Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDO MONTEIRO | ||
Descritores: | DIVÓRCIO SEPARAÇÃO DE FACTO | ||
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Data do Acordão: | 02/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – GUARDA – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 1. | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1781.º, AL. D), 1676.º E 1673.º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 607.º, N.º 4, E 640.º, N.º 1, E 662.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | A questão a decidir começa por ser factual e passa por julgar a divergência quanto à valoração da prova, indagando sobre sinais de comunhão de vida.
Depois, juridicamente, verificar que a separação de facto não tem um ano consecutivo e que a rutura definitiva do casamento não é clara à data da petição, como apresentada. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: AA intentou ação de divórcio contra BB, alegando, em síntese, que casaram no dia 2 de setembro de 1995; do referido casamento não existem filhos; encontram-se separados de facto desde janeiro de 2020; com a doença do Autor, a Ré alterou o seu comportamento, deixou de se preocupar com a saúde e bem-estar daquele, não confecionando as refeições para ambos e não cuidando da roupa dele, deixando de lhe dar atenção e carinho, passando a dormir separada, deixando de ter qualquer relacionamento íntimo e sexual; a Ré deixou também de comparticipar no pagamento das despesas domésticas e comuns do casal, pelo que não tinha o Autor intenção de manter o vínculo matrimonial ou restabelecer a vida em comum. Falecido o Autor na pendência da causa, foram habilitados os seus filhos, CC e DD. A Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que não existia uma separação desde o ano de 2020, pois os cônjuges viviam em comunhão em junho de 2022, data em que o Autor regressou a Portugal, por causa da sua reforma, sendo que a Ré teria permanecer na Suíça mais quatro anos, até 26/5/2026, quando perfará 64 anos. Por sentença proferida a 29 de agosto de 2024 foi a ação considerada improcedente e a Ré absolvida do pedido. * Inconformada, a habilitada CC recorreu e apresenta as seguintes conclusões: (…) 3º Devia ter sido considerado demonstrado porque alegado na PI, e resultar das declarações de parte prestadas pela Ré BB, gravado em suporte digital em uso neste tribunal entre as 10 : 03 e as 10: 57 no dia 7 de Março de 2024 gravadas em suporte digital em uso neste tribunal, entre os 30 ,01 min e os 31, 37 min, entre os 42, 25 min e os 42, 35 min, entre os 46, 09 min e os 46, 20 min entre os 46, 25 min e os 46, 38 min , entre os 46, 59 min e os 47, 11 min, entre os 47, 45 min e os 48, 20 min , entre os 49,40 min e os 50 min, e entre os 52, 50 min e os 53, 12 min que, desde 2021, a qual referiu era vontade do Autor e também sua divorciarem-se amigavelmente, só não tendo ocorrido tal divorcio porque a ré discordava da partilha dos bens, 4º E ainda referiu entre os 49, 40 min e os 50, 14min desse seu depoimento que pouco tempo antes de sair definitivamente da Suíça para Portugal, o autor enervado deu um muro na mesa e disse que queria o divorcio, tendo apenas acrescentado a ré em defesa da sua tese que ainda assim não assinaram papel nenhum nem nada, 5º Por resultar ainda da circunstância do o autor ter intentado a presente acção de divorcio em 06.06.2022, tendo outorgado ainda a 23.04.2022 procuração para esse efeito, e não tendo dela desistido até à data do seu óbito. 6º Bem como dos depoimentos de EE, gravados em suporte digital em uso neste tribunal, prestado a 7.03.2024 entre as 12:16 - 12:27, o qual ouvido entre os 3 min e os 3, 51 min, entre os 5min e os 6,15min referiu que o autor AA lhe disse em 2020, que se iria divorciar, e que a esposa no ano de 2021, veio sozinha a Portugal e que antes de regressar a Suíça lhe entregou, para por sua vez entregar aquele, as chaves da habitação do casal sita na .... 