Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
358/06.8TBSRE.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PROPRIEDADE RESOLÚVEL
CASA DE HABITAÇÃO
USUCAPIÃO
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.276, 408, 874, 875, 1251, 1287 CC, DL Nº23052 DE 23/9/1953, DL Nº 49033 DE 28/5/1969, LEI Nº 167/93 DE 7/5, LEI Nº 54 DE 16/7/1913
Sumário: 1. O que caracteriza e diferencia o direito de propriedade resolúvel é a sua natureza revogável. Trata-se de um direito sujeito a condição resolutiva, na pendência da qual produz todos os seus efeitos. Caso se verifique a condição, tais efeitos desaparecem como se não se houvessem produzido, porque a mesma opera retroactivamente. Caso não se verifique, o direito consolida-se na sua plenitude.

2. Decorre do disposto no artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 23.052, de 23 de Setembro de 1933 e no artigo 30.º do Decreto n.º 49 034, de 28 de Maio de 1969, conjugados com o disposto nos artigos 408.º, 874.º e 875.º do Código Civil, que a transferência da propriedade resolúvel das “casas económicas” só poderia ser validamente efectuada mediante a celebração de contrato de compra e venda formalizado em escritura pública, não tendo a mera atribuição em concurso a virtualidade de operar tal transferência, como se depreende da conjugação do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 49 033, com o artigo 30.º do Decreto n.º 49 034, ambos de 28 de Maio de 1969.

3. A Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913 mantém-se em vigor, não tendo sido revogada pelo artigo 3.º da lei preambular do Código Civil (Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966), face à sua natureza administrativa e ao disposto no artigo 1304.º do referido Código, sendo usucapíveis as coisas que se encontrem na ‘titularidade privada’ do Estado, desde que, para além dos restantes pressupostos, tenha decorrido um acréscimo de 50% na duração do prazo prescricional aquisitivo.

4. Tendo o réu utilizado a casa de habitação que lhe foi atribuída pelo Fundo de Fomento de Habitação, como residência sua e do seu agregado familiar, optando de acordo com esta entidade, pelo regime de propriedade resolúvel (apesar de não ter sido validamente formalizada a transferência), procedendo ao pagamento das 300 prestações acordadas, fruindo o prédio desde 1978, onde criou os filhos, recebeu os netos e exerceu a actividade literária, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém e na convicção de que seria o legítimo dono, ocorreu a aquisição originária do direito de propriedade, por usucapião, decorridos 22 anos e seis meses a contar do ano de 1978, face à conjugação do artigo 1296.º do Código Civil, com o artigo 1.º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório
O Município de Soure intentou contra R (…), a presente acção declarativa de processo comum sumário, peticionando a condenação do Réu: a) a reconhecer a sua propriedade plena sobre o prédio urbano identificado na Petição Inicial; b) a restituir tal imóvel livre e devoluto, nos termos do n.º 1 do artigo 1311.º do Código Civil.
Em síntese, alegou: é dono do prédio urbano constituído por uma casa identificada pelo n.º X..., que integra o Bairro de B... em Soure, sito na A..., e que passou a integrar o património municipal, por cessão de bens que o IGAPE lhe fez, em 16 de Março de 1989; a habitação em causa foi cedida ao réu no âmbito de um programa de habitação social da responsabilidade do Fundo de Fomento da Habitação sendo do tipo de casa destinado a proporcionar a realização do direito a uma habitação com condições mínimas de existência a quem não tinha condições económicas para adquirir casa própria, ou pagar as rendas nos valores praticados no mercado arrendamento; embora a casa tenha sido entregue ao Réu em regime de propriedade resolúvel, o certo é que nunca foi celebrado qualquer contrato, mesmo com o Fundo de Fomento da Habitação, pelo que não se transmitiu a propriedade; não obstante, o Réu usou-a pelo tempo que necessitou, para aí praticar todos os actos inerentes à sua vida familiar diária, tendo deixado de aí residir há cerca de 15 anos, altura em que passou a viver permanentemente em Coimbra; apesar de ter sido notificado para desocupar a casa, entregando a chave, nunca o fez; tendo o Réu passado a residir em Coimbra, esvaziaram-se os requisitos que preenchem a condição de atribuição da referida habitação social, em concreto a carência de meios económicos para adquirir casa própria de acordo com os valores praticados no mercado; e tanto o regime antigo, como o regime actual da propriedade resolúvel prevêem a possibilidade de resgate do imóvel, quando não for utilizado para residência própria e permanente.
Citado, veio o Réu deduzir contestação e reconvenção, tendo, no que àquela concerne apresentado defesa por excepção e impugnação.
Começou por arguir a falta de legitimidade do Autor para reivindicar o imóvel, por não ser proprietário; invocou tratar-se, no presente caso, de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, pois estando em causa a casa de morada de família, a acção deveria ter sido instaurada também contra a sua esposa, invocando assim a excepção de ilegitimidade passiva.
Deduziu também e excepção dilatória de incompetência material da jurisdição cível, por entender serem competentes para conhecer da presente acção os Tribunais Administrativos.
No que concerne ao mérito da causa, alegou a seguinte factualidade: a casa lhe foi atribuída pelo Fundo de Fomento de Habitação, mediante concurso público, em 15 de Julho de 1978, tendo optado pela aquisição no regime da propriedade resolúvel; durante mais de 25 anos procedeu ao pagamento das prestações (desde Junho de 1981 a Julho de 2006), adquirindo, como tal, a propriedade sobre a mesma, tendo-a usado sempre e continuando a usar, para aí praticar todos os actos inerentes à vida familiar diária; na casa de Coimbra, descrita na petição inicial, viviam três familiares suas já idosas (tias e sogra), facto que originava visitas constantes, tanto mais que se tratavam de pessoas de idade avançada e que necessitavam de assistência; o declínio do seu estado de saúde levou ao arrendamento de um apartamento naquela cidade no ano de 1997, de modo a poder ser-lhes prestada assistência diária (higiene, alimentação e vigilância constante, diurna e nocturna); paralelamente, a residência de Soure foi-se deteriorando, por falta de manutenção, da responsabilidade da Câmara Municipal, o que obrigou a que tivesse procedido, a expensas suas, aos arranjos necessários; em momento algum, porém, abandonou a dita casa, onde construiu a sua vida.
Em sede de reconvenção, pediu o réu que seja declarado que é o legítimo proprietário do imóvel em causa, e que seja o autor condenado a reconhecer tal direito, alegando como fundamento da sua pretensão: após a casa lhe ter sido atribuída, em regime de propriedade resolúvel, ficou adstrito ao pagamento de 300 prestações, tendo procedido ao pagamento da primeira prestação conjuntamente com a segunda, referente a Junho e Julho de 1981, no inicio de Julho de 1981, e efectuando o pagamento pontual das restantes através de transferência bancária; em Maio de 2006 completaram-se 25 anos de pagamento das rendas, estando convicto ser o legítimo proprietário do imóvel em causa, tanto mais que naquele espaço sempre foi fazendo a sua vida normal, adoptando-o como seu lar, praticando os mais diversos actos de posse de boa-fé, à vista de todos e de forma pacífica, sempre confiante que a casa, que lhe fora atribuída por concurso público, seria sua ao fim de 25 anos de pagamento das prestações a que estava sujeito.
Concluiu pedindo a condenação do Autor por litigância de má-fé, em multa e indemnização.
O Autor respondeu, alegando em síntese: adquiriu por escritura pública o prédio onde se encontra implantada a casa de que o réu foi arrendatário, tendo por isso legitimidade para reivindicar a mesma; a dita casa não constitui a morada de família do réu, não se verificando, por isso, qualquer situação de litisconsórcio necessário passivo; sendo a presente acção de reivindicação, é competente para dela conhecer este tribunal.
Foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de incompetência material e absolveu o Réu da instância (fls. 191 e seg.). Do referido despacho agravou o Autor e acórdão deste tribunal, de 22 de Maio de 2007 (fls. 267 e seg.), confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 346 e seg.) foi dado provimento ao agravo, revogando-se o aludido despacho, tendo os autos prosseguido a sua tramitação subsequente.
No despacho proferido nos autos a fls. 360 considerou-se a existência de litisconsórcio necessário [ao lado do réu deveria intervir, igualmente, a sua esposa], tendo sido proferido despacho no qual se convidou o Autor a suprir a excepção de ilegitimidade passiva e o Réu reconvinte a suprir a excepção de ilegitimidade activa, no que ao pedido reconvencional concerne .
Na sequência do despacho proferido, quer o Autor, quer o Réu deduziram pedidos de intervenção principal provocada, tendo sido admitida a intervir, como parte principal passiva e como parte principal activa, na qualidade de reconvinte, a esposa do réu, M (…) (fls. 382 e seg.).
Citada, a interveniente declarou fazer seus os articulados do réu reconvinte (fls. 388).
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando o Autor a corrigir a petição inicial, ao que o mesmo acedeu, seguindo-se resposta dos réus
Foi proferido despacho saneador, no qual se admitiu a reconvenção e se fixou o valor da acção, tendo sido seleccionada a matéria de facto considerada como assente e incluída na base instrutória, sem reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto, que não foi objecto de qualquer reclamação.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Atento o exposto, julgo a presente acção e a reconvenção totalmente improcedentes e, em consequência, absolvo o réu, a interveniente principal e o reconvindo dos pedidos formulados.»
Não se conformando, o Autor e o Réu interpuseram recurso de apelação (fls. 712 e 716), admitidos por despacho proferido a fls. 719.
Ambos os recorrentes apresentaram alegações.
Nas suas alegações, o Autor formula as seguintes conclusões:
(…)
Nas suas alegações, o Réu formula as seguintes conclusões:
(…)
Apenas o Autor apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
(…)
II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) saber se na sentença recorrida ocorre a violação do n.º 3 do artigo 659.º do CPC, por omissão de um facto provado documentalmente; ii) saber se, com a aquisição por parte do autor (Município de Soure), do terreno onde o IGAPHE veio a construir a habitação que constitui o prédio urbano em discussão nos autos, e a posterior cedência do “Bairro de B...” ao autor, este adquiriu a propriedade do referido prédio; iii) saber se ocorreu a aquisição derivada ou a aquisição originária do prédio por parte do réu; iv) saber se ocorreu qualquer factor, nomeadamente a resolução, que impedisse a aquisição definitiva do prédio urbano por parte do réu.

2. A questão prévia da definição do elenco factual
Nas conclusões 2.ª a 7.ª, alega o recorrente Município de Soure:

2ª) A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, não tomou em consideração, ao contrário do que se impunha, (violando assim o disposto no nº3 do artigo 659º do Código de Processo Civil) na sua Fundamentação, quanto à Matéria de Facto, os seguintes elementos factuais:

3ª) O facto de o Autor, ora Recorrente, ter adquirido a propriedade do terreno, onde o bairro, no qual se inclui o prédio urbano reivindicado, foi implantado, por escritura pública de 21 de Junho de 1977, de fl. 106 e segs. dos presentes autos;

4ª) O facto de o I.G.A.P.H.E. (que sucedeu ao Fundo de Fomento de Habitação) ter, depois disso, construído à sua custa tal prédio urbano;

5ª) Importa referir que o “Tribunal “a quo” dá a entender que os factos atrás referidos se provaram quando a eles se refere a Sentença recorrida no ponto 2) da sua Fundamentação ou seja, nas questões a decidir e direito aplicável,

Sendo certo que:

6ª) Que tais ocorrências, são factos com relevo para a decisão da presente causa, tendo o 1º (primeiro) destes 2 (dois) factos, sido provado pelo Autor, ora Recorrente, através de um documento com força probatória plena, ou seja, através de uma escritura pública, constante de fls.106 e segs. dos presentes autos.

7ª) A sentença recorrida, não tendo tomado em consideração, ao contrário do que se impunha, na sua fundamentação (quanto à matéria de facto), os elementos factuais atrás enunciados, violou o nº 3 do Artº 659º do C.P.C. 4;
Vejamos.
O autor apresentou com a resposta à reconvenção (fls. 106 e seguintes), cópia da escritura de compra e venda de uma parcela de terreno, celebrada em 21 de Junho de 1977, tendo ficado consignado no aludido documento (fls. 109): «[…] na citada parcela se vão construir casas pré-fabricadas conforme subsídio concedido pela Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção por seu despacho publicado no Diário da República, segunda série, do dia três de Maio findo […]».
O referido documento não foi impugnado pelo réu, pelo que se deverá considerar provada a celebração da escritura pública invocada pelo autor.
Quanto à construção da habitação que integra o prédio urbano em causa, salvo o devido respeito não resulta dos autos a conclusão de que tenha sido edificada pelo IGAHP (Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional).
O IGAPH sucedeu ao Fundo de Fomento de Habitação (tal como se consignou no facto n.º 2 da sentença), e, conforme se alcança do documento junto aos autos a fls. 47, terá sido esta entidade - Fundo de Fomento de Habitação – quem construiu a habitação reivindicada nos autos.
Com efeito, consta do referido documento (ofício de 13.05.1981, remetido pelo FFH ao réu): «Como é do seu conhecimento as infraestruturas do Bairro onde habita ainda não estão concluídas. Mas, dado que V.Ex.ª optou pelo regime de propriedade resolúvel, há toda a vantagem em iniciar o pagamento, pelo que deve informar esta Direcção de Habitação, se está ou não interessado em começar a liquidar desde já as respectivas prestações».
Acresce que, de acordo com a “credencial” junta aos autos a fls. 38 (não impugnada), a habitação foi entregue ao réu em 15 de Julho de 1978[1].
Ora, se o réu já habitava a casa quando o “Bairro” ainda era gerido pelo Fundo de Fomento de Habitação [o que acontecia desde 1978 - ver facto 8.º], ou seja, em momento anterior à sua entrega ao IGAPH, com o devido respeito, não faz qualquer sentido afirmar que a habitação foi construída pelo IGAPH[2].
Dúvidas não restam, face aos elementos que se colhem dos autos, que se trata de habitação social (na altura designada por “casas económicas”[3]), construída por entidade com atribuições para o efeito conferidas por lei, in casu, pelo Fundo de Fomento de Habitação.
 No que respeita à inclusão na sentença dos factos em apreço (provados documentalmente), de acordo com a interpretação pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, ainda que um facto provado documentalmente não tenha sido seleccionado (não constando do elenco factual assente nem na base instrutória[4]), nada impede o juiz de o ponderar e dele extrair todos os efeitos jurídicos na sentença[5].
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 24 de Maio de 1988[6], “O julgador, na sentença, tem de levar em consideração todos os factos provados por documentos, confissão das partes ou acordo destas, mesmo que não tenham sido especificados”.
Prescreve o n.º 3 do artigo 659.º do CPC, invocado pelo autor/recorrente: «Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.»
O primeiro facto em causa em causa (celebração da escritura) mostra-se provado face à natureza do documento junto e à sua não impugnação.
O mesmo não se poderá dizer quanto ao segundo (construção da habitação pelo IGAPH), porque, como se referiu, as chaves da habitação foram entregues ao réu em 15 de Julho de 1978 (credencial de fls. 38), e o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) só veio a ser criado em 1987 (pelo Decreto-Lei n.º 88/87, de 26 de Fevereiro).
Quanto à integração ou não no elenco factual relevante consignado na sentença, dependerá da sua relevância, na medida em que só interessa a factualidade que juridicamente releva para a decisão da causa, e é nesse sentido que deve ser interpretado o n.º 3 do artigo 659.º do CPC.
Como referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto em anotação ao artigo 659.º, do C.P.C.[7], “A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta todos os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas…”
Na situação sub judice, este tribunal em sede de recurso não se encontra limitado pela factualidade enunciada na sentença recorrida, podendo tomar em consideração todos os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, nos termos do n.º 3 do artigo 659.º do CPC.
Quanto ao facto cuja integração no elenco da sentença o recorrente (autor) preconiza, pese embora a sua pouca relevância (como adiante se concluirá), para tornar mais clara a sequência factual subjacente à questão em discussão nos autos, será integrado no elenco factual do presente acórdão, o mesmo acontecendo, pelas mesmas razões, relativamente aos factos provados através dos documentos de fls. 38 e 47.

2. Factualidade relevante
São os seguintes, os factos relevantes para a decisão, provados nos autos:
2.1. Dá-se por reproduzido o teor da escritura de compra e venda, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 106 e seguintes, celebrada em 21 de Junho de 1977, na qual J (…) declara vender e o representante do autor (Município de Soure) declara comprar a parcela de terreno ali identificada, tendo ficado consignado no aludido documento (fls. 109): «[…] na citada parcela se vão construir casas pré-fabricadas conforme subsídio concedido pela Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção por seu despacho publicado no Diário da República, segunda série, do dia três de Maio findo […]».
2.2. Consta do ofício datado de 13.05.1981, junto aos autos a fls. 47, emitido pelo Fundo de Fomento de Habitação e dirigido ao réu: «Como é do seu conhecimento as infraestruturas do Bairro onde habita ainda não estão concluídas. Mas, dado que V.Ex.ª optou pelo regime de propriedade resolúvel, há toda a vantagem em iniciar o pagamento, pelo que deve informar esta Direcção de Habitação, se está ou não interessado em começar a liquidar desde já as respectivas prestações».
2.3. É o seguinte o teor da “credencial” emitida pelo Fundo de Fomento da Habitação e junta aos autos a fls. 38: «CREDENCIAL. Para efeitos de entrega de chaves, se declara que ao Sr. R (…) foi atribuída uma habitação do tipo T4, sita no prédio n.º 4, 2.º andar. Divisão de Gestão Social, em 15 de Julho de 1978. O Chefe de Divisão»
2.4. Encontra-se actualmente inscrito na Conservatória do Registo Predial de Soure, freguesia de Soure, sob o n.º 19699/20081205, o seguinte prédio urbano: casa tipo T4, identificada com o n.º X..., sito em A..., Soure, Bairro das B..., omisso na matriz – al. A) dos Factos Assentes;
2.5. O referido prédio integra o Bairro de B... e foi cedido pelo IGAPE, que sucedeu ao Fundo Fomento de Habitação, ao Município de Soure, em 16 de Março de 1989, conforme auto de cessão junto a fls. 9 e que aqui se dá por reproduzido, do qual consta, nomeadamente: “Esta cessão é feita a título gratuito, com a única condição de salvaguardar os direitos dos actuais moradores adquirentes do regime de propriedade resolúvel…” – al. B) dos Factos Assentes;
2.6. Ao réu foi atribuído, pelo Fundo de Fomento de Habitação e por concurso público, o imóvel referido em 1) para residência sua e do seu agregado familiar – al. C) dos Factos Assentes;
2.7. Tendo o Réu optado pela aquisição da mesma através do regime de propriedade resolúvel, ficando obrigado a proceder ao pagamento de 300 prestações à autora – al. D) dos Factos Assentes;
2.8. A última prestação venceu-se em Maio de 2006 e as 300 prestações foram integralmente pagas – al. E) dos Factos Assentes;
2.9. O Réu deixou de habitar o imóvel referido em 1), deixando de aí tomar as suas refeições, pernoitar, receber amigos e cozinhar em data não concretamente apurada de 1997 – resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória;
2.10. E passou a praticar tais actos numa casa situada na Rua C... n.º Y..., Z..., em D..., Coimbra – resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória;
2.11. O Réu vem fruindo o prédio referido em 1) desde 1978, sendo que até data não concretamente apurada de 1997 nele criou os filhos, recebeu os netos e exerceu a actividade literária – resposta aos artigos 3.º e 4.º da Base Instrutória;
2.12. O Réu vem recebendo correspondência no prédio mencionado em 1), o que sucedeu pelo menos até à data de entrada da presente acção em juízo – resposta ao artigo 5.º da Base Instrutória;
2.13. Actos esses que foram praticados à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de que seria o legítimo dono do prédio com o pagamento das prestações a que estava sujeito – resposta aos artigos 6.º e 7.º da Base Instrutória;

3. Fundamentos de direito
Ambas as partes (o autor na petição e o réu na reconvenção), reivindicam o direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado nos autos.
Tais direitos revelam-se incompatíveis (o direito de um excluirá, óbvia e necessariamente, o direito do outro).
Considerando o teor do “auto de cessão” junto ao processo a fls. 9, o autor (Município de Soure) sucedeu ao Fundo Fomento de Habitação, na posição que este detinha no contrato celebrado com o réu.
Como metodologia na abordagem dos recursos, entendemos que se deverá começar por analisar a posição contratual do réu e a evolução do direito que invoca nesta acção, considerando o teor do auto em que se consignou a cessão do “Bairro Social” ao autor (Município), onde expressamente se consignou: “Esta cessão é feita a título gratuito, com a única condição de salvaguardar os direitos dos actuais moradores adquirentes do regime de propriedade resolúvel…”
Cumpre, face ao exposto, começar por averiguar se o direito invocado pelo réu (direito de propriedade resolúvel), se consolidou (em momento anterior ou posterior à cessão), convertendo-se em “propriedade plena”[8], na medida em que, se concluirmos pela ocorrência desse facto, teríamos que concluir pela inviabilidade da pretensão do autor.

3.1. A aquisição derivada invocada pelo réu
Vejamos o instituto da propriedade resolúvel o regime legal aplicável.
Como se refere no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 29 de Janeiro de 1976[9], a propriedade resolúvel é aquela que, por virtude de cláusula introduzida pelas partes no título translativo do domínio, está sujeita à sua resolução no caso de se verificar o facto desencadeador desse efeito (condição) previsto naquele título.
A especificidade deste instituto reside no facto de o direito de propriedade adquirido pode resolver-se quando se verificar a condição, perdendo, então, o adquirente esse direito, com efeitos retroactivos à data da celebração do negócio, se outra coisa, quanto a essa data, não se tiver estipulado (artigo 276.º do Código Civil).
Conclui-se no parecer citado, em consonância com um outro parecer da mesma entidade (n.º 80/59, de 29 de Outubro de 1959): «O traço essencial deste conceito é, seguramente, o carácter revogável do direito de propriedade, tal como foi adquirido, fazendo contraste e excepção à natureza incondicionada ou definitiva que normalmente caracteriza a aquisição da propriedade».
Trata-se de um negócio em que se verifica a pendência de condição resolutiva, estando em consequência sujeito a um regime que o Professor Inocêncio Galvão Telles[10] sintetizava desta forma:
a) Na pendência da condição resolutiva os efeitos produzem-se como se o acto fosse puro e simples, mas tais efeitos desaparecem, como se não se houvessem produzido, se a condição se verificar.
b) A condição também aqui opera ipso iure e retroactivamente, mesmo em face de terceiros.
c) Não verificada a condição resolutiva, os efeitos do negócio deixam de ser precários, consolidam-se plenamente, tornando-se definitivos, como se nunca tivessem estado dependentes de qualquer condição.
Vejamos agora o regime legal.
O Decreto-Lei n.º 23.052 de 23 de Setembro de 1933 dispõe no artigo 35.º (corpo do artigo): «Os indivíduos a quem hajam sido atribuídas moradias económicas adquirem a sua posse e propriedade resolúvel mediante a celebração de contrato, devidamente testemunhado, em que outorgam o morador-adquirente, o chefe da Repartição das Casas Económicas por parte do Estado, e em nome do Sindicato Nacional a que pertencer o adquirente, se a tal houver lugar, o respectivo presidente».
 Lê-se no parágrafo 1.º do citado normativo: «O contrato deve ser lavrado nos trinta dias seguintes à admissão do adquirente ao benefício do seguro de vida».
Finalmente, consta do artigo 36.º (corpo do artigo): «Do contrato deve constar que o morador-adquirente se responsabiliza, por si e com a garantia de uma apólice de seguro de vida, pelo pagamento de 240 prestações, calculadas nos termos do artigo 49.º, adquirindo ele ou o seu herdeiro, com o pagamento da última prestação, a propriedade plena da moradia».
 O Decreto-Lei n.º 49 033, de 28 de Maio de 1969, que institui o Fundo de Fomento da Habitação, estabelece no artigo 18.º: «A distribuição das casas do Fundo far-se-á mediante concurso, nos termos do regulamento a publicar».
O Regulamento do Fundo de Fomento da Habitação foi publicado na mesma data que o Decreto-Lei que o criou - DL n.º 49 033, em 28 de Maio de 1969.
Tal regulamento consubstancia-se no Decreto n.º 49 034, que estabelece no artigo 30.º: «Os concorrentes a quem hajam sido atribuídas casa em regime de propriedade resolúvel adquirem a sua posse e propriedade mediante a celebração de contrato, em que outorgam o morador-adquirente e o chefe da Repartição Administrativa do Fundo como seu representante».
Decorre da conjugação dos normativos transcritos, ao contrário do que alega o réu no seu recurso, que a lei exige um contrato formal.
Sobre esta matéria, divergem os recorrentes, alegando em síntese: o recorrente/autor (Município de Soure): não se verificou a aquisição derivada, face ao disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 167/93 de 7 de Maio, que exige a celebração de escritura pública; o recorrente/réu: o regime aplicável contém-se no Decreto-Lei n.º 23.052 de 23 de Setembro de 1933, que não sujeita a transmissão da casa à solenidade da escritura e “muito embora não tenha sido junto aos autos cópia do contrato celebrado, certo é que são vários os documentos comprovativos da celebração e existência do mesmo…”. (fls. 749)
Vejamos o regime formal aplicável.
Como já se referiu, o Decreto-Lei n.º 23.052 de 23 de Setembro de 1933 exige a celebração de contrato escrito, sendo tal exigência repetida pelo Decreto n.º 49 034, que no seu artigo 30.º estabelece que: «Os concorrentes a quem hajam sido atribuídas casa em regime de propriedade resolúvel adquirem a sua posse e propriedade mediante a celebração de contrato em que outorgam o morador-adquirente e o chefe da Repartição Administrativa do Fundo…»
 O Decreto-Lei n.º 167/93 de 7 de Maio visa “modernizar” o regime da propriedade resolúvel, como expressamente refere no seu preâmbulo: «O regime de propriedade resolúvel foi introduzido entre nós pelo Decreto-Lei n.º 23052, de 23 de Setembro de 1933, tendo sofrido, até aos dias de hoje, alterações várias. A disciplina jurídica da propriedade resolúvel encontrava-se, por isso, carente de modernização e de uniformização, constituindo, agora renovada, um importante instrumento da política habitacional.»
No artigo 1.º, o citado diploma legal define no n.º 1 o seu âmbito de aplicação «O presente diploma tem por objecto o estabelecimento do regime de propriedade resolúvel sobre prédios urbanos ou suas fracções autónomas, adiante designados por fogos, destinados a habitação própria e permanente do adquirente», especificando no n.º 2 que o seu regime é aplicável aos fogos construídos ou adquiridos para habitação social pelo Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como pelas Regiões Autónomas, pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social, quando tenham beneficiado de comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado para a respectiva construção ou aquisição.
No n.º 1 do art. 2.º, prevê a exigência de forma solene na transmissão, nestes termos: «Para os efeitos do presente diploma, a propriedade resolúvel constitui-se com a celebração da escritura pública de compra e venda».
Há, no entanto, que considerar que a casa foi entregue ao réu em 1978 (facto 2.11), ou seja, quinze anos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 167/93.
Acresce que, de todos os diplomas legais referidos resulta um regime comum: a transferência da posse e propriedade resolúvel é feita com a entrega da casa[11].
Ora, sendo a transferência da propriedade resolúvel feita aquando da entrega do imóvel, in casu tal transferência teria que ter ocorrido em 1978, não fazendo qualquer sentido a sua formalização 15 anos decorridos.
Acresce que a questão em apreço se reporta a “condições de validade formal”, encontrando-se expressamente prevista, em sede de princípio geral de aplicação da lei no tempo, na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, nestes termos: «Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos…»[12].
Não se revela assim aplicável o Decreto-Lei n.º 167/93 de 7 de Maio.
Há no entanto um outro diploma legal, claramente aplicável in casu – o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344 de 25 de Novembro de 1966, que no seu artigo 34.º dispõe sobre a revogação do direito anterior: «Desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência.»
Ora, como se refere no citado Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 29 de Janeiro de 1976[13], o negócio jurídico adequado à transferência onerosa do direito de propriedade, incluindo o de natureza resolúvel, é a escritura pública, como decorre da conjugação dos artigos 408.º, 874.º e 875.º do Código Civil[14].
O réu não juntou qualquer escritura, antes admitiu expressamente a não formalização do contrato através de qualquer documento escrito, daí decorrendo a falta de transferência da propriedade resolúvel que invoca.
Com efeito, nos termos do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 23.052 de 23 de Setembro de 1933, a transferência da propriedade resolúvel só poderia ser validamente efectuada “mediante a celebração de contrato, devidamente testemunhado”, não ocorrendo tal transferência por mera atribuição (em concurso) e entrega da casa, como se depreende do artigo 30.º do Decreto n.º 49 034: «Os concorrentes a quem hajam sido atribuídas casa em regime de propriedade resolúvel adquirem a sua posse e propriedade mediante a celebração de contrato, em que outorgam o morador-adquirente e o chefe da Repartição Administrativa do Fundo como seu representante».
Decorre do exposto a conclusão de que, contrariamente à tese defendida pelo recorrente/réu, não se verificou a transferência do direito de propriedade resolúvel.
Improcede nesta parte o recurso do réu.

3.2. A aquisição originária invocada pelo réu
Alega o réu que ocorreu a aquisição originária do prédio urbano em discussão, por usucapião.
Recapitulando a factualidade, provou-se com relevância para esta questão:

2.6. Ao réu foi atribuído, pelo Fundo de Fomento de Habitação e por concurso público, o imóvel referido em 1) para residência sua e do seu agregado familiar – al. C) dos Factos Assentes;

2.7. Tendo o Réu optado pela aquisição da mesma através do regime de propriedade resolúvel, ficando obrigado a proceder ao pagamento de 300 prestações à autora – al. D) dos Factos Assentes;

2.8. A última prestação venceu-se em Maio de 2006 e as 300 prestações foram integralmente pagas – al. E) dos Factos Assentes;

2.9. O Réu deixou de habitar o imóvel referido em 1), deixando de aí tomar as suas refeições, pernoitar, receber amigos e cozinhar em data não concretamente apurada de 1997 – resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória;

2.10. E passou a praticar tais actos numa casa situada na Rua C... n.º Y..., Z..., em D..., Coimbra – resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória;

2.11. O Réu vem fruindo o prédio referido em 1) desde 1978, sendo que até data não concretamente apurada de 1997 nele criou os filhos, recebeu os netos e exerceu a actividade literária – resposta aos artigos 3.º e 4.º da Base Instrutória;

2.12. O Réu vem recebendo correspondência no prédio mencionado em 1), o que sucedeu pelo menos até à data de entrada da presente acção em juízo – resposta ao artigo 5.º da Base Instrutória;

2.13. Actos esses que foram praticados à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de que seria o legítimo dono do prédio com o pagamento das prestações a que estava sujeito – resposta aos artigos 6.º e 7.º da Base Instrutória;
Na sentença recorrida considerou-se que o réu provou todos os fundamentos da aquisição originária do direito que invoca, nomeadamente a posse de boa fé, por mais de 15 anos, concluindo-se ser esse o prazo prescricional aquisitivo de acordo com o regime do Código Civil, acabando-se no entanto por não reconhecer o direito invocado, face à ampliação do referido prazo, nos termos da Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913.
Consignou-se na sentença recorrida:

«[…] Ora, da factualidade apurada resulta que o réu vem fruindo o prédio em causa nos autos desde 1978, sendo que até data não concretamente apurada de 1997 nele criou os filhos, recebeu os netos e exerceu a actividade literária; vem recebendo aí correspondência, o que sucedeu pelo menos até à data de entrada da presente acção em juízo [Julho de 2006]; tendo os actos em causa sido praticados à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de que seria legítimo dono do prédio com pagamento das prestações a estava sujeito. Não obstante, em data não concretamente apurada de 1997, o réu deixou de habitar no referido imóvel, tendo deixado de aí tomar as suas refeições, pernoitar, receber amigos e cozinhar, actos estes que passou a praticar numa casa situada na Rua C... n.º Y..., Z..., em D...– Coimbra.

À primeira vista, face ao que ficou anteriormente dito, dir-se-á que estão reunidos, no presente caso, os pressupostos da usucapião, tendo o réu adquirido o aludido imóvel através dessa forma de aquisição originária. Com efeito, entre 1978 e 1997 (bastariam 15 anos) exerceu uma posse efectiva, aí residindo e praticando os mais diversos actos, de forma pacífica e pública e na convicção da casa ser sua logo que lograsse efectuar o pagamento das prestações a que se encontrava sujeito (facto que este que veio a verificar-se em Maio de 2006), presumindo-se uma actuação de boa-fé, face à posse titulada (art. 1260.º n.º 2 do Código Civil).

Contudo, estando em causa um imóvel de um organismo público, em concreto, do extinto Fundo de Fomento da Habitação (que era um organismo com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, dependente da Secretaria de Estado do Urbanismo e Habitação, criada no Ministério das Obras Públicas pelo Decreto-Lei n.º 288/72, de 11 de Agosto) haverá que ter em conta que os prazos previstos para a usucapião sofrem um alargamento.

Na verdade, num diploma antigo, mas ainda em vigor – Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913 –, estabelece-se que as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, além dos prazos actualmente em vigor; tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos [artigo 1.º], acrescentando-se que a disposição deste artigo não abrange os bens que à data da promulgação desta lei estejam prescritos nos termos legais, nem as prescrições de dívidas ao Estado, por contribuições [§ único], e que continuará em vigor o decreto de 1 de Setembro de 1899 e fica revogada a legislação em contrário [artigo 2.º].

A vigência deste normativo decorre do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966 [diploma que aprovou o Código Civil] – desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência – e no artigo 1304.º do Código Civil – o domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectiva públicas está igualmente sujeito às disposições deste código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio (…).

Desta forma, sendo de 15 anos o prazo normal aplicável ao presente caso, a prescrição aquisitiva por parte do réu só se mostraria verificada uma vez decorridos 30 anos, o que, à data de entrada da presente acção em juízo, ainda não sucedia.

E, assim sendo, sem mais considerações, improcede igualmente a reconvenção deduzida. […]»
Contra a conclusão final (cálculo do prazo de usucapião), se insurge o recorrente, alegando: “Todavia, e ainda que o mesmo se aplicasse ao presente caso [Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913], a prescrição aquisitiva por parte do réu mostrar-se-ia verificada após vinte e dois anos e meio (15 anos + metade (7,5 anos) = 22, 5 anos) e não após 30 anos como refere o Meritíssimo Juiz. Atendendo a que a posse teve início em 1978, no ano de 2000 mostrar-se-ia verificada a prescrição aquisitiva (???) por parte do Réu, sendo que a acção entrou em juízo em 2006.”
Vejamos.
3.2.1. Quanto à aplicação da Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913.
Dispõe o artigo 1º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913:
«As prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, alêm dos prazos actualmente em vigor, tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos.
§ único. A disposição dêste artigo não abrange os bens que à data da promulgação desta lei estejam prescritos nos termos legais, nem as prescrições de dívidas ao Estado por contribuições
O já citado artigo 3.º do Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o Código Civil estabelece o seguinte princípio de revogação do direito anterior à vigência deste diploma: «Desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência».
Finalmente, prescreve o artigo 1304.º do Código Civil: «O domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectivas públicas está igualmente sujeito às disposições deste código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio».
Na anotação a esta norma, os Professores Pires de Lima e Antunes Varela[15] expressam a sua concordância à conclusão expressa pelo Professor Marcelo Caetano sobre a subsidiariedade da aplicação do Código Civil à dominialidade do estado, nestes termos: «O regime de dominialidade é autónomo relativamente ao da propriedade particular, do mesmo modo que o Direito Administrativo o é relativamente ao Direito Civil. Por isso, na ausência de ‘regulamentação especial’ – e justamente por causa da ‘natureza própria’ do domínio público – a integração das lacunas deve fazer-se pelo recurso aos casos análogos regulados em leis administrativas ou aos princípios gerais do Direito Administrativo ou do Direito Público Português. Só na falta destes é possível lançar mão dos princípios gerais do Direito (público e privado) porventura contidos no Código Civil».
Concluem os autores citados, que relativamente a coisas do domínio do estado, «enquanto não estiver esgotado o processo interpretativo do direito público, incluindo o recurso à analogia dentro deste direito, não há que recorrer à lei civil».
O mesmo entendimento é perfilhado pelo Professor Oliveira Ascensão[16], que refere a vigência da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913 “mantida em vigor pelo artigo 1304.º do Código Civil”, concluindo: «são usucapíveis as coisas que se encontrem na ‘titularidade privada’ do Estado, mas então o prazo é acrescido de 50% na sua duração».
No mesmo sentido vai a jurisprudência, como se ilustra com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6.12.1984[17], cujo sumário se transcreve parcialmente: «A Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913, que determina que as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, alem dos prazos do Código Civil, tenha decorrido mais metade dos mesmos, está em vigor, não tendo sido revogada pelo artigo 3.º da lei preambular do Código Civil (Decreto-Lei n. 57344, de 25 de Novembro de 1966), visto tratar-se de uma lei administrativa e estar a sua vigência admitida na parte final do artigo 1304.º do referido Código»[18].
Aderindo à tese enunciada, com os fundamentos que se expuseram concluímos que é aplicável in casu a Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913, que manda adicionar ao prazo prescricional aquisitivo, metade desse prazo.
A questão que se passa a colocar é a seguinte: qual o prazo a considerar?
Na resposta a esta questão haverá que fazer uma abordagem prévia ao instituto da usucapião e à verificação, ou não, dos seus pressupostos no caso em apreço, face á prova produzida. 

3.2.2. Quanto à contagem do prazo
De acordo com o disposto no artigo 1287.º do Código Civil, o instituto da usucapião constitui uma modalidade de aquisição originária de direitos reais.
A este instituto são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos 300º, 302º, 303º e 305º, face ao que dispõe o artigo 1292.º do Código Civil[19].
O artigo 1287.º do Código Civil define a eficácia aquisitiva da usucapião, tendo como requisitos a posse e o decurso do tempo, nestes termos: «A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião
O artigo 1251.º define a posse como “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
Por força do disposto no n.º 2 do artigo 1252º, nº 2, do Código Civil, em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 1257[20].
A usucapião tem efeito retroactivo à data do início da posse, de acordo com o disposto no artigo 1288.º
Nos termos do artigo 1296º, no caso de inexistência de registo do título nem de mera posse, a usucapião consuma-se decorridos 15 anos no caso de posse de boa fé, e 20 anos no caso de posse de má fé.
Face à redacção do artigo 1296º “Não havendo registo do título nem da mera posse…”, conclui-se que o Código Civil não refere expressamente o prazo de aquisição por usucapião de imóveis quando para além do registo, falte o próprio título de aquisição, o que constitui uma omissão surpreendente, na medida em que a usucapião é a forma de aquisição originária por excelência do direito de propriedade, frequentemente aplicada aos casos de ausência de título translativo (e não apenas do seu registo).
Tem constituído, no entanto, orientação pacífica na doutrina e na jurisprudência, a aplicação a estas situações (de ausência de título e, consequentemente, do seu registo) dos prazos do artigo 1296º, do Código Civil, por se revelar uma solução enquadrável na letra da lei, considerando-se ainda a analogia com o disposto no artigo 1298º quanto aos móveis sujeitos a registo[21].
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1259.º, a posse diz-se titulada quando se funda em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente do direito do transmitente e da validade substancial do negócio jurídico. Desta norma extraem-se duas consequências: a posse será titulada ainda que o transmitente não tenha o direito transmitido na sua esfera jurídica e sempre que o vício que afecta o título não seja de ordem formal; se o acto for nulo por vício de forma, a posse que do mesmo deriva não é titulada[22].
Concluímos supra que in casu o acto de transmissão é nulo por vício de forma, pelo que estamos perante uma posse não titulada por parte do réu.
Provou-se, no entanto, que a posse exercida pelo réu o foi de boa fé, na medida em que todos os actos integradores deste conceito “foram praticados à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de que seria o legítimo dono do prédio com o pagamento das prestações a que estava sujeito” (facto 2.13)
Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 260.º, a posse é de boa fé quando o possuidor ao adquiri-la ignore que lesa o direito de outrem[23], o que é, manifestamente, o caso dos autos, dado que o réu optou pela aquisição da casa no regime de propriedade resolúvel, pagou todas as prestações (300) definidas pelo FFH, e estava convencido de que era o verdadeiro dono do prédio.
De todo o exposto resulta que o prazo de aquisição por usucapião, à luz do Código Civil, seria de quinze anos, como muito bem se refere na sentença recorrida.
No entanto, na sentença conclui-se desta forma:
«[…] Na verdade, num diploma antigo, mas ainda em vigor – Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913 –, estabelece-se que as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, além dos prazos actualmente em vigor; tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos (…).
(…) sendo de 15 anos o prazo normal aplicável ao presente caso, a prescrição aquisitiva por parte do réu só se mostraria verificada uma vez decorridos 30 anos, o que, à data de entrada da presente acção em juízo, ainda não sucedia. E, assim sendo, sem mais considerações, improcede igualmente a reconvenção deduzida. […]».
Salvo todo o respeito devido, verifica-se um manifesto lapso aritmético, como bem refere o recorrente/réu.
Com efeito, se considerarmos que o prazo aplicável é de 15 anos, o seu alargamento para “mais metade” cifrar-se-á em 22,5 anos [15:2 = 7,5 / 15+7,5 = 22,5].
A questão fulcral reside em definir o “prazo base” sobre o qual incide o alargamento previsto na Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913 (que já considerámos aplicável).
Tal definição deverá ser feita com recurso à regra enunciada no n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil, que prescreve: «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar
Perante este normativo, parece não restarem dúvidas de que o “prazo base” de usucapião a considerar in casu, face à natureza da posse do réu (não titulada, de boa fé, pública e pacífica), deverá ser o que se encontra previsto no artigo 1296.º do Código Civil – quinze anos – tal como se conclui na sentença recorrida[24].
Temos assim como prazo aquisitivo, vinte e dois anos e meio.
Vejamos de novo a factualidade relevante nesta matéria:

2.11. O Réu vem fruindo o prédio referido em 1) desde 1978, sendo que até data não concretamente apurada de 1997 nele criou os filhos, recebeu os netos e exerceu a actividade literária – resposta aos artigos 3.º e 4.º da Base Instrutória;

2.12. O Réu vem recebendo correspondência no prédio mencionado em 1), o que sucedeu pelo menos até à data de entrada da presente acção em juízo – resposta ao artigo 5.º da Base Instrutória.
Considerando que a acção entrou em 7 de Julho de 2006, concluímos que o réu vem exercendo a posse sobre o prédio desde há 28 anos, tendo ocorrido a aquisição originária que invoca.
Procede, em consequência, o recurso do réu nesta parte.

3.3. A aquisição invocada pelo autor
Ressalvando o devido respeito, não compreendemos a ênfase que o autor coloca no facto de ter adquirido o terreno onde foi implantado o “Bairro Social” no qual se integra a habitação do réu.
Com efeito, face à sequência factual provada, não se afigura que tal aquisição tenha qualquer relevância para a discussão da propriedade da casa de habitação do autor.
Recapitulando os factos essenciais:
1) Na escritura de compra e venda da parcela de terreno em causa (fls. 106 e seguintes), consta: «[…] na citada parcela se vão construir casas pré-fabricadas conforme subsídio concedido pela Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção por seu despacho publicado no Diário da República, segunda série, do dia três de Maio findo […]». (facto 2.1)
2) Tal parcela foi cedida ao Fundo de Fomento de Habitação e é esta entidade que emite o ofício datado de 13.05.1981 (fls. 47), dirigido ao réu, dando conta da opção que este fez pelo regime de propriedade resolúvel, e sugerindo o pagamento das respectivas prestações. (facto 2.2)
3) É a mesma entidade (FFH) que atribui ao réu a casa de habitação através da “credencial” junta aos autos a fls. 38. (facto 2.3)
4) Já depois de construído o “Bairro de B...” na referida parcela de terreno, foi este cedido ao autor (Município de Soure) pelo IGAPE, que sucedeu ao Fundo Fomento de Habitação, em 16 de Março de 1989 - auto de cessão junto a fls. 9, do qual consta, nomeadamente: “Esta cessão é feita a título gratuito, com a única condição de salvaguardar os direitos dos actuais moradores adquirentes do regime de propriedade resolúvel…” (facto 2.6)
Ou seja, o autor é mero cessionário do “Bairro de B...”, onde se integra o prédio urbano em causa nos autos, mediante a condição expressa de respeitar os direitos dos moradores adquirentes do regime de propriedade resolúvel.
Lapidarmente, refere o Professor Inocêncio Galvão Telles[25], a propósito da cessão da posição contratual: «Cumpre salientar que, a par e em complemento dos direitos e obrigações fundamentais, o cessionário assume, perante o cedido, todos os mais elementos patrimoniais complementares, favoráveis ou desfavoráveis: deveres laterais, secundários ou acessórios, bem como expectativas e ónus. Transmite-se a posição contratual na sua globalidade e, na sua globalidade, ela tem toda essa latitude».
Ao ceder o “Bairro”, o IGAPH transferiu e o autor (Município) aceitou, a posição contratual que aquele tinha com o réu, aí se incluindo todos os direitos e deveres, ónus e encargos dela emergentes.
No ano de 2006, quando o autor intentou a presente acção, a posição do réu tinha-se consolidado, porque já adquirira por usucapião o direito de propriedade do prédio urbano onde residiu, o qual não se revela minimamente incompatível com os direitos transferidos para o autor – antes pelo contrário, face à condição expressamente consignada no auto de cessão.
Ressalvando sempre o respeito devido, também não se vislumbra qualquer fundamento na invocação da aquisição originária do prédio (casa de habitação) em causa.
O direito de propriedade – por aquisição originária – do réu ter-se-ia consolidado ainda que o IGAPH tivesse mantido o “Bairro de B...” na sua titularidade, não o cedendo ao autor, salvo se tivesse, por qualquer meio idóneo, interrompido o processo usucapitivo[26].
 O autor não pode legitimamente invocar a “posse” do Fundo de Fomento de Habitação, como fundamento da aquisição originária que alega, considerando que esta entidade “possuiu” o “Bairro” na convicção de que o réu era proprietário da sua habitação.
É esse o sentido inequívoco da declaração constante do ofício datado de 13.05.1981, junto aos autos a fls. 47, emitido pelo Fundo de Fomento de Habitação e dirigido ao réu: «Como é do seu conhecimento as infraestruturas do Bairro onde habita ainda não estão concluídas. Mas, dado que V.Ex.ª optou pelo regime de propriedade resolúvel, há toda a vantagem em iniciar o pagamento, pelo que deve informar esta Direcção de Habitação, se está ou não interessado em começar a liquidar desde já as respectivas prestações».
Em suma, concluímos que se revela juridicamente infundada a posição do recorrente/autor, na medida em que não provou os pressupostos de aquisição do prédio urbano que constituiu habitação do réu, nem pela forma derivada, nem pela forma originária.

4. Conclusão
Considerando que o réu logrou provar a aquisição originária do prédio urbano em causa nos autos, deverá ser alterada a douta sentença recorrida, mantendo-se apenas na parte em que indeferiu a pretensão do autor.   

III. Dispositivo
Com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação:
1) Em julgar procedente o recurso do réu, ao qual concedem provimento, revogando a sentença nessa parte, e, em consequência:
a) em julgar procedente a reconvenção;
b) em declarar que o réu/reconvinte é dono do “prédio urbano constituído pela casa identificada pelo n.º X..., que integra o Bairro das B... em Soure, sito na A..., omisso na matriz e não descrito na Conservatória do Registo Predial de Soure”;
c) em condenar o autor a reconhecer o direito do réu, definido na alínea anterior.
2) Em julgar totalmente improcedente o recurso do autor, mantendo a sentença recorrida na parte restante.
                                                  *
Custas pelo apelante/autor.
                                                  *


Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins


[1] É o seguinte o teor do aludido documento, emitido pelo Fundo de Fomento da Habitação: «CREDENCIAL. Para efeitos de entrega de chaves, se declara que ao Sr. R (…) foi atribuída uma habitação do tipo T4, sita no prédio n.º 4, 2.º andar. Divisão de Gestão Social, em 15 de Julho de 1978. O Chefe de Divisão»

[2] O Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) só veio a ser criado muito mais tarde, pelo Decreto-Lei n.º 88/87, de 26 de Fevereiro, na sequência da extinção do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), operada pelo Decreto-Lei n.º 214/82, de 29 de Maio, na medida em que essa extinção criou um vazio orgânico em matéria de gestão, conservação e alienação do património habitacional do Fundo – vide preâmbulo do Decreto-Lei n.º 223/2007, de 30 de Maio.

[3] Vide Decreto-Lei n.º 23 052, publicado no «Diário do Governo» n.º 217, 1.ª série, de 23 de Setembro de 1933.
[4] Há quem entenda que o facto cuja prova careça de documento não deve ser levado à base instrutória, preconizando o convite à parte para que apresente o respectivo documento. Abrantes Geraldes (in Temas da reforma do processo Civil, II Volume, Almedina 1997, páginas 143 e 144), aborda esta questão com profundidade, referindo a posição contrária de Paula Costa e Silva, para quem, com a inclusão do facto na base instrutória, “se dão indícios directos à parte quanto àquilo que ainda há a provar…”.
[5] Nesse sentido, vide Abrantes Geraldes, in Temas da reforma do processo Civil, II Volume, Almedina 1997, página 144.
[6] Proc. n.º 75 972, in BMJ, 377, pág. 488.

[7] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, pág. 643, da Coimbra Editora. No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STA, de 16.11.2011, proferido no Proc. n.º 0453/11: “Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão a proferir à luz das diversas soluções de direito plausíveis…”

[8] Expressão utilizada na parte final do corpo do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 23.052 de 23 de Setembro de 1933.
[9] Publicado no BMJ, n.º 259, páginas 109 e seguintes.
[10] Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2002, página 273.

[11] O Decreto n.º 49 034, no seu artigo 30.º estabelece que: «Os concorrentes a quem hajam sido atribuídas casa em regime de propriedade resolúvel adquirem a sua posse e propriedade mediante a celebração de contrato em que outorgam o morador-adquirente e o chefe da Repartição Administrativa do Fundo…», estabelecendo o Decreto-Lei n.º 167/93 de 7 de Maio, no n.º 1 do art. 2.º: «Para os efeitos do presente diploma, a propriedade resolúvel constitui-se com a celebração da escritura pública de compra e venda».
[12] J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2010, 18.ª Reimpressão, pág. 242, sintetiza a questão nestes termos: «O ‘estatuto do contrato’ é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão do mesmo contrato. Sempre que, porém, as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da lei antiga e por esta consideradas válidas briguem (conflituem) com as disposições da lei nova com incidência sobre os efeitos dos contratos, sendo o teor de tais disposições ditado por razões atinentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, a princípios estruturadores da ordem social ou económica, estas disposições prevalecem sobre aquelas cláusulas. Enquanto ordenadoras do estatuto legal das pessoas e dos bens tais disposições regulam problemas para os quais a lei competente é a lei nova».
[13] Publicado no BMJ, n.º 259, páginas 109 e seguintes.
[14] No que concerne ao artigo 875.º do Código Civil, referimo-nos, como é óbvio, à redacção anterior à vigência do DL 116/2008, de 4/7.
[15] Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1972, páginas 80 e 81.
[16] Direito Civil, Reais, 5.ª edição, Coimbra Editora, 1993, página 296.
[17] Proferido no Processo n.º 072065, acessível em http://www.dgsi.pt.

[18] Ainda no mesmo sentido, vejam-se os seguintes arestos, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt: Acórdão desta Relação, de 16.12.2003, proferido no Proc. 648/03, e acórdão da Relação de Lisboa, de 12.05.2011, proferido no Proc. 184/08.0TCLRS.L1-2.
[19] As normas que se passam a citar sem menção do diploma legal a que pertencem, são todas do Código Civil.
[20] No acórdão de uniformização de jurisprudência, de 14 de Maio de 1996 (Acórdão do Pleno das Secções Cíveis de 14 de Maio de 1996, publicado na segunda série do Diário da República de 24 de Junho de 1996), firmou-se a seguinte conclusão: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”. Apesar deste acórdão uniformizador, continua a não ser pacífico o alcance da presunção legal, havendo quem entenda que só opera em caso de dúvida e que a prova do animus onera aquele que invoca a situação possessória, e quem, pelo contrário, entenda que essa presunção legal opera sempre que esteja demonstrado o corpus da posse, não recaindo nesse caso o ónus da prova do animus sobre aquele que invoca a situação possessória, beneficiário da referida presunção legal.

[21] Direitos Reais, António Menezes Cordeiro, Lex, 1993, página 473. No que respeita à jurisprudência, a título meramente exemplificativo, vejam-se os seguintes trechos - (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2008, Diário da República, 1.ª série — N.º 63 — 31 de Março de 2008): “A invocada posse dos réus sobre o mesmo prédio não é titulada, por estes não terem logrado provar a pretensa doação, nem qualquer outro modo legítimo de adquirir - artigo 1259.º do Código Civil. Como não há registo do título, nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos, se for de má fé — artigo 1296.º do mesmo diploma.”; (acórdão do STJ, de 09-10-2003, proferido no Proc. 03B1415, acessível em http://www.dgsi.pt) “Tal significa que, no caso em apreço, a posse dos recorrentes terá de haver-se como não titulada, mas de boa fé. O que significa que, para conduzir à usucapião, tal posse teria de perdurar por quinze anos (art. 1296º)
[22] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 1972, página 17.
[23] Em anotação á norma em apreço, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume III, 1972, pág. 18): «A ignorância de que se lesa o direito de outrem (a ausência de má fé) resulta, na generalidade dos casos, da convicção (positiva) de que se está a exercer um direito próprio, adquirido por título válido, por se desconhecerem, precisamente, os vícios da aquisição. Mas a lei não exige que assim seja sempre. O possuidor pode saber que o direito não é seu e estar convencido, apesar disso, de que, exercendo-o, não prejudica o verdadeiro titular. Ou pode mesmo estar convencido de que não existe nenhum direito de terceiro, que seja lesado com a sua posse. (…) Não importa, para a existência da boa fé, que a ignorância do possuidor resulte de um erro de direito». No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 09-10-2003, proferido no Proc. 03B1415 (acessível no site da DGSI, onde se refere que está em causa “um conceito puramente psicológico - logo, puramente fáctico, porque reside na pura ignorância, ou ignorância efectiva, de que se lesam direitos alheios”, e ainda o acórdão do STJ, de 8.05.2003, CJ, ACSTJ, 2003, pág. 46.
[24] No mesmo sentido, embora a propósito de questão diversa, veja-se o acórdão desta Relação, de 16.12.2003, proferido no Processo n.º 648/03 (acessível em http://www.dgsi.pt), onde, se faz a aplicação da Lei nº 54, de 16 de Julho de 1913, referindo-se: «[…] um período de, pelo menos, vinte e dois anos e seis meses, aquele que seria o exigido pela referida Lei caso a posse da recorrida se pudesse qualificar de de boa-fé».
Ainda no mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já citado, de 6.12.1984, proferido no Processo n.º 072065, acessível em http://www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve parcialmente: “A Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913, que determina que as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, alem dos prazos do Código Civil, tenha decorrido mais metade dos mesmos…”.
[25] Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2002, página 455.
[26] O que nos parece fora de causa, considerando que esta entidade não poria em causa o entendimento expresso pela entidade que a antecedeu - Fundo de Fomento de Habitação, que emitiu o ofício datado de 13.05.1981 (fls. 47), dirigido ao réu, dando conta da opção que este fez pelo regime de propriedade resolúvel, e sugerindo o pagamento das respectivas prestações. (facto 2.2), e que atribui ao réu a casa de habitação através da “credencial” junta aos autos a fls. 38, sempre no pressuposto, por ela aceite e afirmado, de que a entrega era feita em regime de propriedade resolúvel (facto 2.3).