Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2823/14.4T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS
CONTAS SOLIDÁRIAS
Data do Acordão: 06/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 403.º A 407.º DO CÓDIGO COMERCIAL
ARTIGOS 607.º, 4 E 5; 655.º, 1; 780.º E 821.º, DO CPC
ARTIGOS 342.º, 1; 350.º; 516.º; 528.º, 1; 533.º; 550.º; 796.º, 1; 1142.º E 1144.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. As contas solidárias podem ser movimentadas, tanto a crédito como a débito por qualquer dos titulares, sozinhos, livremente, qualquer deles pode fazer levantamentos, e o banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade do depósito a um único dos titulares.

II. Nos termos do art.º 528º, n.º 1 do Cód. Civil, o banco pode escolher o credor solidário a quem pagar, enquanto não tiver sido judicialmente citado para a respectiva acção por outro credor, cujo crédito se ache vencido.

III. No que respeita à atribuição do saldo (direito de crédito sobre o banco), e não, portanto, da propriedade das quantias depositadas, face ao que se deixou dito, na conta solidária, e no que toca às relações entre os titulares e o banco, vale a presunção do art.º 516º do Cód. Civil, no que respeita à repartição do saldo: presume-se que todos os titulares participam em partes iguais no saldo, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, podendo a presunção ser ilidida nos termos gerais.

IV. E se um destes credores for satisfeito para além da parte que lhe compete no crédito comum, tem de satisfazer os outros na parte que lhes cabe nesse crédito (art.º 533º do Cód. Civil).

V. Nas relações internas, presume-se que os titulares (credores solidários) comparticipam em partes iguais no saldo, valendo a presunção consagrada no art.º 516.º do C.C. Porém, uma vez que a propriedade da quantia depositada pode pertencer apenas a um deles, tem de se admitir que aquele a quem ela pertença faça prova do seu direito.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

Proc.º n.º 2823/14.4T8PBL-A.C1

   1. Relatório

1.1. - AA, viúvo, contribuinte fiscal ..., residente na Rua ..., F, ..., ..., deduziu embargos de terceiro contra o Exequente BB e contra a Executada CC, sustentando, em síntese, que o saldo existente na conta n.º ...33 da CCAM de ... e penhorado nos autos é de sua exclusiva propriedade e que a Embargada consta como contitular desde 31 de março de 2022, para que, numa situação futura e urgente de impossibilidade do Embargante, possa movimentar e aceder aos respetivos saldos. Conclui pela procedência dos embargos, pelo cancelamento da penhora e restituição da quantia penhorada.

                                                           **

1.2. Em 28 de junho de 2022 foi proferido despacho a receber os embargos, e as partes primitivas notificadas para, querendo, contestarem.

O Exequente apresentou contestação, sustentando, em síntese, que a conta bancária e valores nela constantes são da titularidade de Embargante e Executada, pois a executada é titular da conta e contitular das quantias que se encontram na referida conta, tanto mais porque Embargante e Executada vivem em união de facto desde o ano de 2020. Conclui pela improcedência dos embargos.

                                                           **

1.3.- Foi proferido despacho, que, para além do mais, fixou o valor da causa, o objeto do litigio e os temas da prova, admitiu os requerimentos probatórios e designou dia para audiência de julgamento.

Foi realizada audiência de julgamento com observância das formalidades legais.

            Após foi proferida sentença onde se decidiu, julgar procedentes, por provados, os presentes embargos de terceiro e, em consequência, ordenou-se o cancelamento da penhora que incide sobre a conta bancária n.º ...33 e restituição das quantias cativas ao Embargante, por ser o seu único titular.

Custas a cargo do Embargado / Exequente.

Registe, Notifique e Comunique.

                                                                       **

            1.4. – Inconformado com tal decisão dela recorreu o exequente - BB, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “ 1) Conforme resulta de fls., o Exequente, aqui Recorrente intentou contra a Executada CC execução para cobrança de valores relativos aos honorários, conforme consta de fls.;

2) No decurso da Execução foi penhorada a conta bancária nº ...33 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ... em que é contitular a Executada CC;

3) Por apenso à presente Execução, o Embargante AA veio apresentar Embargos de Terceiro, alegando o que consta de fls.;

4) Citado dos Embargos de Terceiro, o Exequente/Embargante alegou o que acima se transcreveu;

5) Realizou-se a Audiência de Julgamento;

6) Por Sentença de fls., foi decidido o acima transcrito;

7) A Executada CC a partir de março de 2022 passou a ser titular da conta penhorada no âmbito dos presentes autos;

8) Estamos perante uma conta solidária em que ambos, Executada e Embargante são titulares da referida conta, podendo fazer todas as movimentações e intervenções na mesma sem o consentimento um do outro;

9) Nas contas solidárias basta para o efeito a intervenção de qualquer dos titulares, indistinta e isoladamente, subscrevendo cheques ou acordos de pagamento, indepentemente da autorização ou ratificação do Embargante;

10) Dos elementos constantes nos autos, para além das declarações de parte do Embargante, e da Executada, partes interessadas nos presentes autos, nenhuma outra prova foi feita de que a conta e o dinheiro não é pertença da Executada;

11) Não consta nos autos prova de que a Executada apenas ficou a constar da referida conta, por motivos de saúde do Embargante;

12) Até porque nenhum documento sobre essa questão foi junto;

13) Apenas foi alegado pelas partes interessadas, sem outro suporte;

14) A titularidade da conta para além dos documentos juntos foi corroborada, pela testemunha DD, cujo depoimento consta gravado na 20221114142318_4111143_3994043, do minuto 00:00:00 ao minuto 00:11:18 e que abaixo se transcreveu;

15) Tendo em conta os elementos constantes nos autos, bem como a prova, dúvidas não existem de que a Executada é titular da conta penhorada, bem como dos valores nela constantes;

16) Do depoimento prestado pela testemunha EE, cujo depoimento se encontra gravado na faixa 20221213101215_4111143_3994043, do minuto 00:00:00 do minuto 00:15:37, que acima se transcreveu também ficou provado que a Executada CC é titular da conta penhorada nos presentes autos, sem qualquer restrição;

17) Há valores que constam da conta que não se pode afirmar com toda a certeza que não são da titularidade da Executada CC;

18) Deve ser dado como não provado o facto que consta no ponto vii) dos factos dados como provados, com todas as consequências legais daí resultantes;

19) E deve ser dado como não provado o facto constante no ponto V dos factos dados como provados, com todas as consequências legais daí resultantes;

20) Para além das declarações das partes interessadas, nenhuma outra prova foi feita sobre tal facto;

21) E consequentemente deve ser dado como provado que a conta nº ...33, bem como os valores nela existentes são pertença da Executada e do Embargante, com todas as consequências legais daí resultantes;

22) Não consta dos autos, nem dos documentos juntos, que os valores depositados na referida conta apenas são pertença apenas e só do Embargante;

23) Tendo em conta a prova produzida, bem como os documentos juntos, não resultou provado que os valores constantes da conta apenas pertenciam ao embargante;

24) Deve ser revogada a Sentença recorrida, com todas as consequências legais daí resultantes, o que, desde já e aqui se requer;

25) Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto e juridicamente relevante, suscetível de informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão do Recorrente;

26) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão;

27) O (Tribunal) com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos do Recorrente, em não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;

28) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo limitou-se apenas e tão só, a emitir uma Sentença “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: a prova produzida em Julgamento; os documentos juntos; os elementos constantes no processo; etc.;

29) Deixando a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;

30) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão;

31) Cometeu, pois, uma nulidade;

32) A Sentença recorrida viola:

a) Artigos 154º, alíneas b), c) e d) do artigo 615º do Código do Processo Civil;

b) Artigos 13º, 20º, 202º, 204º, 205º da C. R. P.

Termos em que se requer a V. Exas. a REVOGAÇÃO da Sentença recorrida, por ser de LEI, DIREITO e

JUSTIÇA”

                                                                       **

            1.5.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. respondeu o embargante - AA-, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “A. O presente recurso ordinário foi interposto sobre a douta SENTENÇA datada de 28/12/2022, que julgou procedentes, por provados, os embargos de terceiro apresentados pelo Embargante e ora Apelado AA e, em consequência, foi ordenado o cancelamento da penhora que incide sobre a conta bancária n.º ...33 e a restituição das quantias cativas ao Embargante, “por ser o seu único titular”.

2. DO EFEITO SUSPENSIVO DA PRESENTE APELAÇÃO

B. O Apelante pretende que seja conferido efeito suspensivo ao presente recurso por remissão expressa no seu requerimento de recurso para o artigo 647.º/3/alínea a) do CPC.

C. Não assiste razão ao Apelante porquanto o caso sub judice não respeita sobre “o estado das pessoas”, nem integra nenhuma das outras excepções previstas no artigo 647.º/3 do CPC, nem tão-pouco o Apelante se socorreu do expediente processual consagrado no artigo 647.º/4.

D. Assim, a presente Apelação tem efeitos meramente devolutivos (cfr. artigo 647.º/1 do CPC), com todos os efeitos legais que daí decorrem.

3. DESENVOLVIMENTO

E. Na sua Motivação de Recurso, o Apelante BB invoca (i) erro notório na apreciação e valoração da prova, considerando que devem ser dados como não provados os pontos V e VII dos factos dados como provados e como provado “que a conta n.º ...33, bem como os valores nela existentes são pertença da Executada e do Embargante”, e (ii) falta de fundamentação de facto e de direito por parte da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, a qual no entendimento do Apelante teria cometido uma nulidade.

F. O Apelante termina as suas conclusões pugnando pela revogação da SENTENÇA recorrida.

G. Não assiste qualquer razão ao Apelante, pois não se verificam os vícios invocados de erro notório na apreciação e valoração da prova e de falta de fundamentação da sentença prolatada pelo Tribunal a quo.

H. Desde logo, porque o Apelante confunde o regime de movimentação de contas bancárias com a pertença das quantias existentes em cada conta bancária, contrariando dessa forma o entendimento maioritário das decisões jurisprudenciais dos nossos Tribunais Superiores (vg. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa - Proc.º n.º 149-14.2TCFUN-E.L1-6, de 23/11/2017, e Ac. Tribunal da Relação de Guimarães - Proc.º n.º 1413/06.0TBFAF-B.G1 de 13-02-2020).

I. Depois porque durante a audiência de julgamento, foi feita prova clara e concludente em como todas as quantias existentes na conta bancária n.º ...33 pertencem em exclusivo ao Apelado, sem prejuízo da conta em causa se encontrar sujeita ao regime da solidariedade.

J. E, consequentemente, a presunção legal prevista no artigo 516.º do Código Civil foi considerada ilidida ao abrigo do artigo 350.º do Código Civil, com todas as legais consequências.

K. Não obstante, o Apelante não se conforma que o Tribunal a quo tenha dado como provados o PONTO V (“v. Com receio do futuro e porque não tem qualquer familiar mais próxi-mo, o Embargante pediu à Embargada e Executada CC pa-ra ficar como contitular na mencionada conta n.º ...33, na eventualidade de ficar impossibilitado de poder movimentar e aceder aos respetivos saldos e valores em caso de necessidade e/ou urgência.“) e o PONTO VII (“vii. A Embargada e Executada CC não transferiu nem depositou qualquer quantia própria para / na referida conta n.º ...33 desde 31 de março de 2022 até à data da penhora.”), propugnando que estes pontos de facto concretos tivessem sido julgados como não provados.

