Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
254/09.7TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EDUARDO MARTINS
Descritores: CONCURSO
PUNIÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 07/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 205º, 1 CRP, 77,78 CP, 374º, 379º CPP
Sumário: 1. No caso de realização de cúmulo jurídico de penas, a específica fundamentação da pena única, determinada em função da ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, deve ser esclarecedora das razões por que o tribunal “chegou” a determinada pena única.
A fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

No âmbito do processo comum n.º 254/09.7TBCBR que corre termos no 2.º Juízo Criminal, Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, veio a realizar-se a audiência prevista no artigo 472.º, do CPP, com a intervenção do Tribunal Colectivo, já na 1º Secção da Vara Mista de Coimbra, tendo o arguido T... sido condenado, em 24/2/2010, na pena única de 6 anos de prisão, 180 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

                                               ****

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 26/3/2010, o arguido, defendendo a nulidade do acórdão, por não terem sido os presentes autos os da última condenação, ou, se assim não for entendido, a redução da pena aplicada e substituição por pena suspensa, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. O arguido T...foi condenado, em cúmulo, numa pena de prisão excessiva e severa.

2. O tribunal a quo, ao ter aplicado ao arguido a pena de 6 anos, inviabilizou a aplicação ao mesmo de uma pena suspensa na respectiva execução.

                3. A seu favor, o recorrente foi condenado sempre a penas substituídas em trabalho a favor da comunidade e a penas de prisão suspensas na sua execução.

                4. O cúmulo jurídico, em concreto, seria inferior ao aplicado, as exigências de prevenção, quer geral quer especial, não ficariam desfalcadas.

                5. A aplicação de tal pena pelo Tribunal a quo inviabilizou em absoluto a vertente preventiva e ressocializadora.

                6. Finalidade essencial que deve presidir à aplicação de qualquer pena, optando apenas pela vertente punitiva repressiva e reconhecer o valor do caso julgado à referida decisão anterior.

                7. O recorrente é muito jovem, foi pai há dois meses, reconhece agora a dificuldade que é criar uma filha, estando detido, pretende procurar trabalho e dar um rumo favorável ao seu futuro.

                8. O pouco período de reclusão foi suficiente para incutir no recorrente a gravidade da respectiva conduta e, bem assim, para o dissuadir da prática de novos crimes, sentindo um arrependimento sincero.

                9. As penas visam a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1, do CP. É inviável ressocializar com pena excessiva.

10. O quantum adequado à pena fixar-se-ia dentro da pena parcelar mais gravosa (3 anos e 6 meses).

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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, em 27/4/2010, defendendo a improcedência do recurso, através das seguintes conclusões:                   1.O alegado vício relativo à competência deste Tribunal para realizar o cúmulo jurídico de penas mostra-se sanado, designadamente com a realização da respectiva audiência.

                2. Não se verifica qualquer nulidade que importe agora conhecer, com consequências no decidido.

                3. A medida concreta da pena unitária alcançada mostra-se ajustada.

                4. Não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica.

                5. O recurso não deverá ser provido.

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                O recurso foi, em 30/4/2010, admitido.

Nesta Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 20/5/2010, no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo o recorrente, em 7/6/2010, usado o direito de resposta, em que reiterou ser a pena aplicada excessiva, devendo ser reduzida e suspensa na sua execução.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II. Decisão Recorrida:

                “Realizada a audiência prevista no artigo 472º do Código de Processo Penal, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra:

O arguido

                T..., solteiro, desempregado, nascido em 29-8-1987 na freguesia da Sé Nova – Coimbra, filho de Isabel Maria Ferreira Pinto, residente na Rua da Figueira da Foz, nº 7, 2º Esquerdo – Coimbra, actualmente detido no EP de Leiria,

                Foi condenado nas seguintes penas:

a) No processo nº 979/08.4PCCBR, da 2ª secção da Vara Mista de Coimbra, por decisão de 9-3-2009, transitada em julgado em 16-4-2009, foi condenado pela prática, em 6-6-2008, de 1 crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao nº 2, alínea g) do artigo 204º, todos do Código Penal e de 1 crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359º, nºs 1 e 2, do CP, nas penas de 3 anos e 3 meses de prisão e de 9 meses de prisão, respectivamente, tendo, em cúmulo, sido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, sujeita a regime de prova;

b) No processo nº 14/08.2PCCBR, da 2ª secção da Vara Mista de Coimbra, por decisão de 25-9-2009, transitada em julgado em 26-10-2009, foi condenado pela prática, em 18-12-2007, de 1 crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos artigos 210º, nº 1, 22º e 23º do CP e por 1 crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do CP, nas penas de 10 meses de prisão e de 180 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, respectivamente;

c) No processo nº 1923/08.4PCCBR, do 1º Juízo Criminal de Coimbra, por decisão de 7-7-2009, transitada em julgado em 14-9-2009, foi condenado pela prática, em 22-7-2007, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e), do CP, na pena de 18 meses de prisão, substituídos por 480 horas de trabalho a favor da comunidade;

d) No processo nº 1658/07.5PCCBR, do 2º Juízo Criminal de Coimbra, por decisão de 27-5-2008, transitada em julgado em 16-7-2008, foi condenado pela prática, em 13-7-2007, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, 204º, nº 2, al. e) e 24º do CP, na pena de 16 meses de prisão, que lhe foi substituída pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade;

e) No processo nº 70/07.0PCCBR, do 4º Juízo Criminal de Coimbra, por decisão de 13-5-2009, transitada em julgado em 12-6-2009, foi condenado pela prática, em 8 de Janeiro de 2007, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do CP, na pena de 18 meses de prisão, e de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do CP, na pena de 10 meses de prisão, tendo, em cúmulo, sido condenado na pena única de 2 anos de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo período de 2 anos, sujeita a regime de prova;

f) No processo nº 254/09.7TBCBR, do 2º Juízo Criminal de Coimbra (estes autos), por decisão de 14-7-2009, transitada em julgado em 14-9-2009, foi condenado pela prática, em 12-5-2005, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CP, na pena de 1 ano de prisão, de 1 crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CP, na pena de 1 ano de prisão, e de 1 crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 2, al. b), com referência ao art. 204º, nº 2, al. f), do CP, na pena de 2 anos de prisão, tendo, em cúmulo, sido condenado na pena única de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa, com regime de prova.

                                                             *
De acordo com o disposto no artigo 77º nº 1 do Código Penal, vigente à data da realização do último dos cúmulos "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado por qualquer deles, será condenado numa pena única ", principio igualmente aplicável "se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente aquela condenação outro ou outros crimes ... " ainda que todos os crimes tenham sido objecto separadamente de condenações  transitadas  em julgado - artigo 78º, nºs 1 e 2.

Na nova redacção da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, passaram a dever ser incluídas no cúmulo todas as penas inseridas na relação de concurso, ainda que as mesmas se mostrem já cumpridas ou extintas.

                                                                       *
Na elaboração do cúmulo jurídico devem englobar-se todas as penas parcelares, independentemente de algumas delas estarem suspensas na sua execução (por todos Ac. do STJ de 17 de Junho de 1999, proc. nº 234/99).
       A pena a aplicar (moldura punitiva do concurso) tem como limite superior a soma das penas concretas aplicadas ao arguido e como limite inferior a pena parcelar mais elevada (artº 77º, nº 2 do Cód. Penal vigente).

      Importa ter presente, no que concerne à pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade, que o seu máximo se situa nas 480 horas, pelo que apenas até a esta duração podem ser consideradas. Este aspecto é relevante no caso dos autos, dado que o arguido foi condenado por duas vezes em 480 horas de trabalho, não constando do CRC que tenha havido cumprimento, ainda que parcial.                                                                                                 Assim, a moldura penal aplicável é a de prisão de 3 anos e 3 meses a 11 anos e 2 meses (134 meses), 180 dias de multa à taxa diária de 5 euros e 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

                                                            *

Na determinação da pena única, ter-se-á mais uma vez presente que as finalidades de aplicação de uma pena residem, em primeira linha, na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do arguido na comunidade, não podendo a pena ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Deve ainda ser ponderado que:

            - O arguido é consumidor de haxixe, desde os 9/10 anos;

            - Está detido em cumprimento de pena no E.P. de Leiria, onde é regularmente visitado pela família,

factos estes dados como provados na sentença dos presentes autos.

No caso, ponderando todas as decisões proferidas, o elevado número de ilícitos, com preponderância para o roubo e os factos acabados de mencionar, mostra-se ajustada a pena única de 6 anos de prisão, 180 dias de multa à taxa diária de 5 euros e 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

                                                                       *

DECISÃO:

Face ao exposto, acordam os juízes que compõem o tribunal colectivo, procedendo ao cúmulo das penas impostas ao arguido T... nos presentes autos com as aplicadas nos processos nºs

         -979/08.4PCCBR, da 2ª secção da Vara Mista de Coimbra;

         - 14/08.2PCCBR, da 2ª secção da Vara Mista de Coimbra;

         - 1923/08.4PCCBR, do 1º Juízo Criminal de Coimbra;

         - 1658/07.5PCCBR, do 2º Juízo Criminal de Coimbra;

         - 70/07.0PCCBR, do 4º Juízo Criminal de Coimbra,

condená-lo na pena única de 6 anos de prisão, 180 dias de multa à taxa diária de 5 euros e 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

                                                         *

Após trânsito, comunique aos referidos processos.

                                                         *

Boletim ao Registo Criminal.

                                                         *

Notifique e deposite.”

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III. Apreciação do Recurso:

De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões» - ver, ainda, no mesmo sentido, Recursos em Processo Penal, Simas Santos e Leal-Henriques, 6ª edição, 2007, pág. 103.

No caso em apreço, o recorrente, embora aluda, na sua Motivação (fls. 812), à questão do tribunal competente para o conhecimento superveniente do recurso, o que é certo é que, nas suas dez Conclusões (I a X – fls 814 e 815), apenas se refere à questão da medida da pena aplicada.

Acresce que, até mesmo, na resposta junto aos autos em 7/6/2010, o recorrente cinge a mesma à questão da medida da pena.

Por conseguinte, a única questão a conhecer é a seguinte:

 - Saber se a pena aplicada ao arguido é desadequada e excessiva, devendo, por isso, ser substituída por outra que permita a suspensão da sua execução;

                                                                                              ****                                                                                     Delimitado o objecto do recurso à questão da medida da pena única, como antes enunciámos, sempre a este Tribunal cumpre oficiosamente conhecer de nulidades do acórdão que não devam considerar-se sanadas (artigo 410.º, n.º 3, do CPP).                                                                                                                     Ora, o acórdão recorrido é nulo, como passaremos a demonstrar.

Fazendo apelo ao recente Acórdão do S.T.J., de 21/4/2010, Processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, devemos ter bem presente que «o STJ tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir à vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A explanação dos fundamentos que à luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena à luz de princípios fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática»                                                       Continuando a citar o aludido acórdão, «na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentam as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa, o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade. Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta, a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria, sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.»

Na mesma linha de pensamento, pode ver-se, também, o Acórdão do S.T.J., de 24/2/2010, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, in www.dgsi.pt, cujo sumário contém o seguinte:

“(…)                                                                                                                                                                                   V - A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever-ser jurídico penal.                  VI - Na determinação da pena conjunta é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja conformação deverá estar presente desde logo no momento em que se decide avançar para a realização do cúmulo, congregando os elementos indispensáveis constantes de certidões das decisões condenatórias, completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo, procedendo-se na decisão à indicação dos processos onde teve lugar a condenação, à enumeração dos crimes cometidos, datas de comissão dos crimes, datas das decisões condenatórias, datas do trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, bem como dados relativos a eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e actualmente, por força da inovação do art. 78.º do CP, referências a penas já cumpridas e respectivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas, para as excluir, para além de outros elementos que em cada caso concreto se mostrem necessários, ou relativamente aos quais se colha como aconselhável a sua inclusão.          VII - Para além destes “requisitos primários”, impõe-se a inserção na fundamentação de facto de outros elementos, igualmente factuais, resultantes da análise da história de vida delitual presente no caso, que concita a particular atenção do julgador, determinando, inclusive, a realização de uma audiência adrede marcada para o efeito, com observância do contraditório, e que tem por objectivo a aplicação de uma pena final, de síntese, que corresponda ao sancionar de um conjunto de factos cometidos num determinado trecho de vida, interligados por um elo de contemporaneidade, de que o tribunal tem conhecimento apenas mais tarde, que poderiam/deveriam ter sido julgados em conjunto se se mostrassem reunidas as condições para tal.                           VIII - O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vício de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP.                                                      (…)                                                                                                                                                                                     X - Um outro aspecto em que o acórdão não fundamentou de pleno tem a ver com a incompletude da análise global do conjunto dos factos e sua relacionação com a personalidade do recorrente. A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza e proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação daqueles dois factores.                                                                                                                             XI - Concluindo: resulta violado o art. 374.º, n.º 2, do CPP, por incompletude da descrição dos factos necessários e imprescindíveis para a realização do cúmulo e omissão de pronúncia sobre aspectos relacionados com a personalidade na interligação com os factos, o que conduz à nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.ºs 1, als. a) e c), e 2, do CPP.”

Está aqui condensada, podemos afirmar,  a orientação do S.T.J, no que tange a decisões relacionadas com audiências de julgamento que visam a elaboração de cúmulo jurídico.

Na mesma orientação, leia-se, também, o Acórdão do S.T.J., de 5/11/2009. Processo n.º 177/07.4PBTMR.S1, in www.dgsi.pt, cujo sumário é o seguinte:        “I - O legislador, para além de determinar a obrigatoriedade de fundamentação, de facto e de direito, de todos os actos decisórios proferidos no decurso do processo (art. 97.º, n.º 5, do CPP), a qual decorre de imperativo constitucional (art. 205.º, n.º 1), instituiu, para as decisões que conheçam, a final do objecto do processo, uma exigência de fundamentação acrescida.                                                                                                        II - A sentença proferida após a realização da audiência a que se refere o art. 472.º do CPP, com a específica finalidade de determinação da pena única no caso de conhecimento superveniente do concurso, está submetida aos requisitos gerais da sentença enunciados no art. 374.º do CPP.                                                                 III -No que respeita aos factos provados deve conter todos os factos que interessam à comprovação da situação de concurso de crimes e à determinação da pena única; por isso, os factos provados devem demonstrar, por um lado, que se mostram preenchidos os pressupostos indicados no art. 78.º, n.ºs 1 e 2, do CP, e, por outro, devem ser suficientes para a determinação da pena única.                                                                         IV -O nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos entre si e a relação da personalidade do agente com o conjunto dos factos: assim, a fundamentação de facto da sentença a proferir após a realização da audiência a que alude o art. 472.º do CPP e para os efeitos do art. 78.º do CP deve conter a indicação das datas das condenações e do respectivo trânsito, a indicação das datas da prática dos crimes objecto dessas condenações e das penas que, por eles, foram aplicadas, a caracterização dos crimes que foram objecto dessas condenações e todos os factos que interessam à compreensão da personalidade do condenado neles manifestada.                                                           V - Se assim não se proceder, para além da decisão não cumprir o requisito da “enumeração dos factos provados” que interessam à decisão fica irremediavelmente prejudicada a própria fundamentação da medida da pena.                                                                                                                                                                                          VI -A especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena integra-se no dever de fundamentação das razões de direito da decisão, a que se refere o art. 374.º, n.º 2, e a omissão de tal especificação determina a nulidade da sentença (art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP).                                                             VII - A falta de referência ao trânsito das decisões é, pura e simplesmente, a omissão de um pressuposto da realização do cúmulo, por conhecimento superveniente do concurso.                                                 VIII - Tal nulidade afecta a validade da audiência de julgamento, na medida em que o seu suprimento passa pela obtenção de elementos – v. g., relatório social, cabal esclarecimento dos antecedentes criminais e a real indicação da data da prática dos crimes –, que a motivação de facto do acórdão não demonstra que tenham sido obtidos pelo tribunal.

                                               ****                                                           Sobre os requisitos da sentença, dispõe o n.º 2, do artigo 374.º, do CPP, que: «2 – Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».                                                              E a alínea a), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, comina a nulidade da sentença que: «a) […] não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n. os 2 e 3, alínea b)».                                                                                               O legislador, para além de determinar a obrigatoriedade de fundamentação, de facto e de direito, de todos os actos decisórios proferidos no decurso do processo (artigo 97.º, n.º 5, do CPP), a qual decorre de imperativo constitucional (artigo 205.º, n.º 1, da CRP), instituiu, para as decisões que conheçam, a final, do objecto do processo, uma exigência de fundamentação acrescida.                    

Com efeito, a fundamentação dos actos permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar o julgador a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.          

Ora, como não poderia deixar de ser, uma sentença proferida após a realização da audiência a que se refere o artigo 472.º, do CPP, com a específica finalidade de determinação da pena única no caso de conhecimento superveniente do concurso, está submetida aos requisitos gerais da sentença enunciados no artigo 374.º, do CPP.                             “O nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos entre si e a relação da personalidade do agente com o conjunto de factos.”, de acordo com o último acórdão acima citado, onde se encontra, de igual modo, expresso quea fundamentação de facto da sentença a proferir após a realização da audiência, nos termos do artigo 472.º do CPP e para os efeitos do artigo 78.º do CP, deve conter, por isso, a indicação das datas das condenações e do respectivo trânsito, a indicação das datas da prática dos crimes objecto dessas condenações e das penas que, por eles, foram aplicadas, a caracterização dos crimes que foram objecto dessas condenações e todos os factos que interessam à compreensão da personalidade do condenado neles manifestada.                                                      Como tem sido afirmado, neste Tribunal, se não é necessário nem útil que a decisão que efectue o cúmulo jurídico de penas, aplicadas em decisões já transitadas, enumere exaustivamente os factos dados por provados nas decisões anteriores já é imprescindível que contenha uma descrição, ainda que sumária, desses factos, de modo a permitir conhecer a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos e a personalidade do arguido, o que passa, designadamente, pelo esclarecimento do seu percurso de vida.                         Se assim não se proceder, para além de a decisão não cumprir o requisito de “enumeração dos factos provados” que interessam à decisão, fica irremediavelmente prejudicada a própria fundamentação da medida da pena.       Com efeito, na elaboração da sentença condenatória releva, ainda, o artigo 375.º do CPP que, no seu n.º 1, dispõe, nomeadamente, que «a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada». Trata-se da concretização, a nível processual, da imposição resultante do n.º 3 do artigo 71.º do CP - «3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena».

                                               ****

Em resumo, no caso de realização de cúmulo jurídico de penas, a específica fundamentação da pena única, determinada em função da ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, deve ser esclarecedora das razões por que o tribunal “chegou” a determinada pena única.                                                                                                             A fundamentação deve passar, portanto, pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente.                                                                 Particularmente, quanto a este segundo juízo – e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade – “o tribunal deverá atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”, uma vez mais de acordo com o mencionado acórdão do S.T.J., de 5/11/2009.                                                                                 *****                                                         Ora, levando em consideração o que acaba de ser exposto, e atendendo-se ao texto do acórdão recorrido, importará consignar-se que, em termos de análise jurídica e de fundamentação, tal aresto se revela num nível de manifesta insuficiência.                                                                                                      Na verdade, para além de uma alusão aos artigos 77.º e 78.º, ambos do C. Penal e à nova redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o tribunal colectivo limitou-se, como fundamentação, ao que se transcreve:                       " Na determinação da pena única, ter-se-á mais uma vez presente que as finalidades de aplicação de uma pena residem, em primeira linha, na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do arguido na comunidade, não podendo a pena ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Deve ainda ser ponderado que:

            - O arguido é consumidor de haxixe, desde os 9/10 anos;

            - Está detido em cumprimento de pena no E.P. de Leiria, onde é regularmente visitado pela família,

factos estes dados como provados na sentença dos presentes autos.

No caso, ponderando todas as decisões proferidas, o elevado número de ilícitos, com preponderância para o roubo e os factos acabados de mencionar, mostra-se ajustada a pena única de 6 anos de prisão, 180 dias de multa à taxa diária de 5 euros e 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

Assim sendo, estamos perante uma fundamentação que não prefigura, nem envolve em si e em concreto, uma qualquer real e objectiva apreciação e análise dos factos e da personalidade do agente.                                                     A frequência temporal dos factos, a sua mais ou menos gravosa ilicitude, o circunstancialismo que envolveu ou rodeou a sua prática, eventualmente minorizante ou agravante de uma culpa, a intensidade de um dolo, o particular comportamento do arguido, eventualmente em ligação a uma toxicodependência, tudo isto reclama toda uma análise e uma reflexão ponderada, certamente com naturais reflexos em termos de fixação de um "quantum" de cúmulo jurídico, explicando-o, justificando-o e fundamentando-o.                                           Ora, face ao que consta do acórdão recorrido, forçosamente se tem de concluir que a decisão ora em crise não analisou com a profundidade que se impunha a medida concreta da pena.                                                            

De facto, muito embora o texto da lei (art. 374, nº 2, CPP) referencie uma fundamentação concisa, haverá que concluir que nem sequer se foi conciso, porque nada de concreto e de preciso se expôs, apenas se enunciando, e de modo lacónico, linhas gerais.

E porque assim, a decisão posta em crise, não levando em linha de conta, clara e concretamente, os factos ilícitos cometidos pelo arguido e a sua personalidade, sem dúvida que não encerra em si todos aqueles elementos exigidos pelo n.º 2, do art. 374 do CPP, atinentes à fundamentação, e que o art. 77, nº 1, do C. Penal impõe que sejam tidos em consideração na medida da pena.

Note-se que, por um lado, algumas das penas parcelares de prisão foram suspensas na sua execução e sujeitas a regime de prova. Por outro lado, algumas penas de prisão foram substituídas por trabalho a favor da comunidade.

Logo, deveria o tribunal a quo ter abordado, pelo menos, a conduta do arguido relativamente ao regime de prova e ao trabalho a favor da comunidade, de forma a ser possível avaliar a sua resposta em relação a tais penas.       

O arguido acatou essas penas? O arguido eximiu-se ao seu cumprimento?   Nada foi referido sobre tal matéria.                                                           Mais, o arguido nasceu em 29/8/1987, sendo certo que os factos que estiveram na base das suas condenações ocorreram quando o mesmo não havia completado 21 anos de idade.

A fundamentação do acórdão é, todavia, omissa quanto às condições pessoais do recorrente e ao seu curto percurso de vida. Ou seja, não foram apurados factos que relevam para o conhecimento da personalidade do recorrente e para a definição da sua culpa pelos factos em relação.

Há que salientar que o arguido está em cumprimento de pena, conforme consta do acórdão (fls. 805).

Qual a ligação dessa situação actual com as penas parcelares ora em causa?

Nada foi referido nessa matéria.

Pois bem, se há casos que justifiquem um relatório social actual, previsto no artigo 370.º, do CPP, este é um deles, na medida em que estamos na presença de um jovem inserido no mundo da delinquência numa escala já considerável.

Verifica-se, assim, que foi cometida a nulidade da al. a), do n.º 1, do art. 379.º, do CPP, por violação do disposto no art. 374.º, nº 2, do mesmo diploma, sendo consequentemente nulo a acórdão recorrido.                     A nulidade declarada afecta, ainda, a validade da audiência de julgamento, realizada nos termos do artigo 472.º, do CPP, na medida em que o seu suprimento passa pela obtenção de elementos - um relatório social para julgamento (artigo 370.º do CPP) e o cabal esclarecimento dos motivos que conduziram o arguido ao descrito percurso. Isto porque a motivação de facto do acórdão não demonstra que tenham sido obtidos pelo tribunal, sendo verdade que o artigo 472.º, do CPP, prevê que o tribunal ordene oficiosamente as diligências que se lhe afigurem necessárias para a decisão.                                                                               Pelo que, nos termos do artigo 123.º, do CPP, é de determinar, ainda, a repetição da audiência a que se refere o artigo 472.º, do CPP.                                                                                   ****

                IV. Decisão:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em declarar a nulidade do acórdão e determinar que, após realização de nova audiência, nos termos do artigo 472.º, do CPP, seja proferido novo acórdão.                                                                           Não há lugar a tributação.

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                (elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)

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Coimbra, 7 de Julho de 2010
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(José Eduardo Martins)

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        (Paulo Guerra)