Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
416/13.2TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: NULIDADES SECUNDÁRIAS
TRIBUNAL SUPERIOR
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 199º CPC; 131º DO CIRE.
Sumário: I – As nulidades secundárias (art. 199º nº 1 do CPC) têm de ser sempre suscitadas perante o Tribunal onde as mesmas ocorreram. Em sede de recurso, o Tribunal superior só pode pronunciar-se sobre a decisão que recaiu sobre a nulidade reclamada e nunca sobre a arguição da nulidade “em si mesma”.

II - Tendo a Sr.ª Administradora da Insolvência considerado a garantia do direito de retenção “sob condição suspensiva da procedência de ação judicial”, o meio legal de reação do credor é a impugnação judicial, nos termos do art. 131º do CIRE.

III - Dado que o credor tem sempre de ir reclamar o seu crédito ao processo de insolvência e que só a sentença a aí proferir terá força vinculativa perante todos os demais credores e a Sr.ª Administradora da Insolvência, inexiste relação de prejudicialidade entre a ação declarativa intentada contra a Insolvente visando o reconhecimento do crédito e do direito de retenção.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - HISTÓRICO DO PROCESSO

                1.            H... e A... (de futuro, apenas Autores) instauraram ação contra B..., SA (de futuro, apenas Ré) pedindo a sua condenação a ver resolvido um contrato-promessa entre eles celebrado e a restituir-lhes € 128.000,00, acrescida de juros, ou, a restituição de € 64.000,00 correspondente à quantia entregue a título de sinal.

                Os fundamentos de tal pedido resultam dum contrato-promessa de compra e venda entre eles celebrado, não tendo a Ré/promitente-vendedora cumprido com as suas obrigações, razão por que os Autores/promitentes-compradores perderam o interesse no negócio. Mais invocaram os Autores o direito de retenção uma vez que a dita fração autónoma lhes foi entregue desde 18.05.2007.

                Regularmente citada, a Ré não contestou, razão por que o M.mº Juiz considerou confessados os factos articulados e determinou abertura de prazo para alegações escritas.

                Volvido este, determinou-se se colhessem informações sobre a declaração de insolvência da Ré, tendo-se averiguado estar em curso um processo especial de revitalização, razão por que o M.mº Juiz declarou a suspensão da instância.

                Posteriormente, chegada aos autos informação de ter sido a Ré declarada insolvente, o M.mº Juiz declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

2.            Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Autores, formulando as seguintes conclusões:

...

3.            A Ré não contra-alegou.

Dispensados os vistos (art. 657º nº 4 do CPC), cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

4.            OS FACTOS

Foi o seguinte o teor da decisão recorrida:

                «Verificando-se que foi decretada a insolvência da ré, afigura-se que não subsistem os pressupostos da instauração da ação.

Efetivamente, como resulta do art. 81, n.º 1 do CIRE (diploma a que pertencem os demais artigos citados sem menção de origem), por regra, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente.

O prazo para a reclamação de créditos é o fixado na sentença que declare a insolvência (cfr. art. 36, al. j).

De acordo com o disposto no art. 128, n.º 3, “mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.

É possível o reconhecimento de créditos não reclamados, nos termos do art. 129, n.º 1, segundo o qual, nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambos por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento”.

É ainda possível, findo o prazo das reclamações, reconhecer outros créditos, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação de verificação ulterior de créditos, no condicionalismo do art. 146, n.º 2, segundo o qual:

“a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129, exceto tratando-se de créditos de constituição posterior;

b) Só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente”.

Ora, diante destes preceitos legais, e face aos elementos disponíveis sobre o caso, propendemos a considerar que, efetivamente, a declaração de insolvência da Ré implicou a inutilidade superveniente da lide, uma vez que, independentemente de os Autores obterem, através da presente ação, o reconhecimento do seu crédito, não estariam dispensados de o reclamar no processo de insolvência, se nele quisessem obter pagamento (art.º 287.º, al. e) do Cód. Proc. Civ.).

Aliás, assim se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014. D.R. n.º 39, Série I de 2014-02-25 que “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C”.

Assim, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide – artº 277º-e) do CPC.».

                5.            O MÉRITO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 635º nº 3 e 4, 639º nº 1, 640º nº 1 e 608º n.º 2, ex vi do art. 663º nº 2, todos do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).

No caso, são as seguintes as questões a decidir:
· Se existiu violação do princípio do contraditório e, em caso afirmativo, quais as suas consequências
· Se, no caso, se verificam as circunstâncias para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

5.1.         VIOLAÇÃO PRINCÍPIO CONTRADITÓRIO

O processo civil é um processo de partes e é na esfera jurídica dos pleiteantes que se irão repercutir as consequências ou efeitos das decisões judiciais.

Essa realidade constitui uma das razões de ser da necessidade de observância do princípio do contraditório, considerado um dos princípios basilares do processo civil. [[1]]

Pretende-se com o contraditório que ambas as partes sejam ouvidas antes da tomada de qualquer decisão, que lhes seja conferida a possibilidade de explicitarem as suas razões, os argumentos de facto e de direito em defesa da tese que sustentam no processo ou que possam influenciar a tomada de qualquer decisão, ainda que intercalar.

É também hoje consensual que o princípio do dispositivo não vigora em termos absolutos; ao juiz impõe-se, designadamente em termos de oficiosidade, o conhecimento de questões não suscitadas pelas partes.

É nestes casos, e sempre que o juiz perspetiva a existência de um obstáculo não tido em conta pelas partes, que a necessidade de audição das partes ganha maior acuidade.

Isso mesmo vinha sendo entendido jurisprudencialmente [[2]] e mostra-se plasmado no art. 3º nº 3 do atual CPC, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito e de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

«No plano das questões de direito, é expressamente proibida, desde a revisão do CPC de 1961, a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.

Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, (…).

Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso).

(…)

A omissão do convite às partes para tomarem posição sobre a questão oficiosamente levantada gera nulidade, a apreciar nos termos gerais do art. 201º.». [[3]]

No caso em apreço, é manifesto ter existido postergação do mencionado princípio.

Na verdade, não tendo a inutilidade superveniente da lide sido suscitada por qualquer das partes, a decisão de extinção da instância com esse fundamento foi proferida sem a sua prévia audição.

A inutilidade superveniente da lide é sempre causada por um determinado facto.

Para além disso, é sempre necessário conjugar e ponderar esse facto com as circunstâncias da lide em concreto.

Por isso que, só caso a caso se pode aferir da ocorrência da inutilidade superveniente.

Nos casos em que esse determinado facto era já do conhecimento das partes no processo, poder-se-ia ponderar a consideração da manifesta desnecessidade na sua audição.

Mas, ainda assim, só em casos muito claros e em que as partes, notificadas da ocorrência desse facto, já tomaram posição.

É que, podem sempre existir circunstâncias específicas que, no caso em concreto, invalidem ou neutralizem a dita inutilidade superveniente.

Concluindo, mostra-se verificada a invocada nulidade de preterição do exercício do contraditório.

Não obstante, cumpre verificar se este Tribunal da Relação pode conhecer dessa nulidade e se é caso para a decretar ou se esta se mostra sanada.

Saber se uma nulidade secundária, que não foi invocada em 1ª instância, pode ser conhecida pelo tribunal de recurso, não tem recebido resposta uniforme na jurisprudência [[4]]

Pela nossa parte, partilhamos da opinião daqueles que dão resposta negativa à questão.

Em primeiro lugar, é de ter em conta que o regime consagrado entre nós para os recursos ordinários é de «(…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.». [[5]]

Daqui decorre — e em consonância com a máxima tradicional “dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se” —, que as nulidades decorrentes da preterição de uma formalidade legal terão de ser sempre suscitadas perante o Tribunal de 1ª instância, competindo a este decidir se a nulidade se verifica (art. 200º nº 3 do CPC).

A não ser assim, o Tribunal de recurso ver-se-ia na contingência de decidir a questão pela primeira vez, ao arrepio do nosso sistema de recursos.

Em sede de recurso, o Tribunal da Relação só pode pronunciar-se sobre a decisão que recaiu sobre a nulidade reclamada e nunca sobre a arguição da nulidade “em si mesma” pois tal integraria uma decisão em 1ª instância.

A jurisprudência que considera poder a nulidade ser conhecida e decretada em sede de recurso, em situações similares à aqui em análise, fá-lo no entendimento de que a nulidade foi cometida “a coberto de uma decisão judicial”.

Consideramos, porém, com Miguel Teixeira de Sousa [[6]] que «[n]os vícios da decisão incluem-se apenas aqueles que a ela respeitam directamente. Quer isto dizer que não é considerado um vício da decisão a realização de um acto não permitido ou a omissão de um acto obrigatório antes do seu proferimento: tais situações são nulidades processuais, submetidas, na falta de qualquer regulamentação específica, ao respectivo regime geral (art. 201º, nº 1; cfr. STJ – 14/1/1993, BMJ 423,406).».

No caso, impunha-se que o exercício do contraditório fosse efetuado antes da prolação da sentença, pelo que o vício é extrínseco à decisão.

Por isso, que também não colha, a nosso ver, o argumento de que, após a sentença, se opera a extinção do poder jurisdicional do juiz.

Tal princípio reporta-se apenas à sentença/decisão proferida, e não a outros segmentos sobre os quais não existiu ainda pronúncia, como é o caso da invocação duma nulidade, cuja possibilidade de conhecimento pelo juiz da causa se mostra expressamente prevista logo no nº 2 do art. 613º do CPC. [[7]]

Mais, o conhecimento de nulidades atinentes à estrutura e limites da própria sentença, são hoje da competência do juiz que a proferiu, nos termos do art. 617º nº 1, 5 e 6 do CPC.

E, se bem o interpretamos, quando Alberto dos Reis aborda a hipótese de a nulidade não ter ocorrido “ao abrigo de qualquer despacho judicial”, está a ponderar situações em que o juiz, apesar de não ter conhecido expressamente da questão, emite despacho a ordenar a prática do ato nulo. [[8]]

Terá sido também essa a interpretação efetuada por Manuel de Andrade [[9]] quando, referindo o entendimento de Alberto dos Reis escreve: «Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho), que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.».

Concluímos, portanto, não poder este Tribunal da Relação conhecer da nulidade em apreço.

Perspetivando poder-se ordenar a remessa dos autos à 1ª instância para conhecer da nulidade, rejeita-se tal possibilidade por a mesma vir a configurar um ato inútil e, como tal, proibido nos termos do art. 130º do CPC.

Na verdade, tratando-se duma nulidade secundária, desde logo se impõe que a mesma seja arguida “enquanto o ato não terminar” ou, no caso de a parte não estar presente, no prazo de 10 dias, contados “do dia em que, (…) a parte (…) foi notificada para algum termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”: art. 199º nº 1 e 149º nº 1 do CPC.

No caso, os Autores tiveram conhecimento da omissão do exercício do contraditório com a notificação da decisão de extinção da instância, a qual foi efetuada em 14.03.2014. [[10]]

Não ocorrendo aqui a situação prevista no art. 199º nº 3 do CPC, e como os Autores só invocaram a preterição do exercício do contraditório em sede de alegações de recurso, deduzido em 22.04.2014, mostra-se precludido o prazo de 10 dias, pelo que a nulidade em que se incorreu ficou sanada.

5.2.         DA INUTILIDADE DA LIDE

Para além da violação do princípio do contraditório, consideram os Autores que a decisão recorrida merece revogação uma vez que, não obstante a Sr.ª Administradora da Insolvência, aquando da “elaboração da lista provisória de credores” reconhecido o seu crédito, o certo é que, quanto à garantia do direito de retenção que invocam, apenas reconheceu tal garantia “sob condição suspensiva da procedência de acção judicial”.

Nessa medida, teria ficado criada uma relação de prejudicialidade entre a decisão a proferir neste processo e a posição final da Sr.ª Administradora, uma vez que a classificação do seu crédito como garantido (direito de retenção), estaria dependente da procedência desta ação.

Porém, não lhes assiste razão.

Como já se referiu na sentença recorrida, por força do art. 128º nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (de futuro, apenas CIRE), “mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.

Significa isto que a sentença de mérito, a proferir nestes autos, ainda que transitada em julgado, reconhecendo o crédito dos Autores, não os dispensaria de o ir reclamar ao processo de insolvência pois se o não fizerem, tal crédito não tem qualquer viabilidade prática de obter pagamento.

O sistema mostra-se coerente.

Numa situação de insolvência, dita de execução universal (art. 1º do CIRE), é atingido todo o património do devedor insolvente e, por isso, que se pretenda que nele participem todos os credores, para que todos possam obter satisfação de forma paritária —— princípio da igualdade de credores ou da par conditio creditorum ——, plasmado no art. 194º do CIRE.

Todos os credores são chamados ao processo de insolvência. Cada um dos credores que aí reclamar o seu crédito, fica conhecedor do crédito invocado pelos demais e da respetiva proveniência, condições, garantias, etc. (art. 128º nº 1 do CIRE).

Repare-se que, quando o art. 128º nº 1 al. b) do CIRE alude às condições suspensivas ou resolutivas do crédito, não se está a referir à apreciação efetuada pelo Administrador da Insolvência, mas às condições negociadas, às condições do próprio crédito.

Portanto, independentemente da sentença de mérito, que viesse a reconhecer o direito de retenção invocado pelos Autores, sempre sempre eles teriam de ir reclamar o seu crédito na insolvência.

Depois, porque essa sentença não faria caso julgado quanto aos demais credores, quer o crédito, quer a garantia do direito de retenção poderiam ser impugnados, obrigando à repetição da causa.

Daí a inutilidade de se conhecer nesta ação do mérito do direito de crédito e do direito de retenção dos Autores.

Referem os Recorrentes que, tendo reclamado o seu crédito na insolvência, a Sr.ª Administradora apenas o reconheceu provisoriamente e “sob condição suspensiva da procedência de ação judicial”, pretendendo referir-se à presente ação.

Referem-se ao relatório que ao Administrador incumbe apresentar para ser presente e sujeito à apreciação da assembleia de credores: art. 155º nº 2 do CIRE.

Tal relatório, inventário e lista provisória de credores têm por função proporcionar à assembleia de credores conhecimento da situação da insolvente, por forma a deliberar “sobre o encerramento ou manutenção em atividade do estabelecimento ou estabelecimentos compreendidos na massa insolvente” (cf. art. 156º nº 2 do CIRE).

O que à situação dos Autores importa é a relação de créditos a apresentar pela Sr.ª Administradora no apenso de reclamação de créditos, nos termos do art. 129º do CIRE. [[11]]

Ora, se nesta relação de créditos, a juntar no apenso de reclamação de créditos, a Sr.ª Administradora vier a manter a sua posição —— reconhecer o direito de crédito mas, quanto à garantia (direito de retenção), apenas “sob condição suspensiva da procedência de ação judicial” ——, então terão os Autores de a impugnar, ao abrigo do art. 130º nº 1 do CIRE, reagindo contra a aposição dessa condição.

Abrir-se-á então uma fase judicial em que, ouvidos todos os demais credores e a Sr.ª Administradora, produzidas as provas pertinentes e realizada audiência de julgamento, o juiz apreciará o crédito e o direito de retenção dos Autores em sentença, agora vinculativa para todos, sejam os demais credores, seja a Sr.ª Administradora da insolvência: art. 131º a 140º do CIRE.

Concede-se que, à primeira vista, seria mais conveniente aos Autores o prosseguimento dos presentes autos, com a prolação da sentença dado que, tendo já sido considerados os factos, dispensar-se-ia a instrução dos autos e o correspondente julgamento.

Porém, como já referido, tal traduzir-se-ia numa inutilidade, dado que tal questão apenas pode ter força vinculativa no domínio do processo de insolvência, perante todos os demais credores e a Sr.ª Administradora da Insolvência.

                Este tem sido o entendimento dominante na jurisprudência, entretanto uniformizado pelo acórdão de uniformização de jurisprudência nº 1/2014, proferido no processo nº 170/08.0TTALM.L1.S1 e publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 39, de 25.02.2014: «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.».

                Concluindo, não assiste razão aos Autores Recorrentes.

                6.            SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC)
a) As nulidades secundárias (art. 199º nº 1 do CPC) têm de ser sempre suscitadas perante o Tribunal onde as mesmas ocorreram. Em sede de recurso, o Tribunal superior só pode pronunciar-se sobre a decisão que recaiu sobre a nulidade reclamada e nunca sobre a arguição da nulidade “em si mesma”.
b) Tendo a Sr.ª Administradora da Insolvência considerado a garantia do direito de retenção “sob condição suspensiva da procedência de ação judicial”, o meio legal de reação do credor é a impugnação judicial, nos termos do art. 131º do CIRE.
c) Dado que o credor tem sempre de ir reclamar o seu crédito ao processo de insolvência e que só a sentença a aí proferir terá força vinculativa perante todos os demais credores e a Sr.ª Administradora da Insolvência, inexiste relação de prejudicialidade entre a ação declarativa intentada contra a Insolvente visando o reconhecimento do crédito e do direito de retenção.

                III.           DECISÃO

7.            Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo dos Recorrentes.

                                               Coimbra, 27/05/2015


(Relatora, Isabel Silva)

(1ª Adjunto, Alexandre Reis)

(2º Adjunto, Jaime Ferreira)



[[1]] E, até, de consagração constitucional, enquanto corolário dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmados no art. 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

[[2]] Cf., a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 15.10.2002 (processo 02A2478), de 16.05.2000 (processo 00B354), de 14.05.2002 (processo 02A1353) e de 13.01.2005 (processo 04B4031), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/, sítio a ter em conta em todos os demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[[3]] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª edição, 2014, Coimbra Editora, pág. 9/10.

[[4]] Assim, no sentido de não poder ser conhecida, acórdãos do STJ, de 13.01.2005 (processo 04B4031), de 10.09.2009 (processo 374/09.8YFLSB), de 13.10.2010 (processo 673/03.2TTBRR.L1.S1), de 01.02.2011 (processo 6845/07.3TBMTS.P1.S1), bem como, desta Relação Coimbra (TRC), acórdãos de 19.12.2012 (processo 132/12.2TBCVL-A.C1) e de 05.11.2013 (processo 2582/10.0TBFIG.C1).

Já considerando ser possível esse conhecimento, os acórdãos da Relação do Porto (TRP), de 23.09.2013 (processo 430/11.2TTMTS.P1) e, da Relação de Lisboa (TRL), de 04.06.2009 (processo 67/00.1DSTB-B.L1-2) e de 19.04.2012 (processo 296/1997.L1-2).
[[5]] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3º, Tomo I, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 7/8.
No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, 2014, Almedina, pág. 27.
[[6]] In “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição, 1997, pág. 216.
[[7]] Neste sentido, Artur Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, 1982, Almedina, pág. 134/135. Para o Autor, em tais situações, a nulidade deve ser invocada perante o juiz do processo, sendo que a obrigatoriedade de recurso teria como consequência «(…) tornar-se o processo escusadamente oneroso para as partes, por as sujeitar a recursos dispensáveis, recursos em que aliás (…) a decisão pode ser pelo próprio juiz alterada ou reformada.».
[[8]] Cf. José Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, 1945, Coimbra Editora, pág. 507 a 513.
[[9]] Manuel A. Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, Coimbra Editora, pág. 183.
[[10]] De acordo com a presunção do art. 248º do CPC, e dado colher-se dos autos que o ofício foi enviado em 11.03.2014.
[[11]] Ponderando-se a hipótese, averiguamos em despacho intercalar se tal relação havia já sido junta, tendo os Recorrentes respondido pela negativa.