Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS RECURSO LEGITIMIDADE ACTIVA ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES | ||
Data do Acordão: | 11/12/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA 2.º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.º 1905.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I. Atenta a específica natureza da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais e os particulares interesses em jogo, é de admitir o recurso interposto por um dos progenitores que, apesar de ter sido interveniente em acordo homologado pelo Tribunal, a final e ainda a tempo -por não ter transitado a sentença homologatória-, com fundamento na circunstância de não se encontrarem devidamente acautelados os interesses do menor, pretende seja sindicada a decisão proferida. II. Ainda que o progenitor não aufira, no momento, quaisquer rendimentos, na ausência de prova de que esteja permanentemente incapacitado de angariar o sustento dos menores seus filhos, não deve o Tribunal abster-se de fixar uma prestação alimentar a seu cargo. | ||
Decisão Texto Integral: | I. Relatório
A..., administrativa, residente no (...)Vila Nova de Poiares instaurou, ao abrigo do disposto nos art. 146º al. d) e 154º n.º 4 ambos da OTM a presente acção especial de regulação das responsabilidades parentais, sendo requerido B..., residente em Angola e com domicílio postal na (...)Lousã. Em fundamento alegou, em síntese útil, ser casada com o requerido, de quem se encontra separada desde Abril de 2009, estando em curso processo de divórcio. Na constância do casamento nasceram dois filhos: C..., nascido em 3 de Novembro de 2005, e D..., esta nascida em 26 de Setembro de 2000. O requerido pai encontra-se a residir em Angola, país para o qual emigrou, encontrando-se os menores a viver com a requerente, a qual tem provido todas as necessidades daqueles seus filhos menores. Requer a final seja regulado o exercício das responsabilidades parentais de harmonia com as circunstâncias que se vierem a apurar. Teve lugar a conferência a que alude o art.º 175.º da OTM e nela, encontrando-se presentes a requerente mãe, assistida pela Il. Patrona nomeada, e regularmente representado o requerido pai, pelo seu procurador foi declarado que aquele se encontrava a trabalhar em Angola mas não procedendo a entidade patronal ao pagamento dos salários, apenas facultando a dormida e as refeições, é sua intenção regressar definitivamente a Portugal. Foi então obtido acordo nos termos constantes de fls. 23/24, logo homologado por sentença, tendo os autos prosseguido apenas para determinação dos alimentos, não abrangidos pela transacção. Posteriormente, vieram requerente e requerido requerer a suspensão da instância, tendo em vista alcançar acordo quanto à questão remanescente. Frustrada a tentativa neste sentido levada a cabo pelas partes, foi pela progenitora requerido o prosseguimento dos autos, alegando não ter sido possível chegar a acordo com o requerido, sendo certo que se encontra em situação bastante difícil, pois vive exclusivamente do seu parco salário como administrativa e em sobressalto, com receio de não conseguir prover ao sustento dos menores, informando ainda encontrar-se em vias de ser despejada da casa onde habita (cf. requerimento de fls. 42). Declarada cessada a suspensão, foram os progenitores convocados para nova conferência (cf. fls. 45). Presentes novamente a requerente e a Il. Patrona nomeada e, bem assim, o pai do requerido, com procuração com poderes especiais para o representar, e o Il. Mandatário por este constituído, por iniciativa da Mm.ª juíza, tal como consta da respectiva acta, foi obtido o seguinte acordo: “Primeiro a) As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida dos menores serão exercidas pela mãe, uma vez que o pai se encontra em Angola e sem possibilidade de regressar ao país por não obter Visto; b) Os menores ficam entregues à mãe, ficando determinada a sua residência junto da mãe, competindo-lhe a si o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente dos menores. Segundo O pai poderá estar com os menores sempre que quiser, sem prejuízo das atividades letivas e dos períodos de descanso dos menores, avisando previamente a mãe para tal efeito. Terceiro Não se fixa pensão de alimentos a cargo do progenitor, em virtude de o mesmo não dispor de condições para os prestar.” Declarado pela Digna Magistrada do Mº.Pº. nada ter a opor ao acordo assim alcançado, proferiu a Mm.ª juíza sentença homologatória do mesmo. Da sentença interpôs a requerente tempestivo recurso e, tendo apresentado as suas alegações, rematou-as com as seguintes necessárias conclusões: “1. A decisão recorrida abstém-se de fixar alimentos a cargo do requerido -pai- uma vez que o mesmo não dispõe de condições para os prestar. 2. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens -artigo 1878º n.º 1 do Código Civil. 3. Os alimentos devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los, cfr. art.º. 2004º do Código Civil. 4. A fixação da prestação de alimentos é uma das três questões essenciais a decidir na decisão que regula o exercício das responsabilidades parentais, não devendo os progenitores ficarem desresponsabilizados do dever de contribuir para o sustento dos menores. 5. Assim, na decisão deverá fixar-se a pensão de alimentos e a forma de a prestar, independentemente da situação económica do progenitor a quem o menor não fique confiado. 6. O dever de alimentos aos filhos menores é um dever fundamental dos progenitores, decorrente do artigo 36 n.º 5 da CRP, sendo um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores. 7. Verificando-se a incapacidade/impossibilidade alimentar do requerido, cabe ao Estado substituir-se-lhe, garantindo aos menores as prestações existenciais que lhe proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna. 8. Tanto assim é que a primeira condição para que se possa accionar o mecanismo de acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) é a fixação judicial do “quantum” de alimentos devidos a cada menor. 9. A fixação de alimentos obriga a defesa do superior interesse da criança, o que nos termos do artigo 3º da Convenção dos Direitos da Criança todas as relativa a crianças terão primacialmente em conta os seus interesses. 10. Acresce que o artigo 180º da OTM, estabelece que na sentença o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com o interesse dos menores, acrescendo ainda a violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP. 11. Da decisão recorrida, não se afigura possível a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos menores, uma vez que esta depende de o devedor ser judicialmente obrigado a prestar alimentos- cfr. artigo 1º da Lei 75/98 de 19 de Novembro. 12. A douta recorrida decisão, salvo o devido respeito que é muito, não defende o interesse dos menores D (...)e C (...), interesse este que deve nortear as decisões proferidas no âmbito dos presentes autos, pelo que, dúvidas não se suscitam de que essa defesa impõe que seja fixada prestação de alimentos a cargo do requerido – pai, ficando os menores desprotegidos pelo facto de não ser fixada tal prestação de alimentos. 13. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 3.º da Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da crianças, 13.º, 36.º e 69.º da CRP, 1878.º n.º 1, 1905.º, 1909.º, 2004.º, 2006.º do Código Civil e 180.º da OTM. 14. A decisão recorrida deve ser revogada na parte em que se abstém de fixar a prestação de alimentos a cargo do requerido, substituindo-a por outra, que fixe tal prestação em montante não inferior a 150,00 € (cento e cinquenta euros) por cada filho menor, mensais actualizável anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação publicada pelo I.N.E.” Com os aludido fundamentos requer a final a revogação da decisão proferida, na parte em que se absteve de fixar alimentos a cargo do requerido, substituindo-a por outra que fixe tal prestação em montante não inferior a 150,00€ mensais a favor de cada um dos menores, actualizável anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação, publicada pelo I.N.E. A Dª Magistrada do M.P. contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, com fundamento no facto da recorrente só poder insurgir-se contra a sentença homologatória pondo em causa algum dos pressupostos que ao Tribunal incumbisse apreciar, estando-lhe vedado impugnar o mérito da decisão. Questão prévia: Nos termos do art.º 680.º do CPC 95/96 tem legitimidade para recorrer quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencida (n.º 1), e ainda as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias (cf. n.º 2 do preceito). Pressuposto necessário à legitimidade para recorrer é, deste modo “o gravame ou prejuízo real sofrido”[1], pela parte a quem a decisão foi desfavorável. “Só a parte que sucumbiu, por não ter obtido do tribunal “a coisa” objecto da demanda (…) ou por não ver reconhecidos todos os efeitos jurídicos pretendidos pode impugnar a decisão”[2]. Face ao assim estipulado, a primeira questão que se suscita nos autos é precisamente saber se a recorrente, que interveio na transacção homologada pela sentença impugnada, tem legitimidade para recorrer. A resposta, que cremos não poder ser imediata, impõe que se tenha na devida consideração a natureza particular da presente acção. Dispõe o art.º 1905.º do Código Civil (redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008, e 31 de Outubro) que “Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração judicial de nulidade ou anulação do casamento, os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor”. Por força da extensão operada pelo artigo 1909.º, o ali preceituado tem aplicação no caso dos cônjuges se encontrarem separados de facto. Harmonizando-se com o disposto na lei substantiva, os artigos 174.º e 177.º da OTM fazem depender a homologação, pelo juiz, do acordo a que tenham chegado os progenitores, da sua efectiva correspondência com os interesses do menor. Resulta do exposto que o critério norteador da actividade do Tribunal é sempre e só o superior interesse do(s) filho(s) menor(es) dos progenitores separados, donde não poder falar-se, em nosso entender, em parte vencida e parte vencedora para os efeitos do citado art.º 680.º do CPC. Acresce que, conforme resulta do disposto nos artigos 146.º e 150.º da OTM, estamos perante processos de jurisdição voluntária, do que decorre não se encontrar o Tribunal vinculado a critérios de legalidade estrita, sendo-lhe antes permitido buscar, em cada caso, e atendendo às suas especificidades, a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art.º 1410.º do C.P.C.). Vale isto por dizer que o juiz não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa. O juiz funciona como um árbitro, ao qual fosse conferido o poder de julgar ex aequo et bono[3]. Do exposto resulta, em nosso entender, que o critério aferidor do interesse em recorrer, que é condição de legitimidade, consagrado no art.º 680.º, não tem aqui imediata e directa aplicação, sendo por isso de admitir o recurso interposto por um dos progenitores que, apesar de ter sido interveniente em acordo homologado pelo Tribunal, a final e ainda a tempo -por não ter transitado a sentença homologatória-, com fundamento na circunstância de não se encontrarem devidamente acautelados os interesses do menor, pretende seja sindicada a decisão proferida. Daí que se admita o recurso interposto. Assente que pelas conclusões se delimita o objecto do recurso (art.ºs 684.º n.º 3 e n.º 1 do art.º 685.º-A do CPC), as questões colocadas à apreciação deste Tribunal são as seguintes: i. indagar dos fundamentos de impugnação da sentença homologatória do acordo dos progenitores; ii. decidir se a sentença proferida acautela o superior interesse dos menores. II. Fundamentação Dos autos resultam por ora assentes os seguintes factos: 1. C (...) nasceu no dia 3 de Novembro de 2005, sendo filho de B (...) e A (...) (certidão de fls. 5-6). 2. D (...) nasceu no dia 26 de Setembro de 2000, sendo filho de B (...) e A (...) (certidão de fls. 9-10). 3. Os menores encontram-se a residir com a requerente mãe, encontrando-se o requerido ausente em Angola. i. Dos fundamentos de impugnação da sentença homologatória do acordo dos progenitores Interessando à resolução das questões enunciadas os factos agora discriminados e quanto se deixou relatado em I., cumpre averiguar, antes de mais, dos fundamentos de impugnação da sentença que homologou o acordo dos progenitores. Nas doutas contra alegações que apresentou a D. Magistrada do M.P., apelando à natureza contratual da transacção e consequente aplicabilidade do regime dos contratos e dos negócios jurídicos (cf. art.ºs 1248.º, 405.º e 217.º), nomeadamente no que respeita à respectiva interpretação, emitiu parecer no sentido de, perante transacção judicial, ao juiz estar vedada a apreciação do mérito, competindo-lhe apenas verificar a validade do acto, indagando, designadamente, se o objecto da transacção se encontra na disponibilidade negocial das partes e se estas têm capacidade e legitimidade, tudo consoante dispõem os artigos 299.º e 300.º, n.º 1, ambos do CPC. E prossegue referindo que, no caso vertente, a questão que foi objecto de acordo entre os progenitores e contra o qual a apelante se insurge é uma questão que se encontra na disponibilidade das partes, sendo por isso válido o acordo no sentido de não ser fixado qualquer valor a título de alimentos, seja porque as partes reconhecem que o progenitor a quem os menores não foram entregues não tem meios para os prestar, seja porque a mãe dispõe sozinha dos meios necessários para prover às necessidades dos filhos. Tudo para concluir que a apelante poderia insurgir-se contra a sentença homologatória caso pusesse em causa algum dos pressupostos que ao tribunal incumbisse apreciar ou contra o teor do próprio acordo, mas aqui tão só com fundamento nalguma causa de nulidade do negócio jurídico; já não poderia recorrer da sentença, insurgindo-se contra a não fixação de alimentos a cargo do requerido, como se esta tivesse sido determinada pelo próprio tribunal na sequência de uma apreciação dos factos e sua subsunção ao direito, quando resultou de um acordo das partes. Ora, sendo na sua essência correcto quanto vem expendido a propósito da natureza contratual da transacção, já não podemos concordar com a D. Magistrada do M.P. quando defende que o acordo dos progenitores no âmbito da regulação das responsabilidades parentais assume aquela estrita natureza. Com efeito, e conforme o expendido a propósito da decisão da questão prévia suscitada permitia já intuir, “Não obstante nele poder haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse, o acordo celebrado no âmbito de uma acção de regulação do poder paternal, que não é um processo de partes, não configura uma simples transacção nos termos do disposto no art.º 1248.º do CC, enquanto manifestação da autonomia da vontade. A sentença homologatória desse acordo, tem de acautelar, acima de tudo, o designado superior interesse dos menores, subtraído, pois, à lógica privatística (art.º 1905.º n.º 1 do CC e art.ºs 177.º n.º1 e 180.º OTM)[4]. Nesta perspectiva, que temos por correcta, bem se pode afirmar que, ao analisar o acordo a que os progenitores hajam chegado no âmbito de um processo desta natureza, tem o juiz o dever de se assegurar da verificação de um requisito adicional e essencial, para lá da indagação da legitimidade das partes e disponibilidade do objecto, a saber, que o acordo alcançado protege os interesses dos menores. Deste modo, não concordamos com a Digna Curadora quando pretende limitar a intervenção do juiz à estrita observância dos citados artigos 299.º e 300.º do CPC, antes lhe impondo expressamente a lei que sindique a substância do acordo, em ordem a verificar se está cumprido o apontado requisito essencial, sem o que não deverá proferir decisão homologatória. E se assim é, cumpre agora apreciar a sentença proferida em ordem a decidir se com ela ficaram acautelados os interesses dos menores C (...) e Érica, o que nos introduz na segunda das questões enunciadas. ii. Do mérito da decisão: da defesa do superior interesse dos menores Dispõe o art.º 1905.º do Código Civil que “1. Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor”. Harmonicamente, o art.º 177.º da OTM impõe que “1. Estando ambos os pais presentes ou representados, o juiz procurará obter acordo que corresponda aos interesses do menor sobre o exercício do poder paternal (…)” e, finalmente, em estreita ligação com este normativo, preceitua o n.º 1 do art.º 180.º da O.T.M. que "Na sentença, o exercício do poder paternal será regulado de harmonia com os interesses do menor". O que seja o interesse do menor não o diz a lei, mas a densificação do conceito faz-se por apelo às orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais, mormente as relativas à segurança e saúde do menor, ao seu sustento e educação, ao seu são desenvolvimento físico, intelectual e moral, à sua instrução geral e profissional e à sua autonomização progressiva, aspectos que a cada passo e em cada decisão que lhes digam respeito terão que ficar devidamente salvaguardados. Assim concretizado o que seja o interesse do menor, e antecipando a decisão, desde já se afirma que a sentença recorrida não se perfila como guardiã daquele interesse. Vejamos porquê: Estabelece o artigo 36.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Tal princípio constitucional aparece concretizado na lei ordinária, dispondo o art.º 1878.º, n.º 1, do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens. O dever de prover ao sustento dos filhos e o consequente direito do filho a obter alimentos dos progenitores é inalienável e irrenunciável (cf. art.º 1882.º do CC), o que resulta ainda da circunstância de, mesmo nas situações limite de inibição do exercício das responsabilidades parentais, se manter o dever do progenitor inibido prover ao sustento do filho (cf. art.º 1971.º do CC). Não se desconhece que a questão de saber se a impossibilidade temporária do progenitor que não tem a guarda dos filhos menores isenta o Tribunal de fixar uma prestação alimentar a seu cargo suscitou controvérsia, merecendo respostas desencontradas ao nível dos Tribunais da Relação, em contraste com a persistente e uniforme jurisprudência do nosso STJ, que sempre defendeu a necessidade de, mesmo nestes casos, proceder à respectiva fixação. Assim, e com base no argumento de que o interesse do menor sobreleva a indeterminação ou desconhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos, sobre quem recai o ónus da prova da impossibilidade -total ou parcial- de satisfazer a prestação, vem entendendo o STJ que o Tribunal, estando vinculado a decidir de acordo com o superior interesse do menor, deve proceder à fixação de alimentos, ainda quando desconheça a concreta situação de vida do progenitor obrigado. Apelando à essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar, vem defendendo de forma reiterada que o Tribunal deve conferir-lhe o necessário conteúdo, “não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua (…)”[5]. Ora, não desconhecendo o entrave que o art.º 2004.º representa para tal entendimento, afigura-se que as possibilidades do progenitor obrigado, conforme refere Remédio Marques[6], “[e]nquanto pressuposto objectivo desta obrigação -e apesar de este integrar o facto constitutivo da obrigação de alimentos- não determina o momento do nascimento desta obrigação não autónoma. Pelo contrário, o seu nascimento é, sobretudo condicionado pela situação de necessidade. Mesmo que os progenitores ou algum deles não tenha possibilidades económicas actuais de prover ao sustento do menor (…) deve decretar-se essa obrigação, ainda que os montantes fixados sejam reduzidos, ou, no anverso, deve recusar-se a homologação (ou emitir-se parecer desfavorável, no caso do M.P.) de um acordo onde não se preveja o concreto nascimento dessa obrigação a cargo de algum dos progenitores. Daí que as possibilidades económicas do obrigado não relevem, sobremaneira, no iter desta obrigação não autónoma, maxime quanto ao seu nascimento. A obrigação de alimentos pode ser judicialmente peticionada logo que o alimentando esteja numa situação de necessidade.”[7]. Por outro lado, e face à densidade do dever que impende sobre o progenitor, afigura-se que só a incapacidade definitiva para angariar o sustento do filho menor terá virtualidade para o desobrigar, recaindo sobre aquele o ónus da respectiva prova. Reconhece-se -a própria apelante o confessa- que o interesse prático que visa alcançar com a presente decisão, não será tanto o reconhecimento judicial da obrigação alimentar a cargo do progenitor para proceder à sua subsequente cobrança coerciva, mas antes desencadear a intervenção do FGA, que exige e pressupõe a prévia condenação do obrigado e a verificação do incumprimento[8]. Todavia, mesmo (e por) assim ser, não deve o Tribunal prescindir, ainda que constatada a, no momento, insuperável dificuldade em apurar quais as possibilidades do progenitor obrigado a alimentos, ou a sua temporária impossibilidade -posto que, reafirma-se, só a incapacidade permanente para angariar o sustento do filho o libera[9]- de fixar uma prestação, ainda que mínima, a cargo deste, vinculado que está “pelo dever fundamental de custear prestação que garanta o direito a uma sobrevivência condigna do seu filho menor (…)”.[10] E se assim é nos casos em que é desconhecido o paradeiro do progenitor não guardião ou se constata a temporária impossibilidade deste de prover ao sustento do filho menor (por se encontrar em situação de desemprego ou privado da liberdade, por exemplo), por maioria de razão não deveria o Tribunal, no caso em apreço, ter-se abstido de proceder às diligências julgadas convenientes em ordem a apurar das reais necessidades dos menores -e que estes se encontram em situação de necessidade encontra-se indiciado nos autos, havendo que atentar desde logo ao teor do requerimento de fls. 42- e das possibilidades do requerido, tanto mais que é conhecido o seu paradeiro, tendo-se feito até representar nos autos por Il. Mandatário devidamente constituído, procedendo no final à fixação de uma prestação alimentar, ainda que no mínimo necessário à subsistência dos credores de alimentos[11]. Deflui do que se deixou exposto que a sentença homologatória do acordo não pode subsistir. Todavia, não disponibilizando os autos elementos que permitam, com um mínimo de segurança, proceder à fixação de uma prestação alimentar que não fundada em pura discricionariedade, haverá que determinar o prosseguimento dos autos conforme prevê o n.º 1 do art.º 178.º da OTM, determinando-se a notificação dos progenitores para alegarem no prazo consignado e cumprindo-se o mais que ali se prescreve. III Decisão Em face a todo o exposto, e na procedência do recurso, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação em revogar a sentença recorrida, devendo ser determinado o prosseguimento dos autos conforme prevê o n.º 1 do art.º 178.º da OTM, com a notificação dos progenitores para alegarem no prazo consignado e cumprindo-se o mais que ali se prescreve. Custas a cargo de requerente e requerido, que ao presente recurso deram causa. Sumário (n.º 7 do art.º 713.º do CPC) I. Atenta a específica natureza da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais e os particulares interesses em jogo, é de admitir o recurso interposto por um dos progenitores que, apesar de ter sido interveniente em acordo homologado pelo Tribunal, a final e ainda a tempo -por não ter transitado a sentença homologatória-, com fundamento na circunstância de não se encontrarem devidamente acautelados os interesses do menor, pretende seja sindicada a decisão proferida. II. Ainda que o progenitor não aufira, no momento, quaisquer rendimentos, na ausência de prova de que esteja permanentemente incapacitado de angariar o sustento dos menores seus filhos, não deve o Tribunal abster-se de fixar uma prestação alimentar a seu cargo. *
Maria Domingas Simões (Relatora) Nunes Ribeiro Helder Almeida
[3] Prof. A. Reis, Processos Especiais, vol. II, pág. 400. [9] Na verdade, “só a efectiva e irrefutável demonstração da inexistência de capacidade patrimonial por parte do obrigado justifica que a titularidade do direito a alimentos se torne, por esse motivo, materialmente inconsequente, nenhuma importância pecuniária sendo afinal, a esse título, atribuída ao sujeito carenciado” Ac. Rel. de Lisboa de 10/5/2011 (Proc. nº 3823/08.9TBAMD.L1-7, acessível em www.dgsi.pt). |