a separação até este momento a situação estava relativamente calma.

A testemunha R... , colega de trabalho da ofendida há 10/15 anos, demonstrou conhecimento directo, por ter visto, que era o primo da B... que durante um período de tempo (após o divórcio até à colocação do aparelho) que a transportava para o trabalho e que a levava para casa à noite, porque tinha medo de andar sozinha.

 No seu depoimento, I... (pai), também confirmou que a ofendida lhe relatou o episódio da Praceta xx(...) assim que chegou a casa, e que ia em estado de choque, descrevendo-lhe a situação quer por palavras quer por gestos a forma como tinha sido agredida e que “chegou com a cara marcada” (indicando o local do rosto) e que a cara estava toda vermelha.

Ainda nesse dia, pelas 22h06m, a assistente apresentou queixa na GNR dando conta da ocorrência – cfr. auto de notícia de fls. 2.

Note-se que o próprio arguido, embora negue que tivesse chamado puta e vaca à assistente e a agressão, e faça menção a insultos e empurrões nas costas à sua pessoa, reconhece que a assistente teria injuriado a companheira, reconhecendo que “elas têm uma troca de palavras acesa” (“A B... é que chamou puta e vaca à sua namorada, mas isso é entre elas, não quer saber, elas que resolvam”) junto do carro da assistente, e que “ele foi atrás da namorada” ficando a cerca de 1,5m da porta”, enquanto a namorada na troca de palavras com a ofendida se encontraria a cerca de 10-15 cm desta, a qual “já se tinha introduzido no interior do carro”. Também confirmou que viu dois vultos a cerca de 10 metros, admitindo a presença das testemunhas J... e L... . De igual forma, se o arguido já tinha avistado a ofendida, à partida não se mostra congruente com juízes de experiência comum, que tivesse sido surpreendido pelas costas com empurrões, porque já sabia que a ofendida estava ali, estava prevenido.

Portanto, o arguido admite alguns detalhes que permitem também confirmar a reconstituição dos factos considerada pelo tribunal. Já não encontra qualquer ressonância nas máximas da vida que a assistente, depois de agredir e injuriar ambos os elementos do casal, se tivesse “transformado”, fazendo-se de vítima, e pedindo socorro fingindo a sua aflição e com o seguinte teor “Socorro D. L... … estes dois filhos da puta estão-me a agredir…”, desde logo, porque não foi esta a expressão confirmada pela própria pessoa a quem se dirigia o pedido. Também não foi confirmado por esta testemunha que o arguido após ter sido por esta repreendido com a expressão “Ó A... eu conheço-te há tanto tempo…vai para casa, ela é mãe do teu filho”, que o arguido tivesse respondido “Eu não estou a fazer nada; ela é mentirosa”. Porque a própria testemunha nega que o arguido tivesse respondido.

A testemunha C... , que disse viver em união de facto com o arguido desde o dia 7 de Fevereiro na anterior casa de morada de família na Praceta xx(...) , e terem iniciado o relacionamento em Novembro de 2014 (tendo o arguido dito Out./2014), também revelou um depoimento comprometido, subjectivo, tendencioso e até ilógico em vários aspectos. Com efeito, o depoimento de C... revelou até alguma incoerência, na descrição da sua versão da Praceta xx(...) , designadamente quando disse que não conhecia a ofendida de lado nenhum, para logo a seguir, na descrição da cena, ter dito no plural que se “aperceberam da presença do carro da ofendida, e sobretudo quando admitiu que a ofendida dirigindo-se a si lhe teria dito “gostas de tudo o que é meu”, o que leva a presumir que já se conheciam (ou pelo menos, já antes tinham falado e mantido divergências).

Uma nota quanto à questão do pedido de ajuda da ofendida ao arguido para a avaria do carro. A convicção do tribunal, da conjugação da prova produzida, é que a mesma se verificou antes da data do divórcio e do episódio da agressão da Praceta xx(...) , quando a relação ainda era “mais ou menos cordial”, por terem por acordo regulado as responsabilidades parentais e acordado no divórcio por mútuo consentimento.

O tribunal não considerou credível o depoimento de F... , mecânico e amigo do arguido há cerca de uma década, e que não obstante conhecer a ofendida e já terem partilhado várias refeições, não se cumprimentam na rua, sobretudo quando afirmou que foi no dia 4 de Março a avaria do carro da ofendida, já que decorridos vários meses após esses factos e sem ter emitido qualquer factura, não apresentou uma razão credível para que tivesse memorizado aquela data (não se tratando de qualquer dia especial, e porque não se fixa na memória todos os dias em que necessitamos de pedir ajuda a terceiros para ficarem com os nossos filhos).

Nas suas declarações a assistente diz que não pediu propriamente ajuda, o arguido estaria no escritório do advogado quando ela ligou a perguntar qual tinha sido o problema que ela tinha tido há uns anos. Refere que nesta altura “ele ainda não me tinha batido e andava a falar tudo o que tinha a ver com o AA... ele ajudava-me em tudo, até aquela data tudo o que teve a ver com o AA... , e o doutor sabe, antes do acordo…”. Situou, assim, a situação da avaria do carro entre a separação e o momento da agressão do mercado.

 A assistente nas suas declarações para memória futura admite que começou com medo do A... a partir do momento em que ele lhe bateu na Praceta xx(...) . É nesse momento que se dá uma efectiva viragem e agudização da relação entre ambos.

Desta forma, constituindo aquele pedido de ajuda ainda uma “ponte” na comunicação, afigura-se-nos como mais coerente e consoante com juízos de experiência comum que o mesmo apenas possa ter ocorrido antes do episódio da Praceta xx(...) (Fevereiro) e nunca já em 04 de Março, data adiantada pelo mecânico F... , cujo depoimento se revelou subjectivo e tendencioso pela estreita relação comercial (cliente) e amizade que mantém com o arguido.

Pelo exposto, o Tribunal também não tem dúvidas que o arguido a terá desferido de forma ameaçadora e agressiva, de modo a assistente ficar receosa com o devir dos acontecimentos.

No que respeita os factos provados nº24 (13/03/2015 - situação da tentativa de abalroamento com o golf branco e manobra de desvio por parte de M... ), 25 (passar em frente à porta da loja onde trabalha a ofendida e estacionar o veiculo à frente da mesma), 26 (aplicação de medidas de coacção de proibição de contactos com a ofendida e aproximação do seu local de trabalho, excepto para se deslocar ao escritório do seu advogado localizado nesse edifício, em 27/03/2015) e 27 (continuação da actuação intimidatória, circulando quase todos os dias e várias vezes por dia em frente da loja e aí estacionando para se fazer ver e amedrontar).

A convicção do tribunal quanto a estes factos resultou da conjugação das declarações da assistente, com os depoimentos credíveis de H... , M... , e de alguns colegas de trabalho da assistente (maxime, W... , que tem as mesmas funções que ela na empresa), com a prova documental (cfr. auto de interrogatório de arguido de fls. 191 a 198).

De forma absolutamente convincente, M... , confirmou que o arguido a perseguia-a de carro, chegou a “mandar-lhe o carro para cima”, confirmando a situação descrita no facto provado nº24. Confirmou de forma vivenciada e convincente a situação da “tentativa de abalroamento” na Rotunda do Tribunal. De forma espontânea e logo numa fase inicial do relato desta situação, fez referência que enquanto esperava pela prima em frente do seu local e trabalho, viu passar o A... num golf branco (a única vez que o viu neste carro). Descreveu, de forma detalhada, a forma como teve que se desviar para evitar ser embatido e embater em caixotes de lixo e na passadeira e outros veículos estacionados e a forma assustada como a B... ficou (prima pediu-lhe para ele arrancar de imediato se não o A... podia vir atrás deles). De igual forma, a prima confidenciava-lhe que via o arguido a passar muitas vezes em frente à loja, e que ela via porque estava no atendimento. Também ele quando ia buscar a prima também “o viu a rondar”. A ofendida tem sempre os mesmos horários, e ele conhece-os. Na sua perspectiva, faz isso para a tentar pressionar e afectar.

A testemunha H... , de forma convincente e demonstrando razão de ciência por ser empregada de balcão numa loja situada na mesma rua, referiu que viu muitas vezes o A... a estacionar e a namorada também na dita rua; que por vezes o arguido ficava dentro do carro, isso logo de manhã ou ao final do dia.

A testemunha P... , de forma convincente e demonstrando razão de ciência por ser colega de trabalho há cerca de 14/5 anos da assistente, também se apercebeu que o arguido estaciona veículos (numa altura viu-o num Audi cinzento) junto à loja, e desta forma, perfeitamente visíveis à B... , a qual só pelo facto do arguido passar em frente à loja, ou aperceber-se que estaciona nas proximidades começa a temer de nervosismo. A ofendida também lhe relatou que o arguido por duas vezes “lhe jogou o carro para cima”, e ainda que passa várias vezes junto à residência da mesma (embora não o situando temporalmente).

A testemunha X... , de forma convincente e demonstrando razão de ciência por ser colega de trabalho desde 2006 da ofendida, de forma credível, referiu que era comentado entre todos os colegas que o arguido passava muitas vezes junto à loja, estacionando o veículo em frente ou nas proximidades (ele próprio chegou a ver algumas vezes, sobretudo ao fim do dia quando ia à loja), o que causava na B... muito medo, de tal modo, que ficava a tremer.

Já não ficou provado que o arguido ali passasse com esse único propósito, porque se admite que também pudesse ter circulado/estacionado naquela via para ir tratar de assuntos ao escritório do seu advogado situado por cima do local de trabalho da ofendida (cfr. teor da medida de coacção aplicada no auto de interrogatório de 27/03/2015 – fls. 191 e segs – proibição de se aproximar do seu local de trabalho, excepto para se deslocar ao escritório do seu ilustre mandatário; sendo que apenas no segundo interrogatório de 02/06/2015, tal medida foi alterada).

 No que concerne ao facto provado nº28 (obtenção do novo número de telemóvel da assistente pela consulta à caderneta escolar do filho, e passou a telefonar-lhe/enviar msn chamando-a de puta, vaca, filha da puta e cabra; os primeiros contactos eram feitos com número oculto, mas depois da intervenção de H... , passou a usar o cartão telefónico (... ), por dezenas de vezes entre Abril e Maio de 2015), a convicção do tribunal resultou da conjugação das declarações da assistente, com os depoimentos de H... , M... , prova documental de fls. 466-A a 467, por contraposição às declarações do arguido não convincentes.

A assistente admitiu que mudou de número de telemóvel porque mesmo após a aplicação da medida de coacção de proibição de contactos (27/03) o arguido continuava a contactá-la, e que o colocou na caderneta da escola do filho, a que o mesmo teve acesso.