L. Na sua Motivação de Recurso, o Apelante não identifica quaisquer elementos probatórios e ou novos elementos que pudessem eventualmente colocar em crise a factualidade que foi considerada como provada pelo Tribunal a quo.

M. Atenta a prova produzida, a qual está devidamente plasmada na SENTENÇA recorrida, o Tribunal a quo decidiu bem quando julgou como provado os factos constantes do PONTO V e do PONTO VII.

N. O Apelante também não se conforma que o Tribunal a quo não tenha dado como provado o alegado facto de “que a conta n.º ...33, bem como os valores nela existentes são pertença da Executada e do Embargante”, porquanto ― alegadamente ― “não resultou provado que os valores constantes da conta apenas pertenciam ao Embargante”.

O. Ora, a SENTENÇA recorrida é suficiente, clara e inequívoca e demonstra à saciedade que o Tribunal a quo ponderou devida e criticamente todos os meios de prova e, em consequência, julgou ― e bem! ― que todos os valores existentes na conta bancária em causa pertencem e sempre pertenceram em exclusivo ao Apelado.

P. Dentro do princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal a quo ponderou bem o conjunto da prova documental junta aos autos (maxime, caderneta junta aos autos pelo Embargante e os movimentos da mencionada conta) e confrontou a mesma, de forma crítica, com a prova testemunhal, com o depoimento da Embargada CC e com as declarações prestadas pelo ora Apelado em audiência de julgamento, permitindo-lhe produzir uma decisão clara, fundamentada e inequívoca.

Q. Na audiência de julgamento os factos alegados pelo Embargante e ora Apelado foram dados como provados, não restando quaisquer dúvidas ou incertezas nomeadamente quanto ao seguinte:

 Com receio do futuro e porque não tem qualquer familiar mais próximo, o ora Apelado pediu à Embargada CC para ficar co-titular da conta bancária n.º ...33 na eventualidade de ficar impossibilitado de poder movimentar e aceder aos respectivos saldos e valores em caso de necessidade ou urgência.

 Apesar de constar como co-titular, a Embargada CC nunca transferiu nem depositou qualquer quantia própria nesta conta bancária, designadamente no período de tempo entre 31/03/2022 (data da alteração das condições de movimentação da conta bancária) e 26/05/2022 (data em que foi penhorado o saldo de € 7.881,41 existente na conta bancária).

 Nenhum valor que integra o saldo bancário desta conta pertenceu ou pertence à Embargada CC.

 É nesta conta bancária que o Embargante e ora Apelado deposita, recebe e movimenta as suas poupanças, investimentos e a sua pensão da CGA (Caixa Geral de Aposentações).

 Todas as quantias existentes na conta bancária n.º ...33 e das contas que lhe estão associadas pertencem e sempre pertenceram em exclusivo e por inteiro ao ora Embargante e Apelado AA, que exerce sobre as mesmas uma posse real e efetiva.

R. Foi com base nos factos que deu como provados que o Tribunal a quo decidiu que a presunção legal prevista no artigo 516.º do Código Civil foi considerada ilidida nos termos do artigo 350.º do Código Civil.

S. Na sua Motivação de Recurso o Apelante considerou ainda que existiu falta de fundamentação de facto e de direito por parte da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, a qual teria assim cometido uma nulidade.

T. Também aqui não assiste qualquer razão ao Apelante, nomeadamente porque a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, depois de valorar e ponderar criticamente toda a prova produzida, justificou cada facto que julgou como provado e plasmou de forma objectiva o seu raciocínio e motivação (vd. páginas 3 a 6 da SENTENÇA recorrida).

U. Igualmente no tocante à fundamentação de direito não existem reparos ou críticas a fazer à Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ― a SENTENÇA recorrida apresenta-se, quer no aspecto técnico, quer em termos materiais, elaborada de forma objectiva na escolha da factualidade pertinente e possível para a decisão e na leitura jurídica desses mesmos factos, em particular dos factos provados.

V. Pelo que, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não cometeu qualquer nulidade.

W. Em suma, o Tribunal a quo julgou bem ao proferir SENTENÇA que julgou procedentes os os embargos de terceiro, fazendo assim Justiça.

X. O Tribunal a quo aplicou a decisão mais justa para a situação em apreço, não fazendo uma aplicação cega e ou discricionária do enquadramento legislativo, mas antes fazendo uma interpretação cuidada e conforme com o efeito pretendido pelo legislador e de acordo com os princípios que regem o nosso sistema jurídico.

Y. Pelo exposto, deve ser mantida a SENTENÇA recorrida nos seus exatos termos e, em consequência, os embargos de terceiro devem ser procedentes, a penhora que incide sobre a conta bancária n.º ...33 ser cancelada e, por fim, a quantia cativa no montante de € 7.881,41 deve ser restituída ao Apelado AA .

Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão,

deve o presente Recurso ser considerado improcedente por não provado e, consequentemente, ser mantida na íntegra a SENTENÇA recorrida, com todas as consequências legais Fiat justitia, et pereat mundus”

                                                                       **

            1.6.- Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

            “ A decisão é recorrível (artigo 629.º, n.º 1, ex vi, artigo 853.º do CPC).

O recorrente tem legitimidade (artigo 631.º, n.º 1 do CPC).

O recurso é tempestivo (artigo 638.º do CPC).

Assim, admito o recurso interposto, que é de apelação (artigo 644.º, n.º 1, al. a) do CPC), a subir nos próprios autos (artigo 645.º, n.º 1, al. a) do CPC) e com efeito devolutivo (artigo 647.º, n.º 1 do CPC).

As contra-alegações são tempestivas e legais.

Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

                                                                       **

            1.7. Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                                       **

                                                           2. Fundamentação.

a. Factos provados:

i. No dia 26 de maio de 2022, foi penhorado o saldo de 7.881,41 euros, que faz parte integrante da conta bancária DO ...33 da CCAM de ....

ii. A referida conta bancária foi aberta pelo Embargante no dia 15 de outubro de 2001, sendo o seu único titular.

iii. No dia .../.../2016 faleceu a única filha do Embargante e no dia .../.../2018 faleceu o seu cônjuge.

iv. Há cerca de quatro anos o Embargante passou a viver na companhia da Embargada e Executada CC.

v. Com receio do futuro e porque não tem qualquer familiar mais próximo, o Embargante pediu à Embargada e Executada CC para ficar como contitular na mencionada conta n.º ...33, na eventualidade de ficar impossibilitado de poder movimentar e aceder aos respetivos saldos e valores em caso de necessidade e/ou urgência.

vi. O que veio a acontecer no dia 31 de março de 2022.

vii. A Embargada e Executada CC não transferiu nem depositou qualquer quantia própria para / na referida conta n.º ...33 desde 31 de março de 2022 até à data da penhora.

viii. É na referida conta n.º ...33 que o Embargante deposita, recebe e movimenta as suas poupanças, investimentos e a pensão da CGA.

b. Factos não provados

Não existem.

                                                                                         ***

  3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir consistem em saber:

A)-Saber se a sentença recorrida é nula por violação das alíneas b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

B)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

C) – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e proferido acórdão que julgue improcedentes os embargos.

D)- Saber se foram violados os art.ºs 13º, 20º, 202º, 204º, 205º da C. R. P.

            Tendo presente que são três as questões a decidir, por uma questão de método iremos analisar cada uma de per si.

               Assim,

A)-Saber se a sentença recorrida é nula por violação das alíneas b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

            Antes de entrarmos na análise desta matéria, cabe referir, que muito embora o Tribunal “a quo” não tenha observado o preceituado no n.º 1, do art.º 617.º, do C.P.C., este Tribunal, entende não ser indispensável, mandar baixar o processo para que observe o n.º 1, do preceito.

            Dito isto, passemos analisar a questão.

O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (cfr. . Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.)

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).

As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Enquanto nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (cfr. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI).

Analisemos os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:

1. O vício consagrado na al. a) reporta-se à falta de assinatura do juiz, que no caso em apreço não é posto em causa.

2. Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito, questão invocada pelo recorrente.

 Como se sabe “ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 735).

Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736).

Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a) (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736).

Dito isto, vejamos se assiste razão ao recorrente.

Operando à leitura da sentença recorrida, não vislumbramos, onde exista falta de fundamentação quer de direito quer de facto.

Na verdade, na mesma escreve-se a razão da sua convicção e o porquê da mesma. Também no que concerne à fundamentação de direito explica a razão jurídica, que em seu entender era de aplicar.

Assim, pelo exposto não vislumbramos a nulidade invocada, logo não foi violado o art.º 154.º, do C.P.C., nem a al.ª b), do n.º 1, do art.º 615.º, do mesmo diploma.

3. Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, questão invocada pela recorrente.

Sobre esta temática cumpre referir que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b) (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736-737).
Ou seja, a contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão.
Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (cfr. A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 615, ainda nas palavras do citado autor, ainda que aludindo ao ar.º 668,do C.P.C.
revogado, cujo significado é o mesmo do actual art.º 615, sublinhado é nosso, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
A obscuridade verifica-se «quando a sentença ou parte dela, é ininteligível» e a ambiguidade, quando «a sentença ou parte dela se apresenta total ou parcialmente, com um sentido duplo» (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, anotado, II, pg. 672).
A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo» (cfr. Acórdão do S.T.J. de 28.03.2000 in (Sumários, 59.º).

Operando à leitura da decisão recorrida não vislumbramos que ocorra tal nulidade.

Na verdade, operando à leitura da mesma, não vemos que a mesma seja ambígua ou obscura que torne a decisão ininteligível, pois, a mesma refere o pensamento do decisor e onde assenta esse seu pensamento, pois basta, proceder à sua leitura para tal se verificar. Nem vislumbramos que a mesma seja contraditória entre si.

Pode o recorrente não concordar com a decisão, não pode, quanto a nós, é invocar a nulidade da citada alínea c), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C., desde logo, por da leitura da mesma se ficar a saber onde assentou o seu pensamento e as razões que o levaram a decidir, em tal sentido.

Assim, não vislumbramos a sua existência, pelo que, nesta medida, a pretensão da recorrente não pode proceder.

 4. Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia, invocada pelo recorrente.

Cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737).

Sobre esta matéria refere-se no Acórdão da Rel. de Guimarães, proc.º n.º 1799/13.0TBGMR-B, Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (cfr. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143).

Assim, já referia Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (cfr. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI.).

Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.

Operando à leitura da sentença recorrida não vislumbramos a nulidade invocada, desde logo, por a mesma se ter pronunciado sobre a questão colocada e não ter ido além do pedido.

5. Quanto ao vício consagrado na al. e) : condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, questão não levantada pelo recorrente.

Pelo exposto, não vislumbramos as nulidades da sentença, invocadas pelo recorrente, com base na violação das al.ªs b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                                                         **

B)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

Segundo o recorrente e tendo presente o referido pelas testemunhas DD e EE, não se pode afirmar com toda a certeza que não são da titularidade da Executada CC, pelo que os ponto v e vii, dos factos provados devem passar a não provados.

            Opinião oposta tem o recorrido que pugna pela manutenção do decidido.

                                                                       *

            Sobre tal matéria refere a sentença recorrida

O ponto i) dos factos provados foi assim considerado em face da conjugação do auto de penhora lavrado nos autos de execução e cuja cópia está junta aos autos a fls. 8 v.º a 9, com o print de fls. 10 dos autos.

O ponto ii) dos factos provados foi assim considerado em face do que consta do documento junto aos autos a fls. 16 v.º, conjugado com o depoimento lesto e coerente da testemunha EE, funcionário bancário, a exercer funções, há 21 anos, na CCAM de ....

O ponto iii) dos factos provados foi assim considerado em face do que consta dos procedimentos simplificados de habilitação de herdeiros de fls. 12 v.º a 13 e de fls. 14 e v.º dos autos.

Os pontos iv) a viii) dos factos provados foram assim considerados em face do depoimento da Embargada / Executada CC que referiu que o Embargante é seu companheiro há quatro anos, i.é, desde que a esposa dele faleceu.

As despesas do casal são pagas a meias e não tem nada a ver com as contas bancárias do Embargante, assim como ele não tem nada a ver com as suas. Questionada veio a referir que a sua pensão de reforma é transferida para uma conta bancária sua, que nada tem a ver com a conta bancária penhorada, que é do Embargante.

A este respeito, a Senhora Agente de Execução, DD, referiu que a Embargada / Executada é titular de outras contas bancárias sediadas no Santander, no BCP e na CGD, cujo saldo, porém, é impenhorável.

A Embargada / Executada referiu ainda que o que motivou a alteração da titularidade da conta foi o facto de o Embargante ter sido submetido a cirurgias (uma em dezembro do ano passado e outra, três meses depois) que o incapaci-taram e trouxeram o receio de, no futuro, surgirem situações idênticas e preci-sar que alguém possa fazer movimentos na conta.

Referiu que para tal – alteração da titularidade da conta -, deslocou-se ao banco e assinou uns documentos, que de resto constam a fls. 17 v.º a 18 dos autos.

Mais referiu que essa foi a única vez que contactou com aquele balcão, o que de resto foi confirmado pela testemunha EE que referiu que, não obstante a alteração da titularidade da conta, ocorrida em 31 de março de 2022, não teve qualquer interação com a Embargada / Executada, para além do episódio de alteração da titularidade da conta, situação que foi tratada por si.

Esta testemunha referiu ainda – corroborando, assim, as declarações do Embargante – que o Embargante compra, com regularidade ações e associada à carteira de ações está a única conta que o Embargante tem na CCAM de ... – a aqui em crise – e que a esse respeito ou qualquer outro nunca recebeu instruções / ordens da Embargada / Executada.

Analisada a caderneta junta aos autos pelo Embargante – fls. 19 a 21 v.º (=42 a 45 v.º) - e, bem assim, os movimentos da mencionada conta – fls. 46 a 52 v.º -, referente ao período de janeiro de 2022 a 20 de agosto de 2022, verificamos, sobretudo, movimentos a débito, sendo os movimentos a créditos referente à Pensão da CGA, referente à SCML Dep. Jogos, dividendos CTT e da EDP, um depósito de numerário de 350 euros, transferências de 100,00 euros, de 2500,00 euros, de 124,67 euros, de 92,31 euros, de 81,51 euros, um cheque vi-sado de 107 mil euros.

Em declarações, o Embargante esclareceu que quando a filha faleceu recebeu uma indemnização de 84 mil euros e 120 mil euros da venda de uma casa em ... e com esse dinheiro pagou as suas dividas, nomeadamente, o carro.

No conspecto da prova produzida, concluímos que não obstante Embargante e Embargada / Executada serem companheiros há 4 anos, a mudança de titularidade da conta ficou a dever-se, exclusivamente, a razões de índole prática, i.é, de movimentação da conta

De facto, até 31 de março de 2022 o Embargante era o único titular da conta; não sendo a Embargada / Executada seu cônjuge, mas, apenas, sua companheira /unida de facto, tal significa que o Embargante era a única pessoa com legitimidade para a movimentar, nomeadamente, a débito.

O problema de saúde do Embargante, que o conduziu, por duas, vezes, a intervenções cirúrgicas e a incapacidade daí resultante, fê-lo compreender a necessidade de conferir a alguém, da sua confiança, a possibilidade de movimentar a sua conta bancária e, assim, poder continuar a providenciar pelas suas necessidades e despesas, em caso de incapacidade / necessidade.

Só faz sentido conferir essa possibilidade a quem, neste momento, partilha a vida consigo, ou seja, a Embargada / Executada.

Assim, o Embargante contornou o que poderia ser, no futuro, o potencial problema de ser a única pessoa com legitimidade para movimentar o saldo da conta bancária n.º ...33 e inerente incapacidade para prover às suas necessidades e pagamento das suas despesas.

A versão do Embargante, corroborada pela Embargada / Executada, tem sentido e mostra-se adequada à realidade, considerando-se, por isso, credível.

Ademais, nada nos movimentos da conta bancária sugerem movimentos a crédito da Embargada, nem antes, nem depois da alteração da titularidade da conta.

Sem prescindir que não se alcançam rendimentos à Executada – excetuando a pensão já penhorada nos autos – que possibilitassem movimentos a crédito”.

                                                           *

Como se sabe, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. 

É sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc. (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas Prova, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas de Prova”  II Vol. cit., p. 273).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348).

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Daí que conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, não descurando a vertente que a prova tem de ser analisada em conjunto.

É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. cfr. Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348).

Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.

Cabe ainda referir que advogamos o defendido no Ac. desta Relação de 10/7/2018, proc.º n.º 1445/16.0T8FIG.C1, relatado por Luiz José Falcão de Magalhães, do qual somos 1.º adjunto, onde refere citando o Ac. da mesma relação de 4/4/2017, proc.º n.º 516/12.6TBPCV.C1), relatado por Jorge Arcanjo «… o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, tem que reconhecer que o tribunal a quo, está em melhor posição.

Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento ( cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 ( proc. nº 241/05), de 1/7/2014 ( proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt ), tanto mais que o nosso sistema é predominantemente de reponderação (…)».

Ao que acresce que o dever de fundamentação da decisão de facto, exige actualmente a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, conforme dispõe, no que concerne à sentença, o artº 607º, nº 4 do CPC, segundo os diversos critérios legais e jurisprudenciais, tendo em conta que, na formação da convicção do julgador rege o princípio da livre apreciação das provas, excepto nos casos previstos no nº 5 do artº 607 do C.P.C.-aqueles para cuja prova seja exigida formalidade especial, os que só possam ser provados por documentos e os que estejam já provados por acordo, documento ou confissão das partes.

É este dever de fundamentação imprescindível a um processo equitativo e contraditório, salvaguardando as garantias das partes e possibilitando a sua cabal reacção, em caso de discordância em relação a esta convicção, bem como assegurando que o tribunal de recurso tem todos os elementos necessários para a apreensão e reapreciação da matéria fáctica.

Conforme referido por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297,), “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…).

Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.

De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.

Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.

                                                                       *

Da audição da prova resulta.

CC, companheira do embargante há 4 anos.

Afirma conhecer o AA há mais de 40 anos. Que a filha do AA faleceu, há 6 anos num acidente de viação e que a sua mulher faleceu há 4 anos.

Quanto à conta em causa refere que a mesma é do AA, que ela não faz qualquer movimento da conta, não sabe o saldo existente na mesma, nem tem qualquer cartão da mesma. Cada um tem as suas contas ela tem as dela e ele tem as dele. Alias, ela nunca teve conta nesse banco. O dinheiro da sua pensão vai para uma conta sua.

A razão do seu nome, constar nesta conta do AA, deve-se ao facto, dele ter sido operado duas vezes, no hospital ... e com receio de que algo sucedesse, e ser necessário alguma coisa, levou a que o seu nome fosse posto na conta, só por isso, nunca movimentou a mesma.

Foi-lhe exibido o doc. 8 junto com a P.I. (documento de alteração da conta, tendo conhecido a assinatura aposta no mesmo, referindo ser a sua. Não sabe se o AA tem outras contas e nada tem haver com as contas do AA.

Instada pelo mandatário do embargado refere que o doc. que lhe foi exibido foi por ela assinado em 31/3/2022, mas não é titular da conta, o titular é o AA ela nunca movimentou a conta.

O Tribunal lavrou assentada do referido pela mesma do seguinte teor:

ASSENTADA:

 A executada mantém uma relação de união de facto com o embargante, há 4 anos, e por isso partilha casa, com ele;

 confirma o teor do documento que lhe foi exibido identificado sob o nº 8 e concretizou que o requerido se ficou a dever a uma situação de necessidade do embargante, após cirurgias a que foi submetido;

 confirmou ainda, ter conhecimento que a filha e mulher do embargante faleceram, aquela primeira há 6 anos e esta há 4 anos;

 referiu tem desde há muitos anos a conta bancária e para onde é transferida o montante da sua pensão de reforma; nunca tendo utilizou por qualquer forma, nem a conta, nem o saldo bancário da conta objeto de penhora, nem lá depositou dinheiro.”

               Testemunha DD, A.E.

            Refere ter feito buscas para efetuar a penhora, das mesmas resultou ser possível fazer a penhora da conta em causa da qual também era titular a executada CC, pelo que bloqueou.

            A CC ligou-lhe a perguntar a razão da penhora, referindo-lhe que a conta não era dela, tendo ela apenas lá colocado o seu nome, pois a conta é de um amigo e o dinheiro é dele.

            Perguntada se a executada CC tem outras contas, após consulta, refere que sim, tendo-as em vários bancos.

            Afirma que a razão de ter penhorado naquela conta, se deveu ao facto das outras contas, não terem montante, possível de penhora.

            AA, embargante, em declarações, refere:

            Que a causa da ação se deve ao facto de ser lesado na sua conta. Soube da penhora, por o gerente da C.G.A. lhe ter telefonado. É viúvo a mulher faleceu há 4 anos e a filha há 6 anos, após acidente de viação e que vive com a CC há 4 anos.

            Esta não tem acesso à sua conta, nem cartões, não faz qualquer movimento da conta. O nome da CC foi colocado na conta por ter sido operado e ter receio de que algo pudesse correr mal, por isso, colocou o nome da CC na conta.

            Instado sobre os montantes da conta, refere que recebeu uma indemnização de 84.000,00€, pela morte da filha, recebeu 120.000,00€ da venda de uma casa em ..., levantou 35.000,00€, mais 18.000.00€, mais 10.000,00€, para comprar ações.

            Foi-lhe exibido o doc. 8 da P.I. confirmou que do mesmo consta a sua assinatura e a assinatura da CC, esse documento é da alteração da conta. Contudo, a CC nunca movimentou a conta, nem fez qualquer depósito na mesma. Ela não mexe na conta.

            Testemunha EE, bancário

            Refere ser comercial assistente do AA. A CC figura como também como titular da conta desde 31/3/2022, data da assinatura do Doc. 8, documento que lhe foi exibido, pelo que é co-titular da conta desde essa data.

            O AA tem uma carteira de ações e o movimento da mesma é da conta em causa.

            A CC nunca deu ordem de compra de ações ou outras ordens, quem dava as ordens era o AA.

            Conjugando o teor dos depoimentos supra, com os documentos juntos aos autos, não vislumbramos razão para alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância.

            Na verdade, muito embora a CC seja co-titular da conta, o que nem sequer é negado, quer pela CC quer pelo AA, que referem que o nome da CC consta da conta. O que referem de forma muito clara e convicta é que o dinheiro é do AA, e que ela nunca movimentou a compra, com depósitos ou levantamentos.

            Assim, como já referimos  não vislumbramos, qualquer razão, para alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, tanto mais, que advogamos que este Tribunal da Relação apenas deve alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, quando algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes, o que não sucede no caso em apreço, antes indo no sentido da prova feita.

                                                                       **

C) – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e proferido acórdão que julgue improcedentes os embargos.

Refere o recorrente que a sentença recorrida, deve ser revogada, e substituída por acórdão, que julgue improcedente os embargos de terceiro.

Assenta, desde logo, a sua pretensão na alteração da matéria de facto onde não obteve vencimento.

Assim, a matéria de facto onde assenta o direito aplicar é a fixada em 1.ª instância.

Dispõe o art.º 342º, nº 1 do CPC, se qualquer ato, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte da causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.

Estes ajustam-se à defesa de qualquer direito (incluindo, pois, os meros direitos de crédito), de que seja titular quem não seja, parte na causa, incompatível com a realização ou o âmbito de uma diligência ordenada judicialmente” AC do TRP de 13.11.2000 in WWW ITIJ /TRP.

 Muito embora o art.º 342.º, do C.P.C., vigente, que corresponde ao artº 351º nº 1 do CPC, revogado, tenha a sua génese no artigo 1037º CPC, redacção anterior a 1995/96, sofreu alterações de monta.

Releva o facto de os embargos passarem, a basear-se, para além da ofensa, a posse, em ofensa, a qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito de uma diligência judicialmente ordenada.

Os embargos de terceiro fundamentam-se numa posse ou num direito incompatível do terceiro sobre aquele bem (geralmente um bem penhorado) e visam impugnar a legalidade desse mesmo acto. “Através deles, agora relativamente desvinculados da posse, pode o embargante efectivar ou defender, para além da posse, qualquer direito de conteúdo patrimonial ilegalmente afectado pela diligência de tipo executivo”. Miguel Teixeira de Sousa Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex Lisboa 1997 pg 460-461.

A penhora de depósitos bancários está prevista no art. 780.º do Cód. Proc. Civil, sendo feita por comunicação eletrónica realizada pelo agente de execução às instituições legalmente autorizadas a receber depósitos nas quais o executado disponha de conta aberta, com expressa menção do processo.

A referida comunicação tem de conter, sob pena de nulidade, os elementos previstos no n.º 3 do art. 780.º do Cód. Proc. Civil.

Quando forem vários os titulares da conta, o bloqueio só incide sobre a quota-parte do Executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais (Art. 780.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).

Como estabelece o artigo 821º, nº 1 do CPC, estão sujeitos à execução todos os bens do devedor... E o seu nº 2 determina que nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele.

Portanto, em princípio, só estão sujeitos à penhora os bens do executado, seja ele o devedor seja um terceiro (mas aqui entenda-se “terceiro” em relação à obrigação exequenda e não em relação à execução). Só excepcionalmente, nos casos previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro (nesta acepção), mas mesmo assim, desde que a execução tenha sido movida contra ele”. Ac desta Relação de 14.05.04 in WWW.ITIJ/TRL .

“In casu”, está, porém, afastada a posse como sendo a situação lesada pela diligência.

É que, o depósito bancário está sujeito às regras do depósito mercantil (art.ºs 403º a 407º do Cód. Com.), e mais disposições aplicáveis, subsidiariamente, pelos estatutos e pelos usos mercantis bancários. E, de entre estas disposições aplicáveis, importa aqui destacar os art.ºs 1142º e 1144º do Cód. Civil.

Nos termos do primeiro, o depositante empresta dinheiro ao banco ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, mais os juros, se, devidos. Nos termos do segundo as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega. O que mostra que o contrato de depósito bancário é, quanto à sua constituição, um contrato real “quoad effectum”, sem deixar de ser simultaneamente um contrato obrigacional “quoad effectum”, com o depositante a gozar do direito de crédito à restituição de “tantundem eiusdem generis” (crédito de valuta a que se aplica o princípio do nominalismo - art.º 550 do Cód. Civil).

Donde e pelo que vem dito, o depositante troca a propriedade da soma depositada por um direito de crédito à restituição de outro tanto, com a transferência do risco a acompanhar a transmissão da propriedade (res perit domino - art.º 796º, n.º 1 do Cód. Civil) neste sentido, João Calvão da Silva in Direito Bancário Liv Almedina Coimbra, 2001, pg 348
Neste entendimento, “o depósito bancário constitui um depósito irregular, sujeito às regras do mútuo na medida do possível, por meio do qual a posse e a propriedade do dinheiro depositado pelo cliente se transferem para o banco que recebeu o depósito, ficando o cliente depositário com um direito de crédito sobre o banco de outro tanto da soma depositada”. Citado Ac deste Tribunal de 14.05.04 in WWW.ITIJ.
As contas solidárias podem ser movimentadas, tanto a crédito como a débito por qualquer dos titulares, sozinhos, livremente, qualquer deles pode fazer levantamentos, e o banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade do depósito a um único dos titulares. Nos termos do art.º 528º, n.º 1 do Cód. Civil, o banco pode escolher o credor solidário a quem pagar, enquanto não tiver sido judicialmente citado para a respectiva acção por outro credor, cujo crédito se ache vencido.

No que respeita à atribuição do saldo (direito de crédito sobre o banco), e não, portanto, da propriedade das quantias depositadas, face ao que se deixou dito, na conta solidária, e no que toca às relações entre os titulares e o banco, vale a presunção do art.º 516º do Cód. Civil, no que respeita à repartição do saldo: presume-se que todos os titulares participam em partes iguais no saldo, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, podendo a presunção ser ilidida nos termos gerais. E se um destes credores for satisfeito para além da parte que lhe compete no crédito comum, tem de satisfazer os outros na parte que lhes cabe nesse crédito (art.º 533º do Cód. Civil). E o direito de regresso destes limita-se apenas à parte, que por seu turno, lhe compete nas relações internas (art.º 533º do Cód. Civil) Vde A Varela Das Obrig Vol I p 770.

A este respeito escreve-se no Guimarães, 13/02/2020, relatado por Fernando Fernandes Freitas, citando o Acórdão da Relação do Porto de 17/09/2009, citando jurisprudência do S.T.J., “a natureza solidária da conta releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua movimentação a débito e pode nada ter a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas”, sendo distintos “o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários e que se traduz num poder de mobilização do saldo, e o direito real que recai sobre o dinheiro (de que podem apenas algum ou alguns dos depositantes ser titulares, em função das partes respectivas), direito real que, por efeito do contrato de depósito celebrado com o banco, se transferira para este no momento da entrega do numerário” (in “Colectânea de Jurisprudência” (C.J.), ano XXXIV, Tomo IV/2009, págs. 183-184).

Nas relações internas, presume-se que os titulares (credores solidários) comparticipam em partes iguais no saldo, valendo a presunção consagrada no art.º 516.º do C.C..

Porém, uma vez que a propriedade da quantia depositada pode pertencer apenas a um deles, tem de se admitir que aquele a quem ela pertença faça prova do seu direito.

As presunções legais invertem o ónus da prova, nos termos do disposto no art.º 350.º do C.C., pelo que quem se arroga a posição de dono exclusivo do saldo tem de fazer a prova de que ele lhe pertence na totalidade, não sendo suficiente a simples contraprova.

Como refere o Acórdão do S.T.J. de 27/01/98, “Aquela presunção justifica-se pela normal dificuldade de prova da quota de cada um dos credores e, como é próprio das diversas presunções, assenta num pressuposto de probabilidade ou normalidade”, pelo que “o meio mais directo e frontal de se ilidir a presunção” é “a prova da exclusão do seu pressuposto, ou seja, de o depósito não ter sido feito com dinheiro, em partes iguais, dos titulares da conta, independentemente do motivo do regime da conta” (in C.J., Acórdãos do S.T.J., ano VI, Tomo I – 1998, págs. 43/44).

No caso em apreço, como bem se refere na sentença recorrida, segmento que aqui transcrevemos, por com ele concordar:

Na execução, a que estes autos estão apensos, foi penhorada a conta bancária n.º ...33.

A conta foi aberta em 15 de outubro de 2001 e até 30 de março de 2022 era uma conta bancária singular, titulada pelo Embargante – ponto i) e ii) dos factos provados.

O Embargante perdeu a sua única filha – ponto iii) dos factos provados – e perdeu a sua mulher – ponto iii) dos factos provados.

Vive na companhia da Executada há quatro anos – ponto iv) dos factos provados.

Com receio do futuro e porque não tem qualquer familiar mais próximo, o Embargante pediu à Embargada e Executada CC para ficar como co-titular da mencionada conta n.º ...33, na eventualidade de ficar impossibilitado de poder movimentar e aceder aos respetivos saldos e valores em caso de necessidade e/ou urgência – ponto v) dos factos provados.

Assim, em 31 de março de 2022 foram alteradas a titularidade e as condições de mobilização da conta bancária n.º ...33, que passou a ser uma conta coletiva e solidária – ponto vi) dos factos provados.

Por se tratar de uma conta coletiva a penhora incidiu sobre a quota-parte da Executada nessa conta comum, porquanto se presume, iuris tantum, que as quotas dos diversos contitulares são iguais.

Porém, embora o legislador presuma que as quotas-partes dos respetivos titulares são iguais, a verdade é que essa presunção pode ser ilidida perante o Tribunal, nomeadamente, pelo contitular, através de embargos de terceiro.

Resultou provado que o Embargante é o único titular das quantias depositadas na conta bancária – ponto vii) e vii) dos factos provados – e que a Executada consta como contitular apenas para efeitos de mobilização da conta, em caso de necessidade por incapacidade do Embargante.

Mostra-se, assim, ilidida a aludida presunção sendo, consequentemente, procedentes os presentes embargos de terceiro”.

Assim, pelo exposto, não vemos razão para alterar a sentença recorrida, antes pelo contrário vislumbramos razão para a manter, pelo que, a pretensão do recorrente improcede.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                                       **

D)- Saber se foram violados os art.ºs 13º, 20º, 202º, 204º, 205º da C. R. P.

Refere o recorrente que foram violados os art.ºs 13º, 20º, 202º, 204º, 205º da C. R. P.

Vejamos.

Preceitua o art.º 13.º, da C.R.P.

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

Operando à leitura dos autos não vislumbramos que o recorrente tenha sido tratado de forma diversa da do recorrido, nem que tenha sido prejudicado.

Assim, improcede esta sua pretensão.

                                                           *

Preceitua o art.º 20.º, da CRP

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

Operando à leitura da sentença recorrida não vislumbramos que não tenha sido assegurado ao recorrente o acesso ao tribunal, nem que os seus interesses não tenham sido protegidos, ou seja, não conseguimos vislumbrar qualquer violação ao art.º 20, citado.

Pelo que, improcede esta sua pretensão.

                                                                       *

Preceitua o art.º 202.º

“1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. 2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. 3. No exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades. 4. A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos”

Operando à leitura dos autos e da sentença recorrida, não vislumbramos onde tal preceito tenha sido violado.

Assim improcede esta pretensão

                                                                       *

Preceitua o art.º 204.º

Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

Operando à leitura dos autos e sentença recorrida não vemos qualquer violação do preceito.

Assim, também não houve violação deste preceito

                                                                       *

Preceitua o art.º 205.º

1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. 2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. 3. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução.

Operando à leitura dos autos e sentença recorrida não vemos qualquer violação do preceito.

                                                                       ***

                                                                4. Decisão

Pelo exposto, por acórdão, decide-se julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida nos seus termos.

            Custas pelo recorrente.

            Coimbra, 13/6/2023

            Pires Robalo (relator)

            Sílvia Pires (adjunta)

            Henrique Antunes (adjunto)