Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1466/22.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
QUESTÃO NOVA
MOTORISTA DE PESADOS
TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS
COMPLEMENTO SALARIAL
RETRIBUIÇÃO ESPECIAL
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CLÁUSULA 59.ª DO CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO VERTICAL PUBLICADO NO BTE, N.º 45, DE 08-12-2019, E PORTARIA DE EXTENSÃO NO BTE N.º 49/2020, DE 26-02, CLÁUSULA 74.ª, N.º 7, DO CCT PUBLICADO NO BTE, 1.ª SÉRIE, N.º 9, DE 08-03-1980, E CLÁUSULAS 61.ª DO CCT PUBLICADO NO BTE N.º 45, DE 18-12-2019, E 61.ª DO CCT PUBLICADO NO BTE N.º 34, DE 15-09-2020
Sumário:
I – Está-se perante uma questão nova quando o recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, que não foi incluída nas questões a resolver e que não foi tratada na sentença recorrida.

II – O complemento salarial previsto na Clª 59ª do Contrato Coletivo de Trabalho Vertical celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE nº 45 de 08.12.2019, e com Portaria de Extensão no BTE nº 49/2020, de 26.02, não entra no cômputo do montante do salário base devido aos motoristas abrangidos por aquele CCTV.

III – A retribuição especial prevista na cláusula 74ª nº 7 do CCT entre celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 08-03-80, tinha por objetivo compensar os trabalhadores motoristas de transportes internacionais rodoviários de mercadorias da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua atividade, tendo sido atribuída pela consideração de que essa atividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.

IV – Tal retribuição não pressupunha uma efetiva prestação de trabalho suplementar, revestia carácter regular e permanente e, como tal, integrava o conceito de retribuição, sendo devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efetiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base.

V – As cláusulas 61ª dos CCT celebrados entre a ANTRAM e a FECTRANS publicados nos BTES nº 34 de 15.09.20 e nº 45 de 18.12.2019 visaram substituir a cláusula 74ª nº 7 do CCTV de 1980.

VI – Para que o motorista tenha direito a auferir a quantia prevista nas cláusulas 61ª do CCTs de 2018 e de 2019, exige-se que prove estar a prestar uma atividade de transporte que implique regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho suplementar de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação 1466/22.3T8LRA.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva


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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - AA, residente na Travessa ..., ... ... ..., propôs contra V... UNIPESSOAL LDA, pessoa coletiva com o NIPC ...70, com sede na ..., ... pedindo, na respetiva procedência da ação, a condenação desta:

1) a pagar ao Autor, a título de créditos laborais já vencidos, a importância de € 33.128,52 €, sendo:

a) diuturnidades não pagas de julho de 2018 a setembro de 2018: 38,76€.

b) 875,57€ de diferenças salariais de outubro a dezembro de 2018.

c) 4588,74€ de diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2019.

d) 10167,28€ de diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2020.

f) 2257,26€ de diferenças salariais de janeiro e fevereiro de 2022.

2) a pagar as prestações pecuniárias que se vencerem até final, incluindo as diferenças salariais e

3) a pagar os juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 1 de julho de 2015, e à luz do que se encontra estabelecido na cláusula 39.ª do CCTV publicado na 1ª série n.º 30 de 15/8/1997, por ter então completado 3 anos de vínculo ganhou direito a uma diuturnidade a partir de julho de 2018 no valor mensal de €12,92

Nada tendo pagado a este título ao Autor de julho/2018 a setembro de 2018, deve a este último o montante de 38,76€.

Por outro lado, os montantes pagos pela Ré ao Autor violam o que vem consignado no CCTV publicado no BTE n.º 34 de 15/09/2018 aplicável tendo o autor direito a uma retribuição mensal por um mês completo de serviço prestado, que contemple a remuneração base prevista na clª 44ª, uma diuturnidade prevista na Clª 47.ª, o complemento salarial previsto na clª 45ª, a retribuição especifica prevista na clª 61ª, e o subsídio noturno previsto na clª 48.ª pelo que lhe são devidas as diferenças salariais peticionadas


+

Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, contestou a Ré alegando, em síntese, que o autor pertence aos chamados “motoristas internos” da ré, que apenas procedem a transportes de mercadorias dentro da área do concelho ..., não têm autonomia na prestação de trabalho, todos os dias dormem em casa, trabalham 8 horas diárias em turnos rotativos, sendo o trabalho suplementar e em dia de feriado pago sempre que é prestado, recebem prémio de função e subsídio de turno. Pelo que atendendo a que o seu trabalho não é caraterizado pela penosidade nem pela autonomia não têm direito ao pagamento da denominada Cláusula 61ª do CCTV em vigor.

+

Foi elaborado despacho saneador e dispensou-se a enunciação dos temas da prova.

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II – Realizado o julgamento, veio, a final, a ser proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

“Pelo exposto julgamos parcialmente procedente a presente ação pelo que condenamos a ré a pagar ao autor, a título de diferenças salariais por diuturnidades, a quantia total já vencida de € € 854,73 (oitocentos e cinquenta e quatro euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Mais condeno a ré a pagar ao autor as diuturnidades de acordo com o estabelecido no CCTV aplicável ao setor, tendo o autor, no momento, direito a 2 diuturnidades no valor total de € 34,00/mês.”


***

III – Inconformado veio o autor apelar, alegando e concluindo:

1. Recorrente vem interpor recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” na parte em que não jugou procedente o seu pedido, ao não condenar a Ré no pagamento mensal da cláusula 61ª prevista quer no CCTV publicado no BTE n.º 34, de 15/09, quer no BTE n.º 45 de 8/12/2019, devida desde outubro de 2018 até à presente data, no valor correto de retribuição base, a contabilizar desde setembro de 2020 até à presente data, tendo por referência o complemento salarial de 25,14€, à luz das regras de cálculo previstas no anexo III do CCTV de 2019, publicado no BTE n.º 45 de 8/12/2019, e ainda no complemento salarial devido desde outubro de 2018 até agosto de 2020, e tudo em moldes a ser ressarcido das diferenças salariais peticionadas no total de 33.128,25, a saber a) diferenças salariais de outubro a dezembro de 2018, no valor de € 875,57 b) diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2019, no valor de € 4.588,74 c) diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2020, no valor de € 10.167,28 d) diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2021, no valor de € 15.200,91 e) diferenças salariais de janeiro a fevereiro de 2022, no valor de € 2.257,26.

(…).

27. Por todo o exposto, deve o Tribunal ad quem revogar a decisão recorrida e em consequência a Recorrida ser : a) Condenada pela violação da alínea n) da Cláusula 14ª dos CCTV´s quer de 2018, quer de 2019. b) Condenada nas diferenças salariais de outubro a dezembro de 2018, no valor de € 875,57 c) Condenada nas diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2019, no valor de € 4.588,74 d)Condenada nas diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2020, no valor de € 10.167,28 e) Condenada nas diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2021, no valor de € 15.200,91 f) Condenada nas diferenças salariais de janeiro a fevereiro de 2022, no valor de € 2.257,26 g) Condenada no reconhecimento do direito a pagar ao recorrente a retribuição especifica prevista na Clª61ª, Complementos salariais e retribuição base correta, desde outubro de 2018 até à presente data , por serem a pedra de toque para o apuramento das diferenças salariais das alíneas que antecedem a presente.

28. Ao não dar total provimento aos pedidos formulados pelos AA. fez a Srª Juíza “a quo” incorreta interpretação dos factos e da lei, tendo violado, além do mais, os artigos 3.º, n.º 3, alínea j), 492.º, n.º 3, 503.º, artigo 129.º n.º 1, alínea d), 127, n.º 1 alínea b), 258.º, 262.º, todos do Código de Trabalho, as alíneas, d), i) j) e n) da cláusula 14.ª, cláusulas 49.ª e 61ª todas do Contrato coletivo de Trabalho, publicado no Boletim de Trabalho n.º 34 de 15 de setembro de 2018; e ainda as alíneas, d), i) j) e n) da cláusula 14.ª, cláusulas 59.ª e 61ª todas do Contrato coletivo de Trabalho, publicado no Boletim de Trabalho n.º 45 de 8 de dezembro de 2019, pelo que não deverá manter-se


+

Contra-alegou a ré concluindo em síntese:

(…).

16. Caso a presente apelação proceda, sendo a Recorrida condenada no pagamento da Cláusula 61.ª, é manifesto que o Recorrente não pode conservar o que recebeu a título de trabalho suplementar, trabalho prestado em dia feriado, subsídio de turno e prémio de função.

17. Certo é que, se o Recorrente auferisse a remuneração prevista na Cláusula 61.ª, não teria direito a qualquer remuneração por trabalho suplementar, trabalho prestado em dia feriado, subsídio de turno e prémio de função.

18. Pelo que, sendo a apelação procedente, deve o Recorrente restituir à recorrida a quantia total de € 33.128,52 correspondente à soma do que recebeu como trabalho suplementar, trabalho prestado em dia feriado, subsídio de turno e prémio de função.

19. Devendo, para o efeito, operar a compensação, sob pena do Recorrente receber duas vezes a mesma remuneração o que constitui abuso de direito. Vide artigo 334.º do Código Civil.


+

O Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da parcial procedência da apelação.

***

IV – Da 1ª instância vem dada como provada a seguinte factualidade:

1. A ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte público ocasional de mercadorias e transportes público internacional rodoviário de mercadorias e logística, comércio de vidros, utilidades, porcelanas, esmaltes e análogos.

2. A sociedade “G..., S.A.” é proprietária da fábrica e dos armazéns em referência infra e é detentora da totalidade do capital social da ré.

3. No dia 01.07.2015 a ré, então denominada J... Unipessoal, Lda, admitiu o autor ao seu serviço para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de motorista, através de contrato de trabalho a termo que se foi renovando no tempo.

4. A ré tem ao seu serviço diversos motoristas que se dedicam à atividade de transporte rodoviário de mercadorias em viaturas pesadas.

5. Enquanto motorista ao serviço da ré, o autor faz o transporte de garrafas de vidro de e para a fábrica G..., sita em Rua ..., em ..., de e para os dois armazéns da ré, um sito na ... e outro na ..., também em ....

6. Pelo que os transportes realizados pelo autor são feitos no concelho ....

7. A distância percorrida nas viagens de ida e volta referidas em 5. é de cerca de 5km.

8. A ré tem ao seu serviço 10 trabalhadores, entre os quais o autor, a exercer as funções referidas em 5..

9. O autor sempre esteve afeto às funções referidas em 5., nunca tendo exercido funções no transporte ibérico e internacional ou fora da ....

10. Os motoristas afetos aos transportes referidos em 5. têm um regime de trabalho de três turnos rotativos, semanalmente, de segunda-feira a domingo, a saber das 05h00 às 13h00, das 13h00 às 21h00 e das 21h00 às 05.h00.

11. Cada turno corresponde a oito horas diárias de trabalho, com uma pausa de 45 minutos.

12. Pelo facto de trabalhar em turnos, o autor recebe mensalmente um subsídio de turno, no valor de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos), conforme recibos de vencimento juntos aos autos.

13. Sempre que o autor prestou trabalho suplementar ou trabalho em dia de feriado, a ré pagou os valores que eram devidos a esses títulos, conforme resulta dos recibos de vencimento juntos.

14. Todos os motoristas que exercem as funções suprarreferidas recebem um prémio de função pelo trabalho de cargas e descargas que efetuam, trabalho esse que não é efetuado pelos restantes motoristas da ré.

15. O “prémio de função” consta de todos os recibos de vencimento e tem o valor mensal de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos).

16. O autor realiza uma média de cinco transportes diários da fábrica da G... para os seus armazéns e vice-versa, não saindo da ....

17. Todos os dias dorme em casa.

18. No exercício das suas funções, ao realizar o seu trabalho diariamente, o autor tem em conta uma listagem que lhe é fornecida no dia anterior à tarde pelo chefe do armazém ou pelo gerente da empresa.

19. É o Sr BB, responsável dos serviços de logística da ré, quem coordena o trabalho dos motoristas e quem elabora os horários dos mesmos.

20. Quando a ré determina que o autor preste trabalho suplementar, designadamente para substituir outro motorista, é-lhe paga a remuneração correspondente.

21. Sempre que o autor trabalha em dia feriado esse trabalho é-lhe pago.

22. O trabalho do autor é controlado e determinado pela ré diariamente, quer quando carrega na fábrica quer quando descarrega nos armazéns, através do sistema informático inserido nos equipamentos de trabalho e da entrega de listagens com as referências que tem de carregar/descarregar.

23. No mês de outubro de 2018, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 725,14.

(ii) trabalho noturno: € 152,10.

(iii) prémio de função: € 152,10.

iv) ajudas de custo: € 96,40.

24. No mês de novembro de 2018 conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 725,14.

(ii) trabalho noturno: € 152,10.

(iii) prémio de função: € 152,10.

(iv) ajudas de custo: € 101,22.

(v) subsídio de natal: 1.029,14.

25. No mês de dezembro de 2018, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 725,14.

(ii) trabalho noturno: € 152,10.

(iii) prémio de função: € 152,10.

(iv) ajudas de custo: € 53,02.

(v) trabalho em dia de descanso: € 97,47 26.

No mês de janeiro de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 107,14.

(v) trabalho em dia de descanso: € 23,62 27.

No mês de fevereiro de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:
(i) retribuição base: € 732,39.
(ii)  (ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 102.27.

28. No mês de março de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 112,01.

(v) trabalho em dia de descanso: € 88,59 29.

No mês de abril de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) premio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 107,14.

(v) trabalho em dia de descanso: € 118,13 30.

No mês de maio de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 102,27.

(v) trabalho em dia de descanso: € 125,97.

31. No mês de junho de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 48,70.

(v) subsidio de ferias: € 1.039,63

32. No mês de julho de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii)prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 92,53.

33. No mês de agosto de 2019, o autor faltou justificadamente 8 dias e, conforme recibo de vencimento, a ré pagou:

(i) retribuição base: € 517,09.

(ii) trabalho noturno: € 112,65.

(iii) prémio de função: € 112,65.

(iv) trabalho em dia de descanso: € 59,06 (v) ajudas de custo € 97,72.

34. No mês de setembro de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 107,14.

35. No mês de outubro de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 107,14.

(v) trabalho em dia de descanso: € 59,06.

36. No mês de novembro de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39

(ii) trabalho noturno: € 153,62

(iii) prémio de função: e 153,62

(iv) ajudas de custo: € 102,27

(v) trabalho em dia de descanso: e 59,06 (vi) subsídio de natal: € 1.039,63

37. No mês de dezembro de 2019, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 732,39.

(ii) trabalho noturno: € 153,62.

(iii) prémio de função: € 153,62.

(iv) ajudas de custo: € 87,66.

(v) trabalho em dia de descanso: € 177,18

38. No mês de janeiro de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 739,71.

(ii) trabalho noturno: € 155,16..

(iii) prémio de função: € 155,16

(iv) trabalho em dia de descanso: € 59,66.

(v) ajudas de custo: € 108,24

39. No mês de fevereiro de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor: (i) retribuição base: € 739,71 (ii) trabalho noturno: € 155,16 (iii) prémio de função: € 155,16 (iv) trabalho em dia de descanso: € 29,83 (v) ajudas de custo: € 103,32

40. No mês de março de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor: (i) retribuição base: € 739,71 (ii) trabalho noturno: € 155,16 (iii) prémio de função: € 155,16

41. No mês de abril de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor: (i) retribuição base: € 739,71 (ii) trabalho noturno: € 155,16 (iii) prémio de função: € 155,16 (iv) ajudas de custo: € 68,88

42. No mês de maio de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base:€ 739,71

(ii) trabalho noturno: € 155,16
(iii) prémio de função: € 155,16
(iv) (iv) trabalho em dia de descanso: €59,66 (v) ajudas de custo: € 103,32

43. No mês de junho de 2020 o autor faltou justificadamente 8 dias, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 542,45.

(ii) trabalho noturno: € 113,78.

(iii) prémio de função: € 113,78.

(iv) trabalho em dia de descanso: e 119,32.

(v) ajudas de custo: € 52,47

44. No mês de julho de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 739,71.

(ii) trabalho noturno: € 155,16.

(iii) prémio de função: € 155,16.

45. No mês de agosto de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 739,71.

(ii) trabalho noturno: € 155,16.

(iii) prémio de função: € 155,16.

(iv) ajudas de custo: € 78,72.

(v) trabalho em dia de descanso: € 68,32

46. No mês de setembro de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 714,57.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) trabalho noturno: € 155,16.

(iv) prémio de função: € 155,16.

(v) trabalho em dia de descanso: € 68,32.

(vi) ajudas de custo: € 103,32.

47. No mês de outubro de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 714,57.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(iv) prémio de função: € 155,16.

(v) trabalho em dia de descanso: € 123,71.

(vi) ajudas de custo: € 113,16.

48. No mês de novembro de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 714,57.

(ii) complemento salarial: 25,14.

(iii) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(iv) prémio de função: € 155,16.

(v) trabalho em dia de descanso: € 68,32.

(vi) ajudas de custo: € 98,40.

(vii) subsídio de natal: € 1.050,03.

49. No mês de dezembro de 2020, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 714,57.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(iv) prémio de função: € 155,16.

(v) trabalho em dia de descanso: 187,64.

(vi) ajudas de custo: € 113,16.

50. No mês de janeiro de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(iv) prémio de função: € 155,16.

(v) ajudas de custo: € 103,32

51. No mês de fevereiro de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) subsídio 3 turnos: € 155,16

(iv) prémio de função: € 155,16.

(v) ajudas de custo: € 103,32.

(vi) trabalho em dia de descanso: € 130,82.

52. No mês de março de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14..

(iii) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(iv) prémio de função: € 155,16.

(v) ajudas de custo: € 113,16.

(vi) trabalho em dia de descanso: € 69,92.

53. No mês de abril de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

iii) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(iv) prémio de função: € 155,16.

(v) trabalho em dia de descanso: € 128,36 (vi) ajudas de custo: € 68,88

54. No mês de maio de 2021, o autor faltou justificadamente ao trabalho durante 25 dias, conforme recibo de vencimento a ré pagou-lh2:

(i) retribuição base: € 122,18.

(ii) complemento salarial: € 4,19

(iii) subsídio 3 turnos: € 25,86.

(iv) prémio de função: € 25,86.

(v) trabalho em dia de descanso: € 60,90.

(vi) ajudas de custo: € 24,60-

55. No mês de junho de 2021 o autor faltou justificadamente ao trabalho durante 8 dias, conforme recibo de vencimento a ré pagou-lhe:

(i) retribuição base: € 537,58 (ii) complemento salarial: € 18,44 (iii) subsídio 3 turnos: € 113,78 (iv) prémio de função: € 113,78 (v) ajudas de custo: € 73,80.

56. No mês de julho de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) subsídio 3 turnos: 155,16.

(iv) prémio de função: € 155,16.

57. No mês de agosto de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) diuturnidade (1): € 19,29.

(iv) subsídio 3 turnos: € 155,16.

 (v) prémio função: € 155,16.

(vi) trabalho em dia de descanso: € 62,18.

(vii) a judas de custo: € 78,72.

58. No mês de setembro de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) diuturnidade (1): € 19,29.

 (iv) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(v) premio de função: € 155,16.

(vi) ajudas de custo: € 108,24.

59. No mês de outubro de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07

(ii) complemento salarial: € 25,14

(iii) diuturnidade (1): € 19,29.

(iv) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(v) prémio de função: € 155,16.

(vi) trabalho em dia de descanso: € 62,18.

(vii) ajudas de custo: € 103,32.

60. No mês de novembro de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) diuturnidade (1): € 19,29.

(iv) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(v) prémio de função: € 155,16.

(vi) trabalho em dia de descanso: € 95,00.

(vii) ajudas de custo: € 113,16.

(viii) subsídio de natal: € 989,92.

61. No mês de dezembro de 2021, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 733,07.

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) diuturnidade (1): € 19,29.

(iv) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(v) prémio de função: € 155,16.

(vi) trabalho em dia de descanso: € 124,36..

(vii) ajudas de custo: € 83,64

62. No mês de janeiro de 2022, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) vencimento base: € 777,20

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) diuturnidade (1): € 19,29

(iv) subsídio 3 turnos: € 155,16.

(v) prémio de função: € 155,16.

(vi) ajudas de custo: € 108,24.

63. No mês de fevereiro de 2022, conforme recibo de vencimento, a ré pagou ao autor:

(i) retribuição base: € 777,20..

(ii) complemento salarial: € 25,14.

(iii) diuturnidade (1): € 19,29

(iv) subsídio 3 turnos: € 155,16.

v) prémio de função: € 155,16.

vi) ajudas de custo: € 68,88.

64. Até setembro de 2020, a rubrica “vencimento base” integrava o complemento salarial, conforme recibos de vencimento juntos aos autos.

65. A partir de outubro de 2019 a rubrica “compensação trabalho noturno”, que se destinava efetivamente a compensar o trabalho em regime de turnos rotativos, passou a denominar-se “subsídio 3 turnos”.

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Factos não provados:

Não existem factos não provados que possam ter relevância para a decisão de mérito.


***

V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objeto do recurso, as questões que importa dilucidar e decidir enumeram-se do seguinte modo:

a) Se há lugar à alteração da matéria de facto

b) Se a ré deve ser condenada pela violação da alínea n) da Cláusula 14ª dos CCTV´s quer de 2018, quer de 2019.

c) Se ao autor são devidas diferenças salariais

Da alteração da matéria de facto:

Pretende a recorrente que:

A). Sejam aditados à matéria de facto provada os seguintes 15 pontos, a saber:

Ponto 1. No contrato de trabalho inicial (01/07/2015) consta que a Ré se obrigou a pagar ao Autor a retribuição base no valor de 715,13€/mês, prémio de função no valor de 100,00€/mês e subsídio noturno no valor de 150,00€/mês, tendo-se tais valores se mantido nas suas renovações com exceção do prémio de função, que a partir da segunda renovação (01/01/2016) passou a ser de 150,00€/mês.

Ponto 2. A ré qualifica o Autor e os trabalhadores afetos ao tipo de serviço identificado em 5 como trabalhadores internos.

Ponto 3. O Autor é motorista de pesados, tripula veículos com mais de 7,5 toneladas afeto ao serviço do nacional e a ré não o considera como tal.

Ponto 4) O Autor faz uma pausa de 45 minutos em cada jornada de trabalho, e é quem decide, quando e como faz a pausa.

Ponto 5) Ao autor e os trabalhadores igualmente afetos ao serviço identificado em 5, é-lhes fornecida uma listagem de natureza informativa do que vai sair da produção da fábrica no dia a seguir e que vai ficar disponível para carregar da fábrica para os armazéns da Cliente G....

Ponto 6. O Autor não está obrigado a cumprir diariamente a listagem disponibilizada no dia anterior a todos os trabalhadores afetos ao serviço identificado no ponto 5 da matéria de fato assente.

Ponto 7. A Ré não determina diariamente e em concreto o que é que o Autor tem de carregar da fábrica para o Armazém, ambas pertencentes à cliente G... SA..

Ponto 8. O Autor consulta a listagem para saber o lote ou o local onde irá depositar as paletes no armazém e assim rentabilizar o transporte ao poder escolher o portão do armazém mais próximo do local onde vai descarregar as paletes provenientes da fábrica G....

Ponto 9. Os trabalhadores cumprem horário determinado quando iniciam funções mas ficam sujeitos à imprevisibilidade da função de motorista para o términus da sua jornada de trabalho.

Ponto 10. Os trabalhadores não recebem mais pelo facto de saírem depois do horário identificado em dez (10) dos factos assentes.

Ponto 11. A Ré faz uma previsão média de 5 transportes por turno/dia para cada trabalhador e para tanto limita-se a consultar o relatório de atividade entregue por cada trabalhador ao final do dia de trabalho.

Ponto 12) No mês de Julho de 2017, conforme recibo de vencimento, a ré pagou o seguinte: (i) retribuição base: € 725,14; (ii) trabalho noturno: € 152,10;(iii) prémio de função: € 152,10; (iv) ajudas de custo: € 95,40;(v); Subsidio de Férias: 1029,34€;(VI)SR- STd : 1,00€.

Ponto 13) No mês de agosto de 2017, conforme recibo de vencimento, a ré pagou o seguinte: (i) retribuição base: € 725,14;(ii) trabalho noturno: € 152,10;(iii) prémio de função: € 152,10;(iv) ajudas de custo: € 119,25; (v) Feriado Transp. Int : 58,48€;(VI)SR- STd : 1,25€.

Ponto 14). No mês de setembro de 2017, conforme recibo de vencimento, a ré pagou o seguinte: (i) retribuição base: € 725,14;(ii) trabalho noturno: € 152,10;(iii) prémio de função: € 152,10;(iv) ajudas de custo: € 71,55; (v) SR- STd : 0,75€

Ponto 15) A partir do mês de setembro passou a constar dos recibos de vencimento do Autor um complemento salarial no valor de 25,14€

B). Seja dada nova redação aos seguintes pontos da matéria de facto provada[1]:.

Facto 5: “Enquanto motorista ao serviço da ré, o autor faz o transporte de garrafas de vidro de e para a fábrica G..., sita em Rua ..., em ..., de e para os dois armazéns também pertencentes a esta última, um sito na ... e outro na ..., também em ....”

Facto 9.: O autor exerceu funções no transporte nacional e sempre esteve afeto às funções referidas em 5., nunca tendo exercido funções no transporte ibérico e internacional ou fora da ..., exceto quando vai à oficina, ou lhe mandam fazer outro serviço.”.

Facto 12:Pelo facto de trabalhar em turnos, o autor, atualmente, recebe mensalmente um subsídio de turno, no valor de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos), conforme recibos de vencimento juntos aos autos.”

Facto 15O prémio de função” consta de todos os recibos de vencimento e tem, atualmente, o valor mensal de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos).”

Facto 18 que diz: “No exercício das suas funções, ao realizar o seu trabalho diariamente, o autor tem em conta as listagens que lhe são fornecidas nos dias anteriores à tarde pelo chefe do armazém ou pelo gerente da empresa.” (sublinhado nosso)

Facto 19: “E o Sr BB, responsável dos serviços de logística da ré, superior hierárquico do Autor, quem elabora os horários dos mesmos.”

Facto 20: Quando a Ré determina que o Autor preste trabalho suplementar em dia de descanso obrigatório ou complementar, designadamente fazer um dia de um outro colega, é-lhe paga a remuneração correspondente.”

C) - Deve ser dado como não provado o ponto 22 da matéria de facto assente.

Antes de entrar na apreciação da impugnação propriamente dita há a dizer que apenas os factos impugnados que tenham relevância para decisão da causa, segundo a questão ou questões de direito que se discutem, é que devem ser objeto da reapreciação requerida ao tribunal superior.

A não ser assim, estar-se-á a praticar atos inúteis, proibidos pela lei processual, ou seja, quando os factos se revelem inócuos para decisão de direito a reapreciação redundaria naquilo que nas expressões populares se diz “chover no molhado” ou “não aquece nem arrefece[2].

Aliás, afigura-se-nos ser um ónus do recorrente impugnante a demonstração de que as alterações factuais pretendidas têm relevância para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, não bastando, contudo, a simples afirmação de que determinado facto “tem interesse para a decisão da causa”.

Há ainda a assinalar que por despacho do relator foi o recorrente convidado indicar o lugar onde os factos que se pretendem ver aditados foram articulados e bem assim o mesmo local relativamente aos factos que propõe para a redação dos factos provados que impugnou

Em face deste convite, veio o recorrente prestar as explicações que teve por convenientes, mas que pouco ou nada adiantaram relativamente ao que lhe foi solicitado.

Diga-se ainda, que como se escreveu-se no Ac. desta Relação de Coimbra de 03.12.2015 relatado pelo ora relator no processo 863/10.1TTCBR.C1 in www.dgsi.pt/jtrc que “…é de relembrar que, em princípio, só os factos alegados podem ser considerados pelo tribunal pois que, embora mitigado, ainda vigora no processo laboral o princípio do dispositivo.

E dizemos em princípio porque se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão – nº 1 do artigo 72º do Cód. Proc. Trabalho.

Este normativo, cujas raízes remontam já ao CT de 1963[3] pressupõe na nossa ótica, como já tivemos oportunidade de afirmar noutros arestos desta secção social, a necessidade de ser observado em 1ª instância, com vista a assegurar o contraditório.

Decorre do próprio preceito que o mecanismo processual nele previsto deve ser utilizado durante a realização do julgamento em 1ª instância, mesmo que os debates tenham já terminado (nº 2).

Não se concebe nem é razoável permitir à parte, que assistiu à produção de prova, a possibilidade de, depois de conhecer a decisão sobre a matéria de facto e o seu enquadramento jurídico, já em sede de recurso poder vir dizer que tal facto, não articulado, devia ter sido considerado provado porque esta ou aquela testemunha o afirmou em julgamento.

Dar esta possibilidade é subverter totalmente as normas processuais tornando a impugnação da matéria de facto num exercício ilimitado e infindável, para não dizer numa verdadeira “anarquia””[4].

É de acrescentar que, se bem que a lei permita ao tribunal considerar matéria de facto não alegada, essa consideração apenas pode ser tida em conta nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC e do artº 72º do CPT[5].

Contudo, necessário é que esteja verificado o circunstancialismo neles previsto para que o tribunal possa levar em consideração essa matéria e claro, desde que a mesma seja relevante para a boa decisão da causa.

Mas para isso é necessário que sobre ela tenha incidido discussão e as partes tenham tido a possibilidade de indicar provas sobre os factos aditados[6].

E isto quer se trate de factos principais (que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à ação ou à exceção e que se podem dividir em essenciais ou complementares, sendo os primeiros aqueles que constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer atuar em juízo e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes dão a eficácia jurídica necessária para fazer essa atuação) ou factos instrumentais (que, sem fazerem diretamente a prova dos factos principais, servem indiretamente para prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência).

Os preceitos das referidas codificações adjetivas estão estruturados para serem aplicados durante a discussão e julgamento em 1ª instância e não para ser aplicados em sede de recurso.

A reconhecer-se possibilidade de aplicação de tais normativos na reapreciação da matéria de facto em 2ª instância, tal acarretaria a baixa do processo à 1ª instância para aí as partes poderem produzir prova sobre os novos factos, solução que certamente o legislador não quis nem resulta da economia do preceito.

É na 1ª instância que os factos não articulados, com interesse para decisão e que resultem da discussão, sejam eles principais ou instrumentais, devem ser considerados, consideração esta que pode ser feita oficiosamente ou a requerimento das partes, devendo ficar a constar da respetiva ata os novos factos ou as razões pelas quais o aditamento requerido pelas partes não foi deferido.

No quadro transcrito passemos a analisar as requeridas alterações.

Factos cujo aditamento se requer.

Ponto 1.

No artº 2º da p.i. remete-se para os contrato de trabalho juntos com aquela peça processual como docs 1,2 e 3.

Do teor deste docs resulta provada a matéria, não impugnada, que se pretende aditar.

Assim adita-se ao rol dos factos provados o seguinte. “No contrato de trabalho inicial (01/07/2015) consta que a Ré se obrigou a pagar ao Autor a retribuição base no valor de 715,13€/mês, prémio de função no valor de 100,00€/mês e subsídio noturno no valor de 150,00€/mês, tendo-se tais valores se mantido nas suas renovações com exceção do prémio de função, que a partir da segunda renovação (01/01/2016) passou a ser de 150,00€/mês.

Ponto 2.

Nos artºs 3º da 10º da contestação é a própria ré a reconhece que o Autor sempre esteve afeto, em exclusivo, ao transporte interno da Ré, nunca tendo exercido funções no transporte nacional, ibérico e internacional.

Assim, adita-se a seguinte matéria aos factos provados:

“O Autor sempre esteve afeto, em exclusivo, ao transporte “interno” da Ré, nos termos referidos no facto 15”

Ponto 3

Quanto este ponto há a dizer que a regulamentação coletiva aplicável à relação laboral (CCTVs entre ANTRAM e outra e a FECTRANS e outros, com publicação nos BTEs, nº 34 de 15.09.2018 e nº 45 de 18.12.2019, respetivamente), prevê, no que para o caso interessa, as categorias profissionais de motoristas de ligeiros e de pesados (cfr. anexos I) os quais podem estar afetos ao serviço nacional ( Motorista nacional: aquele que apenas realiza viagens em território português e, bem assim, aquele que realiza deslocações diárias a Espanha que não importem a realização de repouso diário nesse país) ibérico (Motorista ibérico: aquele que realiza viagens regulares a Espanha que incluam pernoita nesse território) e internacional (Motorista internacional: aquele que realiza viagens regulares para além da Península Ibérica)- cfr Clªs 61º do CCTV de 2018 e 2018.

Ora, tendo em conta a matéria provada no facto 7, que remete para a matéria do facto 4, o aditamento pretendido nada adianta porquanto, como mais à frente será considerado, o autor tem a categoria profissional de pesados do serviço nacional, apenas se justificando o aditamento relativo à tonelagem dos veículos conduzidos pelo autor, que a ré reconhece ser superior a 7,5 t, atento o disposto na Clª 45º e 59ª dos CCTVs de 2018 e 2019, respetivamente (complemento salarial).

Assim, adita-se o seguinte facto: “o autor conduz viaturas com tonelagem superior a 7,5t

Pontos 4) a 11):

Com o aditamento destes factos pretende o recorrente demonstrar que o trabalho por si prestado é realizado com autonomia e imprevisibilidade, o que se prende com a questão de saber se tem direito à remuneração a que aludem as Clªs 61ª dos CCTVs de 2018 e 2019.

Acontece que, tratando-se de factos essenciais, integradores da causa pedir, tais factos não foram alegados pelo que, pelas razões atrás expostas, não poderão integrar a factualidade provada.

Quanto aos pontos 12 a 14:

Estes pontos referem-se ao ano de 2017.

Ora o pedido de pagamento das diferenças salariais refere-se ao período a partir de junho de 2018.

Por isso não vemos qual o interesse em dar como assente esta matéria sendo de notar que não se vislumbra qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição porquanto, com se sabe, este princípio não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes, por exemplo, a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar).

E com se verá, nenhuma redução ocorreu na retribuição do autor, designadamente no seu salário.

Consequentemente, nada há aditar neste particular.

Ponto 15

Basta ler a matéria dada como provada nos pontos 46 e ss para se ver que partir de setembro de 2020 a ré passou a pagar o complemento salarial, autonomizando o seu pagamento nos recibos de pagamento, pelo que é inútil dar como assente a matéria deste ponto 15

Factos cuja alteração de redação se requer.

As alterações pretendidas não assentam em materialidade que tivesse sido alegada.

Acresce que, parte dela se revela inócua para a decisão das questões objeto do recurso, sendo que outra parte caracteriza-se como matéria complementar de factos que não foram articulados mas que se revelam essenciais para efeitos de saber se ao autor é devida a quantia pecuniária que decorre da aplicação das Clªs 61ª do CCTVs.

Por isso, e no seguimento do que ficou exposto, nada há a alterar.

Facto que deve ser dado como não provado.

O facto 22 te a seguinte redação: “O trabalho do autor é controlado e determinado pela ré diariamente, quer quando carrega na fábrica quer quando descarrega nos armazéns, através do sistema informático inserido nos equipamentos de trabalho e da entrega de listagens com as referências que tem de carregar/descarregar”.

Entende a recorrente que este facto deve ser dado como não provado por contraditado pelos novos factos que erradamente a douta sentença não incluiu no elenco da matéria de facto dada como assente e que deverá e a ser revista pelo Tribunal ad quem, bem como os seus argumentos.

Ora, a inclusão de novos factos decidida por esta Relação não infirma a matéria do ponto 22 da matéria de facto provada a qual se decide manter.

Da violação da alínea n) da Cláusula 14ª dos CCTV´s de 2018 e de 2019:

Como se sabe os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas. Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma exceção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.

Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, que não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.

Ora, conforme refere a ré nas sua contra-alegações a questão em epígrafe da qual, a verificar-se, o autor nem sequer retira quaisquer consequências, apenas foi suscitada em sede recursiva, pelo que se trata de uma questão nova da qual esta Relação não tomará conhecimento, o que se decide.

Das diferenças salariais:

Na sentença considerou-se que “(…) o autor vem peticionar valores relativos a diferenças salariais que entende, como motorista de pesados, serem-lhe devidos em atenção ao CCTV em vigor para o setor de atividade onde se insere a empresa ré. Aceitou os valores que lhe foram sendo pagos a título de prémio de função, trabalho noturno ou por turnos, subsídio de refeição (“ajudas de custo”), trabalho extra e em dias de feriado ou descanso.

Pelo que apenas se encontra em discussão o pagamento de eventuais diferenças salariais no que respeita a diuturnidades, compensação salarial e cláusula 61ª”.

Decidindo:

O autor é motorista de pesados do serviço nacional conduzindo viaturas com tonelagem superior a 7,5t.

Estes motoristas de pesados que se dedicam ao transporte nacional têm direito, no que ao caso interessa, à remuneração mensal base (cláusula 44.ª dos CCTs de 2018 e 2019); a diuturnidades (clªs 47ª e 46ª respetivamente dos CCTS de 2018 e 2029) ao complemento salarial (cláusulas 45ª e 59ª respetivamente dos CCTS de 2018 e 2029); à remuneração da cláusula 61ª (correspondente a duas horas de trabalho suplementar/dia) e, à remuneração por prestação de trabalho noturno (clªs 48ª).

Mas para que tenham direito a estas prestações retributivas naturalmente terão de provar a factualidade que subjaz à estatuição e previsão das mesma cláusulas.

O recorrente peticiona diferenças salariais relativas ao salário base a partir de setembro de 2020 por efeito da ré ter passado a pagar-lhe o complemento salarial previsto na Clª59ª do CCTV de 2019 pagamento este que, segundo ele, se reflete ou produz efeitos no montante a pagar ao trabalhador a título de salário base.

Alega que, “pese embora a Ré até agosto inclusive, se ter limitado a pagar ao Autor retribuição base, trabalho noturno à luz de valor convencionado, prémio de função e outras variáveis (ajudas de custo e trabalho prestado em dia de descanso), a partir de setembro de 2020 passou e só então a pagar ao Autor o complemento salarial nos termos da CL.ª 59ª e anexo III, no valor de 25,14€, no que influencia de forma direta a retribuição base (Clª 44ª) e a retribuição especifica da atividade de motorista ( Cláusula 61ª) erradamente calculada no recibo de vencimento - nota: nunca a retribuição base poderia ser inferior ao anteriormente praticado pelo que se aplica o valor mais favorável, que no caso em apreço é o valor do complemento salarial, que por inerência influirá no valor final da retribuição base e outras prestações sociais! - vide exemplo da tabela da clª 59ª do anexo III do CCTV - a saber: -Assim ao pagar como complemento salarial o valor de 25,14€ mais favorável para o trabalhador (0,02 x retribuição base= 25,14€, logo tal influencia diretamente o valor da retribuição base que nunca poderá ser inferior à seguinte operação à luz do CCTV , isto é, RB - 25,14:0,02= 1257,00€; -Retribuição base= 1257€[7].

Nos termos do nº 1 da Clª 44ª do CCTV de 2019 “as remunerações mínimas mensais dos trabalhadores abrangidos por este CCTV são as constantes da tabela do anexo III (…)

Estas tabelas nada têm a ver com o cálculo do complemento salarial a que alude a Clª 59ª do mesmo IRCT, nem este complemento tem influência na quantificação da remuneração base, a qual corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o seu período normal de trabalho (v. alínea a) do nº 2 do artº 262º do CT).

É certo que que a recorrida, em setembro de 2020, no montante pago a título de remuneração base sofreu uma redução, passando a pagar € 714,71 em vez de € 739,71.

Contudo, entendemos que essa redução só aparentemente se verificou.

Na verdade, está provado (facto 64 não impugnado) que “até setembro de 2020, a rubrica “vencimento base” integrava o complemento salarial, conforme recibos de vencimento juntos aos autos”.

Como a partir de setembro de 2020 a ré passou a autonomizar no recibo de vencimento do autor esse o complemento salarial previsto na Clª 59ª (previsto anteriormente na clª 45ª do CCTV de 2018) retirou o respetivo valor (€24,15) ao valor do salário base pelo que não se pode considerar ter ocorrido uma diminuição ou redução da retribuição, com violação do princípio da irredutibilidade, na medida em que o valor do salário base se manteve.

Por outro lado, no caso, o que verdadeiramente se encontra em causa é a questão de saber se o complemento salarial previsto na Clª 59ª deve ou não ser considerado para efeitos do cálculo do montante do salário base, e não uma questão de irredutibilidade da retribuição.

O autor funda ainda o seu pedido de pagamento de diferenças salariais no não pagamento pela ré da quantia que resulta do estipulado nas clªs 61ª dos CCTVs de 2018 e 2019

Dispõem tais cláusulas.

Cláusula 61.ª do CCT publicado no BTE nº 34 de 15.09.2018:

(Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados)

1- Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três.

2- Para efeito de cálculo da prestação pecuniária prevista no número anterior, será aplicável a seguinte fórmula:

VH = (Retribuição base, complementos salariais (cláusula 45.ª) e diuturnidades) x 12 : Período normal de trabalho semanal x 52

1.ª hora x 50 %

2.ª hora x 75 %

Valor total das duas horas de trabalho suplementar, conforme o caso, deverá ser multiplicado por 30 dias.

3- Ao valor apurado nos termos do número anterior, será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho noturno, calculado nos termos do número 2 da cláusula 48.ª do CCTV.

4- Estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª (Retribuição do trabalho suplementar em dia útil).

5- O pagamento desta prestação pecuniária substitui o número 7 da cláusula 74.ª do anterior CCTV e, bem assim, todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas, unilateralmente pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores, mesmo que o valor desta prestação seja inferior ao anteriormente praticado.

6- No período máximo de três meses a contar da entrada em vigor do presente CCTV, as entidades empregadoras, deverão substituir as anteriores formas de pagamento do trabalho suplementar praticadas, adaptando designadamente os recibos de vencimento e declarações de remunerações, pela prestação pecuniária prevista nesta cláusula”.

Cláusula 61.ª do CCT publicado no BTE nº 45 de 18.12.2019

“(Retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas)

1- Os trabalhadores que, por acordo com a empresa, desempenhem a função de motorista afeto ao transporte internacional, ibérico ou nacional, excecionando-se destes últimos os motoristas que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, por prestarem uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto, terão obrigatoriamente o direito a receber, em contrapartida de tal regime, uma retribuição especifica no montante correspondente a 48 % do valor total resultante da soma da retribuição base (cláusula 44.ª), diuturnidades (cláusula 46.ª) e complemento salarial (cláusula 59.ª), não lhes sendo devido qualquer outro valor a título de trabalho suplementar em dia normal de trabalho.

2- O pagamento desta prestação pecuniária não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, feriado ou a descanso diário bem como o respetivo pagamento nos termos previsto na cláusula 50.ª

3- O pagamento desta retribuição específica não afasta o cumprimento dos limites da duração do trabalho previstos na cláusula 21.ª do presente CCTV, não podendo ser solicitado nem prestado trabalho para além dos mesmos.

4- Esta retribuição específica é devida por 13 meses.

Nota explicativa: Para efeitos do acordo mencionado no número 1 desta cláusula, estão incluídos todos os contratos de trabalho para a função de motorista, celebrados antes deste contrato coletivo de trabalho. Mais se esclarece que esta retribuição específica substituí a anterior cláusula 61.ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15 de setembro de 2018 e primitiva cláusula 74.ª número 7 prevista no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS (anterior FESTRU) e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 8 de março de 1980 e demais alterações. A cláusula 21.ª reflete a proibição, que vincula empregadores e trabalhadores, prevista no Decreto-Lei n.º 237/07, de 19 de junho, de ser prestado trabalho semanal para além dos limites nesta fixados. Apesar de não ser obrigatório, face ao concreto modo como o trabalho é prestado, esta figura poderá ser aplicada na relação mantida entre empresas e motoristas que, por acordo, estão afetos ao transporte nacional, conduzindo viaturas inferiores a 7.5 ton., sejam elas superiores ou não a 3,5 ton.”.

Considerando a matéria de facto provada, o autor deve ser integrado na categoria profissional de motorista de pesados do serviço nacional tal como estas funções se encontram definidas nos CCTs citados (cfr Clªs 45º nº 2 alínea a) e 59º nº2 alínea a) e anexos I dos CCTVs de 2018 e 2019, respetivamente).

As referidas Clªs 61ª, como resulta do seu teor, destinaram-se a substituir a denominada Clª 74ª nº 7 do CCT de 1980[8].

Para um melhor enquadramento transcreve-se a fundamentação exarada na sentença a propósito da questão em análise.

Lê-se na sentença: “….Desde logo ressalta o sentido dado pela doutrina e jurisprudência à clausula 74ª, nº 7 do CCTV de 1982, o fundamento da previsão desta específica compensação especial que a Cláusula 61ª dos CCTV posteriores veio substituir – compensação dos esforços e riscos acrescidos de quem conduz veículos pesados no estrangeiro, com a eventual necessidade de passar dias inteiros em viagem e de aí pernoitar.

No seguimento das negociações entre as partes outorgantes dos CCTV veio a substituir-se a cláusula 74º, nº 7 pela Cláusula 61ª dos CCTV de 2018 e 2019 que prevê o pagamento de uma prestação especial compensatória aos motoristas de pesados (internacional, ibérico e nacional).

Atendendo aos antecedentes históricos, ao fim que se pretendia alcançar com a previsão da Cláusula 74ª nº 7, e ao teor literal da Clausula 61ª do CCTV de 2019, temos de concluir que as sucessivas Cláusulas 61ª têm como objetivo compensar o esforço e risco acrescidos do trabalho dos motoristas de pesados que se vêm obrigados a prestar, habitualmente, trabalho suplementar de difícil fiscalização pela entidade empregadora (por estarem a prestar trabalho longe das instalações desta), com grande autonomia, isto é, sem a supervisão imediata dos seus superiores hierárquicos, com a possibilidade de terem de pernoitar fora de casa atendendo ao trabalho que lhes é distribuído.

Os elementos teleológico, histórico, racional e literal não permitem outra interpretação. A não ser assim estes trabalhadores ver-se-iam prejudicados relativamente aos trabalhadores que a ré apelida de “motoristas internos” dado que a sua situação profissional em nada se compara à destes últimos.

Estaria violado o princípio da igualdade material entre os trabalhadores, tratando de igual forma o que é desigual, promovendo-se aqueles que não estão sujeitos ao esforço, risco e penosidade dos restantes. Estaria violado o princípio de “salário igual para trabalho igual”.

Entendemos, portanto, que as Partes Outorgantes ao preverem a retribuição da Cláusula 61ª não consideraram a situação específica de trabalhadores como o autor que, enquanto motoristas de pesados, prestam trabalho apenas durante 8 horas diárias, no mesmo concelho, pernoitando todos os dias em casa, com supervisão hierárquica constante e a quem são pagos quer o trabalho suplementar efetuado, quer o subsídio de turno por trabalharem em 3 turnos rotativos.

Com efeito, resulta dos factos provados que: - o autor exerce a atividade de motorista de pesados por conta, sob as ordens, direção e fiscalização da ré; - no exercício da sua atividade profissional o autor exerce a condução de veículos pesados transportando garrafas de vidro entre as instalações da empresa G... e os armazéns que distam cerca de 5 km, não saindo do concelho ...; - todos os dias vai dormir a casa; - tem um horário de trabalho de 8 horas diárias e trabalha em regime de 3 turnos rotativos; - aufere retribuição pelas horas de trabalho suplementar prestadas e pelo trabalho em dias de descanso; - aufere subsídio de turno; - aufere “prémio de função” para remunerar o trabalho específico nas cargas/descargas (tarefa que não é realizada pelos outros motoristas); - tem supervisão diária pelos seus superiores hierárquicos.

Temos pois de concluir que o trabalho do autor não tem a penosidade e não exige os esforços e riscos acrescidos dos motoristas de pesados que trabalham no nacional, fora da área das instalações da empregadora, com os imprevistos decorrentes da organização das cargas/descargas nos clientes, que têm autonomia na organização do seu trabalho, sendo difíceis o controlo e a verificação do trabalho suplementar prestado dada a sua imprevisibilidade, com possibilidade de terem de pernoitar fora da área da sua residência atendendo à duração das viagens. Não foi do espírito dos Outorgantes, com a fixação da Cláusula 61ª, a consagração de um regime específico de compensação para trabalho que não se caraterize por especial penosidade.

Entender-se o contrário seria violar o princípio de “salário igual para trabalho igual

 Pelo que temos de interpretar a Cláusula 61ª no sentido de não abranger estes trabalhadores (ditos “motoristas internos”) mas apenas os motoristas de pesados de transporte internacional, ibérico ou nacional cujo trabalho revista aquele esforço e risco acrescidos.

Concluindo que não é devida ao autor a prestação pecuniária prevista na Clausula 61ª dos CCTV de 2018 e 2019, pelo que deve a ré ser absolvida nesta parte”.

Decidindo.

Como acima se referiu as Clªs em questão vieram nos CCTs de 2018 e 2019 a substituir a Clª 74º nº 7 de CCTV de 1980.

Era jurisprudência consolidada que a retribuição especial prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT celebrado entre a ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias) e a FESTRU (Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e Outros), publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 08-03-80, tem por objetivo compensar os trabalhadores motoristas de transportes internacionais rodoviários de mercadorias da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua atividade, tendo sido atribuída pela consideração de que essa atividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.

Também se encontrava consolidado o entendimento de que a referida retribuição especial não pressupõe uma efetiva prestação de trabalho suplementar, revestindo carácter regular e permanente e, como tal, integra o conceito de retribuição, sendo devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efetiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base.

Esta Relação teve já oportunidade de se pronunciar sobre esta questão no acórdão 176/22.6T8LRA.C1 de 28.04.2023, consultável em www.dgsi.pt/jtrc.

Neste aresto, afirmou-se que no domínio do CCTV de 2018 seria de aceitar a interpretação segundo a qual, à semelhança do que acontecia no anterior CCTV (de 1980), a quantia prevista na sua Clª 61ª só seria devida aos motoristas de pesados quando estivesse demonstrado que o desempenho da condução fosse suscetível de apresentar uma maior penosidade e um esforço acrescido.

No entanto, apelando à ata interpretativa de 09.01.2019 elaborada para o CCTV de 2018, segundo a qual “a presente cláusula (61ª), apesar de ter como epigrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados”, não é por esta que resulta o seu âmbito de aplicação; efetivamente tal é fixado pelo disposto no seu nº 1. A opção por esta redação, no que à epígrafe diz respeito, visou apenas tornar mais claro que esta cláusula visa substituir a anterior cláusula 74 /7 do anterior CCTV – embora com algumas alterações - adotando-se por isso parte da epígrafe desta última. Assim, todo e qualquer trabalhador com a categoria de motorista de pesados e ligeiros – com exceção dos motoristas ligeiros afetos ao transporte nacional -, têm direito a receber estas prestações pecuniárias, sendo irrelevante qual a distância realizada pelos veículos cuja condução estão afetos. Em suma para a aplicação desta cláusula é indiferente se a distância percorrida pelo veículo que o trabalhador está afeto, é de 2km, 10 km, 20 km ou mais”, entendeu-se e decidiu-se que para o trabalhador motorista ter direito à prestação pecuniária prevista nesta cláusula não era necessário demonstrar que o desempenho da condução fosse suscetível de apresentar uma maior penosidade e um esforço acrescido.

Após melhor reflexão sobre a questão que se controverte, propendemos agora para que, da ata interpretativa, não resulta a conclusão a que havíamos chegado no citado aresto.

Com efeito, embora a questão não seja totalmente isenta de dúvidas, se esta cláusula 61ª se destinou a substituir a cláusula a 74º nº 7 do CCTV de 1980 (e nisto todos estão de acordo), para que o trabalhador tenha direito a receber a quantia nela prevista, necessário se torna que se encontram reunidos os requisitos exigidos para que, em face da Clº 74º nº7, fosse atribuído tal direito ao trabalhador motorista.

Ou seja: exige-se a prova por parte do trabalhador (o respetivo ónus sobre ele recai) dos factos donde se possa extrair que o desempenho da sua atividade como motoristas apresenta uma maior penosidade, um esforço acrescido e um maior isolamento.

E, ponderando melhor sobre a ata interpretativa, não vemos agora que da mesma resulte a interpretação de que a atribuição da prestação prevista na Clª 61º do CCTV de 2018 prescinda da demonstração da maior penosidade no desempenho das funções por parte do motorista.

Na ata interpretativa afirma-se expressamente que visa substituir a anterior cláusula 74 /7 do anterior CCTV esclarecendo-se que todo e qualquer trabalhador com a categoria de motorista de pesados e ligeiros – com exceção dos motoristas ligeiros afetos ao transporte nacional -, têm direito a receber estas prestações pecuniárias, sendo irrelevante qual a distância realizada pelos veículos cuja condução estão afetos.

Apenas se pretende esclarecer quais as categorias de trabalhadores abrangidos pela cláusula e não afastar a verificação do requisitos da penosidade, esforço acrescido e maior isolamento.

Também é esta a melhor interpretação tendo em conta a uniformidade do sistema jurídico e o teor da mesma cláusula do CCTV de 2019

Nesta, evitando quaisquer dúvidas de interpretação, alude-se expressamente à situação da prestação de uma atividade que implique regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho suplementar de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto; ou seja, consignaram-se os motivos que a jurisprudência havia considerado como sendo necessários verificarem-se para que que fosse atribuída a quantia da anterior clª 74º nº 7 do antigo CCTV de 1980.

Com a redação dada à Clª 61ª do CCT de 2019 houve, no entendimento que agora perfilhamos, uma clara intenção das partes outorgantes em precisar o que havia sido estipulado na mesma Clª do CCT de 2018 no sentido da retribuição especial ser devida para compensar os trabalhadores motoristas de pesados da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua atividade, partindo do pressuposto que essa atividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.

Ora, no caso, considerando a matéria provada, como se demonstra na sentença impugnada na parte acima transcrita, que se sufraga “o trabalho do autor não tem a penosidade e não exige os esforços e riscos acrescidos dos motoristas de pesados que trabalham no nacional, fora da área das instalações da empregadora, com os imprevistos decorrentes da organização das cargas/descargas nos clientes, que têm autonomia na organização do seu trabalho, sendo difíceis o controlo e a verificação do trabalho suplementar prestado dada a sua imprevisibilidade, com possibilidade de terem de pernoitar fora da área da sua residência atendendo à duração das viagens.”.

Ou seja, não está provado que inerente a atividade de motorista do autor revista uma maior penosidade ou um esforço acrescido e, designadamente, que a prestação de trabalho, dadas as suas características, seja de difícil controlo para efeitos de contabilização do trabalho suplementar prestado.

Na verdade, a duração concreta dos serviços a realizar pelo autor não é imprevisível, nem o autor se encontra deslocado das instalações da ré sem controlo hierárquico direto, gozando de um elevado grau de autonomia.

Por tudo isto, entendemos agora que, após melhor ponderação e estudo, ao contrário do decidido no aresto desta Relação acima referido, o autor não tem direito a receber a quantia a que se referem as Clªs 61ª dos CCTVS de 2028 e 2019 do CCTVS entre a ANTRAM e a FECTRANS.

Não vislumbramos, assim, onde o autora possa ter direito às peticionadas diferenças salarias para além das reconhecidas em 1ª instância.


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V Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integrar confirmação da sentença impugnada.

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Custas a cargo do recorrente.

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Sumário[9]:

(…).


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Coimbra, 24 de novembro de 2023

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)

(Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)





[1] As alterações pretendidas vão assinaladas nas passagens que se encontram sublinhadas.

[2] Lê-se no recente acórdão  do STJ de 03.11.2023 p. 835/15.0T8LRA.C4.S1 (in www.dgsi.pt) que “nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto.Com efeito, de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º, do CPC). Neste sentido, v.g., os Acs. do STJ de 19.05.2021, Proc. n.º 1429/18.... (desta ... Secção), de 09.02.2021, Proc. n.º 26069/18.... (... Secção), de 30.06.20, Proc. n.º 4420/18.... (... Secção), de 28.01.2020, Proc. nº 287/11.... (... Secção), de 22.03.2018, Proc. n.º 992/14.... (... Secção) e de 10.10.2017, Proc. n.º 8519/12.... (... Secção).Vale por dizer que o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar todos os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final (cfr. o citado aresto de 09.02.2021) - negrito nosso.

[3] Que segundo CC é “o melhor que se coaduna com a especial natureza do direito processual do trabalho, naturalmente rebelde e insubmisso a normas rígidas, dado o carácter público e o sentido social das normais” E mais adiante “se os novos quesitos incidem sobre factos não articulados devem ser logo formulados para sobre eles recair contraditoriedade” (CPT, anotado, p. 334, 4ª edição).
[4] Neste sentido ver também, entre outros, Ac. RE de 14.11.2006, procº 1539/06-2 e Ac. R... de 07.01.2019, procº 2864/17.....

[5] “Artigo 72.ºDiscussão e julgamento da matéria de facto
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º o Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.3 - Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.4 - (Revogado.) 5 - (Revogado.) 6 - O tribunal pode, em qualquer altura, antes dos debates, durante eles ou depois de findos, ouvir o técnico designado nos termos do artigo 601.º do Código de Processo Civil”.

[6] Neste sentido o acórdão desta Relação de 10.02.2023, p. 246/21.... (relator: DD) onde se lê: “Nos termos do art. 5.º do Código de Processo Civil às partes cabe, é certo, alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, mas (n.º 2 al. b)) além dos factos articulados pelas partes são ainda considerados pelo juiz, entre outros, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

No anterior Código de Processo Civil, o artigo 264.º n.º 1 já permitia ao juiz apoiar a sua decisão nos factos complementares que fossem complemento ou concretização de outros articulados e resultassem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifestasse vontade deles se aproveitar e à parte contrária fosse dada a possibilidade de contraditório. O atual CPCivil mantém essa possibilidade, mas o juiz não precisa já de perguntar pelo assentimento da parte interessada quanto à introdução dos factos no processo. Tem, todavia, de a informar que vai considerar o novo facto, pois só assim se compreende a indicação normativa “desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.

No fundo, é também o que resulta para o processo laboral daquilo que vem disposto no art. 72.º do Código de Processo do Trabalho.

Por conseguinte, previamente a determinar se podem considerar-se os factos que o apelante pretende como concretizadores do facto relacionado, temos que reconhecer que não é processualmente admissível que, em sede de recurso e de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente suscite que sejam dados como provados novos factos não antes alegados ou considerados pela 1.ª instância.

Essa tem sido a posição defendida por esta Relação designadamente, entre outros (e nomeadamente os citados no mesmo aresto), no acórdão de 28.04.2017, proc. 2282/16...., relator: EE (e também mais recentemente no acórdão de 12.07.2022, relatado pelo presente relator, no proc. 4748/17....), no qual se escreveu (…)”.

[7] Cfr. artº 68º da p.i.
[8] Introduzida com a alteração de 1982 e que era devida em todos os dias dos meses de calendário (Ac. uniformização 7/2010 DR 132 Série I de 2010-07-09.
[9] Da responsabilidade do relator.