Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
250/13.0TTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: TEMPO DE TRABALHO
TEMPO DE DESCANSO
TRABALHO SUPLEMENTAR
VIAGENS DO TRABALHADOR NOS DIAS DE DESCANSO DE E PARA O LOCAL DE TRABALHO
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 03/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 197º, 199º, 226º, NºS 1, 2 E 3, 268º, Nº 2, E 394º DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009.
Sumário: I – A linha de fronteira entre o ‘tempo de trabalho’ e o ‘tempo de descanso’ situa-se naquele momento em que o trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada.

II – É trabalho suplementar o tempo despendido em viagens entre Portugal e Espanha e vice-versa durante os dias de descanso do trabalhador, em carrinha da empregadora, nas condições de tempo e lugar por esta determinadas e com ligação à prestação do trabalho.

III – O não pagamento da retribuição relativa à cláusula 74ª/7 nos montantes legais do integral subsídio de férias e do trabalho suplementar prestado em dias de descanso, durante cerca de 3 anos e oito meses, sem reclamação do trabalhador e sem estar em causa a sobrevivência ou satisfação das necessidades do trabalhador e do seu agregado familiar, não torna impossível a manutenção da relação laboral, pelo que não se verifica justa causa de resolução do contrato de trabalho, com fundamento na omissão de pagamento de tais créditos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

           A... intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B..., Ldª, C..., Ldª e D..., Ldª, todos com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo que as RR. sejam solidariamente condenadas a pagarem ao A. a quantia de € 23.486,07, acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, a contar de 30/09/2013 e até integral pagamento, abatendo-se, no entanto às 2ª e 3ª RR, os créditos vencidos nos últimos três meses.

            Alegou sucintamente que exerce as funções de motorista de transporte internacional rodoviário de mercadorias, tendo celebrado para o efeito um contrato de trabalho com a 1ª R.. Mantendo, porém, as RR. uma relação de grupo, foram celebrados acordos de cedência ocasional com as 2º e 3ª RR., respondendo, por isso, as três sociedades, solidariamente, pelo pagamento dos créditos do A. vencidos durante todo o tempo do contrato e até três meses antes da sua cessação, sendo a 1ª R. responsável pelos créditos vencidos nos últimos três meses de vigência da relação laboral.

            Reclama créditos relativos a diferenças salariais, alimentos e trabalho prestado em dias de descanso.

            Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação.

            As RR. contestaram, invocando que o regime remuneratório aplicado era do conhecimento e foi aceite pelo A., nada mais lhe sendo devido, referindo, ainda, que o A. não tinha justa causa para rescindir o contrato, pelo que se encontra obrigado a indemnizar a 1ª R. em dois meses de salário base, acrescido das diuturnidades, crédito esse que deve ser compensado com o valor em dívida ao A..

            O A. respondeu afirmando que resolveu o contrato com justa causa, pelo que nenhuma indemnização é devida à 1ª R..

            Atenta a simplicidade da causa, foi dispensada a realização da audiência prévia, bem como a enunciação dos temas de prova.

            Procedeu-se ao saneamento do processo.

            Fixou-se à ação, o valor de € 23.486,07.

            Após a realização da audiência final, foi proferida a sentença, cujo dispositivo se transcreve:

            «Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência, decido: 

            1. Julgar lícita a resolução do contrato de trabalho por parte do A.;

            2. Condenar solidariamente as Rés a pagar ao A.:

            a) A indemnização por antiguidade de € 1.557,6€;

            b) As diferenças salariais respeitantes à cl.ª 74.º/7, ao prémio TIR, à cl.ª 47.º-A do CCT, à cláusula 41º, n.º 1 e 6 e à Clausula 20ª, no montante global de 15.995,93;

            c) A título de vencimentos, diferenças salariais, subsídios de férias e Natal e diuturnidades, a quantia global de 4.573,69€;

            O que tudo perfaz o montante global de 22.127,22€, sendo que pelos créditos vencidos a partir de 1 de Julho de 2013 é apenas responsável a 1ª ré “ B... , Lda.”, nos termos acima explanados.

            f) Condenar as rés a pagar juros legais sobre tais quantias devidos a partir de 30.09.2013 e até integral pagamento.

            3. Absolver as ré do demais peticionado.»

            Não se conformando com esta decisão, vieram as RR. Interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

            […]

            Contra-alegou o A., concluindo a final:

            […]

            O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

            Tendo os autos subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

            O Exmº Procurador-Geral Adjunto, propugnou pela improcedência do recurso.

            Não foi oferecida resposta a tal parecer.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

            II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:

            1ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

            2ª Inexistência da prestação de trabalho suplementar e incorreto cálculo do mesmo;

            3ª Créditos salariais sentenciados que não são devidos;

            4ª Inexistência de justa causa de resolução do contrato e consequências ao nível da indemnização sentenciada.


*

            III. Matéria de Facto

O tribunal de 1ª instância deu como provados, os seguintes factos:

[…]


*

            IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

            […]


*

            V. Trabalho suplementar

            Invocam as recorrentes que o tempo despendido pelo recorrido nas suas deslocações entre Portugal e Espanha e vice-versa, não pode ser considerado trabalho suplementar e, muito menos, pode ser pago com o acréscimo de 200%, concluindo, a final, que a sentença deve ser revogada quanto a esta matéria e as recorrentes absolvidas do pagamento da importância relativa ao trabalho suplementar prestado em fins-de-semana.

            Principiemos por apreciar se o tempo despedindo nas referidas deslocações aos fins de semana deve ou não se considerado trabalho suplementar.

            De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 226º do Código do Trabalho: “[c]onsidera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho”.

            E prossegue o normativo:

            « 2 - No caso em que o acordo sobre isenção de horário de trabalho tenha limitado a prestação deste a um determinado período de trabalho, diário ou semanal, considera-se trabalho suplementar o que exceda esse período.

            3-Não se compreende na noção de trabalho suplementar:

a) O prestado por trabalhador isento de horário de trabalho em dia normal de trabalho, sem prejuízo do disposto no número anterior;

b) O prestado para compensar suspensão de atividade, independentemente da sua causa, de duração não superior a quarenta e oito horas, seguidas ou interpoladas por um dia de descanso ou feriado, mediante acordo entre o empregador e o trabalhador;

c)A tolerância de quinze minutos prevista no n.º 3 do artigo 203.º;
d) A formação profissional realizada fora do horário de trabalho que não exceda duas horas diárias;
e) O trabalho prestado nas condições previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 257.º;
f) O trabalho prestado para compensação de períodos de ausência ao trabalho, efetuada por iniciativa do trabalhador, desde que uma e outra tenham o acordo do empregador.

g) O trabalho prestado para compensar encerramento para férias previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 242.º, por decisão do empregador.»

            Por força do preceituado no artigo 268º, nº2 do mencionado compêndio legal, apenas é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.

            O instrumento de regulamentação coletiva aplicável à relação laboral sub judice importa a mesma noção de trabalho suplementar consagrada na lei geral (cláusula 18ª do CCT convencionado entre a ANTRAM e a FESTRU, mencionado na decisão recorrida).

            Compete àquele que reclamar o direito ao pagamento do trabalho suplementar alegar e provar que exerceu as suas funções para a entidade empregadora, fora do seu horário de trabalho e que tais funções foram exercidas mediante prévia e expressa determinação da entidade empregadora ou com o consentimento desta, (cfr., a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/02/2013, P. 2375/08.4TLSB.L1.S1, de 03/04/2013, P. 241/08.2TLSB.L1.S1, de 17/12/2014, P.13641.6TTCBR.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).

            Na concreta situação dos autos, ficou demonstrado que o horário de trabalho do recorrido era de 40 horas semanais, distribuídas por 8 horas diárias de trabalho de 2ª a 6ª feira, sendo os sábados e os domingos os dias de descanso complementar e obrigatório, respetivamente.

            Sucede que o local de trabalho do A./recorrido era em San Roman, iniciando o A. as suas funções de motorista dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias a partir dessa localidade.

            Contudo, vinha passar os fins de semana a casa, em Portugal, sendo transportado, pela R. juntamente com outros motoristas, numa carrinha de 9 lugares, desde a base que a empresa possuía em Vitória (Espanha) até Castelo Branco e vice-versa, nas circunstâncias e condições descritas nos pontos factuais 36 a 42, que originavam que parte do tempo de descanso do A. era passado em viagem.

            Poderá este o tempo despedindo em viagem, em sábados e domingos, ser considerado trabalho suplementar?

            O tribunal a quo entendeu que sim e esta decisão não nos merece censura.

            Expliquemos porquê!

            A conceptualização da realidade descrita como integrando o conceito jurídico de trabalho suplementar parte essencialmente da dicotomia entre “tempo de trabalho” e “tempo de descanso”.

            De harmonia com o disposto no artigo 197º, do Código do Trabalho, considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as seguintes interrupções e intervalos:

            a) A interrupção de trabalho como tal considerada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, em regulamento interno de empresa ou resultante de uso da empresa;

            b) A interrupção ocasional do período de trabalho diário inerente à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador ou resultante de consentimento do empregador;

            c) A interrupção de trabalho por motivos técnicos, nomeadamente limpeza, manutenção ou afinação de equipamento, mudança de programa de produção, carga ou descarga de mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou por fator climatérico que afete a atividade da empresa, ou por motivos económicos, designadamente quebra de encomendas;

            d) O intervalo para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade;

            e) A interrupção ou pausa no período de trabalho imposta por normas de segurança e saúde no trabalho.

            Por contraposição, o código do trabalho estatui no artigo 199º que se entende por período de descanso «o que não seja tempo de trabalho».

            Para a interpretação destes conceitos jurídicos, é pertinente recorrer à Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, transposta, por via do código do trabalho, para a ordem jurídica portuguesa [cfr. artigo 2º, alínea n) da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro que aprovou este compêndio legal].

            Dispõe o nº1 do artigo 2º da Diretiva:

            «Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou prática nacional.»

            Na definição de “período de descanso”, o legislador laboral nacional optou por reproduzir integralmente o conceito inserto no nº2 do artigo 2º da Diretiva.

            Tendo presente as definições legais e perspetivando-as numa visão prática, poderemos talvez afirmar que a linha de fronteira entre o “tempo de trabalho” e o “tempo de descanso”, se situa naquele momento a partir do qual o trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida pessoal.

            Sobre esta matéria, é inspirador o segmento do texto do acórdão desta Relação de Coimbra, relatado pelo Desembargador Serra Leitão, proferido em 04-05-2006, no processo nº 261/06, disponível em www.dgsi.pt:

            «Sabendo-se como se sabe que o elemento essencial para a definição de um contrato de trabalho é a posição de subordinação jurídica em que o trabalhador se encontra perante o empregador (cfr. artº 10º do C.T. , cremos que a temática que ora nos ocupa só poderá ser resolvida através da aplicação deste princípio ao tempo em que o trabalhador efetivamente não esteja a exercer a sua atividade, mas no qual e de qualquer jeito, a dita subordinação jurídica, já existe.

            Cremos poder afirmar que, cumprido o seu horário de trabalho, o empregado adquire a plenitude de ser humano livre, sem peias e subordinação seja a quem seja (salvo naturalmente aquela que resulta da obediência genérica às normas jurídicas que norteiam a vida dos indivíduos).

            Mas a obrigatoriedade de dispor do seu tempo a favor de outrem (entidade patronal) termina aí.

            Vale com isto dizer que se no lapso temporal em que o trabalhador estiver numa posição de subordinação jurídica, então deve considerar-se que está a cumprir um “horário de trabalho” (lato sensu).»

            Reportando-nos à específica situação do caso concreto, afigura-se-nos que o tempo despedindo com as deslocações aos sábados e domingos é um tempo consumido por motivo ligado à prestação do trabalho, estando o A./recorrido dependente, durante esse tempo, do transporte organizado pela empregadora e sob as ordens da mesma, destacando-se que, em algumas semanas, ao domingo, o A. era transportado de Castelo Branco, de onde partia por volta das 12h30m, para chegar a Vitória entre as 18h e as 19 horas, por forma a que pudesse, logo de seguida, começar a trabalhar com o pesado (ponto factual nº 39).

            Igualmente se salienta que o transporte que ocorria ao sábado e domingo processava-se nas mesmas circunstâncias e com os mesmos objetivos, à sexta-feira, à tarde (ponto factual nº 37), às segundas-feiras (ponto factual nº38).

            Ou seja, o tempo despendido nas viagens entre Vitória e Castelo Branco e vice-versa é um período de tempo adstrito com a prestação do trabalho, em que o trabalhador já se colocou à disposição da empregadora. Nesse período de tempo, o A. deixou de ter a liberdade de dispor do seu tempo, característica essencial do “período de descanso”.

            A factualidade aditada em consequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ao contrário do entendimento manifestado pelas recorrentes, não impede tal qualificação.

            Em suma, o tempo despedindo com as mencionadas viagens deve ser considerado tempo de trabalho, prestado fora do horário de trabalho, por prévia determinação da empregadora, constituindo, pois, trabalho suplementar remunerável.

            No que concerne à remuneração, invocam as recorrentes que tal trabalho não pode ser pago com o acréscimo de 200%.

            Todavia, também em relação a esta questão, não têm as recorrentes razão, pois tendo o trabalho suplementar em causa sido prestado em dias de descanso do recorrido, o mesmo é remunerado com o acréscimo de 200%, nos termos previstos pela cláusula 41º do CCT aplicável.

            Ainda sobre a temática relacionada com o trabalho suplementar e o pagamento do mesmo, invocam as recorrentes que a retribuição salarial da cláusula 74º, nº7 e a ajuda de custo TIR (prémio TIR), não integram o cálculo do valor do trabalho suplementar prestado em dias de descanso.

            A retribuição diária do trabalho em dias de descanso e feriados é calculada segundo a fórmula prevista na cláusula 41º do CCT aplicável. E tal fórmula baseia-se na remuneração mensal do trabalhador, o que inclui todas as prestações pagas com regularidade e periodicidade, não se restringindo à retribuição base, pelo que, na concreta situação dos autos, bem andou o tribunal a quo em considerar a retribuição salarial da cláusula 74º, nº7 e a ajuda de custo TIR, como fazendo parte integrante da retribuição do autor (pelos fundamentos expostos na sentença, para os quais se remete, por absoluta concordância com os mesmos), atendendo à remuneração mensal efetivamente recebida no cálculo da retribuição a que o A. tem direito, ao abrigo da cláusula 41º do instrumento de regulamentação coletiva aplicável (neste sentido, vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2009, P. 949/06.7TTMTS.S1 e da Relação do Porto, de 28/2/2011, P.393/07.9TTGDM.P2, disponíveis em www.dgsi.pt).

            Destarte, mostra-se improcedente toda a fundamentação aduzida no recurso, relacionada com a temática do trabalho suplementar.


*

            VI. Créditos salariais

            Insurgem-se as recorrentes contra a decisão condenatória proferida pelo tribunal a quo em relação a determinados créditos laborais reconhecidos.

            Designadamente contestam:

a) A importância destinada a reembolsar as despesas alimentares, afirmando que a mesma é exagerada e excessiva;

b) A retribuição salarial da cláusula 74º/7 e a ajuda de custo TIR, em relação ao ano de 2010, por terem sido pagas.

c) O valor da retribuição salarial base e da cláusula 74º/7, relativo ao período em que o A. gozou a licença parental (abril e maio de 2012);

d) O valor do subsídio de férias vencido em 01/01/2013;

e) O valor do subsídio de férias de 2010.

            Apreciemos a discordância com o decidido pela ordem indicada.

            Despesas alimentares

            Invocam as recorrentes que o valor diário de € 40,00 fixado para as despesas alimentares é manifestamente excessivo. Argumentam que a única testemunha que falou sobre o assunto, foi Dora Gonçalves, que disse que o custo de uma refeição nos restaurantes sitos nas rotas percorridas pelo recorrido, rondam os €10,00 e o €12,00, pelo que, no limite, dever-se-ia ter considerado que o recorrido dispendia € 27,50, por dia, em refeições.

            A questão suscitada, foi apreciada pelo tribunal a quo, nos seguintes termos:

            «A cláusula 46.º da CCT em causa impõe o pagamento de um subsídio de refeição de valor igual para todos os trabalhadores abrangidos pela CCT, independentemente da sua categoria profissional e que não integra o conceito de retribuição.

            Nos termos do n.º 4 da referida clausula, tal subsídio não é devido aos trabalhadores que se encontrem deslocados no estrangeiro, já que quanto a estes dispõe a cláusula 47.º-A do mesmo CCT.

            A al. a) de tal cláusula prescreve que os motoristas quando deslocados no estrangeiro além da retribuição-base têm direito a que as refeições tomadas em viagem sejam pagas mediante a apresentação da fatura (pequeno almoço, almoço, jantar e ceia).

            Por seu turno, a al. b) dispõe que a empresa se obriga a prestar, antes de efetuada a deslocação, um adiantamento em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as possíveis despesas de viagem que o trabalhador terá de efetuar seja com a viatura, seja consigo mesmo.

            No caso em apreço, resulta provado, a este respeito que:

            A R. não pagava ao A as refeições à fatura, conforme ao disposto na Clª 47-A, al. a), do

C.C.T.V.

            Nem antes da saída para as viagens lhe fazia os adiantamentos previstos nessa cláusula, para

esse efeito.

            Em vez disso pagava 0,06 € por cada km percorrido, que levava aos recibos a título de Ajudas

de Custo, e de deslocações Estrangeiro Clª 47-A do C.C.T. no Código 27.

            E, por isso, o A. não pedia, não entregava, nem guardava as faturas dos alimentos.

            Portanto, a Ré pagava ao autor uma quantia monetária mensal para prover às despesas de alimentação daquele, alegando o autor que tais quantias eram manifestamente insuficientes para fazer face a tais despesas.

            No caso dos autos, competia à Ré fazer a prova de que o acordado era mais favorável ao motorista (art.º 342.º/1 do CC), o que não fez, não restando senão considerar nulo tal acordo, devendo a R proceder ao pagamento ao autor de todas as refeições tomadas por este no estrangeiro, nos termos da cl.ª 47.º-A, fazendo a competente dedução dos valores já pagos.

            Sucede que o autor não apresentou as faturas do que gastou em despesas de alimentação, desconhecendo-se em concreto qual o montante que despendeu para pagar as refeições em viagem, impondo-se por isso recorrer a critérios de equidade – Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 05.06.2002, disponível em www.dgsi.pt.

            Ao nível civil, tal instituto encontra consagração no artigo 566.º, n.º3, impondo ao juiz que julgue de harmonia com a equidade, atendendo aos fatores expressamente referidos na lei, assim como às circunstâncias que emergem da factualidade provada.

            Atendendo à matéria concreta destes autos, impõe-se analisar a documentação legislativa nesta matéria.

            Assim, pegando no BTE n.º 30, de 15.08.1997, 1.ª série (que veio alterar o CCTV), verificamos que a cláusula 47.ª tem como título “Refeições, alojamento e deslocações no continente”, dispondo o n.º 3 que “As refeições são pagas pelos seguintes valores:

            a) Pequeno-almoço ou ceia – 340$;

            b) Almoço ou jantar – 1330$.

            Por sua vez o n.º 4 dispõe que “A empresa reembolsará os trabalhadores que prestem pelo menos quatro horas de serviço no período compreendido entre as 0 e as 7 horas, com o valor de 1325$”.

            Como refere o A, o total diário a receber por estes motoristas do serviço nacional, quando estivessem ao serviço da Ré no referido período de 4 horas, o que forçosamente acontece sempre com os motoristas internacionais dado que são equiparados aos trabalhadores isentos de horário, era de 2 x 340$00 + 2 x 1.330$00 + 1.325$00 = 4.665$00

            Com a atualização deste montante por força da Portaria nº 282/2011 de 21/10, a qual fixou o coeficiente da atualização a aplicar durante o ano de 2011, para um valor fixado em 1997 em 1,39, resulta que esse valor no ano de 2011 é de: 4.665$00 x 1,39 = 6.484$35

            Deverá, ainda, ter-se em conta que o preço das refeições no estrangeiro, como foi o caso, é superior ao praticado em Portugal, pelo que se impõe subir tal valor.

            Acresce que, como decorre dos documentos juntos a fls. 27, em 2001, nas negociações para a revisão do C.C.T.V., a FESTRU propôs uma diária para esse efeito, de 9.500$00, ou seja, €47,39 e, em 2003 de €60,00 ou seja, 12.029$00. E, em 2000, a FESTRU propôs uma diária de 10.000$00 e a ANTRAM, contrapôs 9.000$00, a ser paga nos países estrangeiros com exceção da Espanha onde essa diária seria de 7.000$00 na proposta da FESTRU e de 6.000$00 na proposta da ANTRAM.

            Donde, atendendo a esses fatores e aos ditos critérios, somos do entendimento que o pagamento da diária correspondente a 4 refeições no estrangeiro não se consegue por uma importância muito inferior aos pedidos € 40,00 por dia, quantia que fixamos por reputarmos justa.

            Em face do exposto, deve a Ré proceder ao pagamento ao A dessa quantia de € 40,00/por cada um dos dias passado no estrangeiro em viagem, assim calculado:  

            41 meses X 22 dias X 40,00 € = 36.080€».

            Tal como referido no excerto da sentença transcrito, resultou demonstrado que por determinação da R. as despesas alimentares nas viagens eram pagas no âmbito da verba liquidada por cada quilómetro percorrido (que abrangia outros pagamentos).

            Não lograram as recorrentes demonstrar que o sistema remuneratório instituído era mais favorável ao trabalhador do que a observância da cláusula 47ª-A do CCT aplicável, por forma a garantir a validade de tal regime, conforme foi devidamente apreciado pelo tribunal a quo, (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2015, P. 10/12.5TTTVD.L1.S1; de 12/09/2007, P. 07S1803; de 15/11/2006, P. 06S2706).

            A inobservância da mencionada cláusula 47ª-A e a nulidade do sistema remuneratório instituído, leva a que as recorrentes se constituam na obrigação de pagar as despesas efetuadas pelo recorrido com as refeições.

            Contudo, porque o mesmo não apresentou faturas correspondentes aos gastos com tais refeições haverá que fixar uma verba com recurso a critérios de equidade (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2005, P. 04S614), uma vez que as RR./apelantes não lograram provar o alegado no artigo 59º da contestação («para se alimentar, por mês, o autor não despendia mais de 200,00/250,00 euros» - a relevância do depoimento da testemunha Dora Gonçalves, confinava-se à fase da instrução do processo).

            E a fundamentação para a verba diária fixada, ponderada e ajustada à realidade, afigura-se-nos, por isso, ser de confirmar.

            Cláusula 74ª/7 e ajuda de custo TIR no ano de 2010

            As recorrentes apontam uma falha na decisão recorrida ao ter sido incluída na problemática do regime remuneratório de pagamento ao quilómetro as verbas pagas ao recorrido a respeito da cláusula 74ª/7 e da ajuda de custo TIR, no ano de 2010, uma vez que ficou demonstrado o pagamento dessas prestações foi realizado no âmbito da rúbrica “Desl.Estrang. Cl 47-a”, integrando ainda essa mesma rubrica as verbas mensais pagas ao abrigo do regime remuneratório de pagamento ao quilómetro. Logo, no referido ano, o pagamento da retribuição salarial da cláusula 74ª/7 e da ajuda de custo TIR nada tinha a ver com o regime remuneratório do pagamento ao quilómetro, pelo que as verbas pagas não deveriam ter sido chamadas à colação aquando da consideração das consequências da declarada nulidade do regime remuneratório do pagamento ao quilómetro e as recorrentes não deveriam ter sido condenadas no seu pagamento.

            Cumpre apreciar.

            Da conjugação da factualidade inserta nos pontos 16, 17, 45 a 47, 49, 59 e 60 da fundamentação de facto, resulta que no ano de 2010, a retribuição salarial da cláusula 74ª/7 e da ajuda de custo TIR foram efetivamente pagas na rúbrica “Desl.Estrang. Cl 47-a”, juntamente com a verba paga por cada quilómetro recebido.

            O pagamento da retribuição salarial da cláusula 74ª/7 e da ajuda de custo TIR na aludida rúbrica resultou de uma determinação da R., transmitida ao A. e que este aceitou (pontos factuais 45 a 47).

            Todavia, como o regime remuneratório instituído foi considerado nulo pelas razões constantes da sentença recorrida, o tribunal fixou as quantias a que o autor tem direito a título de retribuição salarial da cláusula 74ª/7 e de ajuda de custo TIR.

            Assim, determinou que são devidas ao A. as seguintes verbas:

            - 21 de Janeiro de 2010: 21 x (284,79€ + 105,75): 30= 273,38 €

            - Fevereiro a Dezembro de 2010: 11 X (284,79€ + 105,75) = 4.295,94€.

            Na sequência, considerou, e bem, tais verbas na decisão condenatória, tendo depois de determinados todos os créditos devidos ao trabalhador demandante, procedido à dedução de todos os valores pagos no âmbito do regime remuneratório instituído, por forma a evitar o enriquecimento injustificado do demandante.

            Nenhuma crítica nos merece, pois, a decisão da 1ª instância, quanto à questão agora analisada.

            Créditos no período da licença parental

            Insurgem-se as recorrentes contra o valor em que foram condenadas no que concerne à retribuição base e à retribuição salarial cláusula 74ª/7, nos meses de abril e maio de 2012, atendendo à circunstância demonstrada do A. ter gozado licença parental, nos referidos meses.

            Em relação à retribuição base, considerando o valor mensal devido de € 506,28, a empregadora teria de pagar ao trabalhador, pelos dias de trabalho, a importância de € 303, 77. Tendo sido paga, em cada um dos meses o valor de €293,80 (ponto factual 23), mostra-se em dívida, o montante de € 9, 97, em cada um dos meses, ou seja, um total de € 19,94.

            A respeito da retribuição a título de cláusula 74ª/7, sendo mensalmente devida ao A. a quantia de € 284,79, por força da licença parental gozada, o A. apenas tem direito a receber, a importância de € 170,87, em cada um dos meses. Tendo-lhe sido pago, nos referidos meses, o valor mensal de € 165,56 (cfr. ponto factual 24), mostra-se em dívida o valor total de €10,62 (€5,31 x 2).

            Quanto à ajuda de custo TIR, por força do gozo da licença parental, o A. apenas tem direito a receber a importância de € 63,45 em cada um dos meses (abril e maio). Tendo-lhe sido pago esse valor nada mais lhe é devido (cfr. ponto factual 24).

            Destarte, a respeito dos salários de abril e maio de 2012, o recorrido apenas tem direito a receber a quantia de € 30,56, pelo que se mostra procedente o recurso, quanto à questão analisada.

            Subsídio de férias vencido em 01/01/2013

            Alegam as recorrentes que o tribunal a quo atribuiu ao recorrido o valor de € 390,54 de retribuição salarial da cláusula 74ª/7 e da ajuda de custo TIR ao subsídio de férias vencido em 01/01/2013 e ainda mais €835,01 desse mesmo subsídio, isto é, atribuiu-lhe o montante total de € 1.225,55, duplicando valores, o que não está correto, pois a título de subsídio de férias apenas era devida ao recorrido a importância de € 909.74.

            Tem razão a recorrente, verifica-se efetivamente a duplicação de valores relativos aos montantes da cláusula 74ª/7 e ajuda de custo TIR (cfr. págs. 28 e 133 da sentença).

            Assim, em relação ao subsídio de férias vencido em 01/01/2013, apenas é devida a quantia de € 909,74 (€ 506,28 + € 284,79 + € 105,75 + € 12,92).

            Por conseguinte, a apelação mostra-se procedente quanto a esta questão.

            Subsídio de férias de 2010

            Alegam ainda as recorrentes que no subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2010, o valor da retribuição salarial da cláusula 74ª/7 e da ajuda de custo a considerar correspondia a 20 dias úteis e não ao mês completo, pelo que o tribunal errou no cálculo do mesmo.

            Em relação à questão suscitada, há que ter em consideração o teor das cláusulas 23º, nº2 e 43º do instrumento de regulamentação coletiva aplicável.

            Assim, em 2010, o recorrido tinha direito que o seu subsídio de férias integrasse o valor de € 261,06 a título de retribuição salarial da cláusula 74ª/7 e o valor de € 96,94, a título de ajuda de custo TIR e não os montantes, respetivamente, de € 284,79 e 105,75, em que o tribunal a quo condenou as recorrentes.

            Procede, igualmente, o fundamento do recurso analisado.


*

            VII. Justa causa de resolução do contrato

            Finalizam as recorrentes as suas alegações e conclusões do recurso, invocando a inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, razão para negar o direito à indemnização em que foram condenadas.

            À situação sub judice é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.

            E, dispõe o artigo 394º deste Código:

            «1- Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato;

              2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

            a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

            (…)

              3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:

            (…)

            c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.

             4- A justa causa é apreciada nos termos do nº3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações.

            5- Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão do não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo».

            Prevê assim o normativo citado a possibilidade do contrato de trabalho cessar por resolução do trabalhador, devido à existência de justa causa.

            A justa causa pode ser objetiva (não culposa) ou subjetiva (culposa).

            A primeira, prevista no nº 3 do normativo, resulta de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador.

            A segunda, tem na base um comportamento ilícito da entidade empregadora e a ela se reporta o nº 2 do artigo supra citado (embora, a título meramente exemplificativo).

            A distinção entre as duas formas de justa causa mostra-se relevante, devido às consequências legalmente previstas.

            Consagra o artigo 396º, nº1 do Código do Trabalho que “[e]m caso de resolução do contrato de trabalho com fundamento no facto previsto no nº2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades”.

            Compete ao trabalhador a prova dos factos constitutivos do direito reclamado.

            Na situação em apreço nos autos, o recorrido rescindiu o contrato de trabalho, com os seguintes fundamentos:

            a) Por não lhe ser paga a Clª 74 nº7 no montante legal

            b) Por lhe pagarem o subsídio de férias apenas pelo salário base sem os montantes da Clª 74, do Prémio TIR e da 1ª diuturnidade 

            c) Por não lhe pagarem os montantes devidos pelo trabalho prestado em dias de descanso nem lhe darem a gozar os descansos compensatórios

            d) Porque a gravidade, reiteração e consequências dos referidos factos o impediam de continuar a trabalhar para a Ré.

            As razões invocadas pressupõem a existência de justa causa subjetiva ou culposa.

            E, para que se verifique uma situação de resolução do contrato de trabalho fundamentada em justa causa por falta culposa de pagamento da retribuição, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:

            1º um de natureza objetiva - não pagamento da retribuição pontualmente;

            2º outro de natureza subjetiva - que essa falta de pagamento seja imputável ao empregador a título de culpa;

            3ª que essa conduta do empregador torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.

            Quanto à culpa do empregador, em regra, a mesma presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799º do Código Civil. Ou seja, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos factuais suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta.

            Todavia, existe uma situação específica em que o legislador expressamente considera culposa a omissão ou a ação da entidade empregadora.

            Dispõe o nº 5 do artigo 394º do Código do Trabalho que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.

            De acordo com este normativo, decorrido um período de 60 dias em que se mantém o incumprimento por parte do empregador, presume-se a existência de culpa na falta de pagamento pontual da retribuição.

            A propósito da previsão do nº 5 do artigo 394º, escreve Pedro Furtado Martins, in “Cessação do Contrato de Trabalho”, pág. 537:

            «São várias as dúvidas que o novo preceito suscita. A mais relevante é saber se a exigência de que a falta de pagamento se prolongue por 60 dias constitui um pressuposto indispensável para qualificar o comportamento do empregador como culposo ou apenas uma presunção de culpa. Como já foi proposto, pensamos que se trata de uma presunção juris et de jure, portanto não afastável por prova em contrário».

            Também neste sentido, escreve João Leal Amado, in “Contrato de Trabalho”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág.460:

            «neste tipo de casos, em que a mora do empregador excede estes marcos temporais, mais do que uma mera presunção juris tantum de culpa, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição (a qual, portanto, não admite prova em contrário)».

            Idêntico entendimento tem sido defendido por outros autores, nomeadamente, Joana Vasconcelos (Código do Trabalho anotado, Pedro Romano Martinez e outros, 8ª edição, págs. 1019 e 1020); Diogo Vaz Marecos (Código do Trabalho anotado, pág. 961).

            A nível jurisprudencial, o mesmo entendimento foi defendido, por exemplo, no Acórdão da Relação do Porto, de 21/2/2011, P. 345/10.1TTPNF.P1.

            É também este o entendimento que temos acolhido.

            É através da retribuição que aufere como contrapartida do seu trabalho, que o trabalhador faz face às suas despesas (de sobrevivência e outras) e aos seus compromissos. Logo, a omissão do pagamento da retribuição por mais de 60 dias, assume, por natureza, uma especial relevância e gravidade. Daí que se considere que o legislador, deliberadamente, quis proteger e tratar de modo diferente situações de incumprimento prolongado da obrigação de pagamento pontual da retribuição.      

            Em tais situações, a culpa da entidade empregadora presume-se, não se admitindo prova em contrário. Ao trabalhador basta-lhe alegar e provar que a empregadora incumpre a sua obrigação de pagamento pontual da retribuição, por período, pelo menos de 60 dias.

            Já em situações em que o incumprimento da aludida obrigação ocorre há menos tempo, funciona a presunção prevista no artigo 799º do Código Civil (presunção juris tantum), sendo admissível à entidade empregadora demonstrar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não emerge de culpa sua.

            Reportando-nos agora ao caso concreto, resultou demonstrado nos autos a verificação das razões invocadas para a resolução do contrato [não pagamento da retribuição relativa à cláusula 74ª/7, nos montantes legais; pagamento do subsídio de férias sem considerar os montantes da referida cláusula, o prémio TIR e a diuturnidade; e o não pagamento do trabalho prestado em dias de descanso].

            Existem prestações retributivas em dívida há mais de 60 dias, pelo que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição, nos termos previstos pelo nº5 do artigo 394º do Código do Trabalho.

            Encontram-se pois demonstrados, os dois primeiros requisitos supra enunciados para a verificação de justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador.

            Importa agora apreciar a eventual verificação do terceiro requisito, para que possa ser reconhecido o direito à indemnização prevista no artigo 396º do Código do Trabalho.

            E, em nosso entender, para concluir se a conduta ilícita e culposa do empregador torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, há que atender à factualidade assente.

            E o que a mesma revela é que o autor, ao longo de cerca de três anos e oito meses não recebeu prestações pecuniárias a que tinha direito que rondam os € 20.000,00.

            Será esta falta culposa da empregadora de tal forma grave que torna impossível a subsistência da relação de trabalho?

            Nesta questão, divergimos do decidido pelo tribunal de 1ª instância.

            No nosso entender, embora o trabalhador demandante tivesse direito a receber as quantias apuradas, o certo é que o mesmo sempre foi recebendo quantias que lhe permitiam gerir a sua vida e satisfazer as suas necessidades. Não obstante o descontentamento por não lhe ser pago tudo aquilo a que tinha direito, o certo é que nunca reclamou qualquer pagamento até à data de resolução do contrato. As quantias em dívida não punham em risco a sua sobrevivência, pois não se mostravam imprescindíveis.

            Destarte, afigura-se-nos que o concreto incumprimento contratual pela empregadora não foi de tal forma grave que tenha tornado impossível a manutenção da relação laboral.

            Por conseguinte, não consideramos que se tenha verificado o terceiro requisito necessário à existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, pelo que o mesmo não tem direito ao pedido indemnizatório formulado.

            Feace ao exposto, mostra-se procedente o recurso quanto à questão agora analisada.


*

            VIII. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso parcialmente procedente, e consequentemente, revogam parcialmente a sentença recorrida, condenando-se as rés a pagarem ao A. a quantia de € 19.108,77, sendo que pelos créditos vencidos a partir de 1 de julho de 2013, apenas é responsável a 1ª ré “ B... , Lda., acrescida dos juros legais, devidos desde 30/09/2013, absolvendo-se as rés do demais peticionado.

Custas em ambas as instâncias a suportar pelas partes, na proporção do decaimento.

Notifique.


(Em conformidade com o disposto no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)

Coimbra, 10 de março de 2016


 (Paula Maria Videira do Paço - Relatora)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)