Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00640/17.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/09/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:LABORAÇÃO CONTÍNUA. DIA DE DESCANSO.
Sumário:I) – Nos casos de competência de vários órgãos da Administração, o deferimento das pretensões que a tal competência se refiram exige que a vontade dos órgãos concorra nesse sentido, enquanto que o indeferimento de uma delas se basta com a vontade de indeferir emanada de um daqueles órgãos.

II) – O artigo 221.º, n.º 5, do CT, que exige que cada trabalhador tenha um dia de descanso em cada período de sete dias (regime de turnos no regime de laboração contínua e os de trabalhadores que asseguram serviços que não podem ser interrompidos), entendido como dia completo de calendário, mostra-se conforme o artigo 5.º da Diretiva 2003/88/CE, que refere um “período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P., SA
Recorrido 1:Estado Português e Outros.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
*

P., SA (R. (…)) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, que julgou improcedente acção administrativa intentada contra Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ministério da Economia e Estado Português.

Sob “conclusões”, depois de recordar a sorte da acção, julgada improcedente, e de lembrar o que foi alguma da matéria de facto provada, refere:

3ª - A competência para a apreciação do pedido em apreciação cabe, conjuntamente, ao Secretario de Estado do Emprego e ao Secretário de Estado da Indústria, competindo-lhes a apreciação conjunta da pretensão do interessado, independentemente do sentido da decisão de cada um dos aludidos membros - caso contrário encontramo-nos perante uma decisão singular que a lei, in casu, não permite.
4ª - A decisão controvertida é anulável por falta de competência.
5ª - O Tribunal recorrido concluiu que os trabalhadores abrangidos pelos horários propostos não têm que gozar periodicamente o dia de descanso semanal no domingo, podendo aquele ocorrer em qualquer outro dia da semana, soçobrando aqui um dos fundamentos invocados pela entidade demandada.
6ª - A interpretação propugnada pelo tribunal a quo não tem qualquer suporte no texto da lei e muito menos nos princípios que lhe são ínsitos.
7ª - O Código do Trabalho traduz os descansos dos trabalhadores em horas e minutos – vejam-se os intervalos de descanso (art.º 213º) ou o descanso diário (art.º 214º).
8ª - Nos termos do disposto no art.º 279º, al. d) do Código Civil, é havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas.
9ª - A tese propugnada pelo tribunal recorrido coloca desproporcionalmente condicionamentos à organização do trabalho em estabelecimentos que laborem em regime de laboração continua.
10ª - Os trabalhadores abrangidos pelo projecto de horário em análise, não estão sujeitos a rotatividade de horários, cumprindo-se, assim, o respeito pelos seus ciclos circadianos.
11ª - Considerando que nos encontramos perante a análise de horários fixos em regime de organização de trabalho por turnos, em estabelecimento que labora continuamente, a interpretação sufragada impede desproporcionalmente o exercício, in casu pela Recorrente, do direito à iniciativa económica privada e o direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial, previstos constitucionalmente nos artigos 61.º, n.º 1 e 80.º, al. c) da Constituição da República Portuguesa (CRP), respectivamente.
12ª - No pedido em apreciação, os direitos ao descanso do trabalhador não foram colocados em causa.
13ª - A interpretação sufragada na decisão controvertida, do art.º 221º, n.º 5 do Código do Trabalho, no sentido de que “um dia de descanso em cada período de sete dias” tem que ser um dia completo de calendário e não 24 horas, deve ser declarada materialmente inconstitucional por ser manifestamente desproporcionada tal interpretação da lei, impedindo o exercício do direito à iniciativa económica privada e o direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial, violando o Princípio da Proporcionalidade e o disposto nos artigos 2º, 61.º, n.º 1 e 80.º, al. c) da CRP. Inconstitucionalidade que expressamente se invoca.
14ª - In casu, todos os trabalhadores abrangidos pelos horários propostos, têm, num período de sete dias, 24 horas (1 dia) de descanso semanal, gozado em continuidade com o período de 11 horas de descanso diário.
15ª - De acordo com o Acórdão, de 9 de Novembro de 2017, proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, Processo C-316/16, disponível em http://curia.europa.eu, “(…) o artigo 5.º da Diretiva 93/104 e o artigo 5.º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tarde, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivo, mas impõe que esse período seja concedido em cada período de sete dias”.
16ª - Conclui-se ainda no aresto citado na conclusão anterior que “(…) esta interpretação segundo a qual o período de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, ás quais acrescem as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.º desta diretiva, pode ser concedido em qualquer momento em cada período de sete dias”.
17ª - A interpretação sufragada pelo tribunal recorrido configura uma restrição daquela norma comunitária, em violação do Principio do Primado do Direito da União Europeia.
18ª - Caso se entenda que, quanto á questão em apreciação, restam dúvidas relativamente á compatibilidade entre o direito interno e o direito da União europeia, requer-se ao digno Tribunal Central Administrativo do Norte o reenvio prejudicial ao TJUE, considerando que
» Nos presentes autos cumpre proceder à interpretação de disposições do Direito União Europeia, concretamente do art.º 5.° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, segundo o qual “(o)s Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.º”
» A directiva comunitária é clara ao definir o descanso semanal em 24 horas e não em um dia completo de calendário,
» Período de 24 horas que pode ser concedido em qualquer momento em cada período de sete dias.
» Nos presentes autos, no que concerne ao direito interno, impõe-se interpretar o disposto no n.º 5 do art.º 221º do Código do Trabalho, segundo o qual “(o)s turnos no regime de laboração contínua (…), devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito”.
19ª - Impõe-se colocar ao TJUE a seguinte questão prejudicial:
1) À luz do artigo art.º 5.° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, os trabalhadores num regime de organização de trabalho por turnos, mas cujos horários de cada um são fixos, em estabelecimento que labora no regime de laboração contínua, o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito deve corresponder necessariamente a um dia completo de calendário, não podendo ser contabilizado no correspondente a 24 horas, a que acrescerão as 11 horas de descanso diário?
20ª - Deveria a ter sido proferida sentença que julgasse ilegal o indeferimento em apreciação por falta de fundamento de facto e de direito, declarando a sua anulabilidade e condenando os Recorridos no deferimento do pedido de autorização de laboração contínua formulado pela Recorrente.
21ª - A sentença violou, entre outros, o disposto nos artigos 16º, n.º 3 da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro, 221º, n.º 5 do CT, 279º, al. d) do CC e 2º, 61º, n.º 1 e 80º, al. C9 da CRP.
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Contra-alegou o réu Estado, concluindo:

1- A Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro, que regulamenta e altera o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, e procede à primeira alteração da Lei nº 4/2008, de 7 de Fevereiro, nos termos do disposto no artigo 16.º, determina no nº 3, quanto à autorização par um horário de laboração contínua, que será sempre superior ao horário entre as 7h e as 20h que “Os membros do Governo responsáveis pela área laboral e pelo sector de atividade em causa podem, mediante despacho conjunto, autorizar a laboração contínua, do estabelecimento por motivos económicos ou tecnológicos”;
2- Ora, determina o nº 4, do referido artigo 16.º, que a entidade empregadora deve apresentar ao serviço com competência inspetiva, do ministério responsável pela área laboral, a quem compete a direção da instrução do processo, o requerimento devidamente acompanhado dos seguintes documentos:
- Alínea a) Parecer da Comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindical ou dos delegados sindicais ou, 10 dias após a consulta, comprovativo do pedido de parecer;
- Alínea b) Projeto de horário de trabalho a aplicar;
- Alínea c) Comprovativo do licenciamento da atividade da empresa;
- Alínea d) Declarações emitidas pelas autoridades competentes comprovativas de que tem a situação contributiva regularizada perante a administração tributária e segurança social.
3- Significando este nº 4, do artigo 16.º do citado Diploma, que a receção e instrução do processo administrativo, bem como a verificação da conformidade legal dos requisitos a apresentar pela Entidade empregadora, compete em primeira instância ao ministério responsável pela área laboral, e a efetuar pelo serviço com competência inspetiva, a Autoridade para as Condições de Trabalho, que entendendo estarem preenchidos os requisitos, propõe a emissão de Despacho conjunto de autorização de laboração contínua;
4- Pelo que, tal como decidiu o Tribunal “a quo”, tendo o Senhor Secretário de Estado do Emprego proferido despacho de rejeição de autorização de laboração contínua, por a Autora não reunir os requisitos e pressupostos legais no projeto de Mapa de Horário de Trabalho apresentado, não seria necessário que o mesmo despacho de indeferimento também devesse ser sujeito a apreciação do Senhor Secretário de Estado da Indústria, como responsável pelo setor de atividade, por delegação de competências do Senhor Ministro da Economia nos termos do Despacho nº 2983/2016, de 26 de Fevereiro publicado no Diário da República nº 40/16, Série II e alterado pelo Despacho nº 7543/2017 de 25 de Agosto, publicado no Diário da República nº 164/2017, Série II;
5 - Tal envio implicaria a produção de um ato inútil do Senhor Secretário de Estado da Indústria, como responsável pelo sector de atividade, porquanto o Despacho conjunto de autorização para laboração contínua, a praticar nos termos do nº 3, do artigo 16.º da Lei nº 105/2009 de 14 de Setembro, com o órgão responsável pela área laboral, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, pressuporia necessariamente uma aprovação prévia deste último dos requisitos legais de conformidade a preencher pela ora Autor, entidade empregadora, o que não ocorreu;
6-Andou bem o Tribunal “a quo” ao concluir pela inexistência de vício de falta de competência porque nos termos do nº 3 do artigo 16.º citado, a competência conjunta do órgão responsável pela área laboral e do órgão responsável pelo sector da área de atividade, só fará sentido em caso de autorização, isto é, caso o procedimento de autorização seja precedido do necessário despacho de deferimento por parte do órgão do Governo responsável pela área laboral (o que não foi o caso);
7- Relativamente ao horário de trabalho que a Recorrente pretendia ver aprovado, o facto de o período de funcionamento ultrapassar os limites máximos previstos para a duração do tempo normal de trabalho implica que a organização do trabalho por turnos seja obrigatória, nos termos previstos no artº 221º do Código do Trabalho e da cláusula 23º do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Associação Têxtil e de Vestuário de Portugal e a FESETE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, de Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal;
8- Nos termos previstos no artigo 232º e 233º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, os trabalhadores têm direito, no mínimo, a um dia de descanso por semana, o qual deve ser cumprido num dia de calendário completo, ou de calendário, e não considerando de forma abstrata um período de 24 horas, como defende a Recorrente;
9- O Mapa que foi sujeito para aprovação implicaria que os trabalhadores dos turnos C) e D) devessem trabalhar durante sete dias por semana, o que é legalmente inadmissível;
10- Dispõe no artº 15º da Diretiva 2003/88/CE,, invocada pela Recorrente, que as respetivas disposições não impedem que os Estados Membros apliquem ou introduzam disposições legislativas, regulamentares ou administrativas na ordem interna que sejam mais favoráveis aos direitos e à proteção da saúde e segurança dos trabalhadores;
11- Assim, sendo a legislação portuguesa é mais eficaz na defesa desses direitos dos trabalhadores, pelo que é à sua luz que a questão deve ser apreciada, tal como decidiu o Tribunal “a quo”.
12- Quanto ao mecanismo de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, importa observar que este Tribunal é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e sobre a validade e interpretação dos atos das instituições, órgãos ou organismos da União, desde que tal lhe seja pedido por um tribunal nacional, sendo uma faculdade do juiz sempre que a questão esteja pendente em tribunal de cujas decisões caiba recurso, como é o caso dos autos;
13- Quanto à oportunidade do reenvio, e conforme se estabelece no n.º 19 das Recomendações (à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais) 2012/C 338/01, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia de 6 de novembro de 2012, aquele deve desejavelmente ter lugar “numa fase do processo em que o órgão jurisdicional de reenvio esteja em condições de definir o quadro jurídico e factual do processo, a fim de permitir ao Tribunal dispor de todos os elementos necessários para verificar, sendo caso disso, que o direito da União é aplicável ao litígio no processo principal”, nomeadamente “na sequência de um debate contraditório”;
14- Na verdade, o Tribunal de Justiça não é um órgão de natureza consultiva sobre questões de natureza geral, abstrata ou meramente hipotética, que os tribunais nacionais lhe coloquem, cabendo-lhe, sim, elucidar questões concretas relativas à interpretação ou validade dos atos da União, na perspetiva da sua aplicação por aqueles ao objeto do litígio;
15- Ademais, não nos parece que subsistam dúvidas sobre a interpretação dos normativos em apreço, perante o teor do artº 15º da Diretiva citada, ao que acresce que, conforme citou o Tribunal “a quo”, o TJUE já se pronunciou sobre tal questão no acórdão de 09/11/2017, Proc. C-306/16, não se descortinando, pois, nem a necessidade nem a conveniência – para além, da oportunidade – do reenvio;
16- Nesta conformidade, a sentença recorrida não viola, contrariamente ao sustentado, os artigos 16º, n.º 3 da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro, 221º, n.º 5 do CT, 279º, al. d) do CC e 2º, 61º,n.º 1 e 80º, al. c) da CRP;
17- Por conseguinte, inexistindo violação de qualquer disposição (ou princípio) legal, o Tribunal “a quo” fez, salvo melhor entendimento, uma correta interpretação da Lei, devendo ser confirmada nos seus precisos termos a douta decisão recorrida que julgou a presente ação improcedente, assim se fazendo a acostumada Justiça.

Contra-alegou o réu MTSSS, concluindo:

A) Quanto à anulabilidade da decisão ora em crise por falta de competência - que é conjunta - entendemos não lhe assistir razão;
B) Tal como é referenciado pelo Apelante o disposto no artigo 16.º, n.° 3 da Lei n.° 105/2009, de 14 de setembro, estabelece que "Os membros do Governo responsáveis pela área laboral e pelo setor de atividade em causa podem mediante despacho conjunto, autorizar a laboração contínua do estabelecimento por motivos económicos ou tecnológicos;
C) Ora, não se argumente, pois, que se trata de uma decisão singular, porquanto só existe necessidade de despacho conjunto quando ab initio houver uma autorização da laboração continua do estabelecimento quer seja por motivos económicos ou tecnológicos;
D) Autorização essa que não ocorreu, uma vez que o Senhor Secretário de Estado do Emprego rejeitou o pedido, pelo que não se mostrou necessário submeter o mesmo à apreciação do Senhor Secretário de Estado da Indústria, por se tratar de um ato inútil, pois, somente um despacho favorável de ambos traria uma decisão favorável ao requerido, não existindo qualquer hierarquia entre os dois decisores;
DOS HORÁRIOS DO DESCANSO AO DOMINGO
E) Ainda que os horários a praticar pelos trabalhadores, sejam fixos, a partir do momento em que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos do período normal de trabalho, que é o que a empresa pretende implementar e deu origem ao pedido de autorização em análise, a organização do trabalho por turnos é obrigatória, nos termos do artigo 221.º do Código do Trabalho e cláusula 23.°, do Contrato Coletivo entre a ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e a FSETE Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal (doravante CCT);
F) O que acontecerá sempre que a empresa se encontre em laboração contínua;
G) De facto, admite-se que os trabalhadores não estão sujeitos a qualquer variação de horário de trabalho (o que apenas releva pura que os períodos de descanso semanal obrigatório coincidam com o domingo) e que o dia de descanso semanal obrigatório possa não coincidir com o domingo, porém isso é irrelevante;
H) Na verdade, o que esteve em causa na presente ação foi o facto de não ser respeitado o direito ao gozo do dia de descanso semanal, obrigatório, nos horários dos trabalhadores dos turnos C) e D) que deve cumprir-se em dia de calendário e não em períodos de 24 horas, em continuidade com o período de 11 horas de descanso diário, (artigos 232.° e artigo 233.°, n° 1, do Código do Trabalho);
I) Alegava a A. que todos os trabalhadores têm um dia de descanso em cada período de sete dias - Os trabalhadores do turno D exercerão funções de domingo a sexta (6 dias) descansando ao sábado (7° dia) assim como os trabalhadores do turno C exercerão funções de segunda a sábado (6 dias) descansando ao domingo;
J) Porém, não é verdade. De acordo com o disposto nos artigos 232.° e 231°, n° 1, do Código do Trabalho, o trabalhador tem direito a pelo menos, um dia de descanso por semana, o obrigatório, que de acordo com a doutrina e jurisprudência por unanimidade, deve cumprir-se em dia de calendário e não em períodos de 24 horas que, em regra será gozado em continuidade com o período de 11 horas de descanso diário;
K) Alega, ainda, a Apelante que o dia de descanso deve cumprir-se não em dia de calendário mas em período de 24 horas, invocando o artigo 5º, da Diretiva 2003/88/CE que refere que "os Estados Membros tomarão as medidas necessária para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas...";
L) Pois bem, De acordo com o artigo 249.º do Tratado da União, "a diretiva vincula o Estado - Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.
M) Ou seja, Em princípio, a sua vigência na ordem interna, limita-se à vinculação do Estado-Membro quanto ao resultado a alcançar. O que vai de encontro à razão de ser desta figura. Entendendo-se, a nível dos órgãos legislativos da União Europeia, que deve ser prosseguido determinado resultado, constatou-se que a diversidade própria de cada Estado-Membro desaconselhava, em certos casos, que fossem órgãos transnacionais a determinar a forma e os meios. O que se pretendia era a obtenção do resultado e até para melhor se almejar este, deviam ser seguidos os caminhos ditados por cada Estado-Membro, de acordo com as respetivas especificidades;
N) Conforme resulta, expressamente, do artigo 15.º da referida diretiva, a mesma não impede que os Estados-Membros apliquem ou introduzam disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se e em que medida essas disposições mais favoráveis estão previstas na legislação portuguesa e/ou nos acordos de empresa aplicáveis ao processo principal;
O) A Apelante quer fazer crer que a leitura sufragada pela decisão controvertida atenta contra o artigo 5º, da Diretiva 2003/88/CE, invocando as conclusões, do advogado Geral Henrik Saugmandsgaard apresentadas em 21 de junho de 2017, no processo C-316/16;
P) Não cremos que assim seja, porquanto se atendermos à 46º conclusão, do referido documento, constatamos que aí se refere que "neste contexto, cumpre recordar que, tendo em conta o caráter mínimo de harmonização que a Diretiva 2003/88 opera, os Estados-Membros continuam a ser livres de prever disposições nacionais que concedam aos trabalhadores uma proteção mais ampla, no que se refere ao descanso semanal, do que a concedida pela Diretiva 2003/88;
Q) Ou seja, O Código do Trabalho ao estabelecer no artigo 232.° que o trabalhador tem direito a pelo menos, um dia de descanso por semana, o obrigatório, que deve cumprir-se em dia de calendário e não em períodos de 24 horas, não está a contrariar a referida Diretiva, mas sim a conceder aos trabalhadores uma proteção mais ampla, no que se refere ao descanso semanal, do que a concedida pela Diretiva 2003/88;
R) Tal interpretação encontra respaldo no entendimento propugnado por Pedro Romano Martinez4 [4 in Código do Trabalho anotado, 2013] ao considerar que "o direito ao descanso semanal obrigatório deve cumprir-se em dias de calendário e não em períodos de 24 horas. O descanso semanal imposto por lei exige verdadeiro período de interrupção semanal da prestação de trabalho traduzido na determinação de um dia de calendário durante o qual não é prestado trabalho. ":
S) Assim, outro entendimento não se pode retirar de que a decisão controvertida não atenta contra aquela norma comunitária;
T) Não obstante, a Apelante argui "E não se diga que o dia de descanso deve cumprir-se em dia de calendário e não em período de 24 horas uma vez que tal interpretação não tem qualquer suporte no texto da lei e muito menos nos princípios que lhe são ínsitos";
U) Ora, A conclusão de que o direito ao descanso semanal obrigatório deve cumprir-se em dias de calendário e não em períodos de 24 horas, resulta de uma leitura literal do artigo 232.º, n.º 1, do Código do Trabalho, sendo tal entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência (vide entre outros o Ac. do STJ, proferido no proc. N° 001307, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/21789bfcaaed57a5802568fc003a11e1?OpenDocument) e o Ac. do STJ, proferido no processo n° 001128, in http./Ïwww.dgsi.pt/stj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/452779562b8/20cc802568fc003a18ad?OpenDocument);
V) Por conseguinte, os trabalhadores do turno D) teriam de praticar o seguinte horário "domingo das 20. O0horas - 06:00 horas, segunda a sexta 0:00 horas - 06H00 horas, dia de descanso obrigatório, sábado" pelo que não gozariam o dia de descanso semanal em continuidade com o período de 11 horas de descanso diário;
W) Na verdade, No dia de descanso obrigatório, sábado, trabalhariam 6 horas, o que perfaz 7 dias de trabalho por semana;
X) Por outro lado, Os trabalhadores do turno C) teriam de praticar o seguinte horário: "de segunda a sexta 18:00 horas - 24:00 horas e sábado das 20:00 horas - 06:00, descanso semanal: domingo";
Y) Consequentemente, no dia em que devia gozar o dia de descanso semanal obrigatório domingo, teriam que trabalhar 6 horas, ou seja, os trabalhadores em questão iriam trabalhar 7 dias por semana;
Z) Fica assim evidente que, O projeto de horário de trabalho apresentado pela Apelante não preenche os requisitos previstos nos artigos 221, nº 5, 232.° e 233.°, n° 1, todos do Código do Trabalho, para que seja concedida autorização para laboração contínua;
AA) Revistos os factos e o Direito que lhes foi aplicado tanto pela sentença recorrida como pela decisão da Apelada, verifica-se que não se encontravam reunidos os pressupostos dos artigos 221, nº 5, 232.º e 233.º, nº 1, todos do Código do Trabalho, que permitissem conceder a autorização para laboração contínua como pretendia a Apelante;
BB) Razão pela qual entendemos que bem andou o Tribunal a quo, não padecendo a sentença recorrida de qualquer erro de julgamento , como pretende fazer crer a Apelante
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, fixados como provados na decisão recorrida:

1) A autora requereu, em 16.03.2016, autorização para laboração contínua relativamente ao seu estabelecimento sito em (…);
Doc. 2 junto com a p.i.
2) Tal pedido fundou-se no facto de a autora ter necessidade de aumentar a sua capacidade produtiva, com vista a satisfazer de forma mais eficaz as encomendas e o cumprimento dos prazos de entrega, visando um aumento de competitividade no mercado têxtil;
Doc. 2 junto com a p.i.
3) Mais invocou que o alargamento do período de laboração permitirá uma maior rentabilização do equipamento de forma a garantir a manutenção da aposta na modernização, aumentando a capacidade produtiva, o que levará a uma diminuição do custo de produção, considerando a minimização do desperdício energético, garantindo assim a manutenção dos postos de trabalho;
Doc. 2 junto com a p.i.
4) A autora anexou os necessários documentos, entre eles as declarações de concordância dos trabalhadores;
Doc. 2 junto com a p.i.
5) E o projeto de horário de trabalho, de onde resulta o seguinte:
Doc. 3 junto com a p.i.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6) O Centro Local do Grande Porto da Autoridade para as Condições de Trabalho entendeu existirem algumas incongruências, pelo que, através do Oficio 04819 solicitou a regularização das mesmas;
Doc. 4 junto com a p.i.
7) Regularização que a autora efetuou, juntando os competentes documentos, mormente novo projeto de horário de trabalho, e prestando esclarecimentos, juntando designadamente a indicação dos trabalhadores que iriam trabalhar em cada turno;
Doc. 5 junto com a p.i.; P.A., fls. 113 e ant.
8) Entenderam aqueles serviços que o projeto de horário de trabalho não preenche os requisitos previstos nas disposições legais, pelo que notificaram a autora, entre o mais, para o exercício do direito de audiência de interessados, na sequência da intenção de indeferimento do pedido de autorização de laboração contínua;
Doc. 6 junto com a p.i.
9) Direito de audiência prévia que a autora exerceu por escrito;
Doc. 7 junto com a p.i.
10) E solicitando a produção de prova testemunhal;
Doc. 7 junto com a p.i.
11) Que os serviços da Autoridade para as Condições de Trabalho entenderam não ser pertinente, notificando a autora de que o processo havia sido remetido ao Serviço Central da ACT;
Doc. 8 junto com a p.i.
12) A autora foi notificada do teor do despacho do Inspetor Geral do Trabalho, segundo o qual, o pedido de autorização para laboração contínua foi objeto de despacho de indeferimento;
Doc. 1 junto com a p.i.
13) Cuja decisão é de concordância com o relatório elaborado, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
Doc. 1 junto com a p.i.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

14) Posição sufragada também pelos Serviços Centrais da Autoridade para as condições do trabalho;
Doc. 1 junto com a p.i.
15) E que deu origem à rejeição do pedido de laboração continua pelo Secretário de Estado do Emprego, conforme despacho de concordância, proferido ao abrigo de delegação de competência conferida pelo despacho n.º 1300/2016, de 13 de janeiro, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 18, de 27.01.2016;
Doc. 1 junto com a p.i.
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A apelação:
A competência: despacho conjunto.

Julgou o tribunal “a quo”:

«Entende o autor que o ato que rejeitou o seu pedido é anulável por falta de competência.
Vejamos.
A Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro prevê no artigo 16.º, n.º 1 que “O período de laboração é o compreendido entre as 7 e as 20 horas, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” Prevê-se a possibilidade, no número 3 do mesmo artigo que “Os membros do Governo responsáveis pela área laboral e pelo sector de atividade em causa podem, mediante despacho conjunto, autorizar a laboração contínua do estabelecimento por motivos económicos ou tecnológicos.
Efetivamente decorre deste normativo que a competência para autorizar a laboração contínua de um estabelecimento é conjunta, sendo partilhada pelos membros do Governo da área laboral e do sector da atividade em causa.
Tal significa que a autorização para que um estabelecimento possa laborar de forma contínua tem que obter a anuência dos dois membros do Governo, o que significa também que baste a rejeição por um deles para que o pedido de laboração contínua deva ser rejeitado.
Ora, é certo no caso em apreço que só teve intervenção o Secretário de Estado do Emprego. No entanto, tendo este rejeitado o pedido apresentado pela autora, seria inútil que se submetesse o pedido ao Secretário de Estado da Indústria, já que estava já frustrada a obtenção de autorização conjunta.
Assim, não se verifica o vício invocado de falta de competência.»

Decidiu-se bem.
Nos casos de competência de vários órgãos da Administração, o deferimento das pretensões que a tal competência se refiram exige que a vontade dos órgãos concorra nesse sentido, enquanto que o indeferimento de uma delas se basta com a vontade de indeferir emanada de um daqueles órgãos.” – Ac. do STA, de 07-06-2006, proc. n.º 01900/03.
«Quando a lei prevê uma competência conjunta de vários órgãos para resolver pretensões determinadas, isso significa que o deferimento delas exige a conjunção das vontades desses órgãos; mas, inversamente, isso denota também que a vontade de indeferir, revelada por um dos órgãos, basta para que ocorra o indeferimento da pretensão que esteja em causa.» - Ac. do STA, de 16-10-2002, proc. n.º 0584/02.
Só para “decisão positiva ou de deferimento da pretensão é que se coloca a questão da não autonomia de vontades de cada um dos referidos órgãos (ministros) com competência dispositiva conjunta, pois que só em tal situação se pode falar de um “acto união” ou “acto complexo” em que o acordo dos vários órgãos competentes é indispensável para que a competência seja exercida por qualquer deles (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Vol. I. pág. 469).
Poderá dizer-se que o acto padece de uma incompletude formal, consistente na falta de posição do outro órgão com competência dispositiva conjunta (e que poderia ser do mesmo sentido de indeferimento, ou de sentido inverso), mas sem qualquer relevância em termos de configuração de vício invalidante” - Ac. do STA, de 29-09-2005, proc. n.º 0275/05.

A questão de fundo: laboração contínua.
No ponto, o juízo do tribunal “a quo” foi o seguinte:

«Os artigos 220.º e 221.º do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, preveem o seguinte:
Artigo 220.º
Noção de trabalho por turnos
Considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas.
Artigo 221.º
Organização de turnos
1 - Devem ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos do período normal de trabalho.
2 - Os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestados pelos trabalhadores.
3 - A duração de trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
4 - O trabalhador só pode mudar de turno após o dia de descanso semanal.
5 - Os turnos no regime de laboração contínua e os de trabalhadores que asseguram serviços que não podem ser interrompidos, nomeadamente nas situações a que se referem as alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 207.º, devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período
excedente de descanso a que tenham direito.
6 - O empregador deve ter registo separado dos trabalhadores incluídos em cada turno.
7 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 3, 4, 5 ou 6.
As cláusulas 23.ª a 25.ª do contrato coletivo de trabalho (CCT), celebrado entre a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal, publicada no BTE, n.º 3 de 22.01.2011, determinam o seguinte:
Cláusula 23.ª
Laboração por turnos
Sempre que os períodos de laboração das empresas excedam os limites máximos dos períodos normais de trabalho deverão ser organizados turnos de pessoal diferente.
Cláusula 24.ª
Trabalho por turnos
1- Apenas é considerado trabalho em regime de turnos o prestado em turnos de rotação contínua ou descontínua, em que o trabalhador está sujeito às correspondentes variações de horário de trabalho.
2 - Os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestadas pelos trabalhadores.
3 - As escalas de trabalho por turnos deverão ser afixadas com, pelo menos, duas semanas de antecedência.
4 - Os trabalhadores só podem mudar de turno após o período de descanso semanal.
5 - Considera-se que se mantém a prestação de trabalho em regime de turnos durante as férias, bem como durante qualquer suspensão da prestação de trabalho ou do contrato de trabalho, sempre que esse regime se verifique até ao momento imediatamente anterior ao das suspensões referidas.
Cláusula 25.ª
Laboração Contínua
1 - Poderão as empresas que exerçam atividades em relação às quais se verifique autorização para o efeito adotar o sistema de laboração contínua com trabalhadores que aceitem o respetivo regime.
2 - Nos casos referidos no número anterior, a duração semanal do trabalho não poderá exceder 48 horas nem, na média de cada período de 12 semanas, a duração máxima fixada para a laboração em três turnos.
3 - Os períodos de descanso semanal poderão ser fixados por escala, devendo, nesse caso, coincidir periodicamente com o domingo.

Dos artigos 221.º, n.º 1 do CT e da cláusula 23.ª do CT resulta que sempre que uma empresa exceda os limites máximos do período normal de trabalho deve organizar turnos.

Afigura-se evidente que a laboração contínua constitui uma das situações que se enquadra nessa obrigação de organização de turnos, já que se a empresa passa a laborar de modo contínuo, então necessariamente tem um funcionamento que excede os limites máximos do período normal de trabalho.

É pacífico que com o pedido de autorização a autora apresentou um projeto de horários prevendo a organização por turnos.

Entende, no entanto a autora, como resulta do artigo 43º da p.i., que os trabalhadores não prestarão trabalho por turnos, porquanto não estão sujeitos a qualquer variação de horário de trabalho. Aspeto que o próprio Ministério do Trabalho admite, como resulta expressamente do artigo 11º da respetiva contestação. Efetivamente se não existe qualquer rotatividade relativamente ao momento em que os trabalhadores prestam o seu trabalho, então a organização da empresa será por turnos, muito embora os trabalhadores não prestem trabalho por turnos.

Em termos racionais, apelando à experiência comum, afigura-se evidente que a variação contínua ou descontínua de horários de trabalho apresenta-se como mais desgastante para um trabalhador do que a prestação de trabalho num mesmo horário.

A autora discorda ainda da entidade demandada pelo facto de esta censurar que nos turnos B e D os trabalhadores nunca terão descanso semanal a coincidir com o domingo.

Efetivamente, analisada a cláusula 25.ª, n.º 3 do CCT, apenas se obriga a que o dia de descanso semanal seja periodicamente num domingo quando sejam fixadas escalas, o que indicia a existência de rotatividade entre os trabalhadores, o que no caso em apreço não ocorre, já que, como resulta dos autos, cada trabalhador está afeto de modo permanente a um determinado turno, o que revela uma estabilidade no horário em que o trabalhador irá laborar.

No entanto, como refere o Ministério do trabalho no artigo 12º da contestação, o fundamento central para a rejeição reporta-se ao direito ao gozo do dia de descanso semanal obrigatório.

O artigo 221.º, n.º 5 do CT exige que cada trabalhador tenha um dia de descanso por cada período de sete dias.

A entidade demandada entende que os trabalhadores do turno D e do turno C não cumprem este requisito.
E afigura-se que lhe assiste razão.

Analisando o turno C) verifica-se efetivamente que os trabalhadores deste turno terão que trabalhar no dia de descanso assinalado: de acordo com o turno referido, o dia de descanso é o domingo, mas prevê-se que o horário a prestar no sábado se inicie às 20:00 (de sábado) e termine às 06:00 (de domingo), o que significa que os trabalhadores deste turno trabalham todos os dias da semana, o que viola a disposição do artigo 221.º, n.º 5 do CT que determina que num período de 7 dias, pelo menos um seja de descanso.

Do mesmo modo analisando turno D) se verifica que que os trabalhadores deste turno terão também que trabalhar no dia de descanso assinalado: de acordo com o turno referido, o dia de descanso é o sábado, mas prevê-se que o horário a prestar na sexta inicie às 00:00 (de sexta) e termine às 06:00 (de sábado), o que significa que também estes trabalhadores irão prestar trabalho em todos os dias da semana, o que viola o normativo legal referido.

A autora discorda deste entendimento referindo que existe um período de 24 horas de descanso semanal.

É verdade que existe esse período de 24 horas: no turno C), entre as 6:00 de domingo (momento em que termina o turno de sábado) e as 18:00 de segundo (momento em que inicia o turno de segunda) o trabalhador tem um período de descanso de 36 horas; e no turno D) entre as 06:00 de sábado (momento em que termina o turno de sexta) e as 20:00 de domingo (momento e inicia o turno de domingo) o trabalhador tem um período de descanso de 38 horas.

No entanto, o ponto de discórdia entre as partes resulta da questão de saber se legalmente se impõe a existência de um dia de calendário completo como dia de descanso ou se é possível que esse descanso seja de 24 horas, distribuído por dois dias.

A autora invoca em apoio da sua argumentação a Diretiva 2003/88/CE.
Mas afigura-se que de modo infrutífero.

Na verdade, é certo que o artigo 5.º da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho prevê que “Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.º”.

Deste artigo resulta efetivamente, que o direito da UE impõe que os Estados membros adotem medidas para garantir que por cada período de trabalho de 7 dias, os trabalhadores gozam de um descanso ininterrupto de 35 horas.

No entanto, o artigo 15.º da mesma Diretiva determina o seguinte:
Artigo 15.º
Disposições mais favoráveis
A presente diretiva não impede os Estados-Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da
saúde dos trabalhadores.

É importante notar que o objetivo da Diretiva em causa é proteger os trabalhadores no trabalho, garantindo que os mesmos no espaço da União Europeia beneficiam de períodos de descanso suficiente (considerando 5), o que logicamente não impede que os Estados Membros estabeleçam medidas mais favoráveis aos trabalhadores.

O TJUE no acórdão de 09.11.2017, Proc. C-306/16 refere, no ponto 49, que « esta diretiva estabelece normas mínimas de proteção do trabalhador em matéria de organização do tempo de trabalho. Com efeito, nos termos do artigo 15.° da referida diretiva, os Estados-Membros estão autorizados a aplicar ou introduzir disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou a promover ou permitir a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores. »

É o que acontece com o artigo 221.º, n.º 5 do CT, que impõe que em cada período de sete dias, pelo menos um seja de descanso. Esta imposição está em consonância com o estabelecido nos artigos 232.º e 233.º do CT. Portanto, a proteção mínima da Diretiva é que por cada 7 dias de trabalho o trabalhador tenha 35 horas de descanso. Mas na legislação nacional, num período de 7 dias, um dia do calendário tem que ser de descanso, o que significa que o trabalhador presta o seu trabalho durante 6 dias, o que constitui um regime mais favorável, o que está expressamente previsto no artigo 15.º da mesma Diretiva: por um lado refere-se que o período de trabalho é inferior e por outro que o período de descanso é um dia da semana, ou seja, um dia completo do calendário e não por horas.

Por outro lado, como o objetivo da Diretiva em causa é a proteção dos trabalhadores e não das empresas que querem trabalhar continuamente, a autora não pode prevalecer-se da norma de direito da União Europeia para tentar encurtar o alcance e sentido da norma nacional que faz referência a um dia e não a 24 horas.

Assim, é de concluir pela improcedência da ação, já que não os horários propostos nos turnos C) e D) não contém um dia da semana como de descanso.».

Será esta a solução mais concordante com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos?

Vejamos.
Numa primeira observação se vê que o fundamento do indeferimento quanto ao descanso semanal não coincidir com o domingo, esse, foi considerado improcedente.

Nisso não há reparo.
Mas não é o suficiente para êxito de pretensão da autora/recorrente.
O que motiva a improcedência da acção reside no artigo 221.º, n.º 5, do CT, que exige que cada trabalhador tenha um dia de descanso em cada período de sete dias.
O artigo 5.º da referida Diretiva 2003/88/CE prevê que “Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.º”.

O tribunal “a quo” viu que a solução nacional “constitui um regime mais favorável, o que está expressamente previsto no artigo 15.º da mesma Diretiva”.

Assim conclui por dois factores:
- o trabalhador presta o seu trabalho durante 6 dias, e depois tem o seu descanso; enquanto que a Directiva garante essa protecção pós período de 7 dias de trabalho;
- o período de descanso é um dia da semana, ou seja, um dia completo do calendário, e não por horas.
A primeira proposição não pode ser aceite como enunciado geral.

Precisamente a propósito do decidido no âmbito do referido processo C-306/16 do TJ, lembra o nosso Supremo Tribunal de Justiça, em Ac. de 14-11-2018, proc. n.º 1181/15.4T8MTS.P1.S1, que “Em suma, no n.º 47 do Acórdão, o Tribunal de Justiça toma expressamente posição quanto à eventual disposição que garantisse ao trabalhador um dia de descanso após seis dias de trabalho consecutivos e conclui que a mesma não seria – ou não seria necessariamente – mais favorável para o próprio trabalhador. O que acarreta que se essa norma existisse no ordenamento português, ela não seria abrangida pelo artigo 15.º da Diretiva 2003/88, que permite aos Estados membros introduzir disposições mais favoráveis aos trabalhadores. Poderiam existir outras disposições mais favoráveis – aliás o Advogado-Geral na nota 48 das suas Conclusões refere que o Governo Português sustentou a possibilidade de o artigo 221.º n.º 4 do Código do Trabalho poder ser uma dessas normas mais favoráveis – mas a existência automática de um dia de descanso após seis dias de trabalho consecutivo não seria uma delas, de acordo com a própria decisão do Tribunal de Justiça.”.

Neste aspecto, e na ausência de concreto elemento revelador de maior favor, a convocação da norma nacional, na forma justificante que foi adoptada na sentença, não pode ser seguida.

Mas nem até é esse o busílis; a (outra) razão do indeferimento prescinde desta discussão.

Identificou o tribunal que “o ponto de discórdia entre as partes resulta da questão de saber se legalmente se impõe a existência de um dia de calendário completo como dia de descanso ou se é possível que esse descanso seja de 24 horas, distribuído por dois dias”.
E, efectivamente, é como dia de calendário completo que deve entender-se a referência do art.º artigo 221.º, n.º 5, do CT, à exigência de um dia de descanso.

No confronto com a Directiva sempre resulta conforme.
No respeito pelo princípio da interpretação conforme ou compatível com o Direito da União, o intérprete e aplicador do direito nacional “devem atribuir às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições europeias”, sendo que “todo o direito nacional aplicável deve ser interpretado em conformidade com o Direito da União” [cfr., entre outros, Acs. do TJUE de 13.11.1990 («Marleasing SA», C-106/89, nos seus n.ºs 08 e 09 «http://eur-lex.europa.eu/»), de 04.07.2006 («Adeneler», C-212/04, nos seus n.ºs 108 a 111), de 28.07.2011 («Samba Diouf», C-69/10, no seu n.º 59)].

E «Nos termos do artigo 267º do Tratado de Funcionamento do Tribunal de Justiça da União Europeia pressuposto desse reenvio é a existência de dúvidas sobre a adequada e correcta interpretação do quadro normativo da União Europeia.» - Ac. deste TCAN, de 21-04-2016, proc. n.º 00327/11.6BEVIS.

Mas, como se disse, e sem dúvida razoável, a norma nacional mostra-se conforme.

É apodíctico que considerar o dia de descanso semanal como dia de calendário completo sempre abrange o/um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, previsto na Directiva (sem postergar que se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.° da Diretiva; na legislação nacional “sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito – art.º 221º, nº 5, do CT)”.

Que é como dia de calendário completo que jurisprudência e doutrina nacionais encaram o dia de descanso, também é pacífico (veja-se também o que referencia o contra-alegante Ministério): «O dia de descanso semanal (obrigatório nas empresas de laboração contínua, (que implica uma organização do trabalho por turnos) deverá cobrir um dia de calendário, ou seja, um período de tempo iniciado às 0 horas e terminado às 24. Na verdade, o descanso semanal só preenche plenamente a sua finalidade (que visa não só a regeneração da capacidade laboral do trabalhador mas também a recuperação da sua própria disponibilidade, sem cair em faltas) se corresponder na íntegra ao ciclo biológico do dia normal (cfr. Monteiro Fernandes, "Direito do Trabalho", I, 9. edição página 341).» - Ac. do STJ, de 12-02-1997, proc. n.º 96S115

E nesta medida de explicação (e mesmo sem rotatividade de horário), até de maior protecção.

A pergunta formulada pela recorrente, para envio prejudicial é a seguinte: «À luz do artigo art.º 5.° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, os trabalhadores, num regime de organização de trabalho por turnos mas cujos horários de cada um são fixos, em estabelecimento que labora no regime de laboração contínua, o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito deve corresponder necessariamente a um dia completo de calendário, não podendo ser contabilizado no correspondente a 24 horas, a que acrescerão as 11 horas de descanso diário?».

A recorrente inverte termos.
Não esteve, nem está em questão, se nos termos da Directiva “o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito deve corresponder necessariamente a um dia completo de calendário”.

A Directiva é clara: alude a 24 horas, não a um dia completo de calendário.

O que antes se deverá perguntar é com essa referência se mostra conforme ou compatível a norma nacional, ao ser entendida - e viu-se que sim - como prescrevendo o descanso em dia completo de calendário.

Não há dúvida razoável; a resposta é inequivocamente positiva, já que dia de descanso em dia completo de calendário sempre contabiliza essas 24 h; e em certa perspectiva, de “calendarização” do trem de vida, é até mais favorável juízo de protecção.

Já na alegação de desproporcionada interpretação da lei, impedindo o exercício do direito à iniciativa económica privada e o direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial, limita-se a recorrente a tal genérica imputação, sem consubstanciar.

O recurso não tem provimento.
*

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
*
Custas: pela recorrente.
*
Porto, 09 de Abril de 2021.

Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho