Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01033/08.4BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO; IMPOSIÇÃO DE OBRAS;
DERROCADA DE EDIFÍCIOS
Sumário:I- Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. A acção improcederá se um destes requisitos se não verificar.
II - De acordo com o artigo 89º do RJUE, as edificações devem ser objecto de obras de conservação. No entanto, quando estejam em causa obras que sejam necessárias à correcção de más condições de segurança ou salubridade, a Câmara Municipal pode ordenar a realização dessas mesmas que são, em primeira mão, da responsabilidade do proprietário.
III- Não tendo os proprietários realizado as obras para que foram notificados, e não se provando que os edifícios estivessem em ruina, não se pode concluir que seria obrigatório o Município tomar posse administrativa dos mesmos para realizar as referidas obras. Ou seja, não se pode concluir que tenha ocorrido qualquer omissão ilícita da sua parte.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JPAB e AMSB
Recorrido 1:Município de Coimbra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser dado provimento o recurso quanto ao Despacho Saneador e negado provimento, quanto à decisão recorrida.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
JPAB e AMSB vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 13 de Julho de 2012 e que julgou improcedente a presente acção administrativa comum intentada contra o Município de Coimbra, e vários intervenientes particulares, que entretanto foram absolvidos da instância (decisão de fls. 591e fls. 1250 e sgs), e onde era solicitado que deviam ser:
“os RR condenados solidariamente a pagarem aos AA. a quantia de € 165 398,88, acrescida de juros de mora desde a citação e ainda nas demais quantias que se liquidarem em sede de execução de sentença”.

Em alegações, após convite ao aperfeiçoamento, os recorrentes concluíram assim:

a) O despacho saneador que julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria e em consequência absolveu os réus particulares da instância, padece de erro de julgamento e violação das normas legais dos artigos. 483.º, n.º 1, 492.º, 497.º e 519.º, n.º 1, do Código Civil e nos artigos 2.º, 4.º, n.º 2 e 6.º do DL n.º 48 051 de 21 de Novembro de 1967, bem como as normas legais dos artigos 1.º e 4.º do ETAF, 13.º do CPTA e 101.º, 105.º, n.º 1 e 288.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. É que,

b) Tal como os AA configuram a acção (como é devido e resulta do Ac. do Tribunal de Conflitos já citado nos autos, de 26/10/06, proferido no Proc. n.º 18/06) a haver ganho de causa, o Município e os donos dos prédios que desmoronam serão, ambos, responsáveis pelos danos [vejam–se as disposições combinadas dos artigos 483.º, n.º 1, 492.º, 497.º e 519.º, n.º 1, do Código Civil e dos artigos 2.º, 4.º, n.º 2 e 6.º do DL n.º 48 051 de 21 de Novembro de 1967, (que, ao tempo, era vigente)], pelo que, existindo identidade na relação jurídica em apreço (não olvidando pois que uma das causas de pedir tem a ver com a não realização voluntária de obras determinadas anteriormente pela autarquia) e na verificação da violação de normas de direito administrativo, tendo assim o tribunal administrativo competência para o julgamento nos termos em que os AA. o sustentaram, o despacho saneador pelo qual o Meritíssimo Tribunal a quo se julgou – cfr. neste preciso sentido que sustentamos o Ac. STA de 28/3/2012, proferido no proc. n.º 01090/11, e, a este propósito, o Ac. Tribunal de Conflitos de 20/9/2012, proferido no proc. n.º 02/12. Por conseguinte,

c) Em consequência, deve tal despacho ser revogado e substituído por outro que julgue o Tribunal materialmente competente também para conhecer dos pedidos quanto aos réus particulares, anulando todo o processado subsequente e determinando-se a baixa dos autos para repetição da tramitação subsequente.

d) A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e em violação das normas legais dos arts. 89.º e 91.º do RJUE, ao considerar estar-se perante um poder discricionário e não vinculado. É que

e) a avaliação que foi feita relativamente ao estado de degradação dos prédios, foi feita no âmbito de um poder vinculado e não no exercício de um poder discricionário, pois é perfeitamente pacífico que no domínio da referência legal ou regulamentar ao que é um juízo técnico não existe margem de liberdade, se, desse ponto de vista, a avaliação é a única que se pode fazer – cfr. por todos, Hartmut Maurer Direito Administrativo Geral que, para comodidade, citamos não na tradução Francesa mas na tradução brasileira de Afonso Heck, Manole, S. Paulo, 2006, p. 161.) - ninguém compreenderia que a administração, acertado do ponto de vista técnico ou científico um facto (e este tem de poder, como podia, ser assim acertado, embora isto não releve neste plano da caracterização do tipo de poder em causa), tivesse quanto a esta matéria a possibilidade de, valorando-a sem mais, usar o seu… poder discricionário. E, por outro lado,

f) quer o poder de ordenar obras de conservação, quer o poder de ordenar a demolição, quer o poder de ordenar coercivamente a realização desta obras de construção civil (constantes do art. 89.º e 91.º do RJUE), quer finalmente o poder de agir em salvaguarda de bens e da saúde e vida das pessoas, são “poderes competência “ vinculados no que se refere ao “plano da resolução” de agir, o que não é de estanhar, pois trata-se de intervenções na propriedade de terceiros, e em valores constitucionais de primeira ordem, direitos fundamentais, as quais, como todos sabemos, são vistas como excecionais (compressão do direito de propriedade, em virtude da prevalência de interesses públicos: proibição do confisco, expropriação sujeita a indemnização, etc., – cfr. Hartmut Maurer, ob. cit. pp. 143 a 145 e 152. De resto,

g) A justificação que o juiz dá para alicerçar a sua posição (escassez de fundos) sempre é essencialmente errada, porquanto os Municípios, como resulta entre o mais do art. 108.º do RJUE, recuperam integralmente os fundos despendidos neste âmbito de atuação, não se podendo ou devendo ademais interpretar uma lei, afrontando a ordem jurídica na sua unidade e, ademais, os valores essências e a própria Constituição da República que os consagra e esclarece, que assim também restarem violados.

h) Este entendimento é, aliás, o que a Jurisprudência Portuguesa do nosso mais alto tribunal tem seguido a respeito da necessidade de fazer obras que tenham a ver com a segurança de pessoas e do prédio, revelando-se tal entendimento até pela última conclusão do Ac. STA de 5/5/2011, proferido no proc. n.º 0289/10, que o juiz resolveu não citar integralmente, ignorando inclusivamente o voto de vencido que do mesmo consta. Por outro lado,

i) A entender-se o poder em causa como discricionário, em claro atraso e retardamento dogmático, sempre se teria de verificar-se ilicitude porquanto num caso não se executou a decisão de ordenar as obras de conservação durante 14 anos e noutro não se executaram várias decisões que, preocupadas com o estado crescente de degradação do prédio, foram mandadas realizar (decisões estas em que se referia superabundantemente o crescendo de infiltrações e o estado de ruina iminente externa – cobertura - e interna dos edifícios, bem como a forma concreta de evitar estes males).

j) Quanto à matéria de facto, o Meritíssimo Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao ter respondido como fez na decisão da matéria de facto aos pontos 2, 3, 5 a 17, 19 a 22 e 24 a 29, pois os meios de prova produzidos implicavam, ao invés do que em erro decidiu o Meritíssimo Tribunal a quo na decisão da matéria de facto, quanto ao ponto 2 da base instrutória uma resposta de não provado ao invés daquela que lhe foi dada, e aos pontos 3, 5 a 17, 19 a 22 e 24 a 29 respostas de provado ao invés de não provado ou das respostas limitadas e restritas que lhes foram dadas. Efectivamente,

k) Assim era imposto pelos depoimentos das testemunhas:
- MCMM, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 00:00:00 a 00:24:50;

- ARMM, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 00:24:51 a 00:40:13;

- GMCS, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 00:40:14 a 01:43:57;

- JRS, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 01:43:57;

- JAG, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 01:50:46;

- ALFQ, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 02:22:14;

- FSM, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 02:28;35;

- AJGR, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 02:37:26;

- MEAM, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 03:01:45;

- DSVR, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 03:15:03;

- MAOC, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e cujo depoimento ficou gravado no CD n.º 1, 03:36:30;

concatenados com todos os documentos juntos aos autos pelos AA. durante a instrução do processo, designadamente juntos com os seus articulados, com o requerimento de prova e já em sede de instrução probatória e durante o decorrer da audiência de julgamento, entre as suas sessões;

os quais fizeram prova bastante da factualidade dos pontos 3, 5 a 17, 19 a 22 e 24 a 29 e que os meios de prova produzidos pelo R. não conseguiram abalar. Por outro lado,

l) Os meios de prova produzidos pelo R. não fizeram prova bastante da factualidade ínsita ao ponto 2 da base instrutória:

i) Designadamente, as testemunhas FMMVR, JARMS, AWSC, JFGM, cujos depoimentos foram prestados na sessão de julgamento da audiência de discussão e julgamento de 24.10.2011 e que ficaram gravados no CD n.º 1, respectivamente a 04:13:40, 04:33:24, 05:07:29, 05:49:21;

ii) nem os documentos juntos aos autos pelo R., que não provam só por si e de forma bastante a materialidade do seu conteúdo. Por conseguinte,

m) sindicando-se e remediando-se tal erro de julgamento, com base nos elencados meios de prova produzidos, deve e requer-se que no presente recurso seja alterada a decisão da matéria de facto, decidindo-se dar como não provado o ponto 2 da base instrutória e provados, integralmente, e não apenas limitada ou restritivamente como consta de algumas das respostas os pontos 3, 5 a 17, 19 a 22 e 24 a 29 da base instrutória.

n) Na sentença conclui-se de facto (e como veremos a tort) que o Município só soube (só conheceu) da “ real situação ” dos edifícios 3 dias antes do desmoronamento ou só aí conheceu dos defeitos estruturais, não podendo pois assim ter realizado entretanto obras de conservação (falando-se no fissuramento das fachadas ou da empena) ou mesmo de demolição, mas, quanto ao prédio 10 e até estes 3 dias, percorrendo a factologia de que o Juiz se serviu para concluir nos termos referidos, não se percebe, não se entende, ninguém pode, experiente e razoavelmente entender, sequer, como é que o Juiz conclui, face à existência das vistorias aludidas que determinavam as obras (estruturais que são, como é o caso da cobertura e a subsequente reparação das paredes mormente a meeira e de arranjo dos vãos de janela por onde também entrava agua), para além da existência no Município de fotografias que em 2004 evidenciavam a existência de fissuras no prédio 10, que a autarquia não tivesse conhecimento desses defeitos estruturais aptos que são a provocar o desmoronamento – erro este que, pela sua evidência, é patente e manifesto! – cfr. BMJ nº 476, p. 253., Acórdãos do S.T.J. de 22/11/89 – BMJ, n.º 391, p. 433 e de 26/09/90 - BMJ n.º399, p. 432. Com efeito,

o) Os serviços desde 1990 e, depois, pelo menos e no que toca só a este edifício, em 2001, sabiam da existência de defeitos estruturais no mesmo, sabendo da necessidade de serem realizadas obras de reparação e conservação neste prédio, não agiram executando eles próprios as obras que haviam determinado, como está inequivocamente provado, e, a fazer fé no relatório, também, sempre com agravamento sucessivo das condições estruturais e resistentes do prédio (ali. P, dos factos provados) não terão detetado e fiscalizado (interna e externamente) a realização de obras ilegais que no prédio 8 se fizeram em 2004 (em duas palavras: sabiam e tinham obrigação de saber) violando com isso, inter alia, o estatuído no art. 91.º do RJUE., bem como o dever, ainda inter alia, a que se refere o 24 ali. c) e e) da LAL. Desta forma,

p) Invocando-se as circunstâncias de não ter sido provado que alguém tenha requerido a demolição parcial ou total dos prédios, a realização de obras de conservação ou, simplesmente, não se provando que alguém deu notícia do perigo de ruína, como motivação da sua sentença, quando as mesmas são irrelevantes e espúrias e estão fora do “objecto do processo”, deve tal matéria ser assim expurgada e aliás, fosse como fosse, encerrando tais dizeres ilicitude, atenta a oficiosidade da intervenção, não existe alternativa senão assacar à sentença erro de julgamento e violação do estatuído no art. 89.º n.º 3 e 91.º do RJUE. Ademais,

q) No que se refere ao conhecimento das debilidades do edifício (entre o mais das fissuras nas fachadas e empenas, no decurso da sua utilização e da debilitação crescente da parede meeira) importa concluir que tal conhecimento ou desconhecimento (para além de ter sido erroneamente julgado, como já concluímos), também arvorado em fundamento da sentença, quando a mesma é irrelevante e espúria, quando a mesma está fora do “objecto do processo”, deve ser expurgada da decisão, irrelevância esta que, aliás, fosse como fosse, encerra ilicitude, não existindo alternativa senão assacar à sentença, erro de julgamento e violação do estatuído nos arts. 483.º, n.º 1, do Código Civil e 2.º e 6.º do DL. 48051. Por outro lado,

r) Considerando a omissão ilícita da atuação devida face à não executada decisão administrativa de fazer obras e a omissão de vigilância e a omissão de atuação na defesa do património edificado ordenando a realização de obras - na defesa do património edificado como é imposto pelo art. 24.º LAL -, durante os 14 anos em que ocorreram infiltrações aludidas, é evidente que se verifica ilicitude e é evidente que existe culpa, quanto mais não seja do serviço, sendo pois e assim que, como se disse, a sentença sofre de erro de julgamento e de violação dos arts. 483.º, n.º 1, do Código Civil e 2.º e 6.º do DL. 48051.

s) Agora quanto ao prédio n.º 8 não se percebe, não se entende, ninguém pode, experiente e razoavelmente entender, sequer, como é que o Juiz conclui, face à existência das vistorias aludidas que determinavam as obras (estruturais que são, como é o caso da cobertura e a subsequente reparação das paredes mormente a meeira e de arranjo dos vãos de janela por onde também entrava agua, para além da ruína iminente do interior cujos elementos também fazem parte da estrutura resistente do edifício como é facto notório), que a autarquia não tivesse conhecimento desses defeitos estruturais aptos que são a provocar o desmoronamento - erro este que, pela sua evidência, é patente e manifesto! - cfr. BMJ nº 476, p. 253., Acórdãos do S.T.J. de 22/11/89 – BMJ, n.º 391, p. 433 e de 26/09/90 - BMJ n.º399, p. 432. Efetivamente,

t) Até ao terceiro dia antes da derrocada, temos que os serviços, se não antes, desde 2001 e, depois, desde 2003, sabendo da necessidade de serem realizadas obras de reparação e conservação neste prédio, não agiram executando eles próprios as obras que haviam determinado, como está inequivocamente provado, e, a fazer fé no relatório, também, sempre com agravamento sucessivo das condições estruturais e resistentes do prédio (ali. P, dos factos provados e relatório a fls. 11) não terão detetado e fiscalizado a realização (por duas vezes) de obras ilegais que no mesmo se fizeram em 2004 e 2006 (em duas palavras: sabiam e tinham obrigação de saber) tendo assim a sentença incorrido em erro aliás notório de julgamento de facto, violando ademais, inter alia, o estatuído nos arts. 91.º do RJUE., bem como o dever, ainda inter alia, a que se refere o art. 24.º ali. c) e e) da LAL.

u) Repetem-se, quanto a este edifício, as conclusões p), q) e r) supra.

v) De onde resulta naturalmente, com evidência, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, e até autónoma e agravadamente, culpa e ilicitude, pois, considerando a omissão ilícita da atuação devida face à não executada decisão administrativa de fazer obras e a omissão de vigilância e a omissão de atuação na defesa do património edificado ordenando a realização de obras - na defesa do património edificado como é imposto pelo art. 24.º LAL, é evidente que se verifica ilicitude e é evidente que existe culpa, quanto mais não seja do serviço, sendo pois e assim que, como se disse, a sentença sofre de erro de julgamento e de violação dos arts. 483.º, n.º 1, do Código Civil e 2.º e 6.º do DL. 48051.

w) Releve-se ainda que, devendo ter sido realizadas obras nas duas construções e não tendo sido levadas a efeito obras coercivas em nenhuma dessas edifícios, como vimos em violação de lei, o risco de ruina naturalmente agravou-se, sendo assim que, daqui e autonomamente, da conjugação articulada destas inações, que ocorrem também no plano da vigilância e fiscalização, também decorre a ilicitude (a culpa e o ilícito) que a sentença, como vimos, em erro de julgamento de facto e de direito, porfia em não ver verificada.

x) Firmados como estão, e assim se deve considerar, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, ilicitude e culpa do facto e imputação objectiva dos prejuízos àquele, tal qual previstos nos arts. 2.º e 6.º do DL 48051 e 483.º, n.º 1 e 563.º do Código Civil, emerge a obrigação de indemnizar pelo valor dos prejuízos ocasionados, a qual há-de repor os lesados na situação patrimonial hipotética que existiria como se o facto danoso não tivesse ocorrido, nos termos das normas e princípios estatuídos nos arts. 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil. Ora,

y) Procedendo a impetrada alteração da matéria de facto, não há dúvida que o R. está obrigado e deve indemnizar os AA. pelo valor pecuniário dos prejuízos apurados tal qual peticionado pelos AA., que é o que agora, no presente recurso, deverá decidir-se em alteração e remédio da sentença recorrida, que, assim não tendo decidido, violou também além das normas legais dos arts. 2.º e 6.º do DL 48051 e 483.º, n.º 1 e 563.º do Código Civil, as normas dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil.

z) Mas quando não proceda, nesta parte do valor dos prejuízos, a impetrada alteração da matéria de facto, resta a constatação da ocorrência de prejuízos cuja quantificação não se conseguiu realizar, sendo então caso de condenação genérica em quantia indemnizatória a liquidar ulteriormente, como decorre e é imposto pela norma legal do art. 661.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, que assim restou também violado pela sentença recorrida ao não ter, ao fim e ao cabo, assim decidido, o que deve agora decidir-se em alteração e remédio da sentença recorrida.

O recorrida notificado para o efeito, contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões:

I - Não existe, no caso vertente, qualquer relação jurídica administrativa com uma configuração tal que permita que os réus particulares sejam - como foram - demandados nos tribunais administrativos;
II - Não é o facto de poder haver, no caso, responsabilidade solidária - e litisconsórcio passivo - que altera essa circunstância, porquanto, para além de o artigo 28.º do CPC não se sobrepor às regras de competência dos tribunais comuns e dos tribunais administrativos,não estamos aqui na presença de qualquer litisconsórcio necessário legal ou natural que exija a intervenção de todos os réus;
III - Como decidiu o Tribunal de Conflitos no seu Ac. de 28.11.2007, proferido no proc. n.º 06/07“…estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos, matéria submetida à regra do art. 497.º, n.º 1, do C. Civil [igualmente aplicável no domínio da responsabilidade civil do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público (art. 4º/2 do DL n.º 48 051 de 21/11/1967)] que preceitua que ‘se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade’, significando essa solidariedade passiva, nos termos previstos no artigo 512.º/1 do C. Civil, que ‘cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera’.
Assim (…) os demais réus podem ser condenados a pagar a totalidade da indemnização, mesmo que se apure que as condutas ilícitas que lhes são imputadas não foram as únicas a dar causa aos danos. E podem ser absolvidos se não ficarem demonstradas as respectivas comparticipações, em processo causalmente adequado, para a produção dos prejuízos”;
IV - Os tribunais competentes para o julgamentos do Réus particulares são os tribunais comuns e, aliás, Ac. do Tribunal de Conflitos invocado pelos Recorrentes nas suas alegações (Ac de 20.09.2012, proferido no proc. n.º 02/12) conduz, justamente, a essa conclusão, o que claramente se percebe se se conjugar o mesmo com os Acs. do Tribunal de Conflitos de 29-06-04 proferido no Proc. n° 01/04 e de 28-11-07, proferido no Proc. n.° 06/07, para que expressamente remete;
V - Não obstante a dissertação feita pelos Recorrentes acerca do sentido a dar ao termo “pode” contido nos artigos 89.º e 91.º do RJUE, cabia àqueles alegar e provar - o que manifestamente não aconteceu - que o Recorrido sabia que os prédios em causa representavam perigo para a segurança de pessoas e bens, por forma a, mediante essa informação, poder conformar a sua actuação.
VI - Como se decidiu na douta sentença recorrida, “[i]gnorando os serviços camarários, até ao terceiro dia anterior ao desmoronamento dos prédios, causador dos prejuízos provados pelos Autores, a real situação em que os mesmos se encontravam, não detinha o Réu a menor possibilidade de determinar aos proprietários a realização de obras necessárias à sua conservação, ou mesmo de proceder, de imediato, à respectiva demolição, uma vez que apenas com o inquérito realizado foi possível perceber que os dois edifícios apresentaram, no decurso da sua utilização, fissuras nas fachadas e empena, as quais não foram tratadas adequadamente, e se impunha antes, de mais, a realização de diligências adequadas à conservação do prédio”;
VII - Em face dos elementos de que dispunha, não tinha o Recorrido qualquer dever de actuação relativamente aos edifícios aqui em causa;
VIII - É indubitável que bem andou a douta decisão recorrida ao dar como não provados os segmentos que dizem respeito à quantificação dos prejuízos materiais sofridos, na medida em que não só o ónus da prova dos mesmos competia aos Recorrentes - que a não conseguiram fazer -, como a prova documental disponível leva a crer que os mesmos não corresponderam, de facto, aos montantes e quantidades alegadas no petitório;
IX - Acresce, aliás, que, no que ao referido segmento do recurso concerne, não cumpriram os Recorrentes o ónus imposto pelo art. 685.º-B do C.P.C., não tendo discriminado as concretas passagens da prova testemunhal e os documentos que, em seu entender pressupunham resposta diversa da que acabou por ser dada;
X- Não podem restar dúvidas, porque documentalmente provado e reforçado de forma credível, séria e com fundamentada razão de ciência que o prédio sito na Travessa dos G..., n.º 10, em Coimbra, foi sujeito a uma vistoria no âmbito do protocolo celebrado com a Universidade de Coimbra, cujo relatório foi junto pelo Réu com a sua contestação, tendo as testemunhas inquiridas a esse respeito confirmado os respectivos resultados;
XI - Do relatório em causa constam os objectivos e metodologia utilizados no estudo, o que permite aferir do respectivo alcance e limitações.
XII - A testemunha FMMVR esclareceu no seu depoimento os objectivos e alcance do estudo em questão, mais apontando para o facto de que, um dos procedimentos que estava previsto era que, caso fosse detectada alguma situação que impusesse intervenção urgente, a mesma seria reportada aos serviços da Câmara Municipal, no imediato ou no âmbito das reuniões mensais realizadas para o efeito;
XIII - No tocante ao prédio correspondente ao n.º 10 da Travessa dos G..., não obstante a respectiva avaliação já estar feita, nunca foi reportada qualquer situação de perigo, atendendo aos critérios indiciadores formulados pela Universidade de Coimbra e como tal considerados relevantes e suficientes, dentro das limitações inerentes ao facto de se estar a trabalhar no âmbito de propriedade privada dos munícipes;
XIV - A mesma indicação resulta do depoimento do Sr. Professor Doutor JARMS, que afirmou expressamente que uma das finalidades do estudo era identificar patologias dos prédios da baixa de Coimbra e que para o efeito foram criadas catorze fichas de avaliação directa, que permitissem à Câmara identificar zonas de intervenção prioritária, sendo que, segundo esclareceu, existiam, entre outras, fichas sobre o estado das paredes, coberturas e pavimentos que, nas suas próprias palavras, “...identificavam sinais específicos, um conjunto de indicadores que tomamos como adequados para perceber o grau de conservação do edifício...”;
XV- No que respeita ao prédio n.º 8 – cujo estado, observe-se, não foi objecto de qualquer quesito - a testemunha em causa referiu que na vistoria do mesmo não foi dado acesso à cobertura. Porém, foi identificada a não existência de sinais indirectos de deterioração de tal cobertura nas partes visitadas; no tocante ao n.º 10, a mesma testemunha esclareceu que as deteriorações detectadas eram ligeiras e correspondem às que estão presentes em cerca de 50% dos prédios da baixa da cidade. O edifício em causa apresentava alguma fragilidade sísmica, em termos dos critérios de resistência horizontal, embora não fosse um dos mais vulneráveis.
XVI - Referiu ainda a dita testemunha, quanto ao edifício com o n.º 10, que, na sua resistência vertical, em 2004, não existiam sinais de que o mesmo devesse ser assinalado como de intervenção emergente, sendo que o que estava previsto no protocolo era que todos os edifícios em que fossem identificados sinais de emergência deviam ser comunicados à C.M.C. em prazo razoável.
XVII - Acrescentou ainda, com relevo, que o edifício em causa não integrou a listagem dos edifícios sinalizados, apresentando as suas fachadas uma classificação de 3 em 5, sem desalinhamento vertical nem nenhum dos sinais de alarme habituais, tomando em consideração os dados e recursos disponíveis segundo o estado da arte.
XVIII - No mesmo sentido vão os depoimentos do Eng. AWSC e do Dr. JFGM, tendo esta última testemunha esclarecido que sendo humana e economicamente impossível para a Câmara Municipal fazer todas as obras necessárias em substituição dos proprietários, sempre foi necessário actuar segundo juízos de prioridade.
XIX - Desta forma, atendendo aos aludidos depoimentos que mais profundamente se debruçaram sobre a questão e aos documentos existentes no processo, é manifesto que a resposta ao quesito 2 da base instrutória só podia ser de “provado”, não existindo qualquer fundamento atendível para a respectiva alteração.;
XX - Da prova documental junta, resulta claro que durante os anos que precederam a derrocada, e após uma primeira intervenção realizada pelo próprio proprietário já na década de 90, o prédio com o n.º 10 aparentava boas condições de salubridade e segurança.
XXI - Todas as testemunhas inquiridas relativamente ao quesito 3 da Base Instrutória referiram que não existia nenhuma denúncia nos serviços relativamente a uma eventual situação de degradação do edifício com o n.º 10, razão pela qual nunca existiram fundamentos para desencadear qualquer tipo de vistoria, acção inspectiva ou notificação para obras. Pelo contrário, provou-se que o prédio apresentava-se com um aspecto renovado, aparentando ter sido alvo de obras de recuperação.
XXII - Só após o respectivo desmoronamento, e com recurso a meios de análise que teria sido impossível utilizar na fase anterior à derrocada é que foi possível detectar que as obras que tinham sido realizadas não passavam de obras meramente cosméticas, que ao invés de repararem as possíveis deficiências antes as tinham disfarçado, impedindo que o verdadeiro estado do edifício fosse perceptível.
XXIII - Verdade, contudo, é que, conforme resulta da resposta dada ao ponto 3 da matéria de facto, na vistoria realizada ao n.º 8 da Travessa dos G... em 2001, foi detectada a existência de infiltrações provenientes deste prédio para o n.º 10, acrescentando nós que a prova produzida em sede de julgamento, ainda por referência aos depoimentos das mesmas testemunhas que vêm sendo apontadas, permite concluir que, por acção da inquilina do prédio n.º 8 a fonte primária das referidas infiltrações foi erradicada, razão pela qual nada fazia razoavelmente pressupor que as mesmas se mantivessem.
XXIV - Ao contrário do que os Recorrentes pretendem dar a entender a esse Tribunal, o Recorrido não sabia da existência de fissuras na empena do dito n.º 10 da Travessa dos G... desde 2004, porquanto, conforme resulta do processo, só teve esse conhecimento aquando da recolha de elementos, em sede de inquérito, após a derrocada;
XXV - Como bem refere a sentença recorrida, “...não é possível imputar aos serviços ou a qualquer funcionário ou agente do Município Réu a prática, ou a omissão de qualquer facto ilícito, integrador do dever de indemnizar os Autores, pelo que não é possível julgar verificado um dos pressupostos para a efectivação da responsabilidade civil do Réu.
[...]
Assim, concluindo-se pela ausência de facto ou omissão imputável à Câmara Municipal, passível de constituir causa directa e imediata dos danos sofridos pelos Autores, é obviamente desnecessária a averiguação da existência das demais condições de procedência, uma vez que [...] a lei exige a verificação cumulativa de todas...

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser dado provimento o recurso quanto ao Despacho Saneador e negado provimento, quanto à decisão recorrida.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorreu erro de julgamento quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito por se ter concluído que não ocorreram pressupostos referentes à Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.

A questão de recurso referente ao Despacho Saneador já se encontra decidida, por trânsito em julgado do Acórdão de fls. 1250 e sgs. Assim sendo, e como também resulta do despacho de fls. 1310, as conclusões a) a c) encontram-se já fora do objecto da presente instância de recurso jurisdicional.

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
A. Os Autores são proprietários e legítimos possuidores do prédio urbano, com quatro pisos, sito em Coimbra, na Rua SM, com os números de polícia 13 e 15, e Rua dos G..., números 2, 4 e 6, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2..., da freguesia de S. Bartolomeu, e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1... (Doc. n.º 1, anexo à P.I.);
B. No rés-do-chão do prédio referido no ponto anterior funciona um estabelecimento comercial, explorado pelos Autores, denominado “Retrosaria Z-Z...”, dedicado ao comércio de retrosaria e outros produtos (Doc. n.º 2 anexo à P.I.);
C. Em 2 de Fevereiro de 2001, na sequência de uma reclamação, o Município de Coimbra realizou uma vistoria ao prédio sitos na Rua dos G... n.ºs 1, 3, e 5, e Travessa dos G... n.º8, bem como ao prédio sito na Rua dos G... n.ºs 7, 9, 11, 13,14 e 15, e Travessa dos G.... N.º 10;
D. Consta do “Auto de Vistoria” elaborado (Doc. n.º 3 anexo à P.I.):
“Verificamos tratar-se de uma edificação bastante antiga, que se encontra devoluto. Exteriormente apresenta-se em mau estado de conservação: reboco danificado; vidro dos vãos partidos; janelas abertas e cobertura em ruína, originando infiltrações na parede meeira com o prédio n.º de polícia 10.
Concluímos que se torna necessário proceder a obras de conservação da edificação, reparando-se a cobertura e tornando os vãos/janelas estanques, de modo a eliminarem-se os focos de infiltração existentes no prédio confinante e proceder posteriormente à reparação dos estragos causados no prédio confinante: reparação do reboco e pintura.
E. Com data de 19/02/2001, o Vereador da Câmara Municipal de Coimbra (no uso de competência delegada), subscreveu o despacho de “Concordo com o proposto” relativamente ao “parecer” da autoria da Chefe Divisão de Gestão Urbanística, exarado na “Informação” dos Serviços, com o seguinte teor:
“De notificar o proprietário do prédio n.º 8 conforme proposto em 1 e 2.
De oficiar ao queixoso, proprietário do prédio n.º 10, conforme referido em 3”
F. Por ofício datado de 3 de Dezembro de 2002, o Município de Coimbra notificou os proprietários do prédio sito na Travessa dos G..., n.º 8, que iria propor a realização coerciva das obras necessárias, caso nos cinco dias imediatamente seguintes estes não apresentassem uma resolução para o problema do prédio.
G. Os proprietários do imóvel referido no ponto anterior, sempre se recusaram e nunca efectuaram tais obras (Doc. n.º 4 anexo à P.I.);
H. O Município de Coimbra não determinou a realização coerciva de quaisquer obras no prédio sito na Travessa dos G..., n.º 8;
I. Em 7 de Janeiro de 2003, a arrendatária do estabelecimento comercial instalado no prédio sito na Travessa dos G..., n.º 8, apresentou nova reclamação junto dos Serviços do Município Réu (Doc. n.º 5 junto à P.I.);
J. Por ofício de 14 de Março de 2003, os proprietários do prédio n.º 8 da Travessa dos G..., foram notificados para a realização de nova vistoria por parte dos serviços municipais (Doc. n.º 6 anexo à P.I.);
K. Consta do “Auto de Vistoria” datado de 28 de Março de 2003, ao edifício sito na Rua dos G... nºs. 1,3 e 5 e Travessa dos G... n.º 8:
“É notório o avançado estado de degradação do edifício, cujo interior ameaça ruína. A cobertura encontra-se completamente deteriorada, permitindo significativas infiltrações que vão afectando cada vez mais os pisos inferiores. Os pavimentos estão desprovidos de funções resistentes, verificando-se que as caixilharias se tornam irrecuperáveis.
Assim, em termos práticos, apenas se admitem as paredes periféricas como dotadas de capacidade resistente, o mesmo não de podendo dizer relativamente aos elementos que compõem o interior do edifício que, apresentando indícios de ruína iminente, podem desmoronar.

Concluímos que se torna necessário proceder a obras de conservação da edificação, dotando-a das condições de salubridade e segurança referidas no R.G.E.U., nomeadamente:
…”
L. Por despacho do vereador do pelouro, de 30 de Maio de 2003, foi ordenada a execução das obras descritas no auto de vistoria referido no ponto anterior (Doc. n.º 8 anexo à P.I.)
M. Os proprietários do prédio foram notificados para a necessidade de execução dessas obras, por ofício datado de 30 de Junho de 2003 (Doc. n.º 9 anexo à P.I.);
N. Os proprietários do prédio não realizaram quaisquer obras no prédio;
O. O Município não procedeu à realização coerciva das obras no prédio n.º 8;
P. Não obstante os defeitos encontrados desde 1990 no prédio sito no n.º 10 da Travessa dos G..., relacionados no Doc. n.º 10 anexo à P.I., e a contínua degradação das condições de salubridade e segurança do prédio, apenas foram efectuadas intervenções superficiais e pontuais com mero carácter cosmético;
Q. O Município de Coimbra nunca notificou os proprietários do prédio referido no ponto anterior, para procederem à realização das obras necessárias a estabilidade e segurança do prédio;
R. Os proprietários não realizaram as obras referidas no ponto anterior;
S. Em inquérito realizado pelo Réu, à derrocada ocorrida em 1 de Dezembro de 2006, os Autores declararam que o edifício sito na Travessa dos G... n.º 8 “…tinha levado um telhado novo há menos de um ano, executado pela arrendatária comercial, em substituição do proprietário” acrescentando a Autora mulher “em colaboração com a Câmara Municipal” (Doc. 1 e 2 anexos à Contestação);
T. No dia 1 de Dezembro de 2006, ocorreu a derrocada dos prédios com os n.ºs 8 e 10 da Travessa dos G...;
U. Na sequência dessa derrocada, o prédio de que os Autores são proprietários sofreu os danos discriminados no doc. n.º 11 anexo à P.I.;
V. O estabelecimento comercial dