Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
94/12.6GAACB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
INDEMNIZAÇÃO OFICIOSA
Data do Acordão: 05/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 21.º DA LEI N.º 112/2009; ART.82.º-A, DO CPP; ARTS. 494.º E 496.º DO CC
Sumário: I - Não tendo havido oposição da vítima, estava o tribunal a quo obrigado, por força do disposto no art. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de dezembro, a fixar uma indemnização a pagar pelo arguido à ofendida.

II - Tratando-se de uma fixação oficiosa de indemnização por danos morais por parte do tribunal, a sua fixação, alicerçada em critérios de equidade, assentará nos factos resultantes da prova produzida na audiência de discussão e julgamento.

Decisão Texto Integral:






Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Nos autos supra identificados o tribunal proferiu a seguinte decisão:
“Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública deduzida contra o arguido A... , e, em consequência, decide-se:
 Condenar o arguido, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
 Absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica imputado [relativo à menor C... ], e, em resultado da convolação jurídica operada,
 Condenar o arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
 Condenar o arguido, pela prática de cada um dos três crimes de ofensa à integridade física imputados [relativos ao assistente], p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;
Absolver o arguido da prática de um dos crimes de dano imputados;
Condenar o arguido, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal [ocorrido no dia 08.05.2012], na pena de 3 (três) meses de prisão;
Condenar o arguido, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal [ocorrido no dia 24.05.2012], na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
Condenar o arguido, pela prática de cada um dos crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;
 Condenar o arguido, pela prática de um crime de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de prisão;
Em cúmulo jurídico das penas aplicadas,
Condenar o arguido, pela prática dos referidos crimes, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Suspender a execução da referida pena por igual período de tempo (4 anos e 6 meses), sujeita a regime de prova e à condição de o arguido frequentar programa de controlo da agressividade, nos termos definidos pela DGRS;
Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido cível formulado pelo assistente E... contra o arguido/demandado, e, em consequência, Condenar o arguido/demandado a pagar ao demandante a quantia total de € 2.651,91 (dois mil seiscentos e cinquenta e um euros e noventa e um cêntimos), absolvendo o arguido do demais peticionado;
 Não arbitrar à vítima B... qualquer quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos, por inexistirem particulares exigências de protecção da mesma que o imponham (artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009, de 16.09 e artigo 82º-A do CPP)”
Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
1. Nos presentes autos foi o arguido, além do mais, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n. ° 1, al. a) e n. ° 2, do Código Penal.
2. Estabelece o artigo 21.°, n .º 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro o direito da vítima a uma indemnização por parte do condenado pelo crime de violência doméstica.
3. Por via do disposto no n. ° 2, do artigo 21.° da Lei n.° 112/2009, de 16 de Setembro, que determina a aplicação do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, a fixação da indemnização por para do Tribunal de condenação é obrigatória, desde que a vitima não se oponha.
4. Tal indemnização tem carácter automático e tem sempre de ser fixada, o que se impõe ao Tribunal.
5. A sentença recorrida, ao decidir não arbitrar indemnização a favor da vítima na ausência de oposição expressa desta, violou a referida norma estabelecida no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
6. Deverá, assim, a sentença recorrida ser anulada neste aspecto e ser arbitrada indemnização a favor da vítima.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Respondeu o arguido afirmando que não concorda com a sua condenação e que por isso também não pode concordar com a sua condenação em nova indemnização.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal não houve resposta.
Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
Cumpre conhecer do recurso
Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objeto e o âmbito dos mesmos, exceto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (exceto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[[1]].
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[2]].
Questão a decidir aplicabilidade do art.º 21º da Lei n.º 112/2009, de 16 de dezembro
*+*+*+*
Do julgamento resultou provada a factualidade que passamos a transcrever:
1. O arguido A... e B... viveram como se de marido e mulher se tratasse desde, pelo menos, o ano de 1999, encontrando-se separados desde o mês de Março de 2012.
2. Dessa união, em 21 de Março de 1999, nasceu C... , e, a 1 de Agosto de 2000, nasceu D... , registadas como filhas do arguido e de B... .
3. A convivência entre o arguido e B... foi-se degradando progressivamente, culminando com a separação no dia 13 de Março de 2012.
4. No dia já referido, cerca das 21h00m, quando B... se encontrava no interior da residência supra identificada, o arguido, ali chegado, iniciou uma discussão com aquela e, em acto contínuo, desferiu-lhe um número não concretamente apurado de pontapés que a atingiram nas pernas e um estalo que a atingiu na face esquerda, agarrando-a nos braços.
5. Em consequência das agressões perpetradas pelo arguido, B... sofreu dores.
6.  Por força da conduta do arguido, B... abandonou a residência da família, fazendo-se acompanhar das filhas, e instalou-se na Rua (...) , procurando proteger-se das condutas violentas do arguido.
7.  Porém, o arguido, que não aceitou o fim da relação afectiva, no dia 17 de Março de 2012, cerca das 15 horas e 15 minutos, dirigiu-se para aquele local, logrou introduzir-se no quintal da residência e dirigiu-se à ofendida B... chamando-a de “puta”, “vaca” e dizendo-lhe “tens amantes”.
8. Em consequência das expressões que lhe eram dirigidas, sentiu-se B... atingida na sua honra e consideração pessoal, bem como se sentiu triste, envergonhada e humilhada.
9. Acto contínuo, o arguido desferiu em B... pontapés, em número não concretamente apurada e uma bofetada na face.
10. C... (filha do arguido e de B... ), que se encontrava na residência, ao aperceber-se das agressões levadas a cabo pelo arguido, procurou defender a sua mãe, momento em que o arguido lhe desferiu uma bofetada na face e um pontapé, que a atingiu nas pernas.
11. De igual modo, também o ofendido E... , ao ver as agressões levadas a cabo pelo arguido, interferiu para o afastar das ofendidas, e foi por aquele agredido com pontapés que o atingiram nas pernas.
12. Como consequência directa e necessária da agressão cometida pelo arguido, B... sofreu escoriações lineares na face interna do terço médio do braço direito, múltiplas equimoses violáceas dispersas na face externa e anterior da perna direita e equimose violácea no terço médio da face externa da coxa esquerda e na face externa do joelho, o que lhe causou oito dias de doença, com quatro dia de afectação da capacidade para o trabalho em geral. 
13. Em resultado da conduta do arguido, C... sofreu uma equimose violácea no terço médio da face anterior da perna direita, duas equimoses violáceas no terço médio da face anterior da perna esquerda, o que lhe causou seis dias de doença.
14.  Por força das agressões perpetradas pelo arguido, E... sofreu dores.
15. Ao agir do modo descrito, sabia o arguido que causava dores e lesões no corpo da menor C... , mais sabendo que a tratava de forma cruel.
15. Sabia ainda o arguido que a menor C... é sua filha e que sobre si impendem deveres de cuidado, respeito e salvaguarda da integridade física e psíquica da menor, bem como sabia que a mesma não tinha forma de se defender ou de obstar à sua actuação, desde logo em face do seu tamanho, condição e força física.
16. O arguido agiu de forma livre, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido E... e de lhe produzir as lesões verificadas, resultado este que representou.
17. Em consequência das suas descritas condutas, vinha o arguido molestando física, moral e psicologicamente B... e causando-lhe um estado de tristeza, humilhação, ansiedade e medo permanentes, na medida em que não sabia o que esperar do arguido, nomeadamente, se, a cada momento, iria recomeçar a sequência das discussões, insultos e agressões.
18. A residência onde a ofendida e as suas filhas passaram a residir, após os factos ocorridos no dia 13 de Março de 2012, pertence ao assistente E... .
19. O arguido, motivado pelo que entendeu ser uma interferência de E... na sua vida familiar, no dia 27 de Março de 2012, cerca das 21 horas e 45 minutos, junto do estabelecimento comercial designado por “ (...) ”, sito na Rua (...) , Vestiaria, abordou aquele e acto contínuo desferiu-lhe um número não concretamente apurado de murros e pontapés.
21. Em consequência, E... caiu ao solo e sofreu dores.
22. O arguido agiu de forma livre, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de E... e de lhe produzir as lesões verificadas, resultado este que representou.
23. Sempre motivado pelo objectivo de forçar B... a regressar a casa e a reatar a relação amorosa, o arguido manteve um comportamento de controlo da vida diária daquela, procurando-a constantemente na residência de E... .
24. Assim, no dia 08 de Maio de 2012, cerca das 20 horas, o arguido dirigiu-se novamente para a Rua (...) , e ali desferiu vários pontapés na porta da residência de E... .
25. Ao mesmo tempo o arguido dizia, dirigindo-se a E... e a B... ,
“eu mato-os”, “eu mato-os a todos”, “se vos apanho aos dois limpo-vos o sebo”.
26. As expressões assim proferidas, conjugadas com as circunstâncias descritas, são meio idóneo a provocar medo e inquietação, o que aconteceu, na medida em que B... e E... , em consequência dos mesmos, ficaram a temer pela sua vida e integridade física.
27. O arguido sabia que a sua conduta era apta a causar medo e inquietação nos ofendidos e a prejudicar a sua liberdade de determinação, o que quis, não se abstendo de agir do modo descrito.
28. Cerca das 22 horas 20 minutos, no mesmo local, o arguido que ali regressou, muniu-se de duas pedras da calçada e lançou-as contra a residência de E... , quebrando os vidros de duas das janelas da sala daquela residência.
29.  Em resultado daquela conduta, os vidros tiveram que ser substituídos, o que custou a E... o valor de €100,00 (cem euros).
30. O arguido, ao ver que o veículo de matrícula (...) TE, de marca Opel, modelo Corsa pertencente a E... , se encontrava estacionado junto à residência, desferiu vários pontapés nas quatro portas e no guarda-lamas dianteiro, causando várias mossas.
31. Ao agir do modo descrito, sabia o arguido que partia os vidros da habitação, bem como amolgava a chapa do veículo automóvel, destruindo-os, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do respectivo proprietário, resultado aquele que representou.
32. Novamente no dia 24 de Maio de 2012, cerca das 00h30m, o arguido dirigiu-se à residência de E... e, sempre motivado pelo facto de B... ali ter procurado refúgio após o fim da relação de ambos, e munido de uma ‘marreta’, partiu os vidros das janelas do veículo (...) TE, pertencente a E... .
33. Assim, tiveram aqueles vidros de ser substituídos, o que custou a E... o valor global de € 599,01 (quinhentos e noventa e nove euros e um cêntimo).
34. O arguido lançou ainda a referida marreta contra os vidros da porta e janelas da residência do ofendido E... , e, em consequência quebrou-os, destruindo-os.
35. Em consequência da acção do arguido tiveram os seis vidros de ser substituídos, o que custou a E... a quantia de global de € 282,90 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos).
36.  Ao agir do modo descrito, sabia o arguido que partia os vidros do veículo automóvel e da residência, destruindo-os, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do respectivo dono, resultado aquele que representou.
37. Ainda no dia 24 de Maio de 2012, pelas 9h30m, novamente o arguido dirigiu-se para a residência de E... , já supra identificada.
38. Ali chegado, o arguido, ao ver que B... se encontrava acompanhada de E... , correu para ambos e, dirigindo-se a B... , disse-lhe “mato-te como se faz a um porco”, chamando-a ainda de “puta”.
39. Em consequência das expressões que lhe eram dirigidas, sentiu-se B... atingida na sua honra e consideração pessoal, bem como se sentiu triste, envergonhada e humilhada.
40. Também para E... o arguido se dirigiu, dizendo-lhe: “a ti também te mato”.
41. As expressões assim proferidas, conjugadas com as circunstâncias descritas, são meio idóneo a provocar medo e inquietação, o que aconteceu, na medida em que, em consequência das mesmas, B... e E... ficaram a temer pela sua vida e integridade física.
42. O arguido sabia que a sua conduta era apta a causar medo e inquietação nos ofendidos e a prejudicar a sua liberdade de determinação, o que quis, não se abstendo de agir do modo descrito.
43. Como os ofendidos se procuravam afastar do arguido, este logrou aproximar-se e desferiu um número não concretamente apurado de pontapés e murros que atingiram B... e E... .
44. Os pontapés e murros desferidos pelo arguido atingiram B... nos braços e pernas, tendo esta em consequência sofrido equimoses e escoriações no membro superior esquerdo e quatro equimoses no membro inferior direito.
45. Já E... , em consequência dos pontapés e murros desferidos pelo arguido, sofreu dores no braço esquerdo.
46. O arguido agiu de forma livre, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de E... e de lhe produzir as lesões verificadas, resultado este que representou.
47. Em consequência das supra descritas condutas, vinha o arguido molestando psicologicamente B... , causando-lhe um estado de humilhação, ansiedade e medo permanentes, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, bem como pela das suas filhas.
48. O arguido agia do modo descrito, sabendo que infligia maus-tratos a B... que, assim, a molestava física, moral e psicologicamente, o que fazia com o propósito de exercer, de forma abusiva, uma relação de poder e de manter a ofendida submissa e de a condicionar nas suas rotinas diárias.
49. O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas.
50. No dia 24 de Maio de 2012, pelas 9h30m, nas circunstâncias supra descritas, o arguido dirigiu a E... as expressões: “cabrão”, “boi” e “filho da puta”.
51. Tais expressões foram proferidas em voz alta e na via pública.
52. Com o seu comportamento, pretendeu o arguido pôr em causa o bom nome de E...
E... e atingi-lo na sua honra e consideração, o que efectivamente conseguiu.
53. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta
10 era proibida e punida por lei.
54. O assistente E... sentiu-se humilhado e triste com as expressões proferidas pelo arguido, em voz alta, na via pública, e na presença do militar da GNR que assomou ao local.
55. O assistente andou nervoso e angustiado com tais factos.
56. As agressões supra descritas perpetradas pelo arguido, causaram dores no corpo e mau estar físico e psicológico em E... .
57. Os factos supra narrados provocaram receio em E... e levaram a que sentisse necessidade de deixar de residir na localidade da Vestiria.
58. O arguido vive sozinho, em casa arrendada, pela qual paga € 150,00.
59. Encontra-se desempregado e aufere € 419,00 de subsídio de desemprego, a que acresce a quantia de € 50,00 diários, pelo trabalho de piquete de águas que faz durante 2 a 3 fins-de-semana por mês.
60. O arguido não suporta pensão de alimentos relativa às suas filhas menores.
61. Não tem outros filhos além das supra identificadas.
62. Como habilitações literárias, tem o 4º ano de escolaridade.
63. O arguido foi já condenado, por decisão proferida em 01.07.2010 e transitada em julgado em 02.08.2010, no Processo Abreviado nº 73/10.8GEACB, do 3º Juízo deste
Tribunal, pela prática, em 10.03.2010, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 do DL 2/98, de 03.01, na pena de 50 dias de multa, à razão diária de € 6,00, num total de € 300,00.
*+*+*+*
A anterior sentença foi anulada na sequência da seguinte ponderação desta relação:
“(...) tendo o arguido sido condenado por crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nºs 1, alínea a) e 2 do Código Penal na pessoa de B... e, não tendo esta deduzido pedido de indemnização civil, estava o tribunal obrigado a analisar a situação com vista a verificar se no caso “sub judice” havia ou não lugar à condenação no pagamento de indemnização.  
Não o fez e por isso deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado.
Assim sendo, padece a sentença da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art.º 379º, nº 1, alínea c. do C. Processo Penal (neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de julho de 2014 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de maio de 2014).
A declaração de nulidade da sentença importa a revogação da sentença e prolação de uma nova que sane o vício (precedida de reabertura da audiência para que seja assegurado o contraditório, podendo haver produção de prova se tal se vier a revelar necessário).”
Remetidos os autos à 1ª instância, foi proferida nova sentença na qual o tribunal a quo se pronunciou sobre a questão em falta.
Fê-lo nos seguintes termos:
“Nos termos do disposto no artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009, de 16.09 (Regime Jurídico aplicável às vítimas de violência doméstica), há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do CPP, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
E é a seguinte a redacção do artigo 82º-A do C.P.P., que versa sobre a reparação da vítima em casos especiais:
1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2. No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3. A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização».
No caso em apreço, atentos os factos provados e as consequências dos mesmos, considera-se que inexistem particulares exigências de protecção da vítima B... que imponham o arbitramento de uma quantia a título de reparação.
O artigo 82º-A do CPP consiste numa faculdade conferida ao julgador, no caso de se verificarem os seus pressupostos e não consubstancia uma obrigatoriedade de arbitramento de reparação a toda e qualquer situação de violência doméstica que resulte provada.
De facto, por força da aplicação do referido artigo 21º, nº 2 da Lei 112/2009, tem sempre aplicação o disposto no artigo 82º-A do CPP, o qual apenas impõe o arbitramento de reparação no caso em que particulares exigências de protecção da vítima o imponham - o que equivale a dizer que se considera a obrigatoriedade de aplicação do referido artigo 82º-A do CPP não equivale à obrigatoriedade de arbitramento de reparação.
Em face do exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas e porque inexistem, no caso dos autos, particulares exigências de protecção da vítima que imponham o arbitramento de reparação, decide-se não ser de arbitrar qualquer quantia à mesma a título de reparação pelos prejuízos sofridos.”
Não tem razão o tribunal a quo.
Com efeito, dizendo a lei que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser” (art.º 21º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de dezembro), é para nós evidente que a oposição em referência é a que a vítima pode fazer em relação à atribuição de uma indemnização decorrente do simples facto de ser vítima de um crime de violência doméstica. Se a tal não se opuser, o tribunal mais não tem do que atribuir-lhe a indemnização.
Aliás, se assim não fosse e o tribunal só atribuísse a indemnização se, como considera o Meritíssima Juíza a quo, entendesse que particulares exigências de proteção da vítima o impunham, ficava sem sentido a referência expressa à oposição da vítima porquanto aquelas apenas poderiam ser ajuizadas em sede de sentença e por conseguinte, atribuída a mesma, ficava inviabilizada a hipótese de oposição.
Em suma: não tendo havido oposição da vítima, estava o tribunal a quo obrigado, por força do disposto no art.º 21º da Lei n.º 112/2009, de 16 de dezembro, a fixar uma indemnização a pagar pelo arguido à B... .
Aliás, como é jurisprudência unânime nos diversos Tribunais da Relação (v.g., Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de julho de 2014 [“Praticado o crime de violência doméstica, a lei impõe o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua proteção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente”], de 28 de maio de 2014 [“Em caso de condenação por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, ou porque ela a pediu ou, não o tendo feito e não se tendo oposto ao seu arbitramento expressamente, por via do disposto no art. 21º da Lei n.º 112/2009, de 16/9”], da Relação de Lisboa de 16 de setembro de 2015 [“1. Por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, exceto se esta expressamente se tiver oposto a tal. 2. Por regra para que possa haver lugar a determinação de uma indemnização é necessário que oportunamente o/a lesado/a tenha formulado pedido cível. 3. Não obstante, essa regra comporta exceções. Desde logo, a prevista no nº1 do artº 82-A do C.P. Penal, de carácter genérico, potencialmente aplicável às vítimas de qualquer tipo de crime, cujo requisito de aplicabilidade é a existência de particulares exigências de proteção da vítima. 4. E a constante do artº 21 da Lei nº 112/09, que impõe aquele arbitramento, exceto quando a vítima do crime expressamente a tal se opuser.”], do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de março de 2016 [“No caso da prática de crime de violência doméstica, a lei impõe o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua protecção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente.”] e de 22 de abril de 2013 [“a previsão da norma da Lei 112/2009, prevê o arbitramento oficioso de indemnização “em todo o caso”, desde que na ocasião da sentença não exista um pedido de indemnização civil pendente e processualmente válido, com uma única excepção: a de se verificar a oposição da própria vítima”] e do Tribunal da Relação de Évora de 21 de abril de 2015 [“Em caso de condenação por crime de violência doméstica, há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, ou porque ela a pediu, ou porque, não o tendo feito e não se tendo oposto expressamente ao seu arbitramento, assim o obriga o disposto no artigo 21º da Lei nº 112/2009, de 16/09”]).
Tratando-se de uma fixação oficiosa de indemnização por danos morais por parte do tribunal, a sua fixação, alicerçada em critérios de equidade, assentará nos factos resultantes da prova produzida na audiência de discussão e julgamento.
Vejamos
O critério para a fixação de danos morais que, embora assumindo primordialmente um cariz compensatório se reveste também de um carácter sancionatório, consta do artº 494º do CC por remissão do nº 3 do artº 496º, podendo dizer-se que, no fundamental, o legislador faz apelo à equidade harmonizada com as circunstâncias do caso([3]).
Na determinação da mencionada compensação deve por isso atender-se ao grau de culpabilidade do responsável e à sua situação económica, bem como à do lesado.
E a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve ser efetuada seguindo critérios objetivos para evitar que subjetivismos intoleráveis do lesado ou do lesante interfiram e descaracterizem a finalidade que o instituto tem em vista atingir.
No caso em análise, estamos perante a prática de um crime doloso, em que o grau de culpa do agente se mostra muito elevado e em que as suas consequências não se podem deixar de se considerar como muito relevantes.
Assim sendo e tomando em consideração o que se apurou quanto à situação socioeconómica de ambos, mostra-se adequado o quantum de € 2.500,00.
*+*+*+*
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a sentença na parte em que não se condenou o arguido em indemnização a favor de B... e condena-se agora o mesmo a pagar-lhe uma indemnização de € 2.5000,00.
*+*+*+*
Sem tributação.
*+*+*+*
Coimbra, 11 de maio de 2016

(Luís Ramos - relator)

(Olga Maurício - adjunta)


[1] Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).
[2] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011.
[3] Como escrevem P. Lima e A. Varela Código Civil Anotado, I vol., 3ª ed. rev. e act., pág. 474., “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.