A testemunha H... , referiu que viu mensagens no telemóvel da assistente já em 2015, após a separação, enviadas do número dele a chamar-lhe nomes (puta, vaca…) e ainda que “se não fosse dele não era de mais ninguém”. De forma convincente relatou o episódio em que se encontrava com a ofendida e esta estar constantemente a receber telefonemas de um número privado, de numa delas ela atender e dirigir-se ao interlocutor chamando-o de A... e para parar com aquelas coisas e deixar a rapariga em paz, e que a partir desse momento deixou de haver chamadas anónimas. Diz ter a certeza que era o arguido, não obstante este não ter falado. Também explicou que embora ainda não fosse “no papel” a madrinha do menor, era a madrinha de facto, e que o arguido sempre disse que seria ela a madrinha do menino quando a irmã da ofendida morreu.

A testemunha M... também disse que assistiu a contactos telefónicos e leu mensagens no telemóvel da ofendida do número do A... em que este constantemente a ameaçava e a pressionava, dizendo que a matava, que a ia a sua casa (“como chegou a ir”).

A testemunha P... , colega de trabalho, também aludiu às queixas frequentes da assistente sobre envio de mensagens e telefonemas recebidos do arguido, chegando a mostrar-lhe o telefone.

Dos registos de contactos telefónicos de fls. 466-A a 467 é possível confirmar que no período compreendido entre 16-04-2015 e 22-05-2015, o arguido através do número de telefone (...) efectuou chamadas para o número de telemóvel da ofendida, nos seguintes dias: 16/04, 17/04, 18/04, 21/04, 22/04, 24/4, 24/4, 01/05, 03/05, 03/05, 5/5, 7/5, 7/5, 8/5, 11/5, e 22/5; e que no mesmo período temporal remeteu mensagens escritas: cinco mensagens nos dias 16/4 (após as 23h); duas mensagens em 17/4 (após as 22h); 3 msn 23/04 (após as 17h), duas em 27/04 (após as 16:30), e duas em 22/05 (após as 21:30).

Portanto, as chamadas telefónicas com número oculto efectuadas para o nº (... ), de acordo com juízos de experiência comum, foram feitas pelo arguido, quer considerando o objectivo da ofendida em trocar de número (não ser incomodada/contactada pelo arguido), quer atendendo ao facto de se tratar de um número recente e por isso ser normal que poucas pessoas ainda o conhecessem, sendo que o próprio arguido, desde logo, reconheceu, que foi através da caderneta escolar do filho que teve acesso ao novo número da ofendida. Por outro lado, o facto de nunca ter falado com a H... , quando esta atendeu o telefone, tratando-o como se fosse o arguido e pedindo-lhe para com aquele comportamento, e a partir daí, não mais ter havido contactos de número anónimo, passando o arguido a utilizar o nº (... ), permite evidenciar tal realidade.

O facto das mensagens escritas juntas aos autos, não reproduzirem tudo aquilo referenciado por algumas testemunhas (v.g M... e H... ), não significa que o arguido efectivamente não as tivesse enviado, porquanto houve um período (Março/Abril de 2015) em que utilizou número anónimo, e outro, em que fez uso de outros números de telefone. Com efeito, decorre da conjugação de fls. 165 e 173, que os números utilizados pelo arguido eram (...) , (...) e (... ), e que até ao momento em que a assistente alterou o seu número, o arguido também a contactava para o nº911144856. Note-se que oficiadas as operadoras respectivas, e bem assim a SIBS e a entidade bancária na qual foi feito o carregamento identificado no dia 26/12/2014, vieram as mesmas confirmar a fls. 212, 213, 217, 431, 432 que o carregamento efectuado no nº (...) foi feito através de conta bancária titulada pela LOGIEXPRESS UNIPESSOAL, LDA, sendo que decorre certidão de matrícula de fls. 434/438 que, na data em causa, tal sociedade pertencia à mãe do arguido D... .

Por outro lado, decorre de juízes de experiência comum que em situações desta natureza é normal que quando se faz uso de número de telemóvel habitual de forma identificada, se seja precavido e cauteloso, denotando alerta, evitando assim deixar rastro escrito, ao invés das chamadas telefónicas, em que se é, normalmente, mais expansivo.

O que respeita aos factos provados nºs 29, 30 e 31 (12 de Maio de 2015, situação do BMW) a convicção do tribunal resultou da conjugação das declarações credíveis da assistente, com a prova documental consubstanciada no aditamento de fls. 236/238, e no print extraído da base de dados do registo automóvel, de fls. 319 e 320, com juízes de experiência comum.

Sobre isto nas suas declarações para memória futura a assistente referiu a instâncias da defesa que “ele na sexta-feira [12/04] esteve lá, eu não sei se foi no seu escritório, se foi no coiso, ele esteve lá. Ele agora anda de BM que sei, eu passo todos os dias por ele, ele faz questão de passar mim, o que é que quer que lhe diga? Estou sempre com medo que ele me meta outra vez o carro para cima. Se ele me aleija eu só tenho o AA... , vou viver para onde?

A assistente já tinha reconhecido nas primeiras declarações prestadas (14/04) que ainda naquela altura o arguido chegou a circular com um BMW. Nas suas segundas declarações para memória futura (prestadas em 06/7) a assistente reconhece que “teve de fazer outra vez queixa à GNR porque ele atravessou-me o carro à frente quando eu ia para o trabalho”. Embora não se recordasse do dia, confirmou que apresentou queixa na GNR naquele mesmo dia, logo a seguir (“fui para o trabalho, mas levaram-me logo para fazer queixa que estava em pânico mesmo, nesse dia”).De forma detalhada e credível a assistente descreveu a dinâmica do ocorrido “Conforme já havia sido há vários dias seguidos, ele fazia-se cruzar comigo pelo caminho. Só que até esse dia havia sempre outros condutores na estrada e ele nunca tinha feito anda, ultrapassava e continuava.(…) eu variando (de trajecto) só tenho duas ruas por onde posso sair. Num desses dias não havia mais ninguém naquela rua e ele ultrapassou-me, fez-me travar a fundo para eu bater na traseira dele, mas eu consegui evitar…travou. Eu tranquei logo os vidros, mas ele não saiu do carro, mas depois continuou com aquela brincadeira. Deixava-me andar um bocadinho, travava a fundo, deixava-me andar um bocadinho, travava a fundo, até chegarmos perto de uma rotunda. Aí fez a rotunda toda em peão e esbarrou-me o caminho, meteu-se atravessado com a namorada lá dentro (…).

A testemunha W... , colega de trabalho da ofendida desde 2007 exercendo as mesmas funções de atendimento que ela, de forma credível, confirmou que um dia chegou à loja muito nervosa, a chorar e a tremer e contou-lhe que o arguido a vinha a seguir, e que a certa altura, a ultrapassou e travou bruscamente à sua frente, quase a fazendo embater no veículo dele.

Não restam dúvidas que do aditamento da GNR de fls. 236 a 238 que a assistente apresentou queixa naquele órgão de polícia criminal no dia 12/05/2015, pelas 09:18, cujo teor é congruente com as declarações prestadas em sede de memória futura e que do print extraído da base de dados do registo automóvel, de fls. 319 e 320, é possível extrair que a matrícula (... ) pertence a um veículo BMW cinzento da propriedade da mãe do arguido, D... .

Pelo exposto, e face às declarações meramente negatórias do arguido, não tendo sido corroboradas por ninguém (a testemunha C... , nem sequer disse ter memória ou saber destes factos), não poderia o tribunal ter decidido de forma diferente sobre os dados como provados e não provados.

No que respeita, aos factos provados 32 a 42 (situação dos vasos e estacionamento do veiculo em frente à loja): A convicção do tribunal baseou-se na conjugação das declarações da assistente, com os depoimentos das testemunhas de acusação M... , N... , O... , com os depoimentos dos colegas de trabalho, com a prova documental, nomeadamente, o relatório de diligência externa de fls. 266 a 270, data da diligência de fls.252, e, fls. 781/787.

Antes de mais, para maior e mais completa clareza na fundamentação de facto ao nível da exposição do processo de formação da convicção do tribunal quanto a esta situação importa, num primeiro momento, descrever, por súmula, o teor das declarações/depoimentos e elementos documentais produzidos:

Nas suas declarações para memória futura prestadas em 06 de Julho (cfr. fls. 571 e segs.) a assistente começou por contextualizar a situação, referindo que se tratava do fim-de-semana do pai com o filho comum e que não lhe enviou nesse fim de semana a habitual malinha da roupa, em virtude de no último fim de semana de visitas ele não ter devolvido a malinha, e que ele, nesta altura “já não lhe dá ajudas”, mas que o pai telefonicamente, aquando da combinação de irem buscar o menino à escola, deu essa informação, de que não valia a pena virem buscar a mala do AA... porque “as coisinhas do menino tinham ficado no fim de semana anterior…”. Refere de seguida que o arguido lhe ligou cerca das seis e tal da tarde e ela atendeu, já suspeitando o que se passava. Nesse telefonema o arguido “começou-me logo a tratar-me mal e eu perguntei-lhe se era por causa da roupa e ele começou logo a dizer se para além de puta e vaca, agora também era má mãe, que não tinha mandado a roupa para o bebé”. Ela após lhe ter retorquido que eles não tinham devolvido a roupa do último fim-de-semana, desligou o telefone: “disse-lhe o que tinha a dizer e desliguei-lhe o telefone”. Este contacto é, aliás, confirmado pelos registos de contactos telefónicos de fls. 466 a 453, em que se verifica que o arguido telefonou para a ofendida cerca das 18.34, sendo a duração do mesmo de cerca de 45 segundos compatível com o teor do telefonema (para além de ter remetido duas mensagens escritas nesse dia, cerca das 21.34h e 21.55h). Também é coerente a declaração da assistente de que “já não falava com ele há imenso tempo”, considerando que se extrai dos registos de contactos que o último contacto tinha sido feito há cerca de 11 dias, quando os contactos anteriores eram quase diários. Como sabia que ele estava alterado e nervoso, recolheu o carro para um telheiro, para que não fosse visto da estrada. Mas o arguido cerca das 0h e pouco subiu a rua em alta velocidade, parou á frente da sua casa, mas como não teria visto o carro, ficou na dúvida se ela estaria em casa e foi-se embora. Cerca de uma hora e meia depois voltou a fazer a mesma coisa. Nessa altura ela tinha a luz da casa de banho acesa, porque estava no duche, voltou a ouvir o jipe, e a sua primeira intuição foi ir logo trancar a porta, porque bastava ele subir as escadas e entrar. Assim que ela tranca a porta, o arguido já estava aos pontapés à porta e a gritar: “Sua puta, eu mato-te, é hoje que eu dou cabo de ti”. Começou a mandar os vasinhos de decoração contra os vidros da casa de banho. Entretanto, “com o estardalhaço que ele estava a fazer” começou a gritar, e veio “o meu pai, o meu tio e o meu primo”. Quando o arguido os viu, a sua reacção foi fugir para dentro do jipe, gritando “E se vocês se metem à frente, mato-vos a todos e começou a manejar o jipe, a fazer vrumm, vrumm para cima deles e eles tiveram que se recolher para as escadas que foi a maneira de se defenderem. E depois a minha tia começou a gritar, porque o meu filho estava dentro do jipe a assistir aquilo tudo”. De seguida ele fugiu em direcção a um pinhal e depois seguindo o caminho de terra batida, de forma que se a GNR chegasse não se cruzava com ele. No domingo, dia 24 de Maio, os avós paternos da criança foram entregá-la e ainda trataram mal os seus familiares. O filho tem medo que o pai a mate, porque o pai lhe diz isso, pelo que o menino se passar com ela na rua diz “Vê lá se não vem aí o papá”. E ainda que “ele próprio ralha com o pai”. Na segunda-feira logo de manhã (portanto dia 25/05), quando chegou à loja para trabalhar, o arguido já lá estava estacionado, e ela pediu ajuda ao Ministério Público de imediato (confirmação da matricula, visionamento do veiculo e chamada da GNR), uma vez que o trabalho dela é mesmo em frente ao tribunal, confirmando, desta forma o facto nº42 (cfr. declarações para memória futura de fls. 574). Desde que o arguido tem o dispositivo (11 de Junho de 2015), o regime de visitas do menor não está a ser cumprido, porque o arguido não autoriza os seus pais a irem buscar o menino.

A testemunha I... , pai da assistente, confirmou que andava na parte de trás da sua casa, quando começou a ouvir barulho e deu a volta e foi ver. Nessa altura, viu o arguido já junto do jipe e perguntou o que se estava a passar, ao que este lhe terá respondido: “a sua filha é uma puta e é uma vaca. Eu mato-a”. O arguido estava muito agressivo, muito violento, não se recordando mesmo de o te visto assim tão violento como naquele dia. Confirmou, ainda, que a porta da casa ficou danificada (confirmou as fotos de fls. 266/267, esclarecendo que se tratava de uma porta de alumínio que era praticamente nova, com 2/3 anos, e que após os pontapés ficou empenada e não abria nem fechava, e o vidro da janela da casa de banho, só por ser duplo, é que não rebentou (quando visionou a foto de fls. 267 explicitou de forma congruente com as declarações da filha onde estavam os vasos pequenos). O menino assistiu porque se encontrava no interior do jipe com a namorada. O arguido “estava mais nervoso que outra coisa”, arrancou com velocidade e subiu…. Confirmou, ainda, que a filha se encontrava a tomar duche na dita casa de banho, e que tremia por todo o lado, mal conseguia falar. Confirmou que naquele dia o veículo da filha estava estacionado lá atrás. Embora denotando alguns problemas de memória, acabou por admitir que o arguido lhe tivesse telefonado antes para que ele tivesse a roupa do menino pronta. O seu irmão N... e o sobrinho M... apareceram no local primeiro que ele, já que ele teve que sair pelas portas da traseiras. Quando chegou ao local era a “confusão total”.

O menino anda confuso, está na dúvida, e sofre.

A testemunha M... , também de forma convincente e congruente com os demais depoimento, referiu que estava a jantar com os pais na sua casa, que fica mesmo ao lado e tem acesso comum, quando ouviram o jipe chegar e ruídos compatíveis com o arremesso de vasos à janela do Wc e a pontapés à porta. Ele e os pais foram directos ao local. Quando chegou viu ainda o arguido a meio das escadas, a “saltar” das escadas para baixo e a chamar nomes dirigidos à B... : “filha da puta, vaca, vaca de merda” e ainda que “a matava”. Quando o seu pai chegou disse-lhe para ele se “ir embora dali antes que acontecesse alguma coisa”. O arguido foi para o interior do jipe e “mandou-o para cima do pai”, fazendo marcha atrás, e “ainda tentou mandar o jipe para cima dele, só que ele subiu as escadas”. No interior do jipe estava o menino e a companheira. O jipe foi em frente, subindo a estrada de terra batida, não tinha necessidade de fazer marcha atrás porque estava com a frente virada para a estrada de terra batida. O jipe “arrancou a fundo, por pouco não embateu no corrimão”. O tio tinha-lhe contado que o arguido lhe tinha estado a ligar para o telemóvel.

O menino, sobretudo após a situação da Praceta xx(...) , depois de regressar do direito de visitas quinzenais com o pai traz informações; diz que o tema de conversa é “eu mato a tua mãe; eu mato-vos a todos; são todos uma cambada de filhos da puta”. O menino está a ficar afectado.

A testemunha N... , tio da B... , referiu que cerca das 20h/20h30 se apercebeu que o arguido se deslocou à residência do pai da ofendida, no entanto, como não viu o veículo daquela, se encontrava nas traseiras, foi-se embora. Cerca das 21h30, quando estava a jantar, apercebendo-se novamente do jipe do arguido a subir o acesso comum às duas casas; assim que começou a ouvir estrondos foi logo a correr com o filho e a esposa verificar o que se passava. O arguido tinha descido as escadas, e encontrava-se na escada em frente ao jipe. Perguntou-lhe o que estava a fazer e este em resposta começou as injúrias: “puta de merda, não entregou a roupa ao meu filho”, “eu mato-vos a todos…” entre outras expressões (“e não sei quantos”). Depois enfiou-se para dentro do jipe e em vez de arrancar fez marcha atrás e “vinha para lhe espetar o jipe em cima”. Viu vasos de barro partidos. O arguido estava alterado, a ofendida estava a tremer com medo. O menino estava no interior do jipe (“foi a sorte dele, senão ele só saia com a GNR”), sendo que este sempre que vem dos fins de semana comenta o que ouve, e que no fim daquele fim de semana que passou com o pai, disse-lhes que o pai tinha dito que os ia matar a todos.

A testemunha O... (tia da ofendida, mãe de M... , esposa de N... ), revelou envolvimento emocional sobretudo quando desabafou “já perdi uma sobrinha e não quero perder mais nenhuma, só queria que este senhor deixasse a B... em paz”, e foi considerado credível. Referiu que após ter ouvido barulho (compatíveis com o som dos pontapés na porta) quando se encontrava na sua casa que é ao lado da casa do pai da assistente, se dirigiu onde estava o marido e o filho, em seu auxílio. Ainda ouviu o marido a dizer ao arguido para os deixar em paz, e que este “ainda tentou levar o jipe para cima dele”. Confirmou ter ouvido o arguido a dizer que matava a ofendida e a chamar-lhe filha da puta. Confirmou que a porta ficou bastante danificada ao ponto de não abrir e que viu vasos pequenos partidos. O arguido estava nervoso. A ofendida não conseguia conter-se. Tem a certeza de que se ela não tivesse a porta naquele dia fechada havia ali um acidente grave.

Quando o menino chegou no final do fim de semana, disse que o “papá matava todos e também a mamã”. O menino já disse isto várias vezes.

As testemunhas P... , R... , X... , W... , Y... , e, Q... colegas de trabalho da ofendida há vários anos, também de forma credível, confirmaram que a ofendida lhes confidenciou de forma amedrontada a situação dos pontapés da porta e dos vasos (ao primeiro a ofendida ter-lhe-ia mostrado até uma fotografia da janela onde era visível o impacto do vaso).

Já a versão do arguido e da sua actual companheira foi diferente.

O arguido reconhece que no dia 22/05 o seu pai foi buscar o filho à escola e que este não trazia roupa (e que vinha proibido de falar) telefonou à ofendida por causa da roupa do filho e que esta lhe teria dito “não levas nada, se quiseres alguma coisa vai comprar. Filho da puta”. E Desliga-lhe o telefone. Diz que na última vez que o menino esteve com ele devolveu a roupa, e até lhe mandou roupas a mais e uma PSP. De seguida ligou ao pai da ofendida a perguntar se sabia onde estava a filha e o que é que se passava, este disse que não eram assuntos seus e que não se metia. Tinha o camião carregado para ir à Figueira da Foz, teve que deixar o camião parado, veio à Lousã ter com o filho. Foi a casa da ofendida, uma primeira vez e esta não estava. Voltou uma segunda vez, bateu à porta, a companheira ao lado e o filho atrás. Subiu as escadas, bateu à porta com a mão de uma forma normal. A ofendida do lado de dentro da porta teria perguntado “Oh filho da puta, o que queres aqui?”. E ele ter-lhe-ia respondido que só queria a roupa do menino e saber o que se passava para ela assim ter feito. Apareceu de repente o N... , que começou a injuriá-lo e a tratá-lo mal, o filho lá calado. Aquele pegou num vaso de baixo e manda-lhe acima quando ele vinha a descer as escadas, e que o mandou embora, perguntando-lhe o que queria, e chamando-lhe filho da puta. Foi por isso, que muito intimidado se foi embora com o jipe. Nesta altura, quando lhe foi perguntado pelo tribunal se o filho AA... estava dentro do veiculo, o arguido não lidando bem com o facto de o ter de repetir por já o ter mencionado, nem da observação de dizer quantas vezes forem necessárias para o apuramento dos factos, respondeu “digo se eu quiser”, demonstrando mais uma vez a dificuldade que tem em lidar com contrariedades e a sua personalidade belicosa, desrespeitosa e desafiante, tendo mesmo, de forma imatura, adoptado uma atitude de “amuo” afirmando “então não respondo a mais nada. Obrigado.” Perante a perplexidade da sua atitude, foi novamente informado que estava no seu direito de não continuar a prestar declarações e sugerido que se sentasse. Esta atitude de “amuo” continuou quando, após a produção da prova, o tribunal lhe perguntou se pretendia responder a questões sobre as suas condições pessoais, ao que o mesmo respondeu que não, só o tendo feito depois de censurado e demovido pelo seu defensor.

A testemunha C... , actual companheira do arguido, disse que assistiu à situação. Disse que estavam no café quando o arguido recebeu um telefonema do pai a dizer que o menino não trazia o saco, ficou indignado. Decidiram ir buscar o menino e dirigir-se à casa da ofendida para que esta lhe desse roupa; antes tinham ligado ao pai dela que lhe teria dito que não eram assuntos dele. Na sua perspectiva “iam numa situação tão calma, tentar buscar a roupa”. Aí chegados (e só lá foram uma vez), o arguido saiu do veículo, subiu as escadas, bateu à porta, apareceu alguém à janela e não conseguiu perceber o que falavam. O arguido desceu as escadas e apercebeu-se que estava alguém de lado que atirou um objecto (não sabendo identificar que objecto, nem quem o atirou, já que usou a palavra “supostamente”) em direcção ao A... e que foi acertar numa janela (que identifica como sendo a janela abaixo da dita porta). Este continuou a descer, entrou no jipe assustado e sai dali porque “supostamente era o padrinho dela”. A testemunha estava dentro do carro. Não sabe se houve troca de conversa. Estava com os vidros fechados e estava ao telemóvel a falar com a mãe. O A... estava calmo e não lhe disse porque é que a ofendida não lhe abriu a porta. Só viu chegar ao local uma pessoa: o padrinho. Confirmou posteriormente que assistiu ao telefonema entre o A... e a B... (não o tendo feito no seu relato espontâneo dos factos).

Ora, são desde logo, evidentes algumas discrepâncias entre o relato dos factos pelo arguido e o depoimento da companheira, não obstante o esforço patenteado de sincronização. A título de exemplo, enquanto a companheira refere que estavam no café quando recebem o telefonema do pai do A... , já este diz que tinha o camião carregado para sair e que teve que deixar o camião parado para vir à Lousã ter com o filho. Enquanto o arguido diz que foi, pelo menos, duas vezes a casa da ofendida, a companheira, diz que só foram uma vez, pelo que não estariam juntos e esta não teria ouvido o teor do telefonema entre ambos, como quiseram fazer passar, esquecendose de combinar bem este detalhe, pois não é credível que uma pessoa jovem se tenha esquecido de algo importante num acontecimento bem recente. Enquanto o arguido admite que esteve também presente o filho de N... (que estava calado), já a companheira apenas refere a presença do primeiro. Aliás, a tese de que o vaso que veio a acertar na janela da casa de banho teria sido atirado ao arguido pelo tio da ofendida não se mostra minimamente lógica tendo em conta a posição do veiculo, das escadas, e a localização da dita janela (como é possível extrair das folhas de suporte fotográfico de fls. 266/270), nem, de igual forma, que face a uma dinâmica tão “agitada” a companheira se encontrasse convenientemente distraída dentro do veiculo a falar ao telemóvel e então não tivesse ido em auxilio do arguido, ou até que tivesse visto que o alegado vaso que iria na direcção do arguido, viesse afinal a embater na janela da casa de banho (posição das escadas em frente e janela lateral), sendo, para mais, a janela da casa de banho, foco da turbulência por nessa divisão se encontrar a ofendida com a luz acesa no duche (confirmado de forma credível pela própria e pelo pai).

Ora, a versão da ofendida é a que se apresenta mais credível, porque mais lógica e impressiva e congruente com juízes de experiência comum, e com todas as restantes corroborações periféricas, designadamente, com os depoimentos das testemunhas de acusação supra mencionados, e prova documental consubstanciada no relatório de diligência externa de fls. 266 a 270 o qual é composto também por folhas de suporte fotográfico, é possível extrair que o agente policial que ali se deslocou verificou que “eram visíveis no peitoril da janela restos do vaso, bem como no vidro, o qual resistiu ao embate” e que “na porta era visível o empeno da mesma, bem como foi possível verificar a grande dificuldade em proceder à sua abertura”.

O próprio facto do arguido ter admitido que um dos objectivos da deslocação a casa da ofendida era para “tirar satisfações” (sendo o motivo a da roupa do menor) contraria, desde logo, a afirmação da companheira de que se tratava de uma situação calma, e que o arguido estava calmo. Se estivesse calmo, estamos em crer (e independentemente de se tomar posição sobre a quem cabe a razão sobre a roupa do menor), não teria ido “tirar satisfações”, resolvendo pacificamente aquela questão acessória, a bem até do equilíbrio e bem estar do menor. Isto para dizer que não se mostra minimamente congruente com juízos de experiência comum, que após o diferendo em causa (motivo) a personalidade violenta do arguido, sobretudo após uma inflamada chamada telefónica ter sido desligada pela ofendida (o que tanto o arguido, como a ofendida admitiram) que o arguido se encontrasse calmo.

Portanto, no próprio dia 22/05, o próprio arguido admitiu que se deslocou a casa da ofendida, pelo que reconheceu que violou a medida de coacção de proibição de contactos com a vítima por qualquer meio (pessoalmente e por telefone) e ainda de permanecer na residência onde actualmente a vítima se encontrar (cfr. auto de interrogatório de27/03/2015, fls. 191/197).

Ora, não obstante o arguido justificar que tais contactos visavam ainda assim, obter junto da mãe a necessária roupa para o filho, afigura-se-nos que tal extravasa o acordo de regulação das responsabilidades parentais, pois existiriam outros formas pacíficas e equilibradas de ultrapassar a questão, sem necessidade de deslocação a casa da ofendida, e sobretudo, sem necessidade da turbulência, da injúria e da ameaça ocorrida, pelo que tal terá que ser considerado em contexto diverso do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos. Não é, desta forma, que se garante o bem estar e o interesse do filho menor.

Uma última nota, para dizer que, o facto de N... na queixa que apresentou no dia 25/05/2015 na GNR (NUIPC 131/15.2GBLSA – cfr. fls. 781 e segs.), apenas referir que naquelas circunstâncias de tempo, modo e espaço, o arguido “proferiu várias injúrias dirigidas ao depoente”, não tendo expressamente referido que também o tivesse feito em relação à ofendida, não pode ser de molde a descredibilizar o seu depoimento. Em primeiro lugar porque é normal quando se apresenta uma queixa criminal se centrar a atenção nos reflexos da mesma apenas para o queixoso, e, em segundo lugar, porque quando foi ouvido em 24/07, aditou os seguintes factos “no dia e hora em que sucederam os factos ali descritos, o denunciado A... , antes de se introduzir no veículo, proferiu várias expressões de ameaça, nomeadamente que os havia de matar”.

Quanto aos factos provados nº43 a 46, e para além do que já se disse, no que respeita ao dolo do arguido, tratando-se de uma atitude interior do arguido (uma atitude psicológica) o tribunal socorreu-se, para os apreciar, dos elementos de natureza objectiva e de presunções e ilações ligadas ao principio da normalidade da vida e da experiência comum, para concluir que o arguido sabia o que fazia, sendo certo que quem adopta as condutas sabe da ilicitude das mesmas.

Já no que respeita aos factos não provados (designadamente, os factos respeitantes à acusação nº1 a 12, e os factos respeitantes à contestação), ou não foram confirmados expressamente, ou em termos rigorosos, quer pela assistente quer pelas restantes testemunhas, quer por estarem em contradição com outros demonstrados, quer por não se terem revelado credíveis, na sua maioria, as declarações das testemunhas de defesa. Apenas uma breve alusão, para referir que dos documentos juntos com a contestação (cfr. talões de depósito de fls. 674 a 691) apenas foi possível dar como provado o descrito no facto nº66 (que foram feitos depósitos em numerário de diferentes quantias ao longo do referido hiato temporal), e já não o que consta no facto não provado nº41, porquanto o fim de tais depósitos além de ter sido explicado pela assistente, não foi expressamente confirmando por prova convincente, sendo que também decorre das regras da experiência comum, que é absolutamente normal existirem várias despesas domésticas/encargos a liquidar, para além das próprias necessidades de um filho de sete anos.

No que respeita à matéria de facto com relevo para a apreciação do pedido de indemnização cível, maxime, sobre o estado emocional da assistente, o tribunal valorou as declarações da demandante nos termos do disposto no art. 145º, nº1 do CPP, que sustentou que em resultado da conduta do arguido/demandado se sentiu da forma como consta provado, factualidade corroborada pelos depoimentos de H... , M... , I... , J... , L... , N... , O... , P... , Q... , R... , X... , Z... , W... , e, Y... .

 Foi bem patente o estado emocional da assistente ao longo das suas declarações para memória futura, prestadas em 14/04/2015 e 06/07/2015 (Declarações para memória futura vítima B... , gravadas no sistema H@bilus, cfr. fls. 205 e 206, 455 e 456, e transcritas a fls. 382 a 427 na transcrição de fls.566/575), sobretudo nas respostas dadas ao ilustre mandatário do arguido durante as primeiras declarações para memória futura (14/04) quando referiu convictamente que “nunca tive tanto medo que ele me matasse como agora, sim”…, e ainda quando mais à frente diz “O facto de o A... dizer que me mata, ele nunca me disse isso como diz agora. E o facto dele não estar comigo e de não me estar a pedir perdão, como era o normal fazer, só a ameaça crua, a dizer que se eu me aproximo de alguém, se alguém se aproximar de mim…eu tenho medo até das pessoas que se aproximam de mim, do que ele possa fazer. E ainda, mais à frente quando referiu: “Eu fico assim de cada vez que ele vai para a frente da loja”. Isto é diário. Ele na sexta-feira [12/04] esteve lá, eu não sei se foi no seu escritório, se foi no coiso, ele esteve lá. Ele agora anda de BM que sei, eu passo todos os dias por ele, ele faz questão de passar por mim, o que é que quer que lhe diga? Estou sempre com medo que ele me meta outra vez o carro para cima. Se ele me aleija eu só tenho o AA... , vou viver para onde?”

Da conjugação de toda a prova produzida, é bem patente que a animosidade, o estado de desgaste emocional, a insegurança e o temor, estamos em crer, se agudizou, sobretudo, após a situação da Praceta xx(...) .

 A testemunha H... , sobre o estado psicológico da assistente, disse que a mesma nos últimos dez meses emocionalmente “está muito em baixo, fica em pânico, muito nervosa, a tremer por todos os lados; que cada vez tem mais medo; actualmente está de baixa há cerca de 1 ou 2 semanas a tomar medicação”. Considera que a assistente sempre teve medo do arguido, mas sobretudo, a partir do momento em que saiu de casa (separação definitiva), traduzindo-se esse medo em “muito medo de sair de casa” e “medo de mal que ele possa fazer”. O arguido faz-lhe várias perseguições. Confirmou que ela pediu ajuda ao primo para a acompanhar nas deslocações entre a casa e o local de trabalho. Na loja ela está sempre com um colega, pediu para nunca ficar sozinha. Antes do relacionamento com o arguido definiu-a como uma pessoa “normalíssima”, com muitos amigos, muito alegre, e que após tal relacionamento “mudou por completo”: tornou-se mais fechada, reservada com a família, com tudo; considerando ainda que “a partir do momento em que se intensificaram estas acções ficou ainda muito pior”.

 A testemunha M... , primo da assistente que demonstrou ter um relacionamento muito próximo com a ofendida (sobretudo a partir da sua separação definitiva e ida para casa do seu pai, uma vez que a sua casa dele é a cerca de 5 m. da casa dela, tendo-se oferecido para a ajudar), de forma convicta disse que esta separação definitiva do casal tem causado vários traumas para a ofendida, porque o arguido “é obcecado pela ofendida e por quem a rodeia”. A prima está afectada e precisa de ajuda psicológica. De forma impressiva descreveu a reacção da B... a todos os acontecimentos vivenciados: ela fica nervosa, treme por todo o lado, não consegue comer, fica completamente devastada, tem medo, nem sai de casa sem ser acompanhada, não consegue dormir sem tomar calmantes, parece uma criança que precisa de ajuda constantemente. A ofendida já lhe confidenciou que tem medo que o arguido a mate, e a testemunha acredita que ele possa fazer isso. Tudo isto tem afectado a sua vida familiar e profissional.

A testemunha I... sobre o estado de espirito da ofendida disse que a filha, desde há meses, não come, não dorme, anda triste, passa muito tempo em casa, tem medo dele que lhe bata ou que a mate.

A testemunha O... sobre o estado de espirito da ofendida disse que nota que está “muito mal, não come (já emagreceu 11 kg), anda nervosa, sempre assustada e em pânico e que esta já lhe confidenciou que tem muito medo que o arguido a mate”. A sobrinha mudou a sua maneira de ser e rotinas, antes da relação com o arguido tinha muitos amigos, depois deixou de os ter; agora está a ganhá-los outra vez e está a ser muito injustiçada.

A testemunha P... , colega de trabalho há cerca de 14/15 anos da assistente na “ CC... ”, conhece o arguido da Lousã nunca tendo tido com o mesmo qualquer conflito, manteve um depoimento escorreito, espontâneo e seguro, pelo que mereceu a credibilidade do tribunal. É motorista, e, dependendo “da volta” passa na loja entre uma a quatro vezes por dia, apercebeu-se que a ofendida tem muito medo do arguido e que anda muito nervosa, há cerca de um ano, a ano e meio a esta parte. Nota esse estado emocional, também, porque esta, por vezes, desconcentra-se profissionalmente trocando os pedidos dos clientes. Disse ter boa impressão da ofendida, pessoa que sempre considerou muito reservada, que nos últimos tempos emagreceu muito, e que não tem qualquer dúvida que a mesma tem efectivamente medo do arguido.

A testemunha R... - colega de trabalho da ofendida há 10/15 anos (estando com ela, pelo menos, uma vez por dia), conhece o arguido da Lousã nunca tendo tido com o mesmo qualquer conflito, manteve um depoimento escorreito, espontâneo e seguro, pelo que mereceu a credibilidade do tribunal. Referiu que a ofendida começou a ficar muito nervosa, sobretudo, após Fev. de 2015, da situação em que foi abordada na Praceta xx(...) . Já se apercebeu do arguido passar /estacionar uma ou duas vezes junto à loja. A B... confidenciou-lhe que o A... a seguiu quando se estava a dirigir para o trabalho, tendo atravessado o carro à frente do dela. Aconteceu, por uma ou duas vezes, acompanhá-la até casa atrás do seu veículo, em virtude do medo que a mesma tinha. É visível que ela tem muito medo do arguido, sendo esse medo e nervosismo genuíno, estando convencida que o mesmo lhe irá fazer mal; e a testemunha também tem a mesma opinião. Por vezes, ela não se concentra no trabalho, sendo necessário repetir as conversas, por causa do nervosismo. A pedido do encarregado chegou a passar num dos sábados de prevenção (logo a seguir à situação da Praceta xx(...) ) na loja para verificar se estava tudo bem com a ofendida.

A testemunha X... , colega de trabalho desde 2006 da ofendida, conhece o arguido da Lousã nunca tendo tido com o mesmo qualquer conflito, manteve um depoimento escorreito, espontâneo e seguro, pelo que mereceu a credibilidade do tribunal. Depois de ter confirmado os principais factos, referiu que a B... após a sua ocorrência fica a tremer, sempre a olhar para o exterior e com receio que o arguido ali marque presença. A sua percepção é que ela tem medo que o arguido a mate (ela já lhe confidenciou), não tendo dúvidas que é verdadeiro o que sente porque vê-a chorar quando toca no assunto, a tremer, não se consegue concentrar no trabalho, por vezes, pedia-lhe guias de transporte pelo telefone e quando lá passava ela tinha-se esquecido.

A testemunha Z... colega de trabalho da ofendida há cerca de 13/14 anos, é o funcionário mais antigo da empresa e por isso é o responsável pelo pessoal, costuma ir à loja 2 a 3 vezes por dia, e às vezes ainda ao almoço e de manhã cedo; conhece o arguido da Lousã nunca tendo tido com o mesmo qualquer conflito; manteve um depoimento escorreito, espontâneo e seguro, pelo que mereceu a credibilidade do tribunal. Referiu que, apenas, após se ter divorciado é que a B... começou a comentar mais com os colegas as atitudes que o A... . A ofendida está sempre alerta; fica muito nervosa e a tremer sempre que o arguido passa em frente à loja. Confirmou que já houve a necessidade de ir um colega, mais do que uma vez, acompanhar a B... atrás do seu carro até à residência após o trabalho (antes do primo a acompanhar), e de ter acompanhamento de colegas num dos sábados de prevenção. Já se apercebeu que o arguido passa com alguma frequência junto à loja e estaciona junto à mesma. Já viu o A... algumas vezes a passar à frente da loja e ali a estacionar os seus veículos (já o viu com vários) e percepcionado o estado em que fica a ofendida: a tremer, nervosa, aflita, muito assustada; viu-a a chorar mais do que uma vez. Também foi comentado que o arguido atravessou o carro à frente dela e quase lhe embateu. A ofendida relatou-lhe o episódio da Praceta xx(...) . Teve conhecimento logo após os factos do dia 22/05, em virtude da ofendida lhe ter telefonando no próprio dia à noite, e o seu estado ser de nervosíssimo. A ofendida tem muito medo do arguido, convicta que o mesmo a possa matar, e nas suas funções de responsável pelo atendimento não se concentra no trabalho, fazendo asneiras.

A testemunha W... , colega de trabalho da ofendida desde 2007, conhece o arguido da Lousã nunca tendo tido com o mesmo qualquer conflito. O seu depoimento foi escorreito, espontâneo e seguro, pelo que mereceu a credibilidade do tribunal. Exerce as mesmas funções no atendimento da empresa que a ofendida, passa com a mesma cerca de 8 horas diárias, apercebe-se dos receios que a mesma sente e respectivos motivos, ela já lhe chegou a pedir para esperar por ela. Após o divórcio chegava ao trabalho perturbada e a tremer, relatando os muitos telefonemas e mensagens que recebia do arguido, e que este a ameaçava de morte. Viu o arguido a passar algumas vezes em frente à loja, e estaciona os vários veículos com que se faz transportar mesmo em frente à loja, de modo a que a ofendida se aperceba da sua presença, ficando esta muito nervosa e a tremer. Explicou as funções dos mesmos e a visibilidade que conseguem ter para a rua, considerando que 50% do trabalho é em pé ao balcão. Confirmou que um dia chegou à loja muito nervosa, a chorar e a tremer e contou-lhe que o arguido a vinha a seguir, e que a certa altura, a ultrapassou e travou bruscamente à sua frente, quase a fazendo embater no veículo dele. Também teve conhecimento do episódio do dia 22/05 da tentativa de arrombamento da porta e do vaso. Durante muitas semanas apercebeu-se que era o primo dela que a ia levar e buscar ao trabalho, e fazer o transporte à hora do almoço. Ela tem muito medo do arguido, estando convencida que ele possa intentar algo contra a sua integridade física; sendo que a testemunha já partilha dessa opinião.

A testemunha Y... , colega de trabalho da ofendida há cerca de uma dúzia de anos, conhece o arguido da Lousã nunca tendo tido com o mesmo qualquer conflito. O seu depoimento foi escorreito, espontâneo e seguro, pelo que mereceu a credibilidade do tribunal. Referiu que já assistiu a um episódio antigo de tentativa de agressão por parte do A... (na Av. (... ), o arguido saiu do seu veiculo e aproximou-se do veiculo em que seguia a ofendida com a irmã e tentou-a agredir, colocando um braço por dentro do tejadilho), em que estavam separados. Referiu que há uns meses a esta parte a B... não voltou a ter descanso, queixa-se que é ameaçada e perseguida pelo arguido, não consegue esconder o medo, treme e chora descontrolada. O arguido estaciona o veículo em frente à loja ou nas imediações, e este comportamento deixa a ofendida muito nervosa. Relatou ter conhecimento de um episódio em que aquele atravessou o carro à frente da ofendida em que esta apresentou queixa. Teve conhecimento pela ofendida e por ter sido comentado por colegas do episódio do dia 22/05.Todas estas situações afectam o desempenho laboral, tendo a ofendida medo que o arguido atente contra a sua vida/integridade física.

A testemunha Q... , colega de trabalho da ofendida, conhece o arguido da Lousã nunca tendo tido com o mesmo qualquer conflito, manteve um depoimento escorreito, espontâneo e seguro, pelo que mereceu a credibilidade do tribunal. É motorista e efectua a volta da Lousã, pelo que tem necessidade de se deslocar à loja com alguma frequência, já assistiu o arguido passar para trás e para a frente várias vezes junto à loja. A B... fica assustada e a tremer quando vê o arguido, tendo esta reacção até já sido alvo de brincadeira por parte da testemunha. A B... comentou com ele o episódio do dia 22/05. A B... tem muito medo dele e está convencida que aquele irá intentar algo contra a sua integridade física, o que ele concorda.

No que respeita aos restantes factos considerados não provados, respeitantes ao pedido de indemnização civil, não foi produzida prova cabal sobre os mesmos.

Em especial, sempre sublinhamos que de acordo com o teor dos relatórios da DGRS, o arguido encontra-se desde 11 de Junho de 2015, sujeito à medida de coacção de obrigação de afastamento e proibição de contactos com a ofendida, sendo o controlo levado a cabo através de meios técnicos de controlo à distância. Foi carreada informação para os autos que no dia 27/08 (cfr. relatório de fls. 628/629) que a execução desta medida tem vindo a decorrer sem registo de incidentes relevantes, cumprindo o arguido, de um modo geral, as obrigações a que se encontra sujeito. As situações de aproximação detectadas entre ambos os intervenientes, resultaram de situações de cruzamento acidental entre os mesmos em circunstâncias de circulação rodoviária ou de deslocação aos mesmos espaços públicos, sendo que tais situações já eram previsíveis e até referenciadas na informação prévia à aplicação da VE, em virtude do local de trabalho da ofendida se situar próximo da residência do arguido com rotinas quotidianas que implicariam inevitavelmente situações de aproximação entre os intervenientes. Sobre as situações do dia 11 de Agosto de 2015, pela hora do almoço, entende-se ser de acompanhar o parecer do técnico da DGRSP de que, quer nessa situação, quer noutras em que se registaram aproximações (e quer fossem protagonizadas pelo arguido ou pela ofendia) não é possível concluir que elas tenham assumido um carácter intencional, antes resultando da grande proximidade dos espaços em que ambos se movimentam. Por este motivo se ter dado como não provado que o demandado faz questão de continuar a aproximar-se dos locais frequentados pela demandante, fazendo disparar inúmeras vezes o aparelho que a demandante traz consigo.

Já a situação ocorrida no dia 1 de Outubro, cerca das 09h15, junto à pastelaria em frente ao tribunal, dia da primeira sessão de julgamento, em que alegadamente se encontram no interior da mesma pastelaria e em que o arguido já no exterior quando passava teria dado um empurrão na ofendida (cfr. fls. 555/756 e depoimentos de H... e M... ), atentas as especiais circunstâncias em que ocorreu e uma vez que a GNR tomou conta da ocorrência, tais factos encontram-se fora do período circunscrito pela acusação pelo que serão apreciados no processo próprio a que, com certeza, deram origem, sem prejuízo de patentearam a forte animosidade que continua presente entre ambos.

Relativamente à situação pessoal e socioeconómica do arguido atendeu-se ao teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 734/737 e do TIR de fls. 150, e às declarações do arguido, na parte que se nos afiguraram verdadeiras, conjugadas, na parte relevante e credível, com o depoimento da sua mãe D... e com o teor da restante prova documental

*

III.2

Por razões de precedência lógica das matérias submetidas à apreciação deste tribunal, importa analisar previamente,

A - a nulidade da acusação pública

Alega o recorrente que a acusação é nula porque não obedece ao disposto no artigo 283º, nº 3, al b) do Código de Processo Penal, pois “num período de tempo superior a dez anos imputa-se ao arguido um número indeterminado de ações, cujo conteúdo individualizado nem sequer está bem delimitado”.

De acordo com o disposto no artigo 283°, número 3, al. b) do Código de Processo Penal, a acusação tem de conter, sob pena de nulidade, "A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada".

A referida nulidade, na falta de disposição legal em sentido contrário, porque não consta do catálogo das insanáveis a que se refere o artigo 119º do Código de Processo Penal, seria uma nulidade dependente de arguição, ficando sujeita ao regime legal previsto no artigo 120º a 122.º do mesmo diploma.

Consequentemente, haveria de considerar-se sanada porque não foi arguida no prazo legalmente assinalado para o efeito, - art 120º do CPP.

Contudo, estatui o artigo 311º, nº 2, alínea a) do mesmo Código, que a acusação é rejeitada se for considerada manifestamente infundada, concretizando o n.º 3 do mesmo preceito, na parte que releva para o caso concreto, que a acusação considera-se manifestamente infundada quando não contenha a narração dos factos b) e se os factos não constituírem crime - d).

As alíneas a), b) e c) do n.º 3, do art. 311.º do C.P.P., são nitidamente casos de nulidade da acusação, constituindo a alínea d) o único caso de verdadeira acusação manifestamente infundada.

A propósito Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., p. 207 a 208, esclarece que face ao aditamento do nº 3 do artigo 311º do CPP operado pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, os vícios estruturais da acusação passaram a sobrepor-se às nulidades previstas no art. 283.º, e converteram-se em matéria sujeita ao conhecimento oficioso do Tribunal, não estando, portanto, dependente de arguição por parte dos sujeitos processuais. Sendo de conhecimento oficioso, pode ser conhecida a todo o tempo, isto é em qualquer fase do procedimento, com a ressalva enquanto a decisão final não transitar em julgado.

Com efeito, as nulidades a que a lei processual penal denomina de insanáveis podem ser declaradas em qualquer fase do procedimento (artigo 119º) mas não podem ser declaradas após a formação do caso julgado da decisão final, que actua como meio de sanação. O trânsito em julgado da sentença tem a virtualidade de sanar toda e qualquer nulidade em nome da certeza e segurança do direito.

Deve ter-se presente que o nosso processo penal depois de uma fase de investigação que culmina com a dedução de acusação, tem estrutura acusatória (constitucionalmente reconhecida no artigo 32º, nº 5 da CRP) tendo a acusação a função de definir e fixar o objecto do processo. Como escreve Germano Marques da Silva na obra já citada a fls. 62, uma consequência da estrutura acusatória do processo é a independência do Ministério Público em relação ao juiz na formulação da acusação. Da consagração da estrutura acusatória resulta inadmissível que o juiz possa ordenar ao Ministério Público os termos em que deve formular acusação. Por maioria de razão não pode o juiz suprir os vícios de que a acusação padeça.

Em suma, a nulidade da acusação não é susceptível de ser sanada, a ocorrer e a ser conhecida antes do trânsito em julgado da decisão final, produz a invalidade dessa peça processual e de tudo o que foi processado posteriormente, devendo conduzir ao arquivamento do processo por inexistência do respectivo objecto - cfr Ac desta relação de 23-05-2012, Ac Rel Porto de 27-06-2012 e

Analisada a acusação deduzida nos presentes autos, verifica-se que contém todos os factos necessários e indispensáveis para que se considere preenchido o tipo de crime imputado.

É certo que podia ser mais concretizada na indicação das datas de alguns dos factos e dos locais em que ocorreram - reportam-nos aos factos referidos nos parágrafos 4º a 10º da acusação.

Porém, a falta de concretização notada apenas viciaria a acusação se não desse a conhecer ao arguido a factualidade em causa de modo a que este pudesse exercer o seu direito de defesa.

Admite-se que a redacção dos assinalados factos - parágrafos 4º a 10º - dificulta o exercício do direito de defesa mas não assim relativamente aos restantes - cfr fls 546 a552 - que se mostram concretizados e são suficientes para integrar o tipo de crime em causa.

A acusação não padece assim, da nulidade a que alude o art. 283.º, n.º 3, al. a) do C.P.P., nem é manifestamente infundada nos termos do art. 311.º, n.ºs 2, al. a) e 3, al. a), do mesmo Código.

Não se reconhece por isso a pretendida nulidade da acusação.

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B - Da eventual violação do caso julgado e do princípio ne bis in idem.

O princípio ne bis idem, expresso no artigo 29, n.º 5 da CRP proíbe que os factos imputados a um cidadão, num processo penal e em qualquer fase do processo, sejam avaliados mais que uma vez.

 A lei é unívoca, ao impedir nova apreciação dos mesmos factos, seja qual for a qualificação jurídica que lhes é atribuída.

Na verdade, convém atentar que “… o caso julgado tem uma função de garantia do cidadão que se traduz na certeza, que se lhe assegura, de não poder voltar a ser incomodado pela prática do mesmo facto - Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 1992, pág. 226. Ou, como assinala Eduardo Correia, «verdadeiramente, pois, o fundamento central do caso julgado radica numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões condenatórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto».

Alega o recorrente que se verificam as excepções de caso julgado e ne bis in idem porque parte dos factos imputados ao arguido neste processo já tinham sido objecto de denúncia em 2009 no processo NUIPC 115/09.0GBLSA em que foi proferida decisão homologatória de desistência de queixa e arquivamento.

Compulsada a referida denúncia, datada de 16 de Março 2009 verifica-se que foram relatados pela ofendida, - para além da agressão física a 13 de Março e da ameaça a 16/3 - factos ocorridos nos últimos seis meses em que é atribuída ao arguido/recorrente a prática de injúrias à denunciante consubstanciadas nas expressões “vaca, puta e filha da puta”.

É manifesto que todo o comportamento descrito na denúncia efectuada pela ofendida em 16 de Março 2009 no NUIPC 115/09.0GBLSA, integra um crime único de violência doméstica imputado ao recorrente e perpetrado até àquela data.

Ora, “o objecto do processo é formado por todos os factos perpetrados pelo arguido até à decisão final que de forma directa se correlacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido. Os factos que não foram apreciados e que deviam tê-lo sido por fazerem parte integrante do mesmo “recorte de vida” não podem ser posteriormente apreciados, uma vez que essa apreciação constituiria flagrante violação do princípio ne bis in idem.

Seguindo a posição que é unânime na nossa doutrina, a expressão “mesmo crime” não deve ser interpretada, no discurso constitucional, no seu estrito sentido técnico-jurídico, «mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui um crime.” - Ac Rel Coimbra de 28-05-2008, Rel. Alberto Mira.

«Nestes termos, o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados»- Frederico Isasca, idem, pág. 242 e 229,- apud, sublinhado nosso.

Os factos que, no âmbito do presente processo, se reportam a situações de violência ocorridas até Março de 2009 constituem, sem qualquer dúvida, parte integrante da unidade criminosa descrita na denúncia apresentada naquele processo NUIPC 115/09.0GBLSA e portanto objecto de apreciação e decisão homologatória de desistência de queixa e arquivamento.

Aliás, como se adverte no Ac STJ, de 15-03-2006, relator Cons
Oliveira Mendes, “O termo “crime” não deve pois ser tomado ao pé-da-letra, mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou um acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar.

O que o artigo 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, proíbe, é, no fundo, que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal.

Deste modo, aquilo que, devendo tê-lo sido, não se decidiu directamente, tem de considerar-se indirectamente resolvido; aquilo que se não resolveu por via expressa deve tomar-se como decidido tacitamente.”

A extensão do caso julgado obedece ao princípio de evitar a renovação de processos relativamente a factos que já poderiam ter sido apreciados judicialmente, o que importa é partir da própria lei positiva e esta oferece-nos base orientadora para uma solução.

Assim, os factos julgados nestes autos perpetrados pelo arguido até Março de 2009, formam uma unidade com aqueles que foram apreciados no processo NUIPC 115/09.0GBLSA, com trânsito em julgado, pelo que não pode deixar de se considerar consumido o respectivo direito de acusação, pois a todos aqueles factos se deve ter por “estendido” o valor daquela decisão.

Nesta conformidade, certo é não poderem ser agora apreciados aqueles factos ocorridos até Março de 2009, sob pena de violação da regra ne bis in idem.

Não obstante, os demais factos cometidos pelo arguido após a decisão proferida no processo NUIPC 115/09.0GBLSA exorbitam a acção que determinou a denúncia de Março de 2009, antes integram, por si só, um crime de violência doméstica.

O crime de violência doméstica é um crime único ainda que de execução reiterada.
Com efeito, «a execução é reiterada quando cada acto de execução sucessivo realiza parcialmente o evento do crime; a cada parcela de execução segue-se um evento parcial. Porém, os eventos parcelares devem ser considerados como evento unitário. A soma dos eventos parcelares é que constitui o evento do crime único
».

Tratando-se de um crime único, a consumação ocorre com a prática do último acto de execução.

Termos em que se julga verificada a excepção do caso julgado por violação do princípio ne bis in idem no que respeita aos factos descritos do 4º parágrafo da acusação até ao facto “No dia 13 de Março de 2009, na sequência de mais uma discussão o arguido desferiu um murro no rosto da ofendida”, - este já coberto pela excepção decidida na sentença.

Em consequência eliminam-se os factos provados nºs 3 a 11.

Procede assim em parte este segmento do recurso interposto.

C - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia - ausência na decisão da concretização dos factos.

Do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, resulta que a fundamentação da sentença, “… consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

Devem, assim, constar da sentença os factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que resultarem da discussão da causa e forem relevantes para aferir dos elementos constitutivos do tipo de crime (artigo 368º, nº 2 do Código de Processo Penal) ou que se mostrarem importantes para a determinação da sanção (cfr. artigos 369º e 371º do Código de Processo Penal).

A lei comina com a nulidade, a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal ou quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nos termos do artigo 379º, nº 1, alíneas a) e c), do mesmo código.

Reportando-nos ao caso concreto, as omissões mais relevantes apontadas pelo recorrente referiam-se aos factos provados eliminados no item anterior.

Nesta parte o conhecimento da questão mostra-se prejudicado.

Os demais factos provados estão em regra circunstanciados quanto as datas, locais e modo de cometimento dos factos imputados ao arguido, sem que se detecte qualquer omissão de apreciação.

Incluiu o recorrente neste segmento do recurso questões abrangidas e conexionadas com o item seguinte.

D - Dos vícios da insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova,

Quanto ao mais, importa salientar, no seguimento do Ac STJ de 21-06-2007 relator Cons. Simas Santos, que as omissões invocadas pelo recorrente, a terem-se verificado, não determinariam a nulidade prevista no art. 379.º, n° 1, al. c), 1ª parte do CPP: “O que releva é antes a ocorrência de um vício da matéria de facto: insuficiência da matéria de facto [art. 410.º n.º 2, a) do CPP], com o eventual reenvio para novo julgamento, insuficiência que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da discussão da causa, ou seja os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339.º, n.º 4 do CPP. Na verdade, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º)…”

Ora, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou absolvição. A insuficiência prevista na al. a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto.

A propósito do vício em referência, é dado adquirido que a matéria de facto só é insuficiente para a decisão proferida quando se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, quando os factos assentes não são substrato necessário e suficiente para justificar a decisão de direito assumida. Tal vício só pode ter-se como evidente quando a factualidade provada não chega para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção da norma incriminadora, considerando todos os seus elementos típicos.

O que não ocorre no caso presente.

Os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes (in RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).

O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto. – STJ de 22-04-2009.

O erro na apreciação da prova a que se reporta a al. c) do nº 2 do artº 410º só releva se revestir os requisitos aí apontados, tendo, por isso, não apenas de ser notório, como ainda de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Erro notório é aquele de tal modo evidente que não escapa à observação e análise de um homem de formação e capacidade intelectual médias.

A leitura atenta da decisão recorrida revela que não enferma de vício com tais características.

Improcede pois o recurso neste segmento.

E- Impugnação da matéria de facto provada por erro de julgamento

Após audição da prova indicada pelo recorrente, constata-se que a versão considerada provada tem efectivo pleno suporte nos meios de prova produzidos, e a sua valoração, nos termos em que foi feita, não revela a violação de qualquer regra da experiência comum.

 É certo que tal valoração implicou a desconsideração de alguns meios de prova designadamente, das declarações do recorrente, mas o tribunal a quo expôs e explicou, clara e logicamente, a razoabilidade da opção tomada, bem demonstrado tendo ficado, face à prova produzida, o acerto da decisão proferida pelo tribunal recorrido, bem como o pleno respeito pelo art. 127º do C. Processo Penal.

Concluindo, os meios de prova indicados pelos recorrentes como impondo decisão diversa da tomada relativamente aos pontos dos factos provados impugnados ( agora referidos apenas aos que não foram eliminados ) são insusceptíveis de alcançarem aquele desiderato.

Prova suficiente para que o tribunal a quo, nos limites do princípio da livre convicção entendesse aqueles factos como provados, o que não nos merece censura.

Com efeito, a criação do perfil do facebook em nome de S... eseu autor, considerando a credibilidade atribuída à assistente, - que declarou que para além do arguido mais ninguém a insultava nos termos constantes das mensagens, - e as regras da experiência, são prova suficiente do facto.

A prova do facto nº 20 tem suporte nas declarações da assistente e no depoimento da testemunha L... ( Dª L... ), sendo que a abertura da porta do veículo é irrelevante ( tanto que nem o defensor do arguido sugeriu à JIC que  questionasse a assistente sobre o invocado sistema de fecho automático das portas)perante os insultos e a agressão.

Quando ao facto provado nº 27 recorda-se que para além da prova consubstanciada no depoimento da testemunha H... , há que ponderar o que resulta das regras da experiência, e das presunções judiciais, em situações em que apenas existe conflito com o arguido, o que afasta qualquer outra hipótese.

No que respeita aos factos provados 28 a 30 alega o recorrente que São “Situações simuladas e genéricas que a assistente na falta de melhor tentou arranjar para prejudicar o arguido.” Já quanto aos factos 31 a 39, defende apenas que a “ Situação que foi explicada pelo arguido e nunca bem explicada pela assistente e suas testemunhas que entram em contradição.”

E sobre os Pontos 40 e 41, afirma que “Não se provaram de forma nenhuma.”

Não é seguramente o que resulta da prova dos factos 28 a 41 e sua apreciação crítica. Basta ler a sentença.

No que respeita à impugnação dirigida pelo recorrente, apreciadas as declarações prestadas pela assistente a partir da respectiva gravação, e bem assim conferido o exame crítico das provas exarado pelo Tribunal, entendemos que em termos gerais, à excepção de algumas precisões meramente circunstanciais que nada de fundamental modificam o sentido final conferido à decisão, o essencial da matéria de facto está bem julgado.

Desde logo há que esclarecer que nada impede que aprova ( e/ou a não prova ) de determinados factos seja fundada em exclusivo nas declarações da assistente assim como nada impõe que o seu valor probatório deva ser diminuído em contraposição  às prestadas pelo arguido, as quais, no confronto com aquela, não lograram convencer o julgador, que, na apreciação da prova – excepção feita à prova tarifada -, apenas se encontra vinculado às regras da experiência e à sua livre convicção (artigo 127.º do CPP).

Não se nos afigura contestável o melhor valor atribuído à prestação probatória da assistente. Que aliás fez questão de assegurar que omitia factos mais graves praticados pelo arguido, para não o prejudicar, tendo em atenção que é pai do seu filho.

Neste contexto, não se justifica, à luz das regras da experiência comum, e relativamente aos pontos de facto concretamente especificados pelo recorrente, a formulação de juízo valorativo diverso do assumido pelo tribunal de 1.ª instância.

Concluindo, dir-se-à que não ocorrendo os invocados «erros de julgamento», tão pouco se assistindo a omissões impeditivas de uma decisão criteriosa, contradições a evidenciar incoerências na decisão, apreciação ilógica, irrazoável, denunciadora, se lida à luz das regras da experiência, que o tribunal na dúvida, optou contra o arguido/recorrente, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto, com a exclusão acima assinalada.

F - Do princípio in dubio pro reo.

Não se constata qualquer violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.

De acordo com Cavaleiro Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.

O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.

Como é sabido, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213 – já Ulpiano dizia “é melhor um crime impune do que um inocente castigado”. Porém, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, Cristina Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.  Não obstante, importa ter presente, conforme é referido por Germano Marques da Silva, “ Curso de Processo Penal”, pág. 82, que é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se ao tema da prova, enquanto a prova indirecta se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência comum, uma ilação quanto ao tema da prova. De acordo com André Marieta, “La Prueba em Processo Penal”, pág. 59, são dois os elementos de prova indiciária: a) o indício, que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado. O indício, em resumo, constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra de experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar; b) a presunção, que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto. A presunção, em síntese, é a conclusão do silogismo constituído sobre uma premissa maior – a lei baseada na experiência, na ciência ou no sentido comum – que, apoiada no indício – premissa menor – permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.             

Acontece que nada impede, antes impõe o bom senso da comunidade que, devidamente valorada, a prova indiciária, por si, na conjugação dos indícios, permita fundamentar a condenação – cfr. Mittermaier, “Tratado de Prueba em Processo Penal”, pág. 389.

Caso contrário, o julgador seria um interveniente acrítico no processo, um mero receptor de mensagens…

Significa isto que o julgador, alicerçando-se em factos certos, pode fazer apelo às denominadas presunções materiais ligadas à normalidade da vida e às regras da experiência – cfr. Eduardo Correia, “Revista de Direito e Estudos Sociais”, XIV, pág. 24 e Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, pág. 314. Estas presunções, como é evidente, não são presunções de culpa. Constituem, antes, parcelas de um processo de pensamento lógico de que o julgador não pode prescindir, sob pena de não ser a prova apreciada e valorada em toda a sua extensão.

Reportando aos autos.

Lendo a fundamentação da decisão ora em crise, facilmente é constatado que o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida sobre a matéria de facto que julgou provada, tendo feito apelo, com ponderação, às aludidas presunções materiais associadas à normalidade da vida e às regras da experiência comum, em conjugação com toda a prova produzida em audiência.

A fundamentação de facto acima transcrita é consistente e racional.

Assente na discordância sobre o modo como foi valorada a prova e quanto à convicção do tribunal sobre os factos, as linhas mestras da argumentação na tentativa de provocar a dúvida, não encontra eco na sentença recorrida, e nem se vê que assim devesse ter sido perante a prova produzida, apreciada com recurso às regras da experiência, do normal acontecer, o que este tribunal, com a autoridade reforçada resultante da audição dos respectivos registos, está em condições de assegurar.

Com efeito, sendo, embora, notável, não tem viabilidade a tentativa de indução de um estado de dúvida – razoável, pois só esta releva - que da decisão não emerge, nem, para tanto – repete-se – se vê fundamento.

Por outro lado, do processo de análise e apreciação crítica da prova, nenhuma ofensa decorre ao princípio da livre convicção [artigo 127.º do CPP], pois que não se está perante uma apreciação irrazoável, à margem das regras da experiência e, como tal, insustentável, apresentando-se, antes, a mesma, suficientemente objectivada, num exercício subordinado à razão e à lógica, que se impõe ao julgador.

G - Errada qualificação jurídica penal dos factos - os factos provados integram a prática isolada dos crimes de injúria, previsto no artigo 181°, n.º 1 do mesmo Código.

Insurge-se o recorrente contra o enquadramento jurídico dos factos provados.

Defende que deveria ter sido absolvido do crime de violência doméstica, por entender que os factos apenas são susceptíveis de integrar a prática isolada dos crimes de injúria, previsto no artigo 181°, n.° 1 do mesmo Código.

O crime de violência doméstica encontra-se p. e p. no artigo 152° do Código Penal, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro - vigente a partir de 23 de Março de 2013, sob a epígrafe "Violência doméstica".

O objectivo do tipo legal de crime em causa, como é sabido, é a de prevenir as frequentes e subtis, formas de violência no âmbito da família, saúde física e psíquica.

O bem jurídico protegido é, portanto, a saúde física e psíquica, que pode ser ofendida por toda a multiplicidade de comportamentos nomeadamente os que afectem a dignidade pessoal do cônjuge (Taipa de Carvalho, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 332).

Este autor esclarece que “a função deste artigo é prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis quão perniciosas – para a saúde física e psíquica e/ou para o desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar – formas de violência no âmbito da família (...)”. A ratio do tipo não está, pois, na defesa da paz familiar, mas na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. (ob. cit., p. 329)

O crime em análise é um crime específico, na medida em que pressupõe a existência de uma determinada relação entre o agente e a vítima.

As condutas previstas e punidas pela presente incriminação podem revestir várias espécies: maus-tratos físicos, ou seja, ofensas corporais simples, maus-tratos psíquicos, incluindo humilhações, provocações, ameaças.

O conceito de maus-tratos engloba toda a acção ou comportamento agressivos que ofendam bens jurídicos como a vida, integridade física ou psíquica, liberdade, honra e integridade moral.

Importa distinguir entre maus-tratos físicos, - qualquer forma de violência física (golpes, empurrões bruscos, bofetadas, pontapés, etc.) que provoque lesão ou doença (v.g., hematomas, feridas, fracturas, queimaduras) - e maus-tratos psíquicos, - qualquer acto ou conduta que produza sofrimento psicológico, humilhação e desvalorização (v.g., insultos, afrontas e vexações). (cfr Ac STJ de 05.02.2004, Proc. 2857/03-3, em www.dgsi.pt, e ac TRL de 27.02.2008,).

As condutas descritas, integrantes do tipo objectivo do crime de violência doméstica, podem ser susceptíveis de, isoladamente consideradas, constituírem outros crimes, nomeadamente ofensa à integridade física simples, ameaça, injúria e difamação.

Todavia, como salienta o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.11.2004, Proc. 8948/2004-9, em www.dgsi.pt, “de acordo com a razão de ser da autonomização deste tipo de crime, as condutas que integram o tipo de ilícito não são individualmente consideradas enquanto integradoras de um tipo de crime para serem atomisticamente perseguidas criminalmente, são, antes, valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido que signifique maus tratos sobre o cônjuge ou sobre menores”.

Entre o crime de violência doméstica e os crimes acima enumerados existe uma relação de especialidade, sendo que a razão de ser que subjaz à punição mais agravada do primeiro reside na relação que liga o agente à vítima, que cria naquele uma particular obrigação de não infligir maus tratos ao familiar.

A propósito desta temática, no Ac desta Relação de 2-10-2013 foi ponderado e bem que “A degradação de relações desta natureza que, do ponto de vista dos valores que o direito penal também prossegue, impõe a exigência de um maior grau de consideração/respeito pelo outro, ainda que em situações de litígio e os excessos que essa degradação potencia, por força da maior proximidade e muitas vezes da impossibilidade de um afastamento total e efectivo, é um dos factores que justifica a criação de um tipo específico de crime que se distingue dos tipos comuns preenchidos quando não se verifica o especial relacionamento entre agente do crime e vítima e que abarca situações típicas que vão para além desses tipos de crime comuns. O que significa que eventuais injúrias, ofensas à integridade física, ameaças, coacções são já consideradas pela lei como mais graves se ocorridas dentro desse tipo de relacionamentos, mais lesivas da condição humana que se quer revestida de dignidade.

Esta consideração que patentemente emana da lei apenas excepcionalmente permite que assim se não conclua, quando tal ocorra em situações muito incidentais e que manifestamente demonstrem que a dignidade da vítima foi afectada em grau que não justifica a penalização em causa.”

Ao nível do tipo subjectivo de ilícito, o crime em causa pressupõe uma actuação com dolo (em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal), pelo que o agente terá de ter o conhecimento correcto da factualidade típica, sob pena de não se preencher o elemento intelectual do dolo.

Em relação à versão originária do Código Penal, para além de outras divergências de menor significado ou puramente formais, destaca-se o facto de não se exigir agora qualquer dolo específico, quando naquela versão se exigia por parte do autor que agisse por “malvadez ou egoísmo”. A lei basta-se, portanto, com o dolo genérico.

A reforma penal de 2007 veio consagrar a orientação segundo a qual a verificação dos crimes de violência doméstica e de maus tratos não exige a reiteração de condutas, sendo suficiente a ocorrência de “um único acto ofensivo de tal intensidade, ao nível do desvalor da acção e do resultado, que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.04.2010, proc. 13/07.1GACTB.C1, em www.dgsi.pt).

Em face da nova redacção introduzida pela citada lei o crime de violência doméstica pode ser cometido mesmo que não haja reiteração de condutas, embora só em situações excepcionais o comportamento violento único, pela gravidade intrínseca do mesmo, preencha o tipo de ilícito (Maria Elisabete Ferreira, “Da Intervenção do Estado na Questão da Violência Conjugal em Portugal”, pp. 106/107 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.04.2006, proc. 06P975, em www.dgsi.pt).

Em suma, para a realização do crime torna-se necessário que o agente reitere o comportamento ofensivo, em determinado período de tempo, admitindo-se, porém, que um singular comportamento bastará para integrar o crime quando assuma uma dimensão manifestamente ofensiva da dignidade pessoal do cônjuge. O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à degradação pelos maus-tratos (Cfr. Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica, Novo quadro penal e processual penal”, Revista do CEJ, n.º 8, 1.º semestre de 2008, p. 305, apud acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.02.2012, proc. 79/10.7TAVVD, em www.dgsi.pt).

Ora de acordo com os factos provados em 1 e 14, o arguido e a ofendida encontram-se no estado relacional previsto no tipo. Mas, como se viu, não basta a existência de uma relação conjugal ou análoga para que uma ofensa caia na esfera de protecção da “violência doméstica”.

No caso, resulta da factualidade apurada sob os pontos 14, 16, 19, 20, 27, 31, 35, 38 e 43 que o arguido dirigiu à ofendida insultos de forma reiterada, humilhando-a.

E agrediu-a fisicamente, - factos provados nºs 14 ( in fine), 20 e 21 - assim intensificando o vexame, a vergonha e a humilhação da assistente. Além das ameaças de morte - factos provados nºs 16, 35 e 38 - que não se coibiu de proferir na presença do filho menor - factos provados nºs 34 e 40.

A descrita conduta é suficiente para representar a afectação do bem jurídico protegido pela norma que incrimina a violência doméstica, porquanto o arguido não só infligiu reiteradamente maus tratos psíquicos à então ainda esposa ( e a realização do tipo não exige a imposição de maus tratos físicos), como também ofendeu fisicamente a agora ex-esposa, e, não obstante neste caso estarem em causa actos isolados, certo é que os mesmos não deixam de ser reveladores de um comportamento psicológica e fisicamente agressivo e controlador, por conseguinte, assumem uma intensidade, ao nível do desvalor da acção e do resultado, suficiente para lesar o bem jurídico protegido.

É óbvio que o comportamento do arguido consubstancia uma ofensa à dignidade da ofendida susceptível de colocá-la numa situação degradante, atingindo o patamar de punibilidade, embora se reconheça que o concreto grau da ilicitude, é de considerar mediano, o que releva em sede de medida concreta da pena.

Por tudo se conclui que os factos praticados pelo arguido integram o crime de violência doméstica de que vinha acusado. Com efeito, o arguido infligiu maus-tratos psíquicos e físicos à ofendida, humilhando-a, em violação, além do mais, do particular dever de respeito decorrente do vínculo que os uniu.

Por outro lado, tendo em conta os factos descritos em 42 a 45, do ponto de vista da imputação subjectiva, o arguido agiu com dolo directo e tinha consciência da ilicitude do facto, tanto mais que resultou provado que agiu sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal.

Não se mostram pois violados quaisquer preceitos legais, quer os invocados pelo recorrente quer quaisquer outros.

Consequentemente, mantém-se o enquadramento jurídico.

Improcede o recurso neste segmento.

*

Repercussão dos factos eliminados na medida da pena

Ao crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152º nº 1 al. b) e nº 2 do Código Penal, corresponde a moldura penal abstracta de dois a cinco anos de prisão.

A concretização da pena, dentro da referida moldura legal, obedece aos critérios definidos nos artigos 40º, nº 1 e nº 2 e 71º do Código Penal.

Em conformidade com o estatuído no citado artigo 40º, nº 1, a aplicação das penas “…visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ou seja, visa fundamentalmente atingir fins de prevenção geral (protecção dos bens jurídicos) e fins de prevenção especial (reintegração do agente). Não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do citado artigo 40º).

A quantificação da culpa e o grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras para o caso concreto, faz-se através da “ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele”, tal como decorre do artigo 71º, nº2 do CP.

O limite máximo da pena fixar-se-á – atendendo à salvaguarda da dignidade humana do agente – em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize, eficazmente, essa protecção dos bens jurídicos penalmente protegidos.

A resposta às necessidades de reintegração social do agente, encontrar-se-á entre aqueles dois limites.

Retomando o caso sub judice, temos, como factores de valoração que militam a favor do arguido, a integração familiar e profissional à data dos factos.

Por outro lado, a ilicitude do facto e o modo de execução deste exigem uma censura penalmente relevante, considerando sobretudo o carácter reiterado, intenso e duradouro da conduta em apreço, com recurso sobretudo a maus tratos psíquicos - alínea a) do n.º 2 do art.° 71.° do Código Penal; embora o grau relevante de tal ilicitude seja atenuado pela relação bastante conturbada e conflituosa que o arguido e a ofendida mantinham.

-     a relativa gravidade das consequências resultantes da actuação do arguido, porquanto a ofendida, por causa da referida actuação do arguido, ficou lesada na sua dignidade pessoal e saúdepsíquica e mental - alínea a) do mencionado n.º 2 do art.° 71.° do Código Penal;

-     o dolo directo do arguido, de grau mediano - art.° 71.°, n.° 2, alínea b), do Código Penal;

O alarme social causado pela comissão deste tipo de crimes é enorme, sendo, assim, a prevenção geral elevada.

Quanto à prevenção especial, verifica-se que os antecedentes criminais do arguido já sinalizam uma personalidade algo avessa ao cumprimento de regras sociais fundamentais.

-     assim, as fortes exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir na situação em apreço, embora os antecedentes criminais do arguido respeitem a crimes de diferente natureza do ora em apreço.

Através de um juízo analítico de todos estes factores, deve entender-se, com propriedade, que in casu a moldura de prevenção fica balizada próximo do limite mínimo apesar de a violência doméstica ser uma realidade social muito grave e que urge combater, tomando particularmente prementes as exigências de prevenção geral.

Tendo em conta o intuito de ser conferida à pena ora aplicada uma função integradora, entende-se ajustado que a medida da pena seja fixada em dois anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução.

*

Não se nos afigura que a invocada repercussão na medida da pena se repercute no valor da indemnização cível arbitrada, em que foram observados os critérios legais aplicáveis.

III. DISPOSITIVO

Termos em que, acordam os Juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência:

- julgar verificada a excepção do caso julgado por violação do princípio ne bis in idem no que respeita aos factos descritos do 4º parágrafo da acusação até ao facto “No dia 13 de Março de 2009, na sequência de mais uma discussão o arguido desferiu um murro no rosto da ofendida”;

- eliminar os factos provados nºs 3 a 11.

- condenar o arguido A... pela prática em autoria material, de um crime de violência doméstica, agravado, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a) e c) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.

- determinar a suspensão da execução da pena de prisão pelo mesmo período de tempo, acompanhada de regime de prova afim de promover a reintegração do condenado na sociedade, assente em plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (art. 53º, nº1 e 2 do CPenal) e ainda condicionado às seguintes regras de conduta (art. 52º, nº3 do CPPenal):

 (1) Proibição de contactar com a vítima por qualquer meio;

 (2) Proibição de uso e porte de armas pelo período de dois anos e seis meses;

 (3) Proibição de se aproximar do local de trabalho e do local de residência da assistente, sem prejuízo dos contactos excepcionais e estritamente relacionados com a regulação das responsabilidades parentais, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se se vier a revelar continuar a ser necessário.

Manter no mais a sentença recorrida.

Sem tributação.

Coimbra, 9 de Março de 2016

(Isabel Valongo)



(Jorge França)



[1] in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da CEDH, página 1055, ponto 20.


(Certifica-se que o acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).