Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3601/17.4T8LRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
OPOSIÇÃO AO PLANO
CONDIÇÃO DE LEGITIMIDADE
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 195, 201, 212, 215, 216 CIRE
Sumário: I – O n.º 1 do artigo 216.º do CIRE não exige como condição da recusa de homologação do plano a solicitação dos interessados que a oposição desses interessados ao plano, antes da sua aprovação, seja fundamentada por eles nalguma das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 desse preceito.

II - A oposição ao plano antes da sua aprovação é mera condição de legitimidade para o interessado solicitar a não homologação.

III - A recusa de homologação do plano ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE pressupõe que o requerente alegue e prove os factos indispensáveis à formulação do juízo de que a situação dele ao abrigo do plano é menos favorável do que a que interviria na ausência de plano.

IV - A circunstância de o juiz admitir a proposta do plano de insolvência não impede que, após a aprovação de tal proposta, recuse oficiosamente a homologação do plano com fundamento em falta de credibilidade ou viabilidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A sociedade E (…), Lda” foi declarada insolvente por sentença proferida em 13.09.2017, já transitada em julgado.

Na assembleia de credores realizada em 15-03-2018, a insolvente apresentou a proposta de plano de insolvência cuja cópia está junta aos autos.

O plano foi aprovado por credores que titulavam créditos representativos da percentagem de 68,38 % do valor global de créditos reconhecidos.

Após a aprovação, os credores reconhecidos A (…), A (…) A (…), A (…) A (…), A (…) B (…) , C (…) D (…) , E (…), G (…) , I (…), J (…), M (…), M (…), M (…), M (…), N (…), N (…) e N (…), todos titulares de créditos laborais, solicitaram a não homologação do plano ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, alegando, em resumo:
1. O processo de insolvência da sociedade E (…) foi precedido de um PER;
2. O PER não foi cumprido: os trabalhadores e os restantes credores não foram pagos;
3. Desde Dezembro de 2016 que a empresa está sem encomendas, sem matéria-prima e sem qualquer trabalho;
4. Caso os trabalhadores retomassem os seus postos de trabalho, seriam novamente confrontados com a total falta de trabalho, bem como com a falta de pagamento de salários;
5. Não há qualquer perspectiva de cumprimento do plano de insolvência, pelo que a homologação do plano visará apenas arrastar e protelar a insolvência da empresa;
6. A empresa não tem qualquer viabilidade económica.   

Por decisão proferida em 17 de Setembro de 2018, o juiz do tribunal a quo recusou a homologação do plano de insolvência apresentado pela insolvente, nos termos do disposto nos artigos 216.º, n.º 1, alínea a) e artigos 195º, 201º, 212º, 215º, 217º do CIRE, e, em consequência, determinou o prosseguimento dos autos para liquidação.

A devedora insolvente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo:
1. Se concedesse provimento ao recurso, e, em consequência, se declarasse nula a decisão recorrida, pois a decisão violava o disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE e, em consequência,
2. Devia a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determinasse que o pedido de recusa de homologação formulado pelos credores foi apresentado intempestivamente, ao abrigo do disposto no artigo 216.º, n.º 1, alínea a) do CIRE;
3. Se assim não se entendesse, requereu que fosse considerado que a situação dos referidos credores não era previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, pelo que não se verificavam os pressupostos de recusa de homologação previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determinasse que não se verificam os requisitos exigidos pelo artigo 216.º, n.º 1, alínea a) do CIRE;
4. Se declarasse que o plano aprovado pelos senhores credores cumpria escrupulosamente todas as regras e normas procedimentais aplicáveis ao seu conteúdo, não se verificando violação das regras emergentes dos artigos 195.º, 201.º, 212.º, 215.º, 217.º do CIRE, pelo que não poderia haver lugar a recusa de homologação oficiosa, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que determinasse a homologação do plano, de forma a permitir a rápida retoma da actividade da insolvente.

Os credores A (…), A (…) A (…), A (…) A (…), A (…) B (…) , C (…) D (…) , E (…), G (…) , I (…), J (…), M (…), M (…), M (…), M (…), N (…), N (…) e N (…), todos titulares de créditos laborais responderam. Na resposta começaram por alegar que não podiam ser juntos aos autos os documentos apresentados com o recurso. Seguidamente, pronunciando-se sobre o mérito do recuso, pediram que o mesmo fosse julgado improcedente.


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso e pela resposta ao recurso:

O recurso suscita a questão de saber se, ao recusar a homologação do plano de recuperação, a decisão recorrida violou os artigos 215.º e 216.º, do CIRE.

A resposta ao recurso suscita a questão de saber se a recorrente tem a faculdade de juntar aos autos os documentos que apresentou com as alegações.

Sobre esta questão pronunciou-se o ora relator no despacho inicial, no sentido de não ser admitida a junção dos documentos.


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Factos considerados provados:
1. Por requerimento apresentado em juízo, em 31 de Janeiro de 2017, a aqui insolvente apresentou-se a PER.
2. O plano de revitalização foi aprovado pelos credores e homologado por sentença proferida a 3 de Julho de 2017.
3. O plano de revitalização aprovado previa o início dos pagamentos aos credores da requerente, decorridos que fossem dois meses da data do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano.
4. O plano de revitalização da E (…)assentava na continuação das relações comerciais com o cliente M (…). A M (…)  disponibilizou-se para colocar as necessárias matérias-primas nas instalações da insolvente e a pagar o preço dos produtos a transformar com aquela matéria-prima em 15 dias após a entrega de mercadoria.
5. No âmbito do PER perspectivou a insolvente que a não necessidade de pagar antecipadamente as matérias-primas necessárias ao seu funcionamento e o encurtamento do prazo de pagamentos dos produtos a vender, a obter com as matérias-primas fornecidas por aquele cliente, permitiria à requerente obter liquidez necessária para cumprir as responsabilidades inerentes e necessárias ao seu normal funcionamento.
6. A M (…) não concretizou em tempo útil a encomenda o que determinou a impossibilidade de cumprimento do Plano de Revitalização.
7. Em face de tal circunstancialismo, a 11.09.2017 a E (…)Lda.” apresentou-se à insolvência, com apresentação de plano de insolvência, nos termos do disposto no artigo 192.º, do CIRE.
8. Por sentença proferida a 13.09.2017 foi declarada a insolvência de “E (…), Lda.”.
9. A insolvente apresentou, nos autos, plano de insolvência na modalidade de recuperação da empresa.
10.Foi proferido despacho de admissão liminar. Em 15.03.2018, efectivou-se a assembleia de apreciação e votação do plano de insolvência. O plano de insolvência foi aprovado por credores que titulavam créditos representativos da percentagem de 68,38 % do valor global de créditos reconhecidos.
11.No plano de recuperação apresentado pela insolvente é apresentada a seguinte proposta de regularização do passivo:
a) Créditos da Autoridade Tributária: Pagamento da totalidade da dívida em regime prestacional, a ser efectuado de acordo com o regime legal vigente;
b) Créditos da Segurança Social: A dívida será regularizada através de plano prestacional, em sede de execução fiscal;
c) Créditos laborais: Pagamento integral do valor do capital reconhecido; perdão de juros de mora vencidos e vincendos; prazo de pagamento em 5 anos, mediante 36 prestações mensais e sucessivas, com início 24 meses após a data do trânsito em julgado da sentença que vier a homologar o plano.
d) Créditos Garantidos: Manutenção das garantias, com pagamento integral da dívida nos termos constantes do Plano;
e) Créditos comuns sem garantias, detidos por instituições bancárias: Perdão de 60% do valor da dívida; perdão de juros de mora vincendos; o pagamento de 40% do valor da dívida será liquidado em 156 prestações mensais e sucessivas, com início de pagamento após 24 meses da data do trânsito em julgado da sentença que vier a homologar o plano.
f) Créditos comuns, sem garantias, detidos por fornecedores: Perdão de 60% do valor da dívida; perdão de juros de mora vincendos; o pagamento de 40% do valor da dívida será liquidado em 156 prestações mensais e sucessivas, com início de pagamento após 24 meses da data do trânsito em julgado da sentença que vier a homologar o plano;
g) Créditos reclamados sob condição: Plano de regularização: aos crédito cuja condição se verificou na pendência do processo ou se venha a verificar, a insolvente propõe proceder ao seu pagamento nos mesmos e exactos termos em que fica estabelecido para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente.
12.O plano entrará em vigor após trânsito em julgado da respectiva sentença homologatória.
13.Mais se consignou no Plano que “A empresa tem em curso o cumprimento de uma encomenda colocada pelo cliente M (…), com o qual já mantém relações comerciais há muitos anos. (…) Este cliente disponibilizou-se para colocar as necessárias matérias-primas nas instalações da E (…), e a pagar o preço dos produtos a transformar com aquela matéria prima em 15 dias após a entrega de mercadoria. A não necessidade de pagar antecipadamente as matérias-primas necessárias ao seu funcionamento e o encurtamento do prazo de pagamento dos produtos a vender, a obter com as matérias-primas fornecidas por aquele cliente, permitirá à E(…)obter a liquidez necessária para cumprir as responsabilidades inerentes e necessárias ao seu normal funcionamento, designadamente, custos salariais, fornecimentos dos serviços essenciais (electricidade, telecomunicações, etc.). Esta parceria permitirá também a viabilidade da empresa sem recorrer a N (...) no imediato. A E(…) continua a manter relações comerciais com a cliente M (…), que pretende colocar encomendas e continuar com as relações comerciais. A E (…)considera ter todas as condições para continuar a desenvolver a sua actividade, a qual lhe permitirá vir a cumprir pontualmente as suas obrigações. Para poder aceitar as encomendas da cliente M (…)  a E(…) carece de ver aprovada pelos seus credores a proposta de plano de recuperação, pois sem o acordo dos credores da E (…), este cliente não colocará matérias-primas nas instalações de E (…). A E (…)crê que com um quadro de pessoal constituído por 29 pessoas e com a facturação que estima concretizar em 2018 possa gerar fluxos financeiros que lhe permitam ir gradualmente cumprindo os seus encargos fixos e ir pagando aos seus credores. Face a este cenário, e com a colaboração dos credores, a manutenção em actividade da empresa, considerando as encomendas futuras previstas, são de molde a possibilitar a criação de fluxos financeiros necessários para satisfação das obrigações da mesma perante todos os seus credores, através da consolidação do seu passivo, a realizar por meio deste procedimento.
14.A insolvente, de acordo com a lista de credores apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, detém um passivo no valor global de € 4.044.034,81.
15.Os créditos laborais foram classificados pelo Sr. Administrador da Insolvência como créditos de natureza privilegiada, detendo um privilégio mobiliário geral e imobiliário especial sobre o imóvel da insolvente sito na Rua (...) .
16. Nos termos do inventário elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência e apresentado nos autos a fls. 198 e ss, a insolvente é proprietária dos seguintes bens:
a) Prédio urbano composto por complexo industrial de rés-do-chão e logradouro, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (...) e descrito na CRP de (...) sob o n.º (...) /20020701, com o valor patrimonial tributário de € 1.791.420,00;
b) 3/16 do prédio urbano, composto por parcela de terreno destinada a construção urbana, inscrito na matriz sob o artigo 2.910 da União de Freguesias de (...) e (...) e descrito na CRP de (...) sob o n.º (...) /20060223, com o valor patrimonial tributário de 301.085,35;
c)  ½ das viaturas automóveis com as matrículas (...) BG; (...)UL; (...)RH; (...)VM; viatura com a matrícula (...)VG; viatura com a matrícula (...) CN;
d) Bens em regime de locação financeira: prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão e 1.º andar e cave, inscrito na matriz sob o artigo 1.639 e descrito na CRP sob o n.º (...) /19990205; Prédio urbano composto de edifício destinado a armazém, refeitório, balneário e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo (...) e descrito na CRP sob o n.º (...) /19870511, com o valor patrimonial tributário de € 1.079.545,28.
17.A actividade do estabelecimento industrial da insolvente está suspensa, não tendo qualquer trabalhador ao seu serviço, por terem cessado ou suspendido o respectivo contrato de trabalho.
18.O plano não prevê a “injecção” de capital que permita sustentar a retoma de laboração.

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Descritos os factos, passemos à resolução das questões supra enunciadas.

Como resulta do exposto, constitui objecto do presente recurso de apelação a decisão proferida em 17 de Setembro de 2018 que recusou a homologação do plano de recuperação apresentado pela recorrente, aprovado na assembleia de credores que teve lugar em 15 de Março de 2018.

As razões da recusa foram, em síntese, as seguintes.

A primeira foi tirada da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE: o juiz recusou a homologação por tal lhe ter sido solicitado por vários credores (trabalhadores da sociedade) com a alegação de que a situação deles ao abrigo do plano era previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano. O juiz do tribunal a quo julgou verificada a hipótese legal, dizendo que a situação dos credores era mais favorável no cenário de liquidação porque, nele, previsivelmente os créditos seriam pagos na totalidade.

A segunda foi tirada do artigo 215.º do CIRE e consistiu na falta de credibilidade e viabilidade do plano de recuperação. Segundo o juiz a quo, o plano não era credível nem viável pelo seguinte:
1. A insolvente apresentou-se a PER cujo plano veio a ser homologado em 12 de Junho de 2017;
2. Tal plano de revitalização não logrou a ser cumprido;
3. A insolvente não tem qualquer actividade;
4. O plano de insolvência apresentado é em tudo idêntico ao plano de revitalização que não logrou ser cumprido;
5. O plano de insolvência não prevê a injecção de capital ou a venda de bens não essenciais para a prossecução da actividade, para colmatar as dívidas da massa e/ou outras dívidas da massa insolvente;
6. Inexiste nos autos qualquer manifestação e garantia por parte do cliente M (…) em como irá colocar as necessárias matérias-primas nas instalações da E (…) e a pagar o preço dos produtos a transformar com aquela matéria-prima em 15 dias após a entrega de mercadoria;
7. Inexiste qualquer garantia em como a situação ocorrida no PER não volte a ocorrer não âmbito do plano apresentado;
8. O plano não apresenta de forma alguma dados concretos sobre vendas e potenciais negócios que permitissem gerar a liquidez necessária à recuperação da empresa insolvente e pagamento aos credores, agravada pela circunstância de se encontrar há vários meses sem qualquer actividade, sem obter quaisquer proveitos;
9. O plano não concretiza com o mínimo de segurança que encomendas, que clientela irão angariar e proventos daí obtidos para pagamento do passivo.

A recorrente começa por contestar a decisão de recusar o plano a solicitação dos credores com a alegação de que o pedido de não homologação do plano não foi apresentado tempestivamente. Esta alegação assenta no seguinte percurso argumentativo:
1. O pedido de não homologação do plano de insolvência, só é atendível para os efeitos do disposto no artigo 216.º do CIRE, quando a oposição deduzida à aprovação do plano tenha sido manifestada anteriormente à aprovação do plano, mediante alegação dos pressupostos que a fundamentam, não bastando, para tanto, o simples acto de votar contra o plano. Cita a favor desta interpretação o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-05- 2014, no processo n.º 192/13.9TBFVN-C;
2. Ainda que tal exigência não decorresse da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, ela sempre decorreria do princípio da cooperação enunciado no n.º 1 do artigo 7.º do CPC, “de forma a dar conhecimento à insolvente da respectiva posição perante o Plano antes da realização da Assembleia de credores, de forma a que a insolvente, caso considerasse os argumentos dos credores correctos, os pudesse inserir no Plano”.   

Apreciação do tribunal

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

O primeiro argumento da recorrente remete-nos para a interpretação do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, na parte em que dispõe que o juiz recusa a homologação se tal lhe for solicitado por algum credor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos [a lei refere-se aos termos da oposição ao plano manifestada pelo devedor, que não tinha sido o proponente do plano], contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do plano era previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.

A alegação da recorrente suscita a questão de saber se o preceito exige como condição da recusa de homologação do plano que a oposição ao plano, antes da sua aprovação, seja fundamentada pelo interessado nalguma das situações previstas nas alíneas a) e b), sob pena de o pedido de não homologação que vier a apresentar depois da aprovação do plano ser considerado intempestivo.

Antes de mais devemos dizer que esta questão tem sido discutida nalgumas decisões judiciais e a resposta que lhe tem sido dada não é uniforme. Assim, e a título de exemplo, pronunciaram-se no sentido sustentado pela recorrente o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 13 de Maio de 2014, no processo n.º 192/13.9TBFVN-C e o acórdão da mesma Relação proferido em 26 de Novembro de 2013, no processo n.º 1785/12.7TBTNV [no qual o ora relator interveio como 1.º adjunto], ambos publicados em www.dgsi.pt. Pronunciaram-se em sentido contrário o acórdão do STJ proferido em 22-11-2016, no processo n.º 785/15.0T8FND, publicado em wwww.dgsi.pt. e o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra proferido em 24 de Janeiro de 2017, no processo n.º 10801/15.0T8CBR.

Vistos os elementos a atender na interpretação da lei (artigo 9.º do Código Civil), é entendimento deste tribunal que a alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE não exige como condição da recusa de homologação do plano que a oposição ao plano, antes da sua aprovação, seja fundamentada pelo interessado nalguma das situações previstas nas alíneas a) e b). Vejamos.

Em primeiro lugar, a letra do preceito fala apenas na manifestação nos autos da oposição ao plano, antes da sua aprovação, sem qualquer menção à fundamentação da oposição. Daí que dos dois sentidos em confronto o que cabe melhor na letra da lei é o que diz que a oposição ao plano antes da aprovação não carece de ser fundamentada.

Em segundo lugar, existiria razão para que a oposição fosse fundamentada se ela desse lugar a um procedimento contraditório com quem propôs o plano e se tal procedimento culminasse com uma decisão judicial sobre a oposição, o que não sucede com a oposição de que fala o n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, ou seja, ela não dá lugar a qualquer contraditório com quem propôs o plano, e também não é objecto de qualquer decisão por parte do tribunal. O que constitui objecto de decisão é o pedido de não homologação do plano.

Daí que, contrariamente ao alegado pela recorrente, a indicação das razões pelas quais se opõe ao plano não é imposta pelo princípio da cooperação enunciado no n.º 1 do artigo 7.º do CPC.

Em terceiro lugar, vista a estrutura da norma – com uma parte a identificar os interessados que podem solicitar a não homologação do plano e com outra a enunciar as condições de procedência do pedido -, podemos dizer que a manifestação da oposição ao plano, antes da sua aprovação, funciona apenas como condição de legitimidade para o interessado solicitar a não homologação do plano [a outra condição de legitimidade é não ter sido ele o proponente do plano].

E funciona como condição de legitimidade pois seria contrário ao princípio da boa-fé e aos próprios interesses que o plano visa alcançar que quem propôs o plano ou que quem esteve presente na assembleia onde ele foi discutido e que não manifestou oposição ao plano, antes da sua aprovação, viesse, depois de ele ter sido aprovado, solicitar a não homologação dele.

É também como condição de legitimidade que a manifestação de oposição é tratada no n.º 2 do artigo 216.º do CIRE. Este preceito prevê a hipótese de o pedido de não homologação respeitar a plano que tiver sido objecto de alterações na própria assembleia. Nestes casos, diz o preceito que “é dispensada a manifestação da oposição por parte de quem não tenha estado presente ou representado”. Ao dizer que é dispensada a manifestação da oposição por parte de quem não tenha estado presente ou representado, o que o n.º 2 quer significar é o que pedido de não homologação do plano com os fundamentos previstos na alínea a) ou b) do número anterior pode ser deduzido sem a manifestação da oposição ao plano antes da sua aprovação.

Por fim, ao exigir para a procedência do pedido de não homologação que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, a verificação de alguma das circunstâncias previstas nas alíneas a) e b), o n.º 1 do artigo 216.º aponta no sentido de que é no requerimento em que peça a não homologação do plano – requerimento deduzido necessariamente depois da aprovação - que o interessado alega as mencionadas circunstâncias.    

Em conclusão, interpreta-se a alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE no sentido de que a aposição ao plano antes da sua aprovação é mera condição de legitimidade para o interessado solicitar a não homologação do pedido de homologação. Deste modo, não é condição de atendibilidade do pedido de não homologação do plano ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE que oposição à aprovação do plano, antes da votação, deva ser acompanhada da alegação de alguma das circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) desse preceito [Nota: com esta interpretação o ora relator altera a posição que subscreveu no acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Novembro de 2013, no processo n.º 1785/12.7TBTNV, no qual interveio como primeiro adjunto].

Interpretado o artigo com este sentido, é de concluir que não assiste razão à recorrente quando alega que o pedido foi deduzido fora de tempo pelo facto de a oposição à aprovação do plano não ter sido acompanhada das razões da oposição.


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Para a hipótese de este tribunal não entender que a oposição ao plano antes da aprovação carecia de ser fundamentada, a recorrente contestou a decisão na parte em que ela julgou que a situação dos credores ao abrigo do plano era previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

Segundo a recorrente “a não homologação e liquidação de património não permitirá a obtenção de receitas suficientes para pagamento dos créditos em causa em período de tempo inferiore os requerentes não demonstraram como é que a sua situação é previsivelmente menos favorável do que a se verificaria na ausência de qualquer Plano”.

Esta tese assenta na seguinte linha argumentativa:
1. Resulta dos relatórios juntos aos autos pelo Sr.º Administrador da insolvência que o valor tributário do prédio no qual a insolvente tem a sua actividade é de 1.791.420,00 euros;
2. O facto de o prédio ter este valor patrimonial atribuído não significa que seja susceptível de ser vendido por esse valor, pois são as regras da oferta e da procura que determinam o preço de venda de um bem;
3. Na Zona Industrial de (...) , (...) , encontram-se inúmeros edifícios industriais para venda;
4. Todos estes edifícios estão publicitados para venda há muito tempo, anos, não se tendo ainda concretizado uma única venda;
5. Provavelmente, caso a liquidação da insolvente venha a ocorrer, o que se espera não aconteça, o seu edifício será mais um a englobar a lista de edifícios industriais para venda disponíveis na região de (...) ;
6. Quanto à alienação dos equipamentos industriais da insolvente, muitos deles encontram-se acoplados ao edifício industrial, pelo que a sua retirada do local, além dos custos inerentes, fará diminuir o valor dos mesmos;
7. Perante a oferta para venda de edifícios idênticos ao edifício da insolvente que se encontram para venda há anos, não parece plausível que este edifício seja vendido antes de decorridos anos e anos;
8. E, muito menos parece plausível que o edifício seja vendido pelo seu valor patrimonial actual e obviamente, num quadro de liquidação, ao valor de venda do imóvel serão deduzidas as custas do processo e as dívidas da massa insolvente;
9. E, como a distribuição e o rateio final são efectuados somente após encerrada a liquidação (art.º 182º, n.1 do CIRE), provavelmente o pagamento dos créditos laborais só será efectuado decorridos que sejam muito mais de 24 meses a contar da data de homologação do Plano, data em que estes credores começariam a receber pontualmente os seus créditos, conforme previsto no plano;
10.Não parece provável que o produto da venda do imóvel seja suficiente para pagamento dos créditos laborais, depois de efectuada pelo AI a dedução da massa insolvente dos bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas da massa insolvente (art.º 172.º do CIRE).
11.Na Lista de Credores foram relacionados pelo Sr. Administrador da créditos laborais privilegiados no valor de 576.841,69 euros e créditos laborais privilegiados sob condição no valor de 520.781,70 euros, os quais se converterão em definitivos caso o plano de recuperação não seja homologado, o que significa que, na perspectiva de não homologação do Plano, os créditos laborais atingirão o valor de 1.053.186,49 euros, conforme se depreende da Relação de Créditos Reconhecidos, elaborada pelo Senhor AI nos termos do artigo 129.º, nº2 do CIRE, e junta aos autos a 18.12.2017.

Apreciação do tribunal:

A recusa de homologação do plano ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE pressupõe que o requerente demonstre, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas. 

A demonstração em termos plausíveis de que fala a norma significa, para usarmos as palavras de Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, página 292, “um juízo de probabilidade”.

O ónus de demonstração implica que o credor alegue e demonstre os factos indispensáveis à formulação do juízo de que a situação dele ao abrigo do plano é menos favorável do que a interviria na ausência de plano.

A razão de ser da norma é a de garantir que aquilo que cada credor recebe segundo o plano de recuperação não é inferior ao que receberia se os bens do devedor fossem liquidados. A norma visa garantir que os credores não recebem menos dinheiro do que receberiam se o activo fosse liquidado. Daí que a comparação essencial que se há-de fazer entre a situação ao abrigo do plano e a situação do credor na ausência do plano, é entre o que os interessados recebem ao abrigo do plano e o que receberiam se o processo prosseguisse com a liquidação do património do devedor. Socorrendo-nos das palavras de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação à alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, “Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele” [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, páginas 718 e 719].

Uma vez que aquilo que cada credor recebe em caso de liquidação do património do devedor depende de vários factores, designadamente do valor desse património, do montante das dívidas da massa insolvente [pois estas são pagas, nos termos do n.º 1 do artigo 172.º do CIRE, antes de se proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência], da classificação do seu crédito e do valor do passivo, cabe ao interessado alegar qual o património do devedor, qual o valor provável que seria obtido com a liquidação desse património na altura do plano, qual o valor provável das dívidas da massa insolvente e indicar como é que seria repartido o produto da liquidação do património pelos diversos credores.

Tendo presentes estes considerações, deve dizer-se que não vale contra a decisão recorrida a alegação da recorrente segundo a qual na zona onde se situa o imóvel que serve de garantia aos créditos dos interessados [Zona Industrial de (...) , (...) , encontram-se inúmeros edifícios industriais para venda, há muito tempo, anos, não se tendo ainda concretizado uma única venda.

Com efeito, ao pôr em causa a decisão com a alegação destes factos, a recorrente contesta a legalidade da decisão recorrida com base em factos novos, no sentido de factos trazidos ao conhecimento do tribunal, pela primeira vez, em sede de recurso. Ora a legalidade da decisão recorrida deve ser aferida em função do que consta do plano e dos factos que foram alegados e demonstrados em termos plausíveis pelos interessados. Deve ser aferida em função do que consta do plano porque resulta da alínea d) do n.º 2 do artigo 195.º do CIRE que o plano deve conter o impacte expectável das alterações propostas para as posições jurídicas dos credores da insolvência, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência. E deve ser aferida em função dos factos que foram alegados e demonstrados pelos interessados porque resulta da parte final do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE que a decisão de não homologação do plano a pedido dos interessados depende da demonstração em termos plausíveis de alguma das situações previstas nas alíneas a) e b) do citado preceito.      

Não assiste, assim, a quem discordar da decisão de não homologação proferida ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE a faculdade de servir-se do recurso para alegar factos novos tendentes a demonstrar que não se verifica a hipótese prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º.     

Já é de reconhecer razão à recorrente quando alega que os requerentes não demonstraram que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a se verificaria na ausência de qualquer plano.

Tendo presentes as considerações acima expostas, só seria possível chegar à conclusão a que chegou a decisão recorrida desde que estivesse demonstrado o valor provável da venda do prédio, na altura da aprovação do plano, o montante total dos créditos garantidos pelo imóvel e as dívidas prováveis da massa insolvente.

Sucede que os requerentes não alegaram nenhum destes factos. Como resulta do resumo que efectuámos a propósito do requerimento apresentados pelos credores, ora recorridos, a razão que os leva a pedir a não homologação do plano é o facto de a empresa não ter qualquer viabilidade económica e de, em consequência, não haver qualquer perspectiva de cumprimento do plano de recuperação.

Por seu turno, entre os factos que serviram de base à decisão não estão nem o valor provável da venda do prédio, na altura da aprovação do plano, nem o montante total dos créditos garantidos pelo produto da venda imóvel, nem as dívidas prováveis da massa insolvente.

 É certo que se sabe, em relação ao imóvel, o respectivo valor patrimonial. Porém, como bem observou a recorrente, não é certo que o imóvel fosse vendido por tal valor. Não estando demonstrado qual o valor provável da venda do imóvel, a venda dele pelo valor patrimonial é apenas uma hipótese, mas hipótese não plausível, pois não há elementos para se concluir nesse sentido.

Em relação aos créditos, é possível suprir a omissão, no que diz respeito ao capital em dívida, recorrendo à lista de créditos apresentada pelo administrador. Porém, para o caso, também tem interesse o montante dos juros vencidos e vincendos, já que o que o plano não contempla é precisamente o pagamento dos juros vencidos e vincendos, e não se acha feita tal quantificação. 

Pelo exposto conclui-se que não estavam verificados os pressupostos para o tribunal recusar a homologação do plano ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE. Daí que, ao fazê-lo, a decisão violou o citado preceito.        


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A recorrente contesta, em terceiro lugar, a decisão de recusar a homologação do plano com o fundamento de que ele não era credível nem viável.

A contestação assenta na seguinte linha argumentativa:
1. Quanto ao argumento de que o plano de insolvência não prevê a injecção de capital ou a venda de bens não essenciais para a prossecução da actividade, para colmatar as dívidas da massa e/ou outras dívidas da massa insolvente, a recorrente contrapôs que caberia à equipa de gestão da insolvente assegurar a existência de meios para liquidar os seus compromissos e que a própria insolvente, por articulado remetido aos autos a 12 de Junho (refª 29410120), declarou quais as diligencias que tinha em curso para obtenção de liquidez necessário ao pagamento imediato das dívidas da massa insolvente.
2. O Plano não havia sido rejeitado nem sujeito a aperfeiçoamento aquando da sua apresentação, pelo que não deverá agora ser considerado que não tem credibilidade, nem que não é viável, conforme consta na decisão recorrida, sob pena de violação do princípio constitucional de confiança, que devia presidir na ordem jurídica;
3. A recorrente reconhece ter sido sucinta na elaboração do plano, só tendo feito referencias às encomendas a colocar pela M (…)  quando poderia ter feito constar naquele plano os contactos periódicos que mantinha regularmente com os demais clientes e fornecedores, assim como as diligências junto da banca para obtenção uma conta caucionada, que lhe permitiria fazer face às despesas de arranque da laboração. Para tanto juntou documentos para demonstrar contactos com clientes e fornecedores;
4. Logo que se vislumbrava a possibilidade de aprovação do plano foram desenvolvidos, em pouco mais de um mês, contactos com alguns antigos clientes;
5. Crente na homologação do seu plano, a insolvente contratou em Julho a empresa L (…) Lda, com o NIPC (…), que tem como objecto a consultadoria e gestão, focalizando a sua acção, entre outras, na recuperação de empresas;
6. A insolvente encontra-se a diligenciar com a banca no sentido de obter apoio para a retoma da actividade da empresa, de forma a serem formalizadas com a maior brevidade possível as seguintes operações de crédito: Conta corrente caucionada no valor de 500.000,00 euros. Factoring, no valor de 1.500.000,00 euros. Confirming, no valor de 1.500.000,00 euros

Apreciação do tribunal:

Apesar de o tribunal a quo, ao fundamentar juridicamente a recusa de homologação do plano, ter remetido para os artigos 216.º, n.º 1, alínea a) e 195º, 201º, 212º, 215º, 217º do CIRE, é isento de dúvida que a recusa de homologação com fundamento na falta de credibilidade e viabilidade do mesmo só tem amparo nos artigos 195.º e 215.º do CIRE.

Tem amparo no artigo 195.º porque a questão de saber se um plano é credível e viável diz respeito ao seu conteúdo e o conteúdo do plano é disciplinado pelo artigo 195.º.

Tem amparo no artigo 215.º porque é esta norma que prevê o poder de o juiz recusar oficiosamente de homologação do plano de insolvência com fundamento na violação das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.

A decisão já não tem amparo no artigo 201.º [que dispõe sobre actos prévios à homologação do plano sobre a aposição de condições suspensivas ao plano de insolvência], ou no artigo 212.º [que dispõe sobre o quórum necessário à aprovação do plano] ou no 217.º [que dispõe sobre os efeitos gerais do plano de insolvência].

Entrando na apreciação dos argumentos da recorrente, cabe dizer o seguinte.

Em primeiro lugar, não vale contra a decisão sob recurso a alegação de que, ao recusar oficiosamente a homologação do plano com fundamento em falta de credibilidade ou viabilidade dele, o tribunal a quo violou o princípio constitucional da confiança.

A lógica do argumento da recorrente é a seguinte: visto que, quando a proposta do plano foi apresentada, o tribunal tinha o poder de fixar um prazo para a ora recorrente corrigir vícios do conteúdo do plano [alínea a), do n.º 1 do artigo 207.º do CIRE], e o poder de o não admitir com fundamento no facto de ele ser manifestamente inexequível [alínea c) do preceito atrás citado] e como não usou de nenhum destes poderes, a ora recorrente confiou que o tribunal a quo não iria recusar a homologação do plano com fundamento na sua falta de credibilidade e viabilidade, pelo que, ao recusá-lo com tal fundamento, violou o princípio constitucional da confiança.

Apesar de a Constituição não enunciar expressamente o princípio da protecção da confiança, ele é, para usarmos as palavras de Jorge Reis Novais, “um princípio essencial na Constituição material do Estado de Direito…”, “…pacificamente dedutível do artigo 2.º da Constituição” [Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, página 261].

A confiança que se protege é a confiança dos cidadãos relativamente à acção dos órgãos do Estado. Socorrendo-nos das palavras do autor acima citado, “enquanto garantia objectiva, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estatal”. Porém, resulta da lição do citado autor, bem como da de J. Gomes Canotilho [Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, página 257], que o efeito mais importante do princípio da protecção da confiança relativamente aos actos do poder judicial – a hipótese que nos interessa para o caso - é o da estabilidade do caso julgado.

Segue-se do exposto que, no caso, a invocação do princípio constitucional da protecção da confiança, alicerçado na decisão do tribunal a quo de admitir a proposta do plano ao abrigo do artigo 207.º do CIRE, seria pertinente se tal decisão precludisse as questões que podiam ter sido motivo de não admissão da proposta do plano. Sucede que não preclude. E assim sendo, não estava vedado ao tribunal a quo recusar homologação do plano com fundamento na falta de viabilidade do mesmo.

  Em segundo lugar, a decisão do tribunal a quo sobre a exequibilidade do plano também não é posta em causa pela alegação da recorrente sobre os contactos que mantinha regularmente com clientes e fornecedores e sobre as diligências junto da banca para obter apoio para a retoma da actividade da empresa. E não é posta em causa porque tais contactos e diligências não são mencionados no plano e resulta do n.º 2 do artigo 195.º do CIRE que só os elementos que constam do plano é que relevam para efeitos de homologação pelo juiz.

A exequibilidade do plano, que prevê a manutenção em actividade da empresa e pagamentos avultados aos credores à custa dos respectivos rendimentos, depende da credibilidade da manutenção em actividade da empresa e da credibilidade das respectivas fontes de rendimento.

Como bem observou a decisão recorrida, o regresso da empresa à actividade não é credível. Com efeito, a empresa está inactiva e, segundo o plano, a retoma da actividade depende exclusivamente do restabelecimento das relações comerciais com a empresa M (…), nos seguintes moldes: a M (…) colocaria as necessárias matérias-primas nas instalações da E (…) e pagaria o preço dos produtos a transformar com aquela matéria-prima em 15 dias após a entrega de mercadoria. Ora, como bem observa a decisão, o plano não documenta qualquer garantia por parte da M (…) no sentido de que irá restabelecer a relação comercial com a insolvente, nos moldes acima descritos.

Porém, ainda que se concretizasse a previsão do regresso da empresa à actividade, o plano não contém elementos concretos e fundamentados sobre rendimentos e lucros gerados pela actividade.

  Em síntese: os elementos constantes do plano não oferecem o mínimo de certeza sobre a exequibilidade do plano, concretamente sobre a exequibilidade do regresso da insolvente à actividade e sobre a exequibilidade da obtenção de rendimentos ou outras fontes de receita para fazer os pagamentos aos credores previstos nele.

Pelo exposto não merece qualquer censura a decisão sob recurso na parte em que recusou a homologação do plano com fundamento na falta de credibilidade e viabilidade para recuperar a devedora, tendo em conta o valor do passivo, a situação de incumprimento e o facto de a mesma se encontrar sem qualquer actividade.


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Decisão

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Sem custas por delas estar isenta a recorrente (alínea u) do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais).

Coimbra, 26 de Fevereiro de 2019

Emídio Santos ( Relator )

Catarina Gonçalves

Ferreira Lopes