Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMIDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS HONORÁRIOS PENALIDADES INDEFERIMENTO PARCIAL INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
Data do Acordão: | 02/07/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - JL CÍVEL - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | N.º 1 DO ARTIGO 6.º DECRETO-LEI N.º 268/94, DE 25 DE OUTUBRO E ARTIGOS 1424.º E N.º 1 DO ARTIGO 1434.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | 1. O n.º 1 do artigo 6.º DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, atribui força executiva à acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das contribuições devidas ao condomínio, ou seja, das dívidas por encargos de condomínio, não abrangendo, portanto, todo e qualquer montante que seja devido ao condomínio. 2. De acordo com o artigo 1424.º do CC, são encargos de condomínio os encargos com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e os encargos “com os serviços de interesse comum”, estando excluídas as penas pecuniárias, dado serem estabelecidas para “a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador” (n.º 1 do artigo 1434.º do CC). 3. Os honorários e as despesas judiciais não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio. 4. Entendendo o tribunal que o pagamento coercivo das penalidades e dos honorários e taxa de contencioso não cabe dentro dos limites do título executivo, deve indeferir liminar e parcialmente a execução nessa parte, apesar de haver decisões jurisprudenciais e opiniões na doutrina no sentido de que a acta da reunião da assembleia de condóminos é título para obter o pagamento coercivo das penalidades e dos honorários. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Condomínio do prédio da A..., sito na Rua (...) , Covilhã, instaurou execução sumária para pagamento da quantia de € 1 596,00 [mil quinhentos e noventa e seis euros] contra B... , residente na rua (...) , Caniço, e contra C... , residente na rua (...), Covilhã. A execução teve por base a acta da reunião de condóminos que teve lugar em 5 de Maio de 2014 [documento de fls. 3 e 4 destes autos de recurso]. Nessa reunião foi deliberado o seguinte, com interesse para a presente execução: A quantia exequenda diz respeito: Notificado por determinação da Meritíssima juíza a quo para juntar aos autos a acta ou as actas da assembleia de condóminos, onde foram fixados os montantes das contribuições mensais devidas pelos condóminos executados para o período entre Abril de 2011 e Março de 2014, e o regulamento interno do condomínio, o exequente juntou aos autos as actas das assembleias dos condóminos que se realizaram em 2010, 2011, 2012 e 2013 e ainda o regulamento interno do condomínio [documentos de fls. 11 a 22 destes autos]. Após a junção destes documentos, a Meritíssima juíza do tribunal a quo proferiu despacho no seguinte sentido: O exequente não se conformou com a decisão que indeferiu o requerimento executivo quanto aos montantes pedidos a título de penalizações, honorários de advogado e taxa de cobrança com contencioso, interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse e substituísse a decisão recorrida por outra que admitisse a execução para pagamento das penas pecuniárias e despesas de cobrança. Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: Citados para os termos da execução e do recurso, os executados não responderam. Como se vê pela exposição acima efectuada, os fundamentos do recurso suscitam as seguintes questões: Os factos relevantes para a decisão do recurso são os seguintes: * Expostos os factos, entremos na apreciação dos fundamentos do recurso. O primeiro fundamento do recurso é constituído pela alegação, em síntese, de que a decisão recorrida errou na interpretação do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, ao não integrar as penalidades pecuniárias na expressão “contribuições devidas ao condomínio. Este fundamento do recurso visa a decisão recorrida, na parte em que ela entendeu que as penalizações previstas no regulamento interno do condomínio para o não pagamento das quotas de condomínio não são abrangidas pelo artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, dado que não respeitam a despesas e pagamentos aí referidos. Segundo o recorrente, é de incluir as penalidades pecuniárias na previsão do citado preceito, designadamente na expressão “contribuições devidas ao condomínio”. Fá-lo, em síntese, com a seguinte linha argumentativa: Pese embora o respeito que nos merece esta argumentação, não é de acolher a mesma. Em primeiro lugar não colhe o argumento de que o pagamento da pena pecuniária não é substancialmente diferente da quota. Na verdade enquanto a quota é uma provisão que os condóminos fazem ao administrador do condomínio (com uma determinada periodicidade, por exemplo mensal ou trimestral) para fazer face às despesas previstas no orçamento que é elaborado anualmente, a pena pecuniária tem a natureza de uma sanção. É o que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil, na parte em que dispõe que a assembleia pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador. Em segundo lugar, também não colhe o argumento de que se o legislador atribui força executiva à acta que fixa o valor da quota mensal – contribuição devida ao condomínio – não há nenhuma razão lógica para a não atribuir a outras contribuições como as que nascem da mútua vontade dos condóminos, como é a pena pecuniária. E não colhe porque a resposta à questão de saber se a acta da reunião da assembleia de credores que tiver deliberado o pagamento de penas pecuniárias pelos condóminos constitui título executivo para pagamento de tais quantias não passa pela resposta à questão de saber se há ou não há razões lógicas que impeçam a atribuição de força executiva a tal acta. A resposta a tal questão depende da interpretação do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94 de acordo com as regras prescritas pelo artigo 9.º do Código Civil. E assim, o tribunal deverá afirmar que a acta da reunião da assembleia de credores que tiver deliberado o pagamento de penas pecuniárias pelos condóminos constitui título executivo para pagamento de tais quantias se for este o sentido do n.º 1 do artigo 6.º do diploma acima citado obtido com base nos critérios de interpretação prescritos pelo artigo acima enunciado. Passemos, assim, à interpretação do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro. O Decreto-lei n.º 268/94 desenvolveu alguns aspectos do regime da propriedade horizontal, entre os quais figurou a cobrança de dívidas por encargos de condomínio. O n.º 1 do citado preceito veio atribuir força executiva à acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio. Observe-se que a solução saída do Decreto-Lei n.º 268/94 de atribuir força executiva à acta da assembleia de condóminos não constitui uma novidade na ordem jurídica nacional. Na verdade, já o artigo 23.º do Decreto-lei n.º 40 333, de 14-10-1955 [que estabeleceu o regime jurídico da propriedade horizontal] dizia que a acta da sessão que tivesse deliberado quaisquer despesas constituía título executivo, nos termos do artigo 46.º do Código de Processo Civil, contra o proprietário que deixasse de entregar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, à qual acresceriam juros legais de mora. Os termos do preceito acima transcrito têm suscitado a questão de saber se a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado penalizar o condómino pelo incumprimento da obrigação de pagar a quota mensal do condomínio constitui título executivo para cobrança coerciva dos montantes fixados a título de penalizações. Discute-se se tais penas pecuniárias cabem “nas contribuições devidas ao condomínio” a que alude o preceito. A questão não tem obtido uma resposta unívoca da jurisprudência. Responderam negativamente a esta questão, entre outras, as seguintes decisões: Responderam positivamente a esta questão, entre outras, as seguintes decisões: Este tribunal irá seguir o entendimento dos que afirmam que a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado fixar penas pecuniárias aos condóminos que não tiverem cumprido a obrigação de pagamento de quotas ao condomínio não constitui título executivo para cobrança coerciva dos montantes fixados a tais títulos. Vejamos. A letra do n.º 1 do artigo 6.º atribui força executiva à acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: Se na interpretação da lei nos ativéssemos exclusivamente à respectiva letra, não poderíamos excluir da previsão do n.º 1 do artigo 6.º as penas pecuniárias. É que, embora o n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil o não diga expressamente, está implícito nele que os montante das penas pecuniárias fixadas pela assembleia revertem para o condomínio, constituem receita do condomínio. Visto nesta perspectiva trata-se de uma contribuição devida ao condomínio. Sucede que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídica, as circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil. No nosso entender, o pensamento da lei, na parte em que se refere a “contribuições devidas ao condomínio”, não abrange todo e qualquer montante que seja devido ao condomínio. Por exemplo, se um condómino danificar uma parte comum do edifício e se a assembleia de condóminos deliberar que tal condómino está obrigado a repará-la e fixar uma importância para reparar o prejuízo causado, a acta de tal reunião não constitui título executivo contra o condómino para pagamento de tal quantia. E não constitui porquanto as contribuições devidas ao condomínio que são tidas em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94 são “dívidas por encargos de condomínio”, como refere a epígrafe do artigo. Ora, no exemplo dado, a contribuição que estava a ser exigida ao condómino não era um encargo que resultava da sua relação com o condomínio; o encargo resultava do facto de ser ele o autor do dano. A resposta à questão de saber o que são “dívidas por encargos de condomínio” deve buscar-se no artigo 1424.º do Código Civil, pois é aí que estão previstos os encargos que resultam da relação de condomínio. De acordo com tal preceito, são encargos de condomínio os encargos com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e os encargos “com os serviços de interesse comum”. Assim, as dívidas tidas em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, são as que têm a sua origem nos encargos com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e encargos “com os serviços de interesse comum”. Interpretado o n.º 1 do artigo 6.º com este alcance, é de concluir que estão fora dele as penas pecuniárias, pois de acordo com o preceito que as prevê – o n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil – tais penas são estabelecidas para “a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador”. Improcede, assim, o fundamento do recurso constituído pela alegação de que as penas pecuniárias constituem contribuições para o condomínio, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94. O segundo fundamento do recurso é constituído pela alegação, em síntese, de que a decisão recorrida errou na interpretação do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, ao não integrar os honorários para cobrança das quotas e a taxa de cobrança em contencioso no “pagamento de serviços de interesse comum” a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94. Este fundamento do recurso visa a decisão recorrida, na parte em que ela entendeu que os honorários e as despesas judiciais não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio. Segundo o recorrente, é de incluir os honorários e a taxa na expressão “serviços de interesse comum”. Fá-lo, em síntese, com a seguinte linha argumentativa: Como resulta do já exposto, os serviços de interesse comum a que se refere o 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 298/94 são os serviços de interesse comum a que se refere o n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil. E para estes efeitos, serviços de interesse comum são serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como acontece, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais ascensores, as caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, os serviços de segurança e vigilância do imóvel. Não é o que se passa com o serviço do advogado, consistente no patrocínio da execução instaurada para cobrança coerciva das quotas, não está à disposição de cada um dos condóminos. Embora se reconheça que a cobrança das contribuições é do interesse do condomínio, o serviço prestado pelo advogado não é um serviço que qualquer um dos condóminos possa usar ou não usar. Os executados não são beneficiários dos serviços prestados pelo advogado. Contra a inclusão dos serviços prestados por advogado num caso como o dos presentes na previsão do n.º 1 do artigo 6.º do CPC depõe ainda o seguinte. Na acção executiva que é tida em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º, o proprietário/condómino é executado por ter deixado de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte nas contribuições devidas ao condomínio, ou nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, ou ainda no pagamento de serviços de interesse comum. Não é o que se passa com a presente acção executiva, na parte em que visa o pagamento dos honorários e da taxa do contencioso. A favor deste entendimento cita-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 25.09.2001, em www.dgsi.pt. Por último, o recorrente insurge-se contra o indeferimento liminar parcial com o argumento de que é entendimento da jurisprudência – acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/06/2012, acórdão da relação de Évora de 18/11/97 e o acórdão da relação de Coimbra de 5 de Maio de 2015 - o de que o indeferimento liminar só é admissível quando haja um sentido absolutamente unívoco na jurisprudência e na doutrina quanto à questão em juízo e que, no caso, a questão está longe de merecer uma resposta unívoca da doutrina e da jurisprudência. É certo como alega o recorrente que no acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa em 14/06/2012, proferido no processo n.º 26879/11.2YYLSB decidiu-se que o indeferimento liminar por manifesta improcedência só será de proferir se “não houver interpretação possível ou desenvolvimento possível da factualidade articulada que viabilize ou possa viabilizar o pedido ou que, citando o Acórdão do S. T. J. de 5/3/87, BMJ 365.º-562, em que só será possível o indeferimento “quando a pretensão não tiver quem a defenda, nos tribunais, ou na doutrina, isto é, quando for evidente que a tese do autor não tem condições para vingar nos tribunais”. Pese embora o respeito que nos merece este entendimento, não se segue o mesmo. No caso, está em causa a interpretação do artigo 726.º, n.º 3, do CPC. Nos termos deste preceito “é admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que excede os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados”. À semelhança do que sucede com o indeferimento liminar total – artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC - o indeferimento liminar parcial só é consentido pela lei quando for manifesto que parte do pedido excede os limites constantes do título executivo. E assim, a legalidade da decisão recorrida devia ser aferida em função do seguinte. Era manifesto que o pedido de cobrança coerciva da quantia a título de penalizações, honorários de advogados e taxas de cobrança em contencioso excedia os limites do título? Entendendo o tribunal, face aos elementos constantes dos autos e à interpretação que fazia do direito aplicável ao caso, que a acta da reunião de condóminos não era título para obter o pagamento coercivo das penalidades e dos honorários e taxa de contencioso, a consequência era o indeferimento liminar. E a decisão devia ser a de indeferimento liminar ainda que soubesse da existência de decisões judiciais e entendimentos doutrinários contrários ao seu entendimento. O tribunal não deve deixar prosseguir a execução apenas porque há decisões jurisprudenciais e opiniões na doutrina no sentido de que a acta é título para obter o pagamento coercivo das penalidades e dos honorários. O dever do tribunal é interpretar a norma e aplicar a norma por si interpretada aos factos. E assim se o tribunal entender que o pagamento coercivo das penalidades e dos honorários e taxa de contencioso não cabe dentro dos limites do título, deve indeferir liminar e parcialmente a execução nessa parte. Foi o que fez o tribunal a quo. Pelo exposto é de manter a decisão recorrida. Decisão: Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida. As custas do recurso serão suportadas pelo exequente. * Relator: Emidio Francisco Santos Adjuntos: 1º - Catarina Gonçalves 2º - António Magalhães
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