Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3501/14.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DIREITO DE DEFESA
MOBILIDADE FUNCIONAL
ADMISSIBILIDADE
SANÇÃO DISCIPLINAR
SANÇÃO ABUSIVA
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - 1ª SEC.TRABALHO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 118º, 120º, 329º, Nº 6, 331º, 352º A 358º DO CÓDIGO DE TRABALHO .
Sumário: I – Só o procedimento disciplinar relativamente à acção disciplinar que conduza ao despedimento do trabalhador com invocação de justa causa é que se encontra especificamente regulado no Código de Trabalho, nos seus artºs 352º a 358º, o mesmo já não se verificando no que toca ao procedimento disciplinar (referido no artº 329º do CT) em que a sanção aplicada ao trabalhador não seja o despedimento.

II – Tal não significa, todavia, que na condução do procedimento disciplinar com vista à aplicação de outra sanção que não seja o despedimento não tenha a entidade empregadora de observar os requisitos que contendam com o direito de audição do trabalhador, com a salvaguarda do direito de defesa deste e com a observância do necessário contraditório, por forma a habilitar o trabalhador a conhecer, em toda a sua extensão e implicações, os factos que lhe são imputados.

II – O legislador acolheu o princípio da correspondência entre a actividade exercida e a categoria do trabalhador (artº 118º do Código do Trabalho), mas o artº 120º do CT, sob a epígrafe mobilidade funcional, dispõe que o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador (nem podendo implicar diminuição da retribuição mas beneficiando o trabalhador das vantagens decorrentes dessa actividade temporariamente desempenhada, e devendo a ordem de alteração ser justificada, com indicação do tempo previsível).

III – O nº 1 do artº 331º do CT contém o elenco, taxativo, das situações em que se deve considerar abusiva a sanção disciplinar.

IV – Dispõe o artº 331º, nºs 1, al. b) e 2, al. a) que se considera abusiva a sanção disciplinar motivada pela recusa do trabalhador a cumprir ordem a que não deva obediência e que se presume abusiva a sanção aplicada alegadamente para punir uma infração quando tenha lugar até seis meses após o mencionado facto.

Decisão Texto Integral:
                                  
                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:                                                          

                        A... instaurou a presente acção com processo comum contra Casa de Saúde (...), S.A, pedindo que:

                        a- seja anulada a sanção disciplinar decidida e aplicada pela Ré à Autora de suspensão do trabalho pelo período de 20 dias úteis com perda de retribuição e antiguidade;

                        b- seja declarada abusiva essa mesma sanção, nos termos e para os efeitos previstos no artº 331º, nº 1, al. b) e d) e nº 3 e 5 do CT, designadamente para efeitos de condenação da Ré no pagamento à Autora de indemnização não inferior a 10 vezes a retribuição perdida, o que se computa em € 5.030,00 (503,00 x 10);

                        c- caso se não entenda abusiva a sanção disciplinar decidida e aplicada pela Ré à Autora, e improceda o pedido formulado em b) mas proceda o pedido formulado em a), requer-se a condenação da Ré no pagamento à Autora da importância de € 503,00, referente à perda de retribuição correspondente a 20 dias úteis.

                        d) seja a Ré condenada a pagar à Autora juros de mora à taxa legal sobre a referida importância desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento.

                        Para fundamentar os seus pedidos alegou, em síntese e tal como consta da sentença recorrida, que é trabalhadora da Ré desde 17 de Março de 1982, exercendo funções correspondentes à categoria profissional de cozinheira, classificada como cozinheira de 2ª.

                        Em 28 de Abril de 2014, no âmbito de processo disciplinar que lhe

instaurou, a Ré aplicou à Autora a sanção disciplinar de suspensão do trabalho pelo período de vinte dias úteis, com perda de retribuição e antiguidade, a qual  implicou a perda de retribuição no montante de € 503,00.

            Contudo o relatório e a decisão proferida no processo disciplinar são nulos por violação do artº 357º do CT e a sanção aplicada é ilícita, por abusiva, nos termos do disposto no artº 331º, nº 1, al.s a), b) e d) do CT, ou sempre será ilícita por violar o princípio da proporcionalidade previsto no artº 330º do CT.

                        Efectivamente, na decisão final são dados como provados factos que não constavam da nota de culpa, sendo que na nota de culpa se referem a factos alegadamente praticados no dia 22 de Abril de 2014 e na decisão final referem-se factos alegadamente praticados a partir do dia 22 de Abril, pelo que a Autora não pôde exercer o seu direito de defesa quanto aos factos que constam da decisão final por não constarem da nota de culpa.

                        Por outro lado as funções que foram determinadas pela Ré configuram uma alteração substancial da posição laboral, não consentida e implicam uma desvalorização profissional e mudança para categoria profissional inferior, sendo certo que continua a existir trabalho para a Autora no seu posto de trabalho.

            Assim, a ordem que foi dada à Autora é ilegítima, não se verificando os requisitos para a mobilidade funcional, pelo que inexistia qualquer dever de obediência da Autora às ordens em questão, motivo pelo qual a sanção que lhe foi aplicada é ilícita, para além de abusiva e desproporcional.

                        Na contestação que apresentou, a Ré pugnou pela inexistência de

qualquer nulidade do processo disciplinar, sendo que a sanção se mostra adequada e proporcional aos factos praticados, porquanto se mostravam preenchidos os requisitos previstos no artº 120º do CT para a mobilidade funcional da Autora, pelo que a ordem que emitiu é legítima, à qual a Autora devia obediência, sendo que a sua desobediência à mesma é ilegítima e passível de sanção disciplinar.

            Conclui assim pela validade e legitimidade da aplicação da sanção disciplinar e consequente improcedência da acção.

                        Instruída e julgada a causa foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré do pedido.
                                                                       x
                        Inconformada, veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
                        […]

                       

                        A Ré apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do julgado.

                        Foram colhidos os vistos legais, tendo a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer fundamentado no sentido da procedência do recurso.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como questões em discussão:
                   - se a sanção aplicada se baseou em factos não constantes da nota de culpa;
- se é lícita a sanção disciplinar aplicada à Autora;

                        -  se essa sanção se mostra adequada à infracção e se tem a natureza de sanção abusiva.
                                                                  x
                        A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
                        […]

                       

                                                                       X

                        - o direito:
                        - a primeira questão – se a sanção aplicada se baseou em factos não constantes da nota de culpa:

                        Considera a recorrente que na nota de culpa não se imputava em nenhum lado e de todo à recorrente a não realização de trabalhos de limpeza nos quartos e andares superiores das instalações da recorrida após a realização da reunião com o Dr. C... ocorrida a 23/4/2014.
                        A este propósito escreveu-se na sentença recorrida:

                        “No caso em apreço, a Ré instaurou procedimento disciplinar com vista ao despedimento com justa causa da Autora, pelo que apesar de, na sequência da instrução do processo ter vindo a aplicar à Autora sanção diversa do despedimento, na tramitação do respectivo processo encontrava-se obrigada a proceder em conformidade com o regime estabelecido para o despedimento da trabalhadora com invocação de justa causa regulado nos artºs 352º a 358º do CT.

                        Assim, exige a lei que o empregador elabore nota de culpa, estabelecendo o artº 353º, nº 1 do CT que “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos

que lhe são imputados.”

                        Exige-se, desta forma, que a nota de culpa delimite os comportamentos censuráveis ao trabalhador, passíveis de serem reapreciados judicialmente, quanto à sua gravidade e alcance, sendo que em sede judicial não podem ser aditados ou alterados os factos, sob pena de o trabalhador se ver confrontado com factos novos.

                        A nota de culpa deverá, dessa forma, descrever os factos enquadrando-os no seu contexto de tempo, modo e lugar, individualizando-os e especificando-os, para permitir ao trabalhador a sua refutação.

                        No entanto, como se refere no Ac. do STJ de 08-02-2001, no proc. 00S110 in www.dgsi.pt “Para garantir o direito de defesa do trabalhador a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada do tempo, lugar e modo da prática dos factos imputados ao trabalhador, mas tal não é necessário quando se mostre que o trabalhador compreendeu perfeitamente a acusação e dela se defendeu.”

                        Por sua vez o artº 357º do CT, referindo-se aos requisitos da decisão disciplinar, dispõe nos seus nºs 4 e 5, que “Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do artº 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.” (nº4) e “A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.” (nº 5).

                        Contudo, como se refere no Ac. do STJ de 17-12-2014, no proc. 1552/07.0TTLSB.S1, in www.dgsi.pt “ A desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão final que conclui pelo despedimento não conduz, de modo necessário, à declaração de invalidade de todo o procedimento disciplinar, cumprindo averiguar na economia de ambas as peças processuais, em que factos assenta tal desconformidade e em que medida eles se reflectem no direito de defesa do trabalhador. Detetada uma desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão de despedimento, com a identificação de factos novos de natureza não atenuativa da responsabilidade do trabalhador, a consequência a retirar é a impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo da justa causa de despedimento. (…) Assim se afasta a possibilidade de o juízo de invalidade se estender a todo o procedimento, a menos, claro, na remota hipótese de a decisão de despedimento conter factos totalmente distintos, todos eles, dos invocados na nota de culpa.”

                        Também no Ac. da RC de 18-10-2007, no proc. 555/06.6TTCBR.C1, in www.dgsi.pt se refere que «O facto da decisão final do procedimento disciplinar considerar factos não constantes da nota de culpa não gera a invalidade do procedimento disciplinar, sendo situação não integrada naquele elenco taxativo.» [o previsto no actual artº 382º, nº 2 do CT]. «A invocação de “factos novos” não constantes da nota de culpa torna ineficaz a declaração negocial de despedimento relativamente a eles próprios, mas não gera a invalidade do procedimento disciplinar.» (cfr. no mesmo sentido entre outros os Acs. da RP de 07-06-2010, no proc. 338/09.1TTBCL.A. P1, de 21-05-2012 no proc. 1212/09.7TTGMR.P1 e de 17- 06-2013 no proc. 422/12.4TTVNG.P1, todos in www.dgsi.pt).

                        Assim sendo, no caso em apreço, contrariamente ao defendido pela Autora, o facto de na decisão disciplinar constarem factos que não constavam da nota de culpa, não gera a invalidade ou nulidade do processo disciplinar, nem do relatório ou decisão final proferida, apenas tendo como consequência, caso se considere que se trata de factos novos a sua ineficácia e não atendibilidade dos mesmos para a formulação do juízo de existência de justa causa conducente à aplicação da concreta sanção disciplinar.

                        Contudo, no presente caso, pese embora da decisão final constem como provados factos que não estavam discriminados na nota de culpa, não pode considerar-se que se trate de factos novos sobre os quais a Autora não pôde exercer o contraditório e o seu direito de defesa.

                        Efectivamente, confrontando os factos que constam da nota de culpa com os constantes da decisão disciplinar que aplicou a sanção, verifica-se que os factos que constam da decisão disciplinar não constituem desconformidades com os factos que constavam da nota de culpa, apenas se encontrando os factos imputados à Autora mais detalhados e circunstanciados na decisão disciplinar, não se tratando de factos novos.

                        Efectivamente a única desconformidade que se poderia verificar foi a relativa ao comportamento imputado à arguida ocorrido no dia 23 de Abril de 2014, que na nota de culpa se refere terem ocorrido no dia 22 de Abril de 2014, sendo certo que como resultou provado nos autos, e se fez constar na decisão final os mesmos ocorreram efectivamente no dia 23 de Abril de 2014.

                        Assim, apenas existe uma desconformidade quanto à data de alguns comportamentos da Autora perante os seus superiores hierárquicos, tratando-se neste caso de um erro material quanto à data que constava da nota de culpa e não da invocação de factos novos, dos quais a Autora não se pôde defender.

                        Na verdade, a Autora no exercício da sua defesa, exerceu o contraditório relativamente à conduta que lhe vinha imputada em reunião tida com os seus superiores hierárquicos, independentemente de os mesmos terem ocorrido no dia 22 de Abril ou no dia seguinte 23 de Abril.

                        Efectivamente o que está em causa é a concreta conduta adoptada pela

Autora perante os seus superiores hierárquicos, conduta esta da qual a Autora se defendeu na resposta à nota de culpa e que veio a ser considerada como provada na decisão disciplinar, embora nesta conste um erro material quanto à data concreta em que tal conduta foi praticada.

                        Assim, não se vêm, na decisão disciplinar quaisquer factos novos, mas sim os mesmos factos que foram imputados à Autora na nota de culpa.

                        Ora, como se refere no Ac. da RL de 18-02-2004, in CJ, T.I, p. 155. “ (…) podem ser levados à decisão, sem que tal acarrete a nulidade do processo, factos

que constituem um ulterior desenvolvimento ou aclaramento, desde que tais factos se contenham na essência da nota de culpa.”

                        Também no Ac da RC de 27-05-1999, in CJ T. III p. 68 se refere que “As deficiências da nota de culpa, verificadas quanto aos factos que constituem a infracção disciplinar, não conduzem à nulidade do referido processo, se o trabalhador teve perfeita uma noção de tais factos e exercitou, com pleno conhecimento do circunstancialismo da infracção disciplinar, o seu direito de defesa.”

                        E, como se refere também no Ac. da RL de 29-03-1995, in CJ, T. II, p. 176, “O facto de na nota de culpa não constar exactamente a data em que se passaram os factos imputados ao trabalhador-arguido não implica nulidade insuprível do processo disciplinar se o trabalhador na sua resposta mostrou perfeito conhecimento de que factos se tratava e do momento em que eles teriam tido lugar.“

                        No caso em apreço, foi efectivamente o que ocorreu, porquanto os factos que constam da decisão final constituem um desenvolvimento dos factos que constavam da nota de culpa e contêm-se na essência desta, sendo que a Autora teve perfeita noção de tais factos e exercitou, com pleno conhecimento do circunstancialismo da infracção disciplinar, o seu direito de defesa, tendo perfeitamente conhecimento de que factos se tratava e do momento em que eles tiveram lugar.

                        Assim, resulta evidente que a menção na decisão disciplinar ao dia 22 de Abril de 2014 constitui um manifesto lapso ou erro material de escrita, lapso este que não prejudicou de forma alguma os direitos de defesa da trabalhadora, que teve oportunidade de se pronunciar sobre os factos que lhe vinham imputados, pelo que não existe qualquer invalidade decorrente da violação do princípio do contraditório.

                        Assim, terá que se concluir que no âmbito do processo disciplinar não foi cometida qualquer nulidade que determine a invalidade do procedimento, não se verificando qualquer das situações previstas no nº 2 do artº 382º do CT, nem o relatório e decisão final são nulos por violação do disposto no artº 357º do CT”.

                        Dispensando-nos de repetir as referências doutrinais e jurisprudenciais constantes do segmento transcrito da sentença, temos que, tal como se decidiu no Ac. deste Relação de 11/04/2013, no proc. 217/12.5TTLRA.C1, in www.dgsi.pt, como o mesmo relator e adjuntos e  também citado na decisão recorrida, só o procedimento disciplinar relativamente à acção disciplinar que conduza ao despedimento do trabalhador com invocação de justa causa é que se encontra especificamente regulado no Código do Trabalho (CT), nos seus artºs 352º a 358, o mesmo já não se verificando no que toca ao procedimento disciplinar (referido no artº 329º do CT) em que a sanção aplicada ao trabalhador não seja o despedimento.

                        Tal não significa, todavia, que na condução do procedimento disciplinar com vista à aplicação de outra sanção que não seja o despedimento não tenha a entidade empregadora de observar os requisitos que contendam com o direito de audição do trabalhador, com a salvaguarda do direito de defesa deste e com a observância do necessário contraditório, por forma a habilitar o trabalhador a conhecer, em toda a sua extensão e implicações, os factos que lhe são imputados.

                        Assim, impõe-se que, nestes casos, o procedimento obedeça a determinados formalismos, pois, como diz Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, I, 12.ª edição, pag. 268, a propósito das normas similares do CT de 2003 mas cujo ensinamento mantém plena actualidade à luz do CT de 2009, nada impede que, não havendo intenção de despedir, a tramitação seguida não coincida com a prevista para o procedimento com vista ao despedimento, mas “essa não coincidência apenas dirá respeito, como é evidente, aos passos não essenciais do processo,  o que vale por dizer, como diz aquele autor, que  se têm “como essenciais – isto é, condicionantes da validade do procedimento disciplinar –, a dedução de nota de culpa de que constem, concretamente, os factos imputados ao arguido, incluindo as «condições de modo, tempo e lugar em que ocorreram», e o envio dela ao trabalhador, bem como a audiência do arguido entendida como a oportunidade de se defender e produzir prova, documental ou não”.

                        E compreende-se que assim seja, uma vez que o cabal exercício do direito de defesa, com a amplitude referida, implica a forma escrita e pressupõe também uma acusação escrita - cfr. Ac. do STJ de 24/02/2010, in www.dgsi.pt.

                                Daí também que o artº 329º, nº 6, do CT prescreva que a “sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador”.
                        De modo  a salvaguardar o seu direito de defesa, deve ser concedido  ao trabalhador a faculdade, legalmente consagrada, de percepcionar, em toda a sua plenitude, os factos de que é acusado.
                        No caso em apreço, foi elaborada nota de culpa.
                        Dispõe o artº 353º do CT que a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, exigência que se prende com o exercício do direito de defesa do trabalhador e com o princípio da vinculação temática, este consagrado no artº 357º, nº 4, do mesmo CT, de acordo com o qual na decisão de despedimento não poderão ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade. O mesmo acontecerá, pelos fundamentos já explicados, quando tenha sido aplicada uma outra sanção, conservatória da relação laboral.
                        Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/05/1989 (BMJ, 387.º, 408), «o processo disciplinar, na medida em que se traduz no exercício de uma actividade do empregador contra o trabalhador, que pode desembocar no despedimento deste, põe em causa o direito fundamental de segurança do emprego, consagrado no art. 53.º da Constituição da República, inserto nos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Por isso, o processo disciplinar ter-se-á de submeter aos princípios da defesa e do contraditório, com o escopo de conferir aos trabalhadores a necessária e conveniente defesa daquele direito. Isto representa um postulado da tendência marcadamente social desse direito, o qual plenamente se justifica, pois estão em causa meios de realização pessoal do trabalhador, da sua sobrevivência e, quiçá, do seu agregado familiar”.

                        A necessidade de descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa, sendo que tal descrição deverá ser apta a dar a conhecer ao trabalhador os concretos comportamentos que justificam, segundo o empregador, a justa causa invocada. E, por isso e conquanto não exista uma fórmula típica para tal circunstanciação, se tem entendido que ela envolve, por regra, a necessidade de indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos. Não obstante, a imposição da circunstanciação temporal não é, todavia, absoluta, podendo não ter necessariamente que ocorrer se a restante factualidade constante da nota de culpa permitir ao trabalhador, de forma segura, conhecer e situar no tempo o concreto (e não genérico) comportamento que lhe é imputado e, assim, defender-se adequadamente. Se a acusação imputada estiver, em termos concretos e não genéricos, circunstanciada de modo a que permita ao trabalhador saber a que concreta situação se reporta o empregador, dá este cumprimento à exigência legal na medida em que não é posto em causa o exercício do direito de defesa, sendo  este o desiderato da norma.
                        A sanção não poderá ser motivada em factualidade que não haja sido imputada ao trabalhador na nota de culpa ou referida na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade. Isto sem prejuízo de na decisão disciplinar e na respetiva  acção judicial de impugnação o empregador poder alegar factos que sejam complementares ou explicativos dos imputados ao trabalhador na nota de culpa.
                        In casu, conforme se consta pelo teor da nota de culpa, à Autora foi imputada tão só a recusa, no dia 23 de Abril  de 2014, de cumprir a ordem de  efectuar a limpeza nos andares superiores das instalações da Ré.
                        Contudo, na decisão de aplicação da sanção–pontos 4, 7, 8, 9 e 10, refere-se que essa recusa se prolongou para além daquela data, tenho a Autora permanecido fardada na cozinha e sem executar tais tarefas.
                        E esta factualidade teve tradução nos pontos 26 a 28 da matéria de facto dada como provada na 1ª instância.

                        Parece-nos inequívoco que essa factualidade não foi vertida na nota de culpa, não podendo afirmar-se, como se faz na sentença, que se trata dos mesmos os factos imputados à Autora, mais detalhados e circunstanciados na decisão disciplinar, não se tratando de factos novos.

                        Esses factos não se contêm na essência da nota de culpa. Com efeito, uma coisa é imputar-se ao trabalhador um facto isolado, que é a recusa em prestar a sua actividade em determinado dia, outra completamente distinta é a acusação de um comportamento reiterado dessa desobediência, prolongando-se, no tempo, para além de tal data. A gravidade das duas situações é perfeitamente distinta, como nos parece manifesto.

                        Como resulta da resposta à nota de culpa, a Autora estruturou toda a sua defesa unicamente na contestação à qualificação, como desobediência,  por parte da Ré, dessa recusa da trabalhadora no dia 23 de Abril, não contendo qualquer menção à situação ocorrida após tal data.

                        Assim, não se pode afirmar que a Autora teve perfeita noção de tais factos e exercitou, com pleno conhecimento do circunstancialismo da infracção disciplinar, o seu direito de defesa, tendo perfeitamente conhecimento de que factos se tratava e do momento em que eles tiveram lugar.

                        Sobre os mesmos factos a Autora não pôde exercer o contraditório e o seu direito de defesa.
                        Como tal, não poderia a Ré- empregadora ter tido em conta, para a escolha da sanção disciplinar, essa factualidade ocorrida após 23 de Abril de 2014, e não pode o tribunal valorá-la para efeitos de apreciação da adequação desse mesma sanção ao comportamento infraccional ocorrido.
                        - a segunda questão - licitude ou ilicitude da sanção disciplinar aplicada à Autora:

                        Trata-se, no fundo, de saber se  as ordens e instruções que  foram dadas à Autora eram lícitas e se não eram contrárias aos seus direitos e garantias.

                        Nesta parte sufragamos inteiramente a argumentação vertida na sentença recorrida:

                        “No caso em apreço, como resultou provado nos autos a Autora desde que foi contratada pela Ré exerce as funções inerentes à categoria de cozinheira de 2ª, pelo que em conformidade com o disposto na supra referida al. e) a Ré está proibida de mudar a mesma para categoria inferior, salvo nos casos expressamente previstos no CT, estando tal situação expressamente prevista no artº 119º do CT.

                        Contudo, no caso em apreço, como resulta dos factos provados, e contrariamente ao referido pela Autora, a Ré não procedeu a qualquer mudança de categoria da Autora para uma categoria inferior, mantendo a categoria de cozinheira de 2ª da Autora, mantendo também a respectiva retribuição, apenas tendo procedido a uma situação enquadrável no conceito de mobilidade funcional prevista no artº 120º do CT.

                        Ora, no que concerne à mobilidade funcional, estabelece o referido artº 120º do CT que

                        “1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.

                        2- As partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.

                        3- A ordem de alteração deve ser justificada, mencionando se for caso disso o acordo a que se refere o número anterior, e indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos.

                        4- O disposto no n.º 1 não pode implicar diminuição da retribuição, tendo o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas.

                        5- Salvo disposição em contrário, o trabalhador não adquire a categoria correspondente às funções temporariamente exercidas.

                        6- O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. (…)”

                        Ora, a mobilidade funcional, ou jus variandi consiste no poder conferido ao empregador de impor ao trabalhador a realização de tarefas que não estejam compreendidas na actividade contratada, situação que ocorre no caso em apreço, porquanto a Ré impôs à Autora a realização de tarefas inerentes à categoria de auxiliar, designadamente tarefas de limpeza, tarefas estas não compreendidas nas funções inerentes à categoria de cozinheira para a qual a Autora foi contratada.

                        Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2ª ed. p. 397 “(…) o jus variandi é o direito que assiste ao empregador de, temporariamente, exigir ao trabalhador o desempenho de funções não compreendidas na actividade laboral, tal como foi definida (…), trata-se de permitir ao empregador que, unilateralmente, introduza uma modificação no objecto do contrato, o que constitui um desvio ao princípio da invariabilidade da função e, genericamente, ao princípio do cumprimento pontual dos contratos (artº 406º, nº 1 do CC)”

                        Assim, cumpre apreciar se estão preenchidos os requisitos para que a Ré pudesse fazer uso do seu poder de recorrer à mobilidade funcional.

                        Antes de mais cumpre referir que a mobilidade funcional não se mostra afastada, antes prevista, no instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável à relação laboral existente entre autora e Ré.

                        Efectivamente, como consta dos factos provados e é aceite por ambas as partes, à relação laboral em causa é aplicável o CCT celebrado entre a APHP e a FESAHT, publicado no BTE nº 15 de 22/04/2010, o qual prevê a possibilidade de recurso à mobilidade funcional na sua cláusula 15ª dispondo que

                        “1- O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.

                        2- A ordem de alteração deve ser justificada e deve indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos.

                        3- O trabalhador tem direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções temporariamente exercidas, não adquirindo, contudo, quando retomar as funções compreendidas na actividade contratada, a categoria nem qualquer outro direito inerente ao estatuto correspondente às funções que exerceu temporariamente, salvo se ultrapassar os dois anos.”

                        Ora, no caso em apreço, sendo possível o recurso à mobilidade funcional e dado que conforme comunicação feita pela Ré à Autora a mesma tinha a duração previsível de dois anos, tendo sido comunicada e com invocação dos respectivos fundamentos à Autora, mantendo-se a retribuição que a mesma auferia, mostrando-se preenchidos os requisitos formais legalmente consagrados, cumpre apurar se estão preenchidos os requisitos substanciais para recurso lícito a tal mobilidade.

                        Para que seja lícito o recurso à mobilidade funcional o legislador impôs um conjunto de requisitos que terão de verificar-se em concreto.

                        Assim, é necessário que o interesse da empresa o exija, que seja uma situação transitória, que se trate de funções não compreendidas na actividade contratada e a inexistência de modificação substancial da posição do trabalhador.

                        No que concerne ao requisito do interesse da empresa, é necessário que tal interessa assuma um carácter objectivo, associado a ocorrências ou situações anómalas na vida da empresa, sendo o resultado de uma ponderação global e equilibrado da posição jurídica das partes, designadamente os direitos e garantias dos trabalhadores, associada à necessidade, quase sempre imprevisível, de garantir a viabilidade da empresa. (cfr. neste sentido Paula Quintas e Helder Quintas, in obra supra referida pág. 297).

                        Quanto ao requisito de transitoriedade, por se tratar de uma situação extraordinária, o carácter temporário das funções impostas ao trabalhador, tem de ser susceptível de objectivação pelas características de cada situação concreta, tendo que se estar perante tarefas necessárias e extraordinárias relativamente aos padrões de funcionamento da empresa.

                        Terá também que se estar perante tarefas que não estejam compreendidas na actividade contratada, caso contrário não se estaria perante qualquer mobilidade, sendo impostas ao trabalhador uma actividade não compreendida no objecto do contrato.

                        No que concerne à inexistência de modificação substancial da posição do trabalhador, este requisito significa desde logo, que o trabalhador não pode ser, pelo exercício do direito de variação colocado numa situação hierárquica injustamente penosa, como refere Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 14ª ed. p. 226.

                        Na verdade, como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, in obra supra citada, p. 400 este último requisito “(…) é o requisito mais difícil de concretizar e aquele que tem colocado mais problemas de interpretação, o que se deve desde logo à sua formulação equívoca (a expressão «alteração substancial» faz apelo a um juízo excessivamente subjectivo do intérprete), mas também à dificuldade de o destrinçar do requisito da «não desvalorização profissional» do trabalhador (…).

                        No entanto, como refere tal Autora a maioria dos Autores subscreve o critério de que haverá uma modificação substancial da posição do trabalhador sempre que, com a variação da sua função, ele seja colocado numa situação injustamente penosa, isto é, uma situação vexatória ou atentatória da sua dignidade ( o que é independente da categoria a que formalmente corresponda a actividade solicitada).

                        Assim, e como refere Monteiro Fernandes in obra e local supra citados, “(…) não basta, para se verificar “modificação substancial”, que as tarefas temporariamente exigidas correspondam a categoria inferior: como se verá a lei admite a variação in peius. É necessário que o desnível hierárquico se mostre susceptível de provocar desprestígio ou afectar a dignidade profissional do trabalhador. (…) A “modificação substancial” existe, por conseguinte, sobretudo, quando se não verifique qualquer afinidade entre as tarefas temporariamente cometidas e as que definem a categoria do trabalhador.”

                        Assim e como defende Maria do Rosário Palma Ramalho, in obra e local supra citados “(…) este requisito deve ser articulado pela conjugação de dois critérios : um da afinidade mínima das funções em questão; e um critério de estado de necessidade. O critério da afinidade mínima das funções permite afastar a possibilidade de recurso ao jus variandi quando a função exigida pelo empregador não tenha qualquer conexão com a função habitual do trabalhador. (…) O critério do estado de necessidade permite ponderar em conjunto o interesse objectivo da empresa, que tem que fundamentar o jus variandi, e o grau de sacrifício que decorre da variação para o trabalhador. Assim, o interesse objectivo de gestão, que justifica o jus variandi, pode configurar-se como uma situação de necessidade, que permite a violação de um direito alheio ( no caso, o direito do trabalhador à invariabilidade da prestação) para prossecução de um interesse superior ( no caso, o interesse de evitar os prejuízos que possam advir para o empregador de não proceder à variação); com esta configuração, a medida admissível do sacrifício imposto ao trabalhador deve ser proporcional ao prejuízo previsível para o empregador, admitindo-se uma variação mais significativa da função quando a necessidade do empregador seja mais grave ou mais urgente.”

                        Na jurisprudência também se tem consolidado tal orientação doutrinal, referindo-se no Ac. Da RP de 05-11-2012 no proc. 369/11.1TTVNF.P1, in www.dgsi.pt que “O regime da mobilidade funcional consta do art. 120º do CT/2009, essencialmente idêntico ao art. 314º do anterior CT/2003. O trabalhador deve exercer as funções para que foi contratado (art.118º, nº 1, CT/2009), funções que determinam a correspondência a uma categoria profissional. Detendo o trabalhador, seja por via da atividade contratada ou da progressão na carreira, determinada categoria profissional não lhe é, por regra, exigível o cumprimento de outras funções, não compreendidas na atividade contratada ou compreendidas em diferente categoria profissional, muito menos funções enquadráveis em categoria inferior (nem é, também, permitida a mudança para categoria profissional inferior, salvo em caso de acordo e com fundamento em necessidade premente da empresa ou do trabalhador conforme o dispõe o art. 119º do CT/2009). A tutela ou a regra geral da coincidência entre a atividade para que foi contratado, a categoria profissional e as funções a exercer pode, todavia, sofrer a restrição prevista no art. 120º do CT/2009, designada de mobilidade funcional, nos termos da qual, desde que verificados os requisitos previstos na norma, o empregador poderá exigir do trabalhador o exercício temporário de funções não compreendidas naquelas. (…) Os pressupostos legais do recurso à mobilidade funcional, são pois: 1º - Ausência de estipulação em contrário (que fixe dentro dos limites do objeto do contrato os serviços exigíveis ao trabalhador). 2º - Carácter temporário do exercício das novas funções (pois, caso contrário, tratar-se-ia de uma mudança de categoria). 3º - Existência de interesse sério da empresa (interesse de carácter objetivo, ligado às ocorrências ou situações anómalas na vida da empresa, o que não é confundível com as conveniências do empregador). 4º - Não modificação substancial da posição do trabalhador (o trabalhador não pode ficar colocado numa situação hierárquica injustamente penosa, que lhe provoque desprestígio ou que afete a sua dignidade profissional). 5º - Tratamento mais favorável (designadamente em termos remuneratórios, que corresponda às nova tarefas).“ Aí se refere também que é ilegítima a alteração das funções próprias da atividade contratada ou a que o trabalhador ascendeu se essa alteração não corresponder a um interesse da empresa, se não tiver natureza temporária (ou não se provar que o tivesse) e se não for comunicada ao trabalhador a duração dessa alteração. (cfr. no mesmo sentido Ac. Da RP de 08-02-2010 no proc. 276/07.2TTOAZ.P1 in www.dgsi.pt)

                        Debruçando-nos agora no caso em apreço, resulta claro que não existiu

qualquer acordo da Autora para a pretendida mobilidade funcional, assim, a legitimidade da ordem terá que ser aferida atentos os requisitos supra referidos para legitimar a mobilidade funcional, isto é, apurar se tal mobilidade é exigida pelos interesses da Ré e se a mesma não implica modificação substancial da posição da trabalhador/Autora, uma vez que os restantes requisitos de transitoriedade e de estarmos perante tarefas não compreendidas na categoria da Autora se mostram preenchidos.

                        Como se refere no Ac. da RP de 20-12-2011, no proc. 913/10.0TTMTS.P1 “ Na apreciação dos pressupostos do recurso à mobilidade funcional previstos no artº 120º do CT/2009, compete ao tribunal verificar a veracidade dos fundamentos invocados pelo empregador para a sustentar; se eles correspondem a um interesse objectivo da empresa; e se, face ao referido, tal motivação justifica a alteração temporária das funções do trabalhador”.

                        No caso, a Autora detinha a categoria profissional, e exercia as funções correspondentes, de cozinheira de 2ª, funções essas que exercia desde que foi admitida ao serviço da Ré, em Março de 1982 sendo que a Ré, após conversações, por carta datada de 12.03-2014, lhe determinou que, a partir de 24 de Março de 2014, passasse também a exercer funções de pessoal auxiliar informando-a dos fundamentos de tal modificação e que se tratava de uma situação transitória pelo período de dois anos.

                        Tal mobilidade foi justificada pelo facto de a cozinha onde eram confeccionadas e preparadas as refeições ter sido encerrada, provocando alguma inactividade da Autora, prevendo-se a sua reabertura depois de concluídas as obras que a Ré está a levar a cabo, invocando-se ainda que algumas tarefas de limpeza já se incluíam nas tarefas que a Autora vinha desenvolvendo, necessitando a Ré de pessoas que exerçam tais tarefas, pelo que durante as obras existe um interesse económico da Ré nessa mobilidade, a qual não acarreta uma alteração substancial da posição da Autora.

                        Ora, dos factos dados como provados verifica-se que a Ré logrou comprovar os fundamentos por si invocados para proceder à mobilidade funcional da Autora, porquanto a cozinha onde a Autora exercia funções foi encerrada por carecer de condições de funcionamento estando a Ré a proceder a obras nas quais está incluída uma nova cozinha que cumprirá as exigências legais, obras essas cuja previsão de realização é de 2 anos.

                        Resulta ainda dos factos provados que em face do encerramento da cozinha teve que ser contratada uma empresa que fornece as refeições, sendo que apenas algumas delas são aquecidas e empratadas na cozinha, o que gera alguns períodos de inactividade da Autora.

                        Assim resulta claro dos factos provados a existência de um interesse sério e objectivo da Ré, no âmbito da sua estrutura organizativa, a mobilidade funcional da Autora, sendo certo que a mesma mantinha algumas das tarefas que já vinha fazendo, acrescendo às mesmas apenas a limpeza dos quartos casas de banho e corredores dos pisos do estabelecimento da Ré, pelo que se verifica preenchido o requisito do interesse sério da empresa Ré que justifica a mobilidade funcional.

                        Por outro lado, também terá que se concluir dos factos provados que não ocorre uma alteração substancial da posição da Autora, não ficando esta numa situação hierárquica injustamente penosa. Na verdade, existe alguma conexão entre as funções que já eram exercidas pela Autora, que procedia já à limpeza da cozinha e seus anexos, com as novas funções que lhe foram atribuídas de limpeza de quartos, casas de banho e corredores, as quais não são de especial complexidade, nem exigem formação específica, podendo-se concluir que lhe foram atribuídas funções que não modificam, substancialmente, a posição da Autora, não implicando as mesmas uma degradação profissional desta, nem afectando o seu prestígio e dignidade profissionais. Mostram-se, pois verificados os critérios de afinidade de funções e de estado de necessidade da Ré que legitima a violação transitória do direito da Autora de invariabilidade das suas funções.

                        Assim, no caso em apreço e perante os factos dados como provados terá que se concluir que se mostram preenchidos os requisitos legais para a mobilidade funcional da Autora, e como tal que as ordens e instruções que lhe foram dadas pelos seus superiores hierárquicos eram legítimas e por tal facto a Autora devia-lhes obediência.

                        Assim, à Autora incumbia proceder às tarefas que legitimamente lhe foram impostas pela Ré, através dos seus superiores hierárquicos.

                        Do exposto resulta que, efectivamente, com o seu comportamento de recusa de proceder às tarefas e instruções que lhe foram impostas, a Autora violou o dever de obediência às ordens emanadas pelo seu superior hierárquico.

                        Assim, no caso em apreço com a sua conduta, a Autora violou os seus deveres laborais, estando por isso a Ré enquanto empregadora legitimada para aplicar à mesma uma sanção disciplinar”.

            O legislador acolheu o princípio da correspondência entre a actividade exercida e a categoria do trabalhador (artº 118º do Código do Trabalho), mas o artº 120º do Código do Trabalho, sob a epígrafe mobilidade funcional, dispõe que o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador (nem podendo implicar diminuição da retribuição mas beneficiando o trabalhador das vantagens decorrentes dessa actividade temporariamente desempenhada, e devendo a ordem de alteração ser justificada, com indicação do tempo previsível).

            Ou seja, as funções integradas na categoria contratual devem manter-se como actividade principal do trabalhador, sendo as derrogações a este princípio apenas admissíveis desde que se verifiquem cumulativamente os requisitos estabelecidos no referido artº 120º do Código do Trabalho.

            Isto sem esquecer que há naturalmente mutações da realidade (por exemplo do modo de trabalhar ou evolução da empresa) e um normal desenvolvimento da relação de trabalho que se repercutem no conteúdo da prestação de trabalho- cfr. Ac. desta Relação de Coimbra de 16/02/2012, in www.dgsi.pt.

            Devidamente e exaustivamente caracterizada pela sentença, em termos de referências doutrinais e jurisprudenciais, a mobilidade funcional, que foi invocada pela Ré para ordenar o desempenho das novas tarefas pela Autora, temos que ficou perfeitamente demonstrada a necessidade da Ré, o seu interesse objectivo e relevante- a cozinha foi temporariamente encerrada, por motivos de obras; no projecto de ampliação das instalações incluiu-se a construção de novas cozinhas, como novos equipamentos e capaz de dar resposta aos exigentes padrões hospitalares, com duração determinada- 2 anos; a  decisão de encerrar as cozinhas foi perfeitamente justificada pela circunstância de  ter deixado de reunir as condições técnicas e higiene-sanitárias exigíveis a um estabelecimento de saúde; por tal motivo a Ré teve de concessionar a elaboração das refeições a uma entidade especializada do ramo, a empresa D..., que fornece a maioria dos hospitais portugueses; sendo consequência adequada de tais circunstâncias uma menor actividade da Autora - a Ré deixou de comprar os vários géneros alimentícios que eram necessários e depois processava nas suas cozinhas, nomeadamente com intervenção da Autora e colegas; a Autora e demais cozinheiras ficaram com o seu tempo de ocupação reduzido, sendo que as tarefas que careciam de 4 cozinheiras para ser realizadas, podem agora ser realizadas apenas por duas, uma vez que as refeições vêm confecionadas do exterior, carecendo apenas de serem levadas ao micro-ondas e distribuídas pelos vários serviços em tabuleiros; e o manuseamento, preparação e elaboração dos vários géneros alimentícios ocupava mais de metade do tempo de trabalho da Autora e cozinheiros.

                        Aparece, assim, como justificada a alteração temporária das funções da trabalhadora, que passaram a ser as de tarefas de limpeza dos quartos, casa de banho e corredores dos pisos dos andares superiores do estabelecimento da Ré.

                        Tais tarefas, contrariamente ao invocado pela recorrente, não se apresentavam como objectivamente penosas para  a Autora, não denotavam necessidade de um esforço não exigível à mesma, atenta a sua relativa simplicidade, nem punham em causa a sua dignidade pessoal, desvalorizando-a profissionalmente e implicando uma modificação substancial da sua posição. Tanto mais que já fazia parte das suas funções, na cozinha, o cuidar da limpeza das bancadas, a limpeza do chão, das paredes, das bancas e das pias, tarefas não muito diferentes das que temporariamente a Ré pretendia que efectuassem, e que efetivamente despenharam no período de 24 de Março a 22 de Abril de 2014.
                        E não poderia pretender a Autora permanecer, enquanto durassem as obras na cozinha, em significativa inactividade parcial, com base na simples invocação das suas funções de cozinheira.
                        Daí dever concluir-se ser legítima a ordem dada pela Ré, e a que a Autora desobedeceu.
                        - a terceira questão-  saber se a sanção aplicada se mostra adequada à infracção e tem a natureza de sanção abusiva:

                        Importa, antes de mais, referir que, como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª ed. atualizada, pág. 643, os poderes públicos não devem substituir-se ao empregador no exercício do seu poder disciplinar, “o que tem como consequência a inadmissibilidade da amnistia pública das sanções disciplinares”. Por outro lado, como acrescenta a mesma autora, é essa visão que “justifica ainda que, em sede de impugnação contenciosa da sanção aplicada, o tribunal não possa substituir a sanção que considerou indevidamente aplicada a um trabalhador, por outra sanção que julgue, porventura, mais adequada (neste sentido também cfr. Maria Adelaide Domingos, Poder e Procedimento Disciplinar no Código do Trabalho, in Centro de Estudos Judiciários (coord), A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra, 2004, pág.485), sob pena, em qualquer caso, de interferir com os poderes de gestão do próprio empregador.

                        De modo que se deve considerar que o tribunal não pode, em caso algum, alterar a sanção disciplinar impugnada. Só pode controlar a legalidade da mesma.

                        Será isso que passaremos a fazer.

                        Como já tivemos oportunidade de referir, a atitude da Autora é merecedora de censura disciplinar. Mas esta veio invocar a desproporcionalidade da sanção que lhe foi aplicada.

                        Como se escreveu no Ac. da Rel. do Porto de 10/07/2013, in www.dgsi.pt, a proporcionalidade apresenta-se como princípio e critério norteador do exercício da acção disciplinar em sede laboral. Proporcionalidade entre, por um lado, a gravidade da infração, aferida em si mesma, nas suas consequências e na conduta culposa que a originou, e, por outro, a concreta sanção disciplinar aplicada (artº 330º, nº1 do CT). Ambos os polos devem estar em equilíbrio, pois que só desse modo se pode falar de uma sanção justa.

                        O empregador, assim, enquanto decisor, deve “observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infraccional, avaliada em si e nas suas consequências, e ao grau de culpa do infrator, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/’bonus paterfamilias’ e reportadas ao quadro atendível na apreciação da justa causa prefigurado no n.º 3 do (…) artº 351.º”- Ac. STJ de 08/01/2013, Pº447/10.4TTVNF.P1.S1, in www.dgsi.pt.

                        Também se nos afigura que não poderá deixar de  se ter em conta o passado disciplinar do trabalhador sancionado.

                        No caso em apreço, a Ré aplicou à Autora a sanção de 20 dias de suspensão com perda de retribuição.

                        Já vimos que, por mor de se não ter incluído na nota de culpa, enquanto instrumento de registo escrito dos factos imputados à trabalhadora, um comportamento reiterado de desobediência às ordens legítimas da Ré, apenas se pode ter em conta o acto, isolado, de desobediência do dia 23 de Abril de 2014, apresentando-se o ilícito disciplinar como claramente mitigado em relação àquele que a Ré lhe imputou.

                        Assentando a gravidade qualificada pela Ré nessa conduta reiterada, desde logo se verifica que ela aparece como claramente atenuada, por os pressupostos fácticos serem substancialmente diferentes.

                        Por outro lado, ficou provado que a Autora, com uma antiguidade de 32 anos, é uma trabalhadora zelosa, competente e diligente, nunca foi anteriormente punida disciplinarmente, não tendo antecedentes disciplinares, sendo pessoa séria, íntegra e educada.

                        Assim, a sanção aplicada mostra-se claramente excessiva, logo desproporcionada, devendo a Ré ter lançado mão de uma sanção mais leve, que punisse adequadamente aquele acto isolado de desobediência.

                        O que acarreta, dado que, como vimos, o tribunal se não pode substituir à empregadora, a anulação da sanção aplicada.

                        E, posto isto, a questão que se põe é a de saber se essa sanção se deve considerar também como abusiva, como pretende a Autora – apelante.

                        O nº 1 do artº 331º do CT deste artigo contêm o elenco, taxativo, das situações em que se deve considerar abusiva a sanção disciplinar:

                         “1 – Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:

                        a) Ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho;

                        b) Se recusar a cumprir ordem a que não deva obediência, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 128.º;

                        c) Exercer ou candidatar-se ao exercício de funções em estrutura de representação colectiva dos trabalhadores;

                        d) Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos ou garantias”.

                   Escreve Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, pags. 755-756 que “O princípio da boa fé apresenta-se aqui sob a sua dupla faceta de tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente. (...) A primazia da materialidade subjacente veda a utilização do processo disciplinar para quaisquer outros fins que não aqueles para que a lei o estabelece: o apuramento duma efectiva infracção disciplinar e a sua punição. Justamente este ponto dá lugar a delicados conflitos de interesses: o empregador pode usar o poder disciplinar para retaliar contra trabalhadores incómodos ou para os desincentivar no exercício das suas posições sindicais. A lei especificou, assim, a categoria das sanções abusivas, que mais não são do que um afloramento desta regra geral.

                        Conforme se decidiu no Ac. da Rel. do Porto de 23/4/2012, disponível em www.dgsi.pt, o abuso implica a conjugação entre dois elementos:

                        - um elemento objectivo, traduzido no facto de, a uma determinada actuação do trabalhador em defesa dos seus direitos, se seguir um procedimento disciplinar;
                        - um elemento subjectivo, consistente no facto de, com o procedimento disciplinar, a entidade empregadora visar responder ao exercício, pelo trabalhador, das suas posições.    
                        Exige-se, também, uma relação directa de causa /efeito entre uma situação enquadrável numa das 4 alíneas desse nº 1 do artº 335º e a sanção aplicada.
                        No Ac. do STJ de 5/12/2001, in Ac. Doutrinais, 487º, 1068, decidiu-se, em termos que mantêm plena actualidade, que a ratio legis do carácter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de  a verdadeira razão da aplicação da sanção disciplinar se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador. Inexistindo ilicitude da conduta disciplinarmente punida, ou, acrescentamos nós, invalidade do procedimento disciplinar, a sanção aplicada ao trabalhador mostra-se ilegal, mas não abusiva, quando não está demonstrado que, subjacente ao exercício do poder disciplinar, se encontrava uma medida de retaliação da entidade empregadora face ao exercício de direitos por parte do trabalhador.
                        E tal medida não se encontra demonstrada nos presentes autos.

            Por outro lado, dispõe o artº 331º nºs 1, al. b) e 2, al. a), do CT/2009 que se considera abusiva a sanção disciplinar motivada pela recusa do trabalhador a cumprir ordem a que não deva obediência e que se presume abusiva a sanção aplicada alegadamente para punir uma infração quando tenha lugar até seis meses após o mencionado facto.

                        Para que opere a presunção decorrente desse nº 2, al. a), do citado preceito, como referência à al. b) do nº1 , é necessário que: i) se verifique a ilegitimidade da ordem dada ao trabalhador, não lhe devendo, portanto, o mesmo obediência; ii) a sanção tenha sido aplicada nos seis meses anteriores à data da reclamação.

                        O ónus de alegação e prova de tais pressupostos cabe ao trabalhador e, uma vez demonstrados, a lei presume que a aplicação da sanção tem natureza abusiva, passando então a caber ao empregador fazer a prova do contrário (arts. 344º, nº 1, e 350º, nº 2, do Cód. Civil).
                        Na situação dos autos, e como já explanámos e a sentença argumentou, com exaustiva fundamentação, a Autora estava obrigada a cumprir a ordem que lhe tinha sido dada, sendo o seu não acatamento ilegítimo, pelo que desde logo falha o pressuposto daquele item i), não funcionando a presunção.
                        Assim, não se verificando a o carácter abusivo da sanção, a Autora apenas terá direito à restituição da retribuição correspondente aos 20 dias de suspensão do trabalho, no montante de € 503,00 – facto nº 9.
                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se  a sanção aplicada, indo a Ré condenada a pagar à Autora, em consequência dessa anulação, a quantia de € 503,00, acrescida dos juros moratórios à taxa legal a partir de 28 de Julho de 2014 até efectivo e integral pagamento.

                        Em tudo o mais vai a Ré absolvida do pedido.

                        Custas, em ambas as instâncias, na proporção de vencidos.

                                                          

                                                                      

                                                                       (Ramalho Pinto - Relator)

                       

                                                                     (Azevedo Mendes)

                       

                                                               (Joaquim José Felizardo Paiva)