7º E do depoimento do FF gravado em suporte digital em uso neste tribunal, prestado igualmente nesse dia 7: 03: 2024, mas entre as 12:01 - 12:14, o qual referiu entre os 2,30 min e os 2, 38 min entre os 4, 50 min e os 6, 18 min entre os 6,50 min e os 8,38min entre os 8, 45 min e os 9,19 min que pouco antes da Pascoa do ano de 2020/2021, a Ré veio sozinha a Portugal e que lhe comunicou pessoalmente que se iria divorciar, sendo esta uma firma intenção sua, informação que o autor AA veio confirmar quando o mesmo veio sozinho a Portugal passado dois meses, 8º Devia ter sido demonstrado que «A rutura conjugal é definitiva, não existindo, por parte do Autor, o propósito de a restabelecer»» e ainda que «pelo menos desde Junho de 2022 e até ao falecimento do auto AA, autora e reu viviam separadamente, não partilhando mesa, leito, habitação, preocupações». Sem conceder 9º Porque relevante para a boa decisão da causa, porque correspondem a factos que completam o inicialmente alegado, porque foi junto com o requerimento com a refª. 48018895 de 19.02.2024 uma citação do autor acompanhada de um requerimento inicial apresentado pela re a 4 de Novembro de 2021 no sentido de aquele comparecer no Tribunal Distrital Palais de Court de Montbenon no dia 20.12.2021 pelas 15h30 numa tentativa de conciliação por forma a que a separação de facto, porque foi junto pela Ré por requerimento com a refª nº 48139371 de 29.02.2024 a sentença estrangeira que declarou a separação de facto entre os cônjuges e a obrigação do autor AA abandonar até dia 1 de Junho de 2022, 10º Deveria ter sido considerado demonstrado que Autor e ré se encontravam judicialmente separados por decisão proferida a 11 de Março de 2022 pelo Tribunal Distrital Palias de Court de Montbenon, na sequência de requerimento proposto pela Ré a 4 de Novembro de 2021. Sem prescindir 11º Porque resulta inequivocamente do documento junto pelo autor com o seu requerimento refª 47814983 de 30 de janeiro de 2024 correspondente a uma declaração de advogado segundo a qual no dia 24.03.2021, a ré esteve no seu escritório no sentido de obter aconselhamento jurídico para obter divorcio por mutuo consentimento ou divorcio litigioso contra o autor, 12º Porque resulta do depoimento gravado em suporte digital em uso neste tribunal, da testemunha EE prestado a 7.03.2024 entre as 12:16 - 12:27, o qual ouvido entre os 3,min e os 3, 51 min , entre os 5min e os 6,15min referiu que o autor AA lhe disse em 2020, que se iria divorciar , e que a esposa no ano de 2021 , veio sozinha a Portugal e que antes de regressar a Suíça lhe entregou, para por sua vez entregar aquele, as chaves da habitação do casal sita na ... 13º Porque resulta do depoimento do FF prestado igualmente nesse dia 7: 03: 2024 entre as 12:01 - 12:14, depoimento gravado em suporte digital em uso neste tribunal, o qual referiu entre os 2,30 min e os 2, 38 min entre os 4, 50 min e os 6, 18 min entre os 6,50 min e os 8,38min entre os 8, 45 min e os 9,19 min que pouco antes da Pascoa do ano de 2020/2021 , a Ré veio sozinha a Portugal e que lhe comunicou pessoalmente que se iria divorciar, sendo esta uma firma intenção sua, informação que o autor AA veio confirmar quando o mesmo veio sozinho a Portugal passado dois meses. 14º Porque resulta das declarações de parte da Ré prestadas pela entre as 10 : 03 e as 10: 57 no dia 7 de Março de 2024 gravadas em suporte digital em uso neste tribunal , entre os 30 ,01 min e os 31, 37 min, entre os 42, 25 min e os 42, 35 min, entre os 46, 09 min e os 46, 20 min entre os 46, 25 min e os 46, 38 min , entre os 46, 59 min e os 47, 11 min, entre os 47, 45 min e os 48, 20 min , entre os 49,40 min e os 50 min, e entre os 52, 50 min e os 53, 12 min que desde 2021 , era vontade do Autor e também da ré divorciarem-se amigavelmente, só não tendo ocorrido tal divorcio porque a ré discordava da partilha dos bens. 15º Porque resulta ainda de forma inequívoca do documento junto pela autora habilitada por requerimento com a refª 48018895 de 19.02.2024 correspondente a uma citação do autor AA acompanhada de um requerimento inicial apresentado pela re no Tribunal da Suíça a 4 de Novembro de 2021, complementado com a sentença complementada pela sentença junta pela re através do seu requerimento com a refª nº 48139371 de 29.02.2024, 16º Deveria ter sido nos termos do artº 5º nº 2 al. B) do CPC considerado demonstrado que «pelo menos desde 2020/2021 era vontade de ambos os cônjuges divorciarem-se, sendo irreversível a vontade de não restabelecer a vida em comum» 17º Tendo presente a materialidade considerada demonstrada e aquela que não deixará de o ser, tendo presente ainda que o autor e Ré se encontravam judicialmente separados desde 11 de Março de 2022, e encontravam-se separados de facto desde 10 de Junho de 2022, tendo deixada de existir casa de morada de família desde então 18º Tendo cada um deles manifestado desde 2021 e até ao decesso do autor em 21 de Dezembro de 2021, vontade de divorciarem-se e de não mais restabelecer a vida em comum, verificando-se de facto a rutura da vida conjugal, 19º Deveria ter sido decretado, e deverá ser decretado o divorcio entre os cônjuges por força do disposto no artº 1781 al. D), 1676º e 1673 ambos do CC. * A Ré contra-alegou, defendendo a ilegitimidade da habilitada para o recurso e o bem fundado da decisão recorrida. * As questões a decidir são as seguintes: A legitimidade da Recorrente; A reapreciação da matéria de facto impugnada; A rutura definitiva do casamento. * A legitimidade da Recorrente. Habilitada que estava, a mesma podia recorrer sem estar acompanhada do irmão. Quanto a esta solução, remetemos para o decidido por esta secção, no acórdão de 16.12.2015, proc. 29/11, em www.dgsi.pt. * A reapreciação da matéria de facto. A Recorrente não respeita integralmente o disposto no art.640, nº 1, a) e c), do Código de Processo Civil, não sendo clara quanto aos factos mal julgados. De qualquer maneira, por serem relativos a factos instrumentais, que poderão ser aditados ou não, retira-se um sentido útil à impugnação. Aquela invoca as declarações da Ré, de EE e de FF. A prova disponível, a reconsiderar, está sujeita à livre apreciação do julgador. Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil). Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados. Lembremos que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta necessariamente com a circunstância de que existem fatores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação nem para a respectiva transcrição. É a imediação da prova que permite detetar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade. Vejamos: Os testemunhos de EE e FF servem para certificar que houve manifestações de vontade para o divórcio. E, conforme as declarações da Ré, principal fonte de prova, como o admite a Recorrente, sem que haja razões sérias para as colocar em causa, adquirimos: O divórcio amigável, em 2021, chegou a ser vontade dos cônjuges. Porém, tal ideia não foi concretizada e eles mantiveram-se a viver juntos, como até aí, até 10.6.2022. Apesar de manifestações de vontade, especialmente do falecido, este apenas em junho de 2022 sai de casa, porque se reformou e voltou para Portugal, e deixa de viver com a Ré. A doença do falecido alterou o comportamento deste, não o da Ré (vários testemunhos asseguram isto e que a Ré era submissa), mas, pelo menos, foi de sua conveniência manter-se a ser apoiado por ela, a viver com ela, como o fazia antes. Já antes o falecido era autoritário e verbalmente rude para com a Ré e, com dias piores, chegou a manifestar vontade de se divorciar. Porém, numa posição que nos parece dúbia, mantinha a relação do dia a dia como até aí, sendo ainda certo que o relacionamento tinha dificuldades. Aventamos a hipótese, mas como mera dúvida, de que, só com o distanciamento físico posterior a junho de 2022, o falecido poderá ter consolidado a ideia de realmente se divorciar. Apesar das consultas de 2021 e do acordo homologado na Suíça em 11.3.2022, os cônjuges terão feito as pazes (declarações da Ré), continuado a viver como até aí, só saindo o falecido em junho porque se reformou. A aparência de vida comum suporta as declarações da Ré. Ou porque antes não foi claro para com a Ré ou porque a distância física posterior a junho de 2022 o ajudou, a sua atitude parece seguir um caminho diferente apenas depois daquela data. Note-se que o falecido não revoga o testamento que fez antes a favor da Ré. Em conclusão, neste contexto, a nossa convicção manifesta-se no mesmo sentido do decidido, com os seguintes esclarecimentos: A vontade de divórcio antes manifestada (anterior a junho de 2022) não teve correspondência numa alteração da vida do dia a dia dos cônjuges, sendo correta a decisão recorrida quando afirma que não se provam os factos A) a G) dos não provados; Depois de junho de 2022, durante 6 meses, até ao falecimento do Autor, os cônjuges apenas mantiveram contatos telefónicos; Apesar do declarado no processo suíço, os cônjuges mantiveram a vida em comum até 10.6.2022. * Os factos provados são os seguintes: Autor e Ré contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, no regime de comunhão de adquiridos, em 02 de setembro de 1995. 2) Deste casamento não nasceram filhos. 3) O Autor sofreu um enfarte do miocárdio em 6 de janeiro 2013. 4) Em 23 de setembro de 2019 foi diagnosticado ao Autor um adenocarcinoma do apêndice. 5) Com o aparecimento desta doença o Autor foi sujeito a diversos tratamentos de saúde do foro oncológico que lhe provocaram grande sofrimento físico e psicológico. 6) Desde pelo menos o ano de 1997/1998 que o Autor nunca foi visitado pelo filho. 7) O Autor via a filha e o neto nas férias de Verão em ... com quem sempre teve boas relações. 8) Até ao dia 10 de Junho de 2022 era a Ré quem confecionava as refeições, quem cuidava da roupa e quem limpava a casa. 9) O Autor pretendia regressar a Portugal – ... – na hora da reforma estimada para 4 de junho de 2022, quando faria 65 anos. 10) A Ré teria que ficar na Suíça mais cerca de quatro anos – até 26/5/2026 – quando fizer 64 anos. 11) O Autor obteve a reforma em 4 de junho de 2022. 12) Saiu da casa do casal na Suíça no dia 10 de junho de 2022. 13) No dia 8 de Junho de 2022, a Ré ainda acompanhou o Autor ao médico – consulta de oncologia- em Lausanne. 14) No dia 30 de setembro de 2013, no Cartório Notarial ..., o Autor fez testamento a favor da Ré esposa, deixando-lhe por conta da quota disponível o usufruto vitalício de todos os seus bens, deixando à filha CC o remanescente da mesma quota. 15) O Autor faleceu em 21de dezembro de 2022. 16) A presente acção deu entrada em 06 de junho de2022. * Não se provam os factos alegados na petição. A separação, só posterior à petição, teve 6 meses. Se é possível, mas não provado, que o falecido, após a vinda para Portugal, tivesse firmado (até pelo hábito) a certeza da rutura (os contatos passaram a ser apenas telefónicos), isso só ocorre em momento posterior a junho de 2022, não tendo sido esse o fundamento do divórcio. Factos essenciais posteriores a junho de 2022 não foram alegados. A rutura invocada na petição é a que decorre da separação alegada – desde janeiro de 2020, mas não provada. O facto rutura, proposto na conclusão 8 do recurso, é conclusivo e deveria resultar de factos graves que a expressassem. Estes factos (graves) são essenciais e necessitam de alegação, em momento próprio. Não foi o que se passou depois de junho de 2022 que alguma vez foi invocado pelo Autor no processo. * Decisão. Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente, vencida (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Coimbra, 2025-02-25 (Fernando Monteiro) (Fonte Ramos) (Carlos Moreira)
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