Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1394/09.8TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
DISPENSA
CONTA
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DO T.J. DE COIMBRA (2ª SECÇÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 6 Nº 7, 14 Nº9 DO RCP
Sumário: O despacho de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no quadro do previsto no art. 6º, nº7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente “ex vi” do disposto no art. 14º, nº9 do mesmo R.C.P..
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

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            1 - RELATÓRIO
            Nos autos de acção ordinária que P (…) e mulher, V (…) moveram a J (…) e A (…), em que pelos AA. foi dado o valor à acção de € 150.000,00 (tendo pago de taxa de justiça € 765,00 – fls. 18/19) e pelos RR. à reconvenção o valor de € 1.012.500,00 (tendo pago de taxa de justiça € 1.530,00 – fls. 119/120), e em que foi deduzida Réplica pelos AA. (com a qual complementaram a taxa de justiça, perfazendo o total pago € 1.530,00 – fls. 189/190), no despacho saneador veio a ser fixado o valor da acção em € 1.052.500,00 (cf. fls. 494), sucedeu que, instruída e julgada a causa, foi, a final, proferida sentença que, em síntese, condenou os AA. a pagar aos RR. a quantia de € 1.000.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 14/10/2009 e até integral pagamento, e absolveu os AA. dos pedidos de litigância de má fé deduzido pelos RR..
            No tocante a custas, no “dispositivo” dessa dita sentença, determinou-se o seguinte:
Custas da reconvenção a cargo dos AA. reconvindos (artº 446º do CPC).
Custas do incidente pelos RR. fixando em 1 UC a taxa de justiça do incidente (art.º 7º, n.º4 e Tabela II em anexo)”.
Em despacho subsequente, mais se determinou o seguinte quanto a custas:
Sendo omissa a decisão de absolvição dos RR. da instância quanto às custas devidas, nos termos do disposto no art.º 667º, n.º1 do CPC procede-se à sua correcção, determinando a condenação dos AA. em custas (art.º 446º do CPC).
  Notifique.
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Na sequência processual, o Exmo. Sr. Escrivão elaborou a conta dos autos, sendo uma para os AA., na qual obteve uma liquidação de € 8.751,60 a pagar pelos mesmos (saldo devedor), e outra para os RR., na qual obteve uma liquidação de € 8.853,60 a pagar por estes (saldo devedor).
Notificados para o efeito da correspondente liquidação, veio cada um dos RR. apresentar reclamação da conta (cf. fls. 682-683/690), mas argumentando no mesmo sentido, a saber, que os AA. é que haviam sido a parte vencida na acção, donde eles RR. apenas admitirem ter de pagar o valor de 1 UC, taxa de justiça do incidente de litigância de má-fé, única parte do litígio em que tivera lugar o seu vencimento, requerendo, consequentemente, a reformulação/reforma da conta.
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A fls. 693 o Exmo. Sr. Escrivão pronunciou-se no sentido de que não assistia razão aos reclamantes.
Em “vista” do processo a fls. 694, o Exmo. Magistrado do MºPº disse concordar com esta “informação” prestada.
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Este incidente de reclamação de conta foi de seguida objecto de decisão do Exmo. Sr. Juiz, sendo do seguinte teor:

Nos presentes autos a conta foi elaborada tendo em atenção o disposto no art.º 6º, n.º 7 do R.C.P. na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.2 em face do valor da acção superior a 275.000,00 Euros.

Os presentes autos foram instaurados em 5.11.2009.

Quanto à aplicação da presente lei no tempo, dispõe o art.º 8º da Lei n.º 7/2012, de 13.2, «1 - O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data. 2 - Relativamente aos processos pendentes, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei só se aplica aos actos praticados a partir da sua entrada em vigor, considerando-se válidos e eficazes todos os pagamentos e demais actos regularmente efectuados ao abrigo da legislação aplicável no momento da prática do acto, ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, determine solução diferente. 3 - Todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei.»

O art.º 6º na redacção dada pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, dispõe, «1 — A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento. 2 — Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento. 3 — Quando a parte entregue a primeira ou única peça processual através dos meios electrónicos disponíveis, a taxa de justiça é reduzida a 75 % do seu valor. 4 — Quando o requerimento de injunção for entregue por via electrónica, a taxa de justiça é reduzida a metade. 5 — O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade. 6 — Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.»

Em face desta redacção a obrigação de pagamento na presente acção era fixada a final nos termos do n.º 6 do citado normativo.

Este artigo 6º foi alterado pela Lei n.º 7/2012, de 13.2. aditando, desde logo, o n.º 7 que consagra, «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Este aditamento, como refere Salvador da Costa, «visa, excepcionalmente, atenuar a obrigação de pagamento da taxa de justiça em acções de valor mais elevado» (in ob cit. P. 236).

A obrigação de pagamento da taxa de justiça constitui-se com o respectivo impulso processual, ou com a sua fixação pelo juiz a final, situação esta que ocorre nos presentes autos uma vez que na sentença não foi excluída a aplicação da regra geral imposta pelo art.º 6º, n.º7 1ª parte do R.C.P. (cf. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 4ª ed., p. 45).

Daqui decorre que é aplicável a lei em vigor na data em que se constitui a obrigação de pagamento da taxa de justiça, o que no caso em apreço ocorreu com a sentença proferida em 30 de Janeiro de 2013.

Nestes termos, é aplicável no caso dos autos o disposto no art.º 6º, n.º 7 do R.C.P. na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13.2, estando a conta final correctamente elaborada.

Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida.

Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça no mínimo legal.

Notifique.

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Inconformado com esta decisão, apresentou o Réu A (…) recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Alega o Tribunal a quo que a conta foi elaborada tendo em atenção o disposto no art.º 6º, n.º 7 do R.C.P. na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.2 em face do valor da acção superior a 275.000,00 Euros.

2. Quanto à aplicação da presente lei no tempo, dispõe o art.º 8º da Lei n.º  7/2012.

3. Em face do disposto no art.º 6º, na redacção dada pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, a obrigação de pagamento na presente acção, era fixada a final nos termos

do n.º 6 do citado normativo.

4. Este artigo 6º foi alterado pela Lei n.º 7/2012, de 13.2. aditando, desde logo, o n.º7 que consagra: «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

5. A obrigação de pagamento da taxa de justiça constitui-se com o respectivo impulso processual, ou com a sua fixação pelo juiz a final, situação esta que ocorre nos presentes autos uma vez que na sentença não foi excluída a aplicação da regra geral imposta pelo art.º 6º, n.º 7 1ª parte do R.C.P..

6. Daqui decorre que é aplicável a lei em vigor na data em que se constitui a obrigação de pagamento da taxa de justiça, o que no caso em apreço ocorreu com a sentença proferida em 30 de Janeiro de 2013.

7. Nestes termos, é aplicável no caso dos autos o disposto no art.º 6º, n.º 7 do R.C.P. na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13.2, estando a conta final correctamente elaborada.

8. Porém, o ora Apelante considera que não é esta a conclusão que resulta da  sentença proferida no processo em apreço, quanto a custas. Vejamos,

9. Nos presentes autos a decisão que sobre o litígio incidiu é favorável aos RR. Reconvintes, ora Apelante, à excepção do pedido de litigância de má-fé deduzido por estes.

10. Não foram os RR. que deram causa à acção, nem foram condenados.

11. Quem perde a acção paga as custas e encargos.

12. Conforme dispõe o art. 3º, nº 1 do RCP, “1-As custas processuais abrangem a taxa de justiça, encargos e as custas de parte.”

13. Lê-se no dispositivo da sentença, já transitada em julgado,: “Custas da  reconvenção a cargo dos AA. reconvindos (art. 446º do CPC).

