Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
580/14.3T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: INJUNÇÃO
NOTIFICAÇÃO
DOMICÍLIO CONVENCIONADO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 12º DO D:L. Nº 269/98.
Sumário: I – Entende-se por domicílio convencionado o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes. Dir-se-á que o domicílio convencionado é o que visa o accionamento para a demanda que seja motivada pelo incumprimento do contrato em causa por algum dos respectivos outorgantes.

II - Os procedimentos de notificação no âmbito do procedimento de injunção dependem da existência de convenção de domicílio para efeito de realização da notificação do requerimento de injunção em caso de litígio.

III – Tendo sido convencionado domicílio, esta notificação é efetuada mediante o envio de carta simples, remetida para o domicílio convencionado, considerando-se a notificação feita na pessoa do requerido com o depósito da carta na caixa do correio deste (art. 12.º-A, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98);

IV – Em contrapartida, não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção é efetuada por carta registada com aviso de receção, sendo aplicável as disposições relativas à citação (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo regime jurídico).

V - Se, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1, do nCPC). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do nCPC).

Decisão Texto Integral:



Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Exequente instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra a Executada, servindo de título a essa execução uma injunção à qual foi aposta fórmula executória, e na qual alegou para o efeito que no âmbito da sua actividade profissional – construção civil – realizou diversos trabalhos à requerida, a pedido desta, no imóvel de sua propriedade e sito na localidade de …, concelho e comarca da Guarda; concluídos os trabalhos, emitiu várias facturas (que ali identifica), que remeteu à requerida e cujo montante ascende a €31.303,50.
Apesar de devidamente interpelada ao pagamento, a requerida nunca pagou.
A Executada deduziu os presentes embargos, invocando a nulidade da sua notificação no âmbito da injunção, alegando que nada deve ao exequente por ter feito pagamentos a fornecedores, pagamentos esses da responsabilidade do Exequente e por este aceites.
Alegou também que o Exequente abandonou a obra, tendo tido a Executada necessidade de contratar outros trabalhadores, para a terminarem, imputando o pagamento desse custo ao Exequente.
Requer a condenação do exequente como litigante de má-fé.
Conclui pela procedência dos embargos.
O Exequente impugnou a factualidade alegada pela Executada, concluindo pela improcedência dos embargos.
Veio a ser proferida sentença que julgou improcedentes os embargos deduzidos.
A Executada interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
 1- TEMA DE PROVA - DA NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO DA REQUERIDA NO ÂMBITO DO PROCESSO INJUTIVO
1.1 A sentença recorrida efetua uma errada interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º do regime anexo ao Dec-Lei n.º 269/98.
1.2 A Executada provou o que lhe era possível provar, ou seja, a verdade. Que “não foi convencionado entre as partes o local onde aquelas se consideravam domiciliadas para o efeito de citação ou notificação em caso de litígio” .
1.3 Em face desta circunstância concreta, a notificação do requerimento de injunção tinha de ser efetuada mediante carta registada com aviso de receção, de modo a que, seguramente, fosse recebida.
1.4 Assim, não tendo sido observadas as formalidades previstas na lei, supra citada e que o próprio executado reconhece no artigo 9.º da respetiva contestação, ao dizer “… tendo o carteiro distribuidor ter depositado a correspondência emanada do Balcão Nacional de Injunções no dia 2014/09/17” a notificação do requerimento de injunção FOI NULA.
1.5 Pelo que, a conclusão vertida na sentença “… tratando-se de pessoa singular a notificação pode efetuar-se em qualquer lugar onde o requerido se encontre, e designadamente na sua residência ou local de trabalho, (art. 232.º do C.P.C.).
Por outro lado a carta de aviso de receção ainda que simples pode ser entregue ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (art. 236º, n.º 2 do C.P.C).
Assim sendo, atenta a factualidade provada, ainda que a notificação não tenha sido efetuada na residência habitual da executada, mas sim numa outra residência sua, não se verifica a nulidade por falta de notificação à requerida do requerimento de injunção…” é o erro nuclear da sentença e que levará, inelutavelmente, à revogação da mesma, encontrando-se, mesmo, em clara oposição com a lei supra citada bem como com o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa que implica o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva ou de “proibição da indefesa”.
2- TEMAS DE PROVA – AFERIR DO PAGAMENTO DA QUANTIA EXEQUENDA POR PARTE DA EXECUTADA
2.1 Ser dado como provado “no elenco dos pagamentos efetuados pelo Executado para além das quantias entregues em numerário em 17/02/2013, 15/05/2013, 03/02/2013 no valor global de 15.000,00€ e do cheque emitido em 31/04/2014, no valor de 10.000,00€, a entrega que a Executada fez através de cheque no valor de 10.000,00€ em 16/07/2013.”, o que ascende à quantia global de 35.000,00€.
2.2 Ser dado como provado que “no decurso da obra atentas as dificuldades do Exequente as despesas dos serviços e materiais necessários à execução da obra, foram suportadas pela Executada”.
2.3 Ser dado como provado que “no decurso da obra atentas as dificuldades do Exequente as despesas de alguns serviços necessários à execução da obra, designadamente trabalhos do eletricista foram suportadas pela Executada.”
2.4 Ser dado como provado que “sobre tais valores o exequente sempre disse que eram da sua responsabilidade mas seriam levados em conta no acerto final das contas”.
2.5 Ser dado como provado que “em data não apurada o empreiteiro abandonou a obra e telefonou ao marido da Executada dizendo-lhe que a partir desse dia nada mais teria a ver com os trabalhos.
2.6 Ser dado como provado que ficaram por fazer “…trabalhos/obras designadamente:
-não colocou o flutuante no chão;
-não colocou os aros e respetivas portas interiores;
-não colocou os aparelhos sanitários;
-não forneceu e colocou os móveis com lavatório;
-não forneceu e colocou torneira e acessórios de esgoto;
-não pintou todas as paredes da obra;
-não acabou os trabalhos da laja do terraço do anexo (garagem e respectivo isolamento);
-não foi colocada tela de isolamento junto das paredes aterradas do anexo; e
-não colocou caixas para estores. (artigo 39º da petição de embargos).”
2.7 Ser dado como provado que “para finalização da obra teve a executada de contratar dois trabalhadores a quem pagou por dia 50,00€, o que ascendeu à quantia de 2.500,00€.
3- A factualidade provada e articulada permite a procedência do pedido da Recorrente porque:
3.1 Os pagamentos levados a cabo pela Exequente (numerário e cheques), no valor global de 35.000,00€, juntamente com as compensações levadas a efeito e que foram provados nos pontos 16 a 26 dos factos provados, provam que a dívida em questão se encontra paga.
4- A sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 576º, 577º, 607º, 608º e 615º, n.º 1, al. c) do C.P.C, artigos 428.º e 342º do C.C., n.º 1 do artigo 12.º do regime anexo ao Dec-Lei n.º 269/98 e art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Conclui pela procedência do recurso.

O Exequente apresentou resposta, pugnando pela confirmação da decisão proferida.
Recebidos os autos neste tribunal foi solicitado ao competente Balcão Nacional de Injunções documento comprovativo da citação da Executada e forma.
Recebido esse documento foi o mesmo notificado às partes, tendo a Executada reiterado, face ao conteúdo do mesmo, a nulidade da sua citação.
1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso cumpre apreciar as seguintes questões:
a) Deve ser julgada procedente a nulidade de citação invocada pela recorrente?
b) Devem ser julgados provados os factos julgados não provados sob os n.os III, IV, V, VIII, IX e X?
2. Da nulidade de notificação da injunção
A recorrente colocou em crise na sua oposição e, subsequentemente neste recurso a nulidade da sua notificação do requerimento de injunção, alegando que não tendo sido convencionado domicílio com o Exequente deveria ter sido notificada por carta registada com aviso de recepção, em obediência ao disposto no art.º 12º, n.º 1, do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro.
2.1 Dos factos
Para a decisão da nulidade invocada importa considerar a verificação dos seguintes factos:
1. Consta como título executivo na acção principal, um documento escrito, denominado «REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO», datado de 26-08-2014, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, se lê: «(…) Este documento tem força executiva, Ref. 000177663542, Porto, 27-10-2014 (…)REQUERENTE: A… (…) MANDATÁRIO: A… (…) REQUERIDO: I… (…) Domicílio Convencionado? Sim, Domicílio: Rua do ….
2. No âmbito da aludida actividade, o requerente (que exerce em nome próprio a actividade profissional de construtor civil, usando a denominação “Construções A…”, actividade pela qual se encontra devidamente colectado) realizou diversos trabalhos à requerida, a pedido desta, no imóvel de sua propriedade sito na localidade de …, concelho e comarca da Guarda (Do requerimento executivo)
3. O título executivo que o exequente apresenta à execução tem por base um requerimento de injunção que correu termos no Balcão Nacional de Injunções sob o n.º …, no qual foi aposta forma executória em 27/10/2014 (artigo 1º da petição de embargos).
4. Não foi convencionado entre as partes local onde aquelas se consideravam domiciliadas, para o efeito de citação ou notificação em caso de litígio (artigo 4º da petição de embargos).
5. A agora recorrente foi notificada do requerimento de injunção por via postal simples, enviada para a Rua do …, Guarda, tendo a respectiva carta sido depositada no receptáculo postal dessa morada em 17.9.2014 – facto aditado e resultante dos documentos que constituem fls. 157 a 159 dos autos.
2.2 Da nulidade da notificação do requerimento de injunção
Tendo o Exequente indicado no requerimento de injunção a existência de um domicílio convencionado, procedeu-se à notificação nos termos do art.º12º-A do Anexo ao DL 269/98, de 1.9, mediante carta simples enviada e depositada naquela morada.
Provou-se, no entanto, que entre Exequente e Executada não foi convencionado domicílio, entendendo-se este como o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes. Dir-se-á que o domicílio convencionado é o que visa o accionamento para a demanda que seja motivada pelo incumprimento do contrato em causa por algum dos respectivos outorgantes. [1]
Assim, conclui-se que foi incorrectamente utilizado o regime de notificação por carta simples previsto no art.º. 12º-A nº 1 e 3 do referido DL, pois a lei processual, no âmbito das citações e notificações, ao mencionar determinados cuidados e advertências, não está a estabelecer procedimentos mais ou menos facultativos e indicativos, mas sim a estabelecer prescrições que, em face das consequências e significado de tais actos processuais, devem ser escrupulosamente cumpridas.[2]
A problemática das notificações dos requerimentos de injunção mostra-se exemplarmente esquematizada em Nulidade da notificação do requerimento de injunção, que por merecer a nossa inteira concordância se passa a transcrever: [3]
1. Os procedimentos de notificação no âmbito do procedimento de injunção dependem da existência de convenção de domicílio para efeito de realização da notificação do requerimento de injunção em caso de litígio:
– Tendo sido convencionado domicílio, esta notificação é efetuada mediante o envio de carta simples, remetida para o domicílio convencionado, considerando-se a notificação feita na pessoa do requerido com o depósito da carta na caixa do correio deste (art. 12.º-A, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98);
– Em contrapartida, não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção é efetuada por carta registada com aviso de receção, sendo aplicável as disposições relativas à citação (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo regime jurídico).
Nesta última hipótese, no caso de se frustrar a notificação por via postal, a secretaria do BNI obtém informação sobre a residência ou sede do requerido, mediante pesquisa nas quatro bases de dados referidas no nº 3 do art. 12.º do mesmo regime, e, se obtiver resultados, remete notificação por via postal simples para cada um dos locais encontrados (n.ºs 4 e 5 do citado art. 12.º).
A convenção de domicílio, para ser válida e eficaz, tem de ser reduzida a escrito (arts. 84.º e 364.º, n.º 1, ambos do CC), não bastando o preenchimento do quadrado existente no formulário da injunção relativo à existência de uma tal estipulação.
2. No caso de não existir convenção pela qual as partes tenham estipulado determinado local para, em caso de litígio, serem notificadas ou citadas, a secretaria do BNI deve observar a modalidade de carta registada com aviso de receção, em lugar de realizar a notificação por via postal simples (art. 12.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Nesta hipótese, o depósito da carta não é elemento decisivo para que o requerido/notificando tenha conhecimento efetivo da notificação, já que esta modalidade de notificação pressupõe, como se disse, a existência de convenção de domicílio (cfr. art. 12.º-A do mesmo regime jurídico).
Se, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1, do nCPC). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do nCPC).
Poder-se-á argumentar que, por aplicação das regras da citação (em concreto, do n.º 4 do art. 191.º do nCPC), esta nulidade só pode ser atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do notificando. Esta norma parece fazer recair sobre o citando o ónus de provar que a formalidade não observada prejudicou realmente o seu direito de defesa. Repare-se que, no âmbito da ação declarativa comum, o regime da citação, quando haja convenção de domicílio, não dispensa o envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, sempre que o expediente relativo à primeira carta de citação tenha sido devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao seu levantamento no estabelecimento postal (cfr. art. 229.º, n.º 4, do nCPC).
A aplicação do n.º 4 do art. 191.º do nCPC à notificação do requerido, a que alude o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 só poderia basear-se num argumento de identidade de razões. No entanto, esta identidade não existe na situação em apreço, pois que, no caso de, no procedimento de injunção, se frustrar a notificação por via postal registada, realiza-se a notificação por via postal simples com prova de depósito (art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
Dito de outro modo: a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 191.º do nCPC só seria pensável se a notificação do requerido seguisse o regime da citação do réu.
Não é isso, todavia, que sucede: no caso de se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção, há que observar o disposto no art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. Assim, há que concluir que a falta do cumprimento do estabelecido em qualquer destes preceitos gera, automaticamente, a nulidade da notificação do requerido.
Por consequência, o juiz, face à preterição de alguma das formalidades legais previstas no art. 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, deve julgar procedente a nulidade da notificação, mesmo que o requerido, em embargos deduzidos à execução, não tenha cumprido o ónus da prova do prejuízo resultante dessa preterição para a sua defesa. [4]
Assim, deve o recurso ser julgado procedente, julgando-se extinta a execução por nulidade da notificação do requerimento de injunção.
A procedência desta questão prejudica o conhecimento das restantes suscitadas no recurso.
Decisão
 Nos termos expostos, julgando-se procedente os embargos de executado julga-se extinta a execução por falta de título executivo.
Custas do recurso pelo embargado.

Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Maria Domingas Simões
  Jaime Ferreira


[1] Salvador da Costa in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª ed., pág. 56, Almedina.

[2]  Ac. do T. R. C. de 29.5.2012, relatado por Barateiro Martins, Acessível em www.dgsi.pt .

[3] José Henrique Delgado de Carvalho, no blog do IPPC em 12.2.2015, acessível em http://blogippc.blogspot.pt/2015/02/nulidade-da-notificacao-do-requerimento.html.


[4] Neste sentido além do acórdão mencionado também se pronunciou o acórdão do T. R. L de 13.9.12, relatado por António Valente, acessível em www.dgsi.pt .