Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
255/10.2TMCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
COMPENSAÇÃO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Data do Acordão: 03/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 931º Nº 7 E 941º DO CPC
Sumário: 1. A utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, desde a separação até à partilha, quando atribuída por decisão judicial ou por acordo (ainda que tácito), não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação por tal utilização.

2. A acção de prestação de contas tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

3. Tendo a autora, juntamente com a filha do casal, habitado a casa morada de família, bem comum do casal, desde a separação até à partilha, o valor da utilização exclusiva do imóvel por parte da autora (seja ele o valor locativo ou qualquer outro valor), não corresponde a uma receita obtida com a administração do bem que, como tal, possa ser contabilizada no âmbito de uma prestação de contas, referente a tal administração.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A..., residente na Rua (...) , Cernache, veio propor a presente acção de prestação de contas contra B..., residente na Rua (...) , Aveiro, alegando, em suma: que foi casada com o Réu no regime de comunhão de adquiridos, sendo que o casamento – celebrado em 01/08/2003 –veio a ser dissolvido por divórcio, encontrando-se pendente o inventário para partilha dos bens comuns do casal onde a Autora desempenha as funções de cabeça de casal; tendo relacionado no aludido inventário verbas de passivo correspondentes a créditos que detém sobre a comunhão conjugal referentes a pagamentos de prémios de seguros, prestações do empréstimo e IMI relativos à casa comum, veio a ser proferido despacho que excluiu essas verbas da relação de bens que, por se reportarem a período posterior à data relevante para efeitos patrimoniais de divórcio, deveriam ser objecto de prestação de contas; por essa razão, vem agora prestar essas contas, alegando ter pago, entre Dezembro de 2008 e Novembro de 2014, o valor total de 44.358,01€ correspondente a débitos que eram da responsabilidade do casal (prestações mensais do empréstimo, seguros e IMI) ou da responsabilidade do Réu (dívida à Segurança Social contraída enquanto solteiro).

Com estes fundamentos, conclui pedindo que, aprovadas as despesas realizadas, seja o Réu condenado ao pagamento do saldo apurado de 44.358,01€, acrescidos das prestações do empréstimo bancário, seguros inerentes e impostos correspondentes que se vencerem posteriormente e que a Autora venha a pagar.

O Réu veio contestar, invocando a excepção de caso julgado relativamente ao valor da dívida à Segurança Social (1.814,00€),uma vez que, por decisão proferida no inventário, esse crédito do património comum do casal manteve-se ali relacionado. No mais, impugna os factos alegados, dizendo que a casa em questão deixou de ser a casa de morada de família a partir da separação – nela tendo passado a residir apenas a Autora e a filha do casal – e que foi acordado entre eles que seria a Autora a assumir sozinha o pagamento integral da prestação devida ao banco e o pagamento das demais despesas inerentes ao imóvel, sustentando que a presente acção constitui um abuso de direito por parte da Autora por ser contraditória com a posição anteriormente assumida. Mais alega que o valor da utilização exclusiva da casa por parte da Autora deve ser considerado como receita.

Conclui dizendo que nada deve à Autora e que, se alguma coisa devesse, nunca seria o total que é peticionado mas apenas metade desse valor, devendo a acção ser julgada improcedente.

Foi realizada a audiência prévia onde se determinou que o valor de 1.814,00€ não seria aqui considerado por estar relacionado no inventário e ter sido aí aprovado. Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.

Mediante requerimento de 16/11/2015, a A. veio declarar que o pedido formulado quanto às prestações vincendas tem como limite o mês de Novembro de 2015, por lhe ter sido adjudicado o imóvel no inventário, assumindo todo o passivo ligado ao imóvel a partir daquele mês de Novembro, anexando a conta corrente final correspondente à prestação de contas integral (39.155,88€ correspondente a amortizações e juros, 2.722,39€ corresponde a seguros de vida, 1.200,50€ correspondente a seguros MRH, 5.095,94€ correspondente a IMI e 562,41€ correspondente a IMT).

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar à A. a quantia de 22.655,94€.

Inconformado com essa decisão, o Réu veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. O recorrente considera incorrectamente julgados os pontos de facto 7. e 8. da decisão sobre a matéria de facto provada constante da sentença do Tribunal a quo.

2. Tal como considera incorrectamente julgado o facto de ter sido dado por não provado “que as partes tenham acordado após a separação que a A. assumiria sozinha o pagamento integral da prestação mensal devida ao banco mutuante e as despesas domésticas e fiscais inerentes ao imóvel”.

3. Porquanto a prova produzida nos autos impunha decisão diversa.

4. No que se refere aos pontos de factos 7. e 8., a Acta da Conferência de Interessados do processo principal de Inventário a que os presentes autos estão apensos, datada de 10 de Março de 2015, com termo de transacção aí lavrado e decisão transitada em julgado no final de Abril do mesmo ano, que se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, que adjudica o prédio comum à recorrida.

5. Não se percebendo nem estando fundamentada na sentença a razão que levou o Tribunal a quo a considerar que o pedido formulado pela recorrida tinha como limite o mês de Novembro de 2015, acrescendo que o prédio foi adjudicado àquela, não em Novembro de 2015, mas a 10 de Março de 2015, na Conferência de Interessados do Inventário a que os presentes autos estão apensos.

6. O que era do conhecimento do tribunal a quo por virtude do exercício das suas funções, uma vez que foi a Meritíssima Juíza a quo que presidiu àquela Conferência, não carecendo, pois, tal facto de alegação – art. 412º, nº 2 do CPC -, acrescendo o facto do tribunal a quo se ter socorrido de documentos juntos aos autos principais de Inventário para dar por provados, na sentença de que se recorre, os pontos de facto 1., 2. e 3.

7. Assim, deverá ser alterada a decisão proferida quanto a estes pontos de facto 7. e 8., passando a constar dos mesmos o mês de Maio de 2015 e não o mês de Novembro de 2015.

8. Tornando-se necessário alterar os valores da amortização do empréstimo e juros e dos seguros inerentes àqueles, constantes do Ponto de Facto 8. e que vão, na sentença de que se recorre, erradamente contabilizados a Novembro de 2015.

9. Sendo certo que, dos autos, constam já os valores dessa amortização do empréstimo e juros e de tais seguros contabilizados a Maio de 2015, constantes do documento nº 6 junto aos autos pela recorrida com o seu requerimento de 18.05.2015, com a referência 19646870.

10. Assim, o Ponto de Facto 8. deve passar a ter a seguinte redacção: Até Maio de 2015, a A. pagou ao BPN 36 692,34 euros de amortização do empréstimo e juros, e 3 577,47 euros de seguros inerentes ao mesmo.

11. Quanto ao facto de ter sido dado por não provado “que as partes tenham acordado após a separação que a A. assumiria sozinha o pagamento integral da prestação mensal devida ao banco mutuante e as despesas domésticas e fiscais inerentes ao imóvel”, a prova produzida nos autos concatenada com as regras da experiência e do normal acontecer impunham decisão diversa, ou seja, impunham que tal facto tivesse sido dado por provado, desde logo a prova documental junta aos autos, como sejam os documentos juntos com a Certidão da 1ª Secção de Família e Menores – J2, da Instância Central de Coimbra do Tribunal da Comarca de Coimbra, datada de 23.11.2015.

12. A morada da recorrida que aí consta é a Rua (...) , nº 58, 3040-770 Cernache, ou seja, a do prédio urbano em causa nestes autos – cf. Pontos de facto 3, 5 e 6 da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença de que se recorre, e que não vão impugnados, dando-se por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais -, sendo tal prédio reconhecido em tais documentos como residência da mãe, a casa da mãe

13. A recorrida utilizou, em proveito exclusivo e sem pagar qualquer importância ao recorrente, o prédio urbano referido desde Dezembro de 2008 – cf. Pontos de facto 6. e 11. da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença de que se recorre, e que não vão impugnados, dando-se por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais.

14. Após a separação das partes, a recorrida manteve-se a habitar o referido prédio com a filha do casal – cf. Ponto de facto 6. da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença de que se recorre, e que não vai impugnado, dando-se por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.

15. A recorrida mudou a fechadura do prédio em causa nos autos – cf. Ponto de facto 10. da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença de que se recorre, e que não vai impugnado, dando-se por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.

16. Deste facto, a recorrida não deu conhecimento nem pediu consentimento ao recorrente, nunca lhe tendo entregue cópia da nova chave – facto que resulta provado dos depoimentos gravados na audiência de julgamento, tendo, com o devido respeito, havido também aqui erro na apreciação das provas pelo Tribunal a quo, que exigiam decisão diversa, ou seja, dar tal facto por provado, o que se requer a V. Exas.

17. Assim, ouça-se o depoimento da testemunha C... , mãe do recorrente, com conhecimento directo dos factos (… ….)

18. Ao mudar a fechadura do prédio, a recorrida impediu efectivamente o recorrente de a ele aceder sem o seu consentimento e, por isso, de o usar e fruir como seu legítimo proprietário, dele dispondo a recorrida como bem entendeu, exclusivamente, comportando-se, assim, como se fosse dona e única proprietária do prédio, de que tinha a posse e o uso exclusivo desde a separação do ex-casal.

19. Aliás, a recorrida considerava e referia-se ao prédio, nas comunicações com o recorrente, como “a minha casa”, atribuindo-a só a si – cf. Doc. nº 1 junto pelo recorrente com a sua contestação nos autos, que dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, onde a recorrida chama à entrada do prédio em causa nos autos “a entrada de acesso da minha casa”.

20. Ora, todos estes factos, conhecidos e provados nos autos, conjugados com as próprias regras da experiência e do normal acontecer, permitem concluir com segurança que “as partes acordaram após a separação que a A. assumiria sozinha o pagamento integral da prestação mensal devida ao banco mutuante e as despesas domésticas e fiscais inerentes ao imóvel”.

21. Fazendo-se apelo à chamada prova por presunção, a que se chega através dos factos conhecidos e provados.

22. Tudo conforme, aliás, com o que é o usual e normal nos demais casos de separação entre cônjuges em que há um bem imóvel comum com mútuo bancário – prática que é do conhecimento geral e ocorre generalizadamente no nosso país.

23. Para mais, tratando-se como se tratava de um bem comum do ex-casal, que poderia ter sido arrendado ou vendido imediatamente, não tendo o recorrente qualquer interesse em ficar com o mesmo ou possibilidade económica para isso, como bem sabia a recorrida por ele lhe ter dito isso mesmo – cf. documento nº 3 junto com a contestação apresentada nos autos, que dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, e que consubstancia um e-mail enviado pelo recorrente à recorrida a 29 de Março de 2010, em resposta a um e-mail dela, e depoimento supra transcrito.

24. Manifestamente, impunha-se decisão diversa, devendo V. Exas. alterar a decisão recorrida, dando por provado que “as partes acordaram após a separação que a A. assumiria sozinha o pagamento integral da prestação mensal devida ao banco mutuante e as despesas domésticas e fiscais inerentes ao imóvel”.

25. Mas mesmo que assim se não entenda, o que só se aceita como hipótese de raciocínio, facto é que a recorrida teve a posse, o uso e a fruição exclusivas do bem comum desde 1 de Dezembro de 2008 e até ao acordo de partilha com a adjudicação do prédio a si, mudando inclusivamente a fechadura daquele.

26. Sem dar qualquer contrapartida ao recorrente, que se viu, sem mais, desapossado e impedido de usar e fruir o bem comum, tudo o que exige a tutela do Direito, sob pena de injusto locupletamento à sua custa e de um intolerável enriquecimento sem causa da parte da recorrida, o que efectivamente aconteceria se a sentença proferida se mantivesse.

27. A recorrida podia dispor do seu direito, como dispôs, e assumir, como assumiu, a obrigação pelo pagamento das prestações bancárias do empréstimo contraído junto do BPN, os seguros inerentes a tal empréstimo e do IMI relativo ao imóvel, por si, sozinha.

28. Não pode é assumir a obrigação num determinado momento e depois, mais tarde, contraditoriamente com a toda a sua conduta anterior, mudar de ideias e vir intentar a presente acção, nos termos em que o fez, o que constitui um VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM.

29. É inaceitável, não obstante o respeito devido, a conclusão tirada pelo Tribunal a quo de que, relativamente ao prédio aqui em causa, “esta factualidade não implica que o valor locativo do prédio deva ser computado como receita obtida (a aprovar nesta sede), uma vez que não representa o efectivo ingresso de um rendimento” e de que “o prédio comum não gerou receitas”.

30. Efectivamente, resultou provado nunca ter a recorrida pago ao recorrente qualquer valor pela posse, uso e fruição exclusivas do bem comum – cf. Ponto de Facto 6. e 11. da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença de que se recorre, e que não vão impugnados, dando-se por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais -, concluindo-se, e por maioria de razão, ter sido a recorrida quem retirou sozinha todos os frutos e utilidades do bem comum desde o dia 1 de Dezembro de 2008.

31. É também justo, portanto, que nas presentes contas seja considerado como receita o valor da utilização exclusiva pela recorrida do prédio comum.

32. “O cônjuge administrador não pode beneficiar do lucro que lhe proporciona a utilização exclusiva dos prédios comuns, em prejuízo do outro ex-cônjuge”- cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.2004, processo 04A364, de que foi Relator o Juiz Conselheiro Azevedo Ramos.

33. Porquanto “o valor do uso do prédio representa uma vantagem económica, que não pode deixar de ser considerado na prestação de contas, sob pena de injusto locupletamento à custa alheia e de um intolerável enriquecimento sem causa do cônjuge que os utiliza exclusivamente, em seu benefício”, que a lei não consente (mesmo acórdão, disponível em www.dgsi.pt - negrito e sublinhado nosso).

34. “Tendo um dos cônjuges a posse exclusiva de um imóvel que era comum, deverá o valor locativo desse imóvel ser considerado como receita” - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08.03.2012, proferido no processo 5372/04.5TBGMR-A.G1, disponível em www.dgsi.pt.

35. Pois “o valor locativo ... corresponde ao valor da utilização. Assim, como receita deverá ser considerado esse valor mensal” (cf. mesmo Acórdão).

36. Apurado nos autos o valor locativo do prédio, que não foi impugnado pela recorrida, e que corresponde ao valor da utilização exclusiva pela recorrida, sabemos qual o valor a considerar como receita nas contas – cf. Ponto de facto 13. da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença de que se recorre, e que não vai impugnado, e documento junto a fls. 134-135 dos autos, tudo se dando por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.

37. Tendo por base os valores mensais constantes do ponto de facto 13. da sentença recorrida, se considerarmos como limite o mês de Maio de 2015, o valor locativo do prédio a considerar como receita é de € 79 391,28 (setenta e nove mil trezentos e noventa e um euros e vinte e oito cêntimos);

38. se considerarmos como limite o mês de Novembro de 2015, tal valor é de € 85 455,70 (oitenta e cinco mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e setenta cêntimos).

39. Assim, deverão V. Exas. alterar a decisão recorrida e decidir que:

RECEITA: entre Dezembro de 2008 e Maio de 2015, o valor locativo do prédio ascendeu a €79 391,28, sendo devido ao recorrente, pela recorrida, que teve o seu uso exclusivo, a quantia de € 39 695,64 (trinta e nove mil seiscentos e noventa e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos);

Caso se entenda que o período temporal a ter em conta vai de Dezembro de 2008 a Novembro de 2015, o que não se aceita, então o valor locativo do prédio ascendeu a € 85 455,70, sendo devido ao recorrente, pela recorrida, que teve o seu uso exclusivo, a quantia de € 42 727,85 (quarenta e dois mil setecentos e vinte e sete euros e oitenta e cinco cêntimos;

DESPESA: entre Dezembro de 2008 e Maio de 2015, tendo em conta os pontos de facto 8. com as alterações que vão supra alegadas e 9., a recorrida suportou despesas comuns no valor de € 43 902,93 (€ 36 692,34 de amortização do empréstimo e juros + € 3 577,47 de seguros inerentes ao mesmo + € 3 633,12 de IMI), sendo cada um, recorrente e recorrida, responsáveis em metade, ou seja, na quantia de € 21 951,47 (vinte e um mil novecentos e cinquenta e um euros e quarenta e sete cêntimos);

Caso se entenda que o período temporal a ter em conta vai de Dezembro de 2008 a Novembro de 2015, o que não se aceita, então, mantendo-se a redacção do ponto de facto 8. da sentença recorrida, a recorrida suportou despesas comuns no valor de € 46 711,89 (€ 39 155,88 de amortização do empréstimo e juros + € 3 922,89 de seguros inerentes ao mesmo + € 3 633,12 de IMI), sendo cada um, recorrente e recorrida, responsáveis em metade, ou seja, na quantia de € 23 355,95 (vinte e três mil trezentos e cinquenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos);

O recorrente pagou à recorrida o montante de 700 euros – cf. ponto de facto 12.

40. Julgando o recorrente credor da recorrida no montante de € 18 444,17 (dezoito mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e dezassete cêntimos), ou, caso se entenda que o período temporal a ter em conta vai de Dezembro de 2008 a Novembro de 2015, o que não se aceita, então, julgando o recorrente credor da recorrida no montante de € 19 371,91 (dezanove mil trezentos e setenta e um euros e noventa e um cêntimos), farão V. Exas Justiça.

Conclui pedindo a procedência do recurso e que seja revogada a decisão recorrida, proferindo-se decisão que, reapreciando a prova, determine e considere como receita o valor da utilização exclusiva, pela recorrida, do prédio comum, de Dezembro de 2008 a Maio de 2015, condenando-a a pagar ao recorrente a quantia de € 18 444,17 (dezoito mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e dezassete cêntimos), ou de € 19 371,91 (dezanove mil trezentos e setenta e um euros e noventa e um cêntimos) caso se entenda ser de contabilizar o período temporal de Dezembro de 2008 a Novembro de 2015.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em face disso, deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos propostos pelo Apelante;

• Saber se, em função da eventual alteração da matéria de facto, o Apelante deve suportar as despesas aqui em causa e, em caso afirmativo, saber se as despesas a considerar são apenas as que foram efectuadas até Maio de 2015 (como pretende o Apelante) ou se devem ser consideradas as despesas efectuadas até Novembro de 2015 (como considerou a sentença recorrida);

• Saber se o valor locativo da casa (bem comum) que foi utilizada pela Autora desde a separação até à partilha deve ser contabilizado como receita na prestação de contas em causa nos autos.


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III.

Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos:

1.A. e R. casaram um com o outro em 1/8/2003 – cfr. documento de fls. 14-15 dos autos principais, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.

2. No dia 1/2/2011 foi decretado o divórcio entre A. e R., reportando os efeitos patrimoniais do mesmo a 1/12/2008 – cfr. documento de fls. 102 a 107 dos autos principais, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.

3. Através de escritura pública outorgada em 14/4/2008 no Cartório Notarial de D... , sito na Av. (...) , em Coimbra, A. e R. declararam comprar pelo preço de 186.250 euros, o prédio urbano – casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar, garagem em anexo e logradouro -, sito na Rua (...) , Cernache, Coimbra, inscrito na matriz sob o artigo P 3276, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº 3535 – cfr. documento de fls. 9 a 22, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.

4. Através do mesmo documento, o BPN concedeu à A. e ao R. um empréstimo de 165.000 euros pelo prazo de 444 meses, remunerado à taxa Eurolibor a 3 meses, com um spread de base de 0,950 euros, bonificação de spread de 0,600%, spread aplicável de 0,350 euros, sendo convencionada a periodicidade de ajustamento da taxa de juro e períodos de contagem de juros mês a mês, e uma taxa de juro nominal de 4,946%, sendo a taxa anual efectiva calculada na data da celebração do contrato de 5,493%.

5. A. e R. instalaram a casa de morada de família no prédio referido no ponto 3.

6. Após a separação das partes, mantiveram-se a habitar o prédio referido no ponto 3 a A. e a filha do casal.

7. De Dezembro de 2008 a Novembro de 2015 foi a A. que pagou a prestação bancária do empréstimo contraído junto do BPN, os seguros inerentes a tal empréstimo e o IMI relativo ao imóvel.

8. Até Novembro de 2015, a A. pagou ao BPN 39.155,88 euros de amortização do empréstimo e juros, e 3.922,89 euros de seguros inerentes ao mesmo.

9. O IMI pago pela A. relativamente ao imóvel descrito no ponto 3, desde Dezembro de 2008 até ao ano de 2014, ascende a 3.633,12 euros.

10. Em data não concretamente apurada, a A. muda a fechadura do prédio referido no ponto 3 dos factos provados.

11. A A. nunca pagou ao R. qualquer quantia pelo uso do imóvel descrito no ponto 3.

12. Em 11/12/2008 o R. transferiu 700 euros para a A. para pagar despesas comuns.

13. O valor máximo de renda mensal do prédio descrito no ponto 3 é o seguinte:

- em 2008, 1.014,40 euros;

- em 2009, 1.042,80 euros;

- em 2010, 1.014,40 euros;

- em 2011, 1.017,44 euros;

- em 2012, 1.046,76 euros;

- em 2013, 1.048,48 euros;

- em 2014, 1.024,44 euros;

- em 2015, 1.011,26 euros.

***

E consideraram-se não provados os demais factos alegados, nomeadamente que as partes tenham acordado após a separação que a A. assumiria sozinha o pagamento integral da prestação mensal devida ao banco mutuante e as despesas domésticas e fiscais inerentes ao imóvel.


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IV.

Analisemos, em primeiro lugar, as questões referentes à matéria de facto, uma vez que estas têm prioridade lógica sobre as demais.

Além de impugnar a decisão proferida sobre os factos constantes dos pontos 7 e 8 (questão que analisaremos mais adiante), o Apelante vem impugnar a decisão que julgou não provado que as partes tenham acordado após a separação que a A. assumiria sozinha o pagamento integral da prestação mensal devida ao banco mutuante e as despesas domésticas e fiscais inerentes ao imóvel.

Sustenta, portanto, o Apelante que esse facto (o aludido acordo) deve ser considerado provado, invocando diversos documentos – dos quais resultaria que a morada da Apelada corresponde ao prédio que está em causa nos autos – e, fazendo outras considerações referentes a ilações que retira de outros factos (como sejam o facto de a Apelada se ter mantido a habitar a casa sem pagar qualquer contrapartida ao Apelante e de ter mudado a respectiva fechadura), invoca também o depoimento da testemunha, C... .

Mas, salvo o devido respeito, não tem razão.

Está provado, efectivamente, que, após a separação, foi a Apelada que continuou a residir no aludido imóvel com a filha do casal; está provado que nada pagou ao Apelante por essa ocupação e está provado que, a dada altura, mudou a respectiva fechadura. Mas, ao contrário do que diz o Apelante, esses factos não permitem, de modo algum, presumir pela existência de qualquer acordo referente ao pagamento das prestações devidas ao banco e despesas fiscais inerentes a tal imóvel. Aqueles factos permitiriam presumir, quando muito, que as partes haviam chegado a acordo relativamente ao facto de a casa de morada de família passar a ser utilizada exclusivamente pela Apelada e pela filha do casal, mas nada nos dizem e nada permitem presumir a propósito de qualquer acordo referente à responsabilidade pelo pagamento das despesas inerentes a esse imóvel que, independentemente do direito à respectiva utilização, continuarão, em princípio, a ser da responsabilidade de ambos.

E, se é certo que não existe qualquer documento comprovativo da existência desse alegado acordo, também é certo que o depoimento da testemunha em que o Apelante se baseia não tem qualquer idoneidade para fundamentar a decisão de julgar provado aquele facto. Com efeito, essa testemunha – que, além do mais, é mãe do Apelante – não tem qualquer conhecimento desse acordo ou de qualquer facto com ele relacionado, limitando-se a relatar aquilo que o filho lhe disse, o que, evidentemente, é insuficiente para fundamentar a convicção do Tribunal.

Mantém-se, portanto, a decisão que julgou não provado o aludido facto.

  

O Apelante impugna também a decisão proferida sobre os factos constantes dos pontos 7 e 8, sustentando que tais factos devem ser considerados provados com referência ao mês de Maio de 2015 (e não ao mês de Novembro de 2015) o que implica a alteração dos valores aí mencionados.

Assim, na perspectiva do Apelante, os aludidos pontos de facto deverão passar a ter a seguinte redacção:

7. De Dezembro de 2008 a Maio de 2015 foi a A. que pagou a prestação bancária do empréstimo contraído junto do BPN, os seguros inerentes a tal empréstimo e o IMI relativo ao imóvel.

8. Até Maio de 2015, a A. pagou ao BPN 36.692,34 euros de amortização do empréstimo e juros, e 3.577,47 euros de seguros inerentes ao mesmo.

Para justificar tal pretensão, invoca a Acta da Conferência de Interessados do processo principal de Inventário a que os presentes autos estão apensos, datada de 10 de Março de 2015, com termo de transacção aí lavrado e decisão transitada em julgado no final de Abril do mesmo ano, onde o prédio comum foi adjudicado à Recorrida, dizendo não se perceber e não estar fundamentada na sentença a razão que levou o Tribunal a quo a considerar que o pedido formulado pela recorrida tinha como limite o mês de Novembro de 2015, quando é certo que o prédio lhe foi adjudicado a 10 de Março de 2015, na Conferência de Interessados do Inventário, facto que era do conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas funções, uma vez que foi a Meritíssima Juíza a quo que presidiu àquela Conferência, não carecendo, pois, tal facto de alegação – art. 412º, nº 2 do CPC.

Importa dizer, em primeiro lugar, que, na realidade, o Apelante não impugna os aludidos factos, já que não contesta o facto de ter sido a A. quem pagou a prestação bancária, os seguros inerentes e o IMI de Dezembro de 2008 a Novembro de 2015 e também não contesta o facto de os valores pagos nesse período serem aqueles que constam do ponto 8.

Diz o Apelante que não se percebe e não está fundamentada na sentença a razão que levou o Tribunal a quo a considerar que o pedido formulado pela Recorrida tinha como limite o mês de Novembro de 2015. Mas, salvo o devido respeito, é fácil de perceber; considerou-se que o pedido formulado pela Recorrida tinha esse limite porque ela própria o limitou nesses termos, já que, no requerimento que apresentou em 16/11/2015, veio dizer, expressamente, que limitava o pedido formulado nos autos até ao mês de Novembro de 2015, uma vez que, por lhe ter sido adjudicado o imóvel, assumia, a partir de então, esse passivo e não pretendia reclamá-lo ao Réu.

A questão que o Apelante vem suscitar é, na realidade, uma questão de direito que se prende com o momento até ao qual poderia ser responsabilizado pelo passivo, sustentando que tal responsabilidade apenas teria lugar até Maio de 2015, uma vez que o prédio foi adjudicado à Autora a 10 de Março de 2015, na Conferência de Interessados do Inventário (facto que seria do conhecimento do Tribunal, apesar de não ter sido alegado) e seria, portanto, em função dessa questão (de direito) que importaria alterar os citados pontos de factos de forma a dar expressão ao momento e valores que seriam relevantes para a decisão da causa.

A verdade é que o Apelante nunca suscitou essa questão em 1ª instância, designadamente quando foi notificado do requerimento apresentado pela Autora em 16/11/2015 onde esta delimitava claramente o âmbito do pedido que formulava até Novembro de 2015 e os recursos não se destinam propriamente a apreciar questões novas que nunca antes foram suscitadas e que não foram apreciadas pela decisão recorrida.

De qualquer forma, dir-se-á, que a circunstância de o imóvel ter sido adjudicado à Autora não releva para efeitos de desonerar o Réu/Apelante do passivo que lhe é inerente e que, não obstante a adjudicação, continuará a ser da responsabilidade de ambos os cônjuges por se reportar a um mútuo que a ambos foi concedido. Esse passivo apenas passaria a ser da responsabilidade exclusiva da Autora a partir do momento em que esta assumisse a responsabilidade exclusiva por esse débito, importando notar, de qualquer forma, que essa assunção da dívida, não obstante produzir efeitos entre os cônjuges, não desoneraria o Apelante da sua responsabilidade para com o credor sem que este o autorizasse expressamente (cfr. art. 595º, nº 2, do CC). De qualquer forma, no âmbito das relações entre a Autora e Réu – é apenas isso que está em causa nos autos – o que relevaria para o efeito de desonerar o Réu era o acordo que tivesse efectuado com a Autora no sentido de esta assumir, a partir de dado momento, a responsabilidade exclusiva pelo passivo, acordo esse que o Apelante nunca alegou – e continua a não alegar – ter sido celebrado em momento anterior a Novembro de 2015 (importa notar que a acta de conferência de interessados a que o Apelante se reporta nem sequer se encontra junta aos presentes autos, nada tendo sido alegado pelo Apelante que nos leve a pensar que a mesma possa conter algum facto relevante para a decisão do presente recurso; o único facto relevante para o efeito corresponderia a qualquer acordo que tivesse sido celebrado entre as partes no sentido de a Autora assumir a responsabilidade exclusiva pela dívida aqui em questão e o Apelante não alegou que tal facto tenha ocorrido).

A dívida em questão era da responsabilidade de ambas as partes – era uma dívida comum – que foi paga exclusivamente pela Autora a partir de Dezembro de 2008 e a única coisa que sabemos é que a Autora não pretende reclamar do Réu os valores que pagou a partir de Novembro de 2015, declarando nos autos que, a partir desse momento, assumia esse passivo.

Nada sabemos – porque nada foi alegado – a propósito de qualquer acordo ou facto que tivesse ocorrido em momento anterior e que tivesse idoneidade para desonerar o Réu daquela obrigação e, portanto, só àquele momento (Novembro de 2015) poderemos aqui atender.

Assim sendo, nenhuma alteração importa efectuar aos citados pontos de facto.


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Mantendo-se integralmente a decisão proferida sobre a matéria de facto, importa agora analisar a questão de saber se o valor da utilização exclusiva da casa de morada de família por parte da Autora deve ou não ser contabilizado como receita na prestação de contas a que se procede, tendo em conta que, além das questões já apreciadas a propósito da impugnação da decisão da matéria de facto, é essa a única questão suscitada no recurso que ainda não foi apreciada.

 Está provado, efectivamente, que, após a separação das partes, foi a Autora que, juntamente com a filha do casal, se manteve a habitar o prédio em questão e está provado que nunca pagou ao R. qualquer quantia pelo uso do imóvel.

Sustenta o Apelante que, sob pena de ocorrer um injusto enriquecimento da Autora à sua custa, o valor desse uso exclusivo – que deverá corresponder ao valor locativo do imóvel – deverá ser contabilizado, na prestação de contas, como receita, citando em abono da sua tese o Acórdão do STJ de 25/03/2004, processo 04A364 e o Acórdão da Relação de Guimarães de 08/03/2012, proferido no processo 5372/04.5TBGMR-A.G1.

Os citados acórdãos decidiram, efectivamente, no sentido propugnado pelo Apelante, mas, salvo o devido respeito, é outra a nossa posição.

Na verdade, a pretensão do Apelante suscita duas questões.

A primeira questão consiste em saber se a Autora está (ou não) obrigada a pagar o valor correspondente ao valor locativo do imóvel (ou qualquer outro valor) pelo facto de o ter usado e utilizado desde a data da separação do casal até à partilha; a segunda questão consiste em saber se esse valor (caso seja devido) pode ser contabilizado como receita para efeitos de prestação de contas.

Começando pela última questão, importa dizer que, conforme resulta do disposto no art. 941º do CPC, a acção de prestação de contas tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

   Ora, se o imóvel não foi arrendado – sendo, ao invés, ocupado e utilizado por quem o administrava sem qualquer acordo prévio do qual decorresse a sua obrigação de pagar determinada contrapartida por essa utilização – parece que não foi obtida qualquer receita que pudesse ser considerada em sede de prestação de contas e muito menos se poderia afirmar que essa pretensa receita correspondia ao valor locativo do imóvel. Numa situação dessas, o valor locativo do imóvel corresponderia, quando muito, à receita que poderia ter sido obtida no âmbito de uma administração prudente e zelosa, caso o imóvel fosse arrendado ao invés de ser ocupado e utilizado por quem tinha a sua administração. Mas a acção de prestação de contas não se destina a contabilizar as receitas eventuais que poderiam ter sido obtidas (e que apenas poderiam corresponder a um prejuízo emergente de uma administração imprudente ou ruinosa); a acção de prestação de contas apenas se destina a contabilizar as receitas que foram efectivamente obtidas, ou seja, as quantias que foram efectivamente recebidas por quem administrava os bens.

Parece-nos, portanto, que o valor do uso do imóvel por parte da Apelante (seja ele o valor locativo ou qualquer outro valor), não corresponde a uma receita que, como tal, possa ser contabilizada no âmbito de uma prestação de contas[1]. Esse valor – a entender-se que era devido – corresponderia apenas, na nossa perspectiva, a um débito da Autora relativamente ao património comum do casal (eventualmente com fundamento em enriquecimento sem causa, como parece sustentar o Apelante) e que devia ser pago ou conferido aquando da partilha (cfr. art. 1689º do CC); estaria em causa, portanto, uma dívida da Autora ao Apelante ou ao património comum, mas não uma receita obtida com a administração do bem que pudesse ser considerada em sede de prestação de contas referente a tal administração.

Mas, além do mais e entrando na análise da 1ª questão supra referida, pensamos não existir base legal e factual para afirmar e concluir que a Autora está obrigada a pagar o valor correspondente ao uso do imóvel.

Sendo indiscutível que aquele imóvel era um bem comum do casal (até à realização da partilha), é também indiscutível que o mesmo correspondia à casa de morada de família, casa esta que mereceu, da parte do legislador, uma atenção especial e um regime particular, uma vez que o seu destino e a sua utilização, designadamente durante a pendência da acção de divórcio e até à partilha, devem ser objecto de acordo dos cônjuges em caso de divórcio por mútuo consentimento (cfr. art. 1775º e 1776º do CC) e tal casa, podendo ser dada de arrendamento a um dos cônjuges nos termos do art. 1793º do CC, pode também ser objecto de regime provisório – na pendência da acção de divórcio – por iniciativa do juiz ou a requerimento de qualquer das partes nos termos do art. 931º, nº 7, do CPC.

Não obstante as referências feitas pelo Apelante ao facto de ter sido desapossado da casa e impedido de a usar e fruir, não encontramos nos autos e na matéria de facto provada qualquer elemento que aponte para o facto de o uso da casa por parte da Autora não ter assentado em acordo (pelo menos tácito) com o Apelante, uma vez que este nunca alegou que alguma vez tivesse pretendido usá-la e disso tivesse sido impedido. Além do mais, se pretendesse opor-se ao uso exclusivo da casa por parte da Apelante ou se pretendesse ser ele a usá-la, poderia ter pedido ao Tribunal, ao abrigo do citado art. 931º, nº 7, a fixação de um regime provisório no que toca à utilização da casa e à eventual compensação devida pela ocupação. O Apelante não o fez e, portanto, aceitou e deu o seu acordo (ainda que tácito) à utilização que estava a ser dada à casa de moradia de família e que – importa notar – não estava a ser utilizada exclusivamente pela Autora, mas também pela filha do casal e para cujo sustento (incluindo, naturalmente, as despesas com a habitação) o Apelante também estava obrigado a contribuir.

E, aceitando essa utilização, a verdade é que não existiu qualquer acordo ou decisão judicial que fixasse uma qualquer compensação pela utilização da casa de família por parte da Autora.

Deverá, então, entender-se que, em qualquer caso, a Autora está obrigada a pagar tal compensação?

Parece-nos que não.

A lei não impõe, de modo expresso, que o cônjuge a quem seja atribuída a utilização da casa de morada de família deva pagar qualquer compensação. Não obstante – conforme se considerou no Acórdão do STJ de 13/10/2016, proferido no processo nº 135/12.7TBPBL-C.C1.S1[2] - a norma constante do nº 7 do art. 931º do CPC, ao conferir ao juiz a possibilidade de fixar um regime provisório acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, “…é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso, fundada em razões de equidade e justiça, estabelecida por analogia com o regime que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família”.

Mas, conforme também se considerou no citado Acórdão, a atribuição da casa de morada de família “…pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta atribuição a título oneroso, quando decretada, uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família”.

Significa isto, portanto, que a utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, quando atribuída por decisão judicial, não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação por tal utilização; a existência dessa obrigação e o apuramento do respectivo valor, face ao regime e às funções específicas da casa de morada de família, dependerá da apreciação das concretas circunstâncias do caso atendendo, designadamente, às necessidades de cada um dos cônjuges e ao interesse dos filhos do casal, à semelhança do que acontece quando, por aplicação do disposto no art. 1793º, a casa é atribuída por um dos cônjuges por via de um contrato de arrendamento (ainda que, neste caso, seja sempre fixada uma renda – como é suposto num contrato de arrendamento – o seu valor não corresponde, naturalmente, ao valor locativo do imóvel no mercado, sendo fixado em função das circunstâncias ali mencionadas).

E, se a utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, quando atribuída por decisão judicial, não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação, é evidente não poder concluir-se, sem mais, pela existência de tal obrigação nos casos em que a utilização da casa não assenta em qualquer decisão judicial mas sim em acordo (ainda que tácito) entre os cônjuges onde essa obrigação não foi prevista.

A verdade é que, no caso sub judice, não se provou ter existido qualquer acordo das partes no que toca à fixação de tal compensação e ela também não foi fixada por qualquer decisão judicial.

Assim sendo, a obrigação de pagar tal compensação apenas poderia, eventualmente, radicar em qualquer enriquecimento injustificado da Autora à custa do património comum.

Mas, atendendo aos interesses em jogo e atendendo ao regime e finalidade da casa de morada de família, não nos parece que possa e deva concluir-se que a utilização da casa por um dos cônjuges corresponda sempre – e necessariamente – a um enriquecimento que deva ser eliminado por não ter causa justificativa, designadamente quando – como aqui acontecia – a casa também é utilizada em benefício dos filhos do casal. E muito menos se poderia considerar que esse enriquecimento corresponde necessariamente ao valor locativo do imóvel. Note-se que, como referimos, caso tivesse sido proferida decisão, ao abrigo do citado art. 931º, nº 7, do CPC, a fixar regime provisório (decisão que poderia ter sido solicitada por qualquer dos cônjuges), tal compensação poderia ou não ter sido fixada em função das concretas circunstâncias do caso e dos interesses envolvidos e, se assim é, não poderemos, naturalmente, afirmar que, não sendo proferida tal decisão, deva haver sempre – e necessariamente – lugar a qualquer compensação de valor correspondente ao valor locativo do imóvel. Refira-se, aliás, que a casa não foi utilizada no interesse exclusivo da Autora, mas também no interesse da filha do casal e, porque o Apelante também tinha interesse (e obrigação) em providenciar habitação para a sua filha, poder-se-á dizer, em bom rigor, que a casa também foi usada no seu interesse e esta circunstância não poderia deixar de ser considerada e ponderada para efeitos de decidir se a Autora estava ou não obrigada a pagar qualquer compensação e para efeitos de apurar o valor dessa compensação

À luz das considerações expostas, é evidente que tal compensação não poderá ser aqui considerada. A obrigação de suportar tal compensação e o respectivo valor não foram, oportunamente, fixados por acordo das partes ou por decisão judicial e os presentes autos também não fornecem elementos bastantes para avaliar se a Autora deve (ou não) suportar uma qualquer compensação pela utilização da casa em questão até à partilha e para apurar o valor dessa compensação e nem será este o local próprio para discutir essas questões, até porque, como acima se referiu, o valor da compensação eventualmente devida pela Autora nunca poderia ser considerado como receita para efeitos de contabilização na prestação de contas que corresponde ao objecto do presente processo.

Improcede, portanto, o recurso e confirma-se a decisão recorrida.   


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: António Magalhães

                            Ferreira Lopes

                    


[1] Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 25/05/2010, proferido no processo nº 14-A/1998.C2, disponível em http://www.dgsi.pt. e citado pela decisão recorrida.
[2] Disponível em http://www.dgsi.pt.