14. Efectivamente, foram os AA. ora Apelados a parte vencida.

15. Quanto aos RR. ora Apelante diz o dispositivo: “custas do incidente pelos RR., fixando em 1UC a taxa de justiça do incidente (art. 7º, nº 4 e Tabela II em anexo”.

16. Acresce que, o Tribunal a quo, oficiosamente, dando conta de um lapso da sentença quanto a custas, veio em proferir o seguinte despacho: “Sendo omissa a decisão de absolvição dos RR. quanto às custas devidas, nos termos do art. 667, nº 1 do CPC procede-se à sua correcção, determinando a condenação dos AA. em custas (art. 446º CPC).”

17. Só os AA. foram condenados em custas.

18. Acresce que, o regime do art. 6º, nº 7, do RCP conjugado com o art. 447º-A, nº 7 do CPC, permite atender à complexidade dos autos e à conduta processual das partes.

19. Relativamente à complexidade, o processo em causa não pode ser considerado de especial complexidade.

20. No tocante à conduta processual das partes, não se pode considerar que o Apelante tenha tido uma conduta censurável que justifique uma penalização em sede de taxa de justiça.

21. Nos termos do disposto no artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Judiciais, pode o Tribunal se assim entender dispensar o pagamento do remanescente de taxa de justiça.

22. Não o fazendo, tal encargo deve recair sobre os Apelados, conforme acima  exposto.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se o  despacho recorrido, pois, assim se fará JUSTIÇA!
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Em “resposta à motivação do recurso”, o Exmo. Magistrado do MºPº disse que se limitava a “aderir à fundamentação da decisão recorrida, por entender que a mesma responde de forma clara e correcta à questão suscitada e que não merece qualquer reparo.”
                                                           ***
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – AS QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do N.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo N.C.P.Civil), face ao que é possível afirmar que versando sobre a decisão de um incidente de reclamação de conta, dizem respeito à correcção da conta elaborada no final do processo, que apresentou um saldo devedor pelos RR. do valor de € 8.853,60.

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.                                                   

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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Consabidamente com e através do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL nº 34/2008 de 26 de Fevereiro (doravante designado por “R.C.P.”), optou-se por eliminar o sistema de pagamento da taxa de justiça em duas fases – taxa de justiça inicial e subsequente – passando a prever-se o pagamento único de uma taxa de justiça por cada interveniente processual, no início do processo.

Sendo certo que a taxa de justiça é “a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço.” (cf. “Introdução” elaborada por SALVADOR DA COSTA e constante do seu “Regulamento das Custas Processuais”, 2ª ed., 2008, a págs. 6).  

Os valores desse pagamento são os que decorrem da tabela I-A que faz parte integrante do R.C.P., sendo que ao tempo do devido pagamento pelas partes, estava em vigor um redacção dessa Tabela I-A que para as acções de valor superior a € 600.000,01 estabelecia uma taxa variável entre 20 a 60 UC, sucedendo que por força do disposto no art. 6º nº6 do R.C.P. as partes liquidaram a taxa de justiça no seu valor mínimo.

Acontece que já na parte final do nº 6 deste normativo se estabelecia que devia a parte pagar o excedente da taxa de justiça, se o houvesse, a final.

Este comando foi mantido com a alteração ao R.C.P. operada pela Lei nº 7/2012 de 13 de Fevereiro, mas foi aditado um nº7 a esse art. 6º, complementando e esclarecendo o regime aplicável neste particular, nos seguintes termos:

Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Não se questiona no presente recurso ser esta última redacção do normativo e designadamente o regime decorrente deste nº 7 o aplicável no caso vertente, face às normas que regem a aplicação da lei no tempo.

No que o R./reclamante da conta dissente relativamente à decisão sob recurso é que seja o regime decorrente desse nº7 de aplicar no caso vertente, na medida em que os RR. foram “vencedores” na acção, excepção feita quanto ao incidente de litigância de má-fé tributado com 1 UC de taxa de justiça, donde a total “incompreensão” face ao apuramento de um saldo devedor pelos mesmos de € 8.853,60, cujo parcial de € 8.751,60 corresponde precisamente à taxa de justiça remanescente que não foi paga “ab initio”.

Decidindo, diremos que também em nosso entender decorre da configuração legal do sistema de custas que, em regra, nas causas de valor superior a € 275.000 – como é o caso – o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, mesmo que o responsável não seja condenado a final – 1ª parte do dito nº7 do art. 6º, na conjugação com o art. 14º, nº9, ambos do R.C.P..

No espírito do sistema está a ideia de que sendo a taxa de justiça o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço, o seu pagamento tenha sempre lugar, procurando evitar-se ao máximo as execuções por custas instauradas pelo Ministério Público.

E nem se pode falar em iniquidade do sistema – em estar a exigir o pagamento de uma taxa de justiça da parte “vencedora” no litígio” – pois que será através do mecanismo das “custas de parte”, e mais concretamente através do pedido de reembolso das taxas de justiça pagas, pela parte “vencedora” à parte “vencida (cf. arts. 25º e 26º do R.C.P.), que os “vencedores” no litígio têm acautelada legalmente a situação…  

Sem embargo, aquele citado art. 7º do R.C.P. – na sua 2ª parte – prevê a possibilidade de o Juiz dispensar esse pagamento, se a especificidade da situação o justificar, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, devendo então o juiz dispensar o pagamento, de “forma fundamentada”.         

Sustentou o Exmo. Juiz na sua decisão sob recurso que não tendo o mesmo dispensado esse dito pagamento “na sentença”, este se impunha agora de forma incontornável.

Acontece que esta parte da fundamentação da decisão não pode merecer o  nosso acolhimento.

Salvo o devido respeito, não resulta dos normativos legais aplicáveis que essa dispensa tivesse que ser proferida “na sentença”.

Na nossa interpretação, tal dispensa pode ter lugar até ser elaborada a conta.

Obviamente que podendo ela ter lugar “oficiosamente” na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial.

Mas sempre antes da conta final!

Aliás, isso é o que decorre do disposto no art. 14º, nº9 do R.C.P. para estas situações, nos termos do qual o responsável “deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”

Isto é, no período do trânsito em julgado e antes deste ocorrer.

Pois que de outro modo, não pode essa parte que seja “vencedora” reclamar o correspondente reembolso em sede de “custas de parte”.

Na verdade, a remessa da “Nota Justificativa” para este efeito tem que ocorrer, nestas circunstâncias, “até cinco dias após o trânsito em julgado” (cf. art. 25º, nº1 do R.C.P.).

Dito de outra forma: a manter-se a decisão sob recurso, os RR. já nem poderiam sequer vir a reclamar em sede de “custas de parte” o que pagassem do remanescente de taxa de justiça que em face da conta elaborada é por eles devida.

No caso vertente, não teve então lugar a notificação para pagamento no quadro do art. 14º, nº9 do R.C.P. designadamente dos RR..

Tal configura jurídico-processualmente uma nulidade processual, no quadro do disposto no art. 201º, nº1 do C.P.Civil (“… omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva…”) 

É certo que a mesma não foi arguida pelos interessados – designadamente em sede deste recurso de cuja apreciação se cuida – e não é ela de conhecimento oficioso (cf. arts. 202º, 205º e 206º, todos do mesmo C.P.Civil).

Acrescendo que estando como estava em causa uma hipotética nulidade atípica (dito art. 201º do C.P.Civil), o meio próprio de reacção contra a mesma seria a “reclamação”[1].

            Com efeito, face a uma nulidade processual o interessado tem que contra ela reclamar[2] e a reclamação é apresentada e julgada[3] no "tribunal perante o qual a nulidade ocorreu, ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu".

Deste modo, os RR. tinham que, em devido tempo, dela ter reclamado no tribunal a quo e, julgada essa reclamação, se discordassem da respectiva decisão poderiam, então, questioná-la em sede de recurso[4].

Contudo, temos que ao ser essa omissão sancionada pela decisão sob recurso, passou a estar explícita ou implicitamente coberta pela decisão judicial proferida.

E nestas circunstâncias, passou a configurar um “erro de julgamento” a poder como tal ser suscitado em sede de recurso.[5]

Que é o que o R./recorrente faz quando invoca como fundamento do recurso não ter sida feita a dispensa, na situação ajuizada, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, no quadro do art. 6º, nº7 do R.C.P., dispensa essa que sustenta ser de liminar justiça.

Nesse particular, diremos tão somente que esse despacho se afigura ser efectivamente de todo curial e pertinente, dado o desfecho dos autos – por via de tramitação processual relativamente simplificada e em tempo breve – e no cotejo com o disposto no art. 447ºA, nº7 do C.P.Civil.

Em todo o caso, o que se impõe “hic et nunc”, é declarar sem efeito a conta elaborada, devendo antes de mais ser operada na 1ª instância a notificação dos RR. a que alude o art.14º, nº9 do R.C.P., assistindo na sua sequência aos mesmos, no exercício do contraditório, aduzirem o que tiverem por conveniente, nomeadamente à luz do disposto na 2ª parte do nº7 do art. 6º do R.C.P., após o que cumprirá ao Exmo. Sr. Juiz proferir despacho nos termos e para os efeitos do disposto neste último normativo, sopesando os argumentos aduzidos pelo RR., sendo disso caso, mas sempre tendo em conta a forma como teve lugar o desfecho dos autos, só após o que terá lugar a legalmente prevista ulterior tramitação quanto a custas, em função do que resultar desse despacho.

Procede nestes termos a apelação deduzida.
                                                           *

            5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

O despacho de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no quadro do previsto no art. 6º, nº7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente “ex vi” do disposto no art. 14º, nº9 do mesmo R.C.P..

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, decide-se, a final, na procedência do recurso de apelação deduzido pelo Co-Réu A (…) declarar sem efeito a conta elaborada, devendo antes de mais ser operada na 1ª instância a notificação dos RR. a que alude o art.14º, nº9 do R.C.P., assistindo na sua sequência aos mesmos, no exercício do contraditório, aduzirem o que tiverem por conveniente, nomeadamente à luz do disposto na 2ª parte do nº7 do art. 6º do R.C.P., após o que cumprirá ao Exmo. Sr. Juiz proferir despacho nos termos e para os efeitos do disposto neste último normativo, devidamente fundamentada.

            Sem custas.

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Coimbra, 3 de Dezembro de 2013

                                               Luís Filipe Cravo ( Relator )

                                                Maria José Guerra

                                               António Carvalho Martins


[1] Estamos a reportar-nos à corrente afirmação de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”; a este propósito, veja-se o “Comentário ao Código de Processo Civil”, de ALBERTO DOS REIS, Volume 2º-reimpresssão, Coimbra Editora 1945, pag. 507.
[2] Não sendo caso da situação excepcional prevista na 2ª parte do art. 668º, nº4 do C.P.Civil.
[3] Também aqui há excepções, nomeadamente no caso das nulidades mencionadas no nº2 do art. 204º e na situação prevista no nº3 do art. 205º, ambos do mesmo C.P.Civil.
[4] Neste sentido, veja-se, inter alia, o Ac da Rel. de Coimbra de 3-07-2012, proc. nº 268/11.7T2AND.C1, acessível em www.dgsi.pt, e demais jurisprudência citada em nota [13] deste.
[5] Assim ABRANTES GERALDES, in “Recursos em Processo Civil - Novo Regime”, 2ª ed., Livª Almedina, 2008, a págs. 22-23: no mesmo sentido, LEBRE DE FREITAS/RUI PINTO/MONTALVÃO MACHADO, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, a págs. 373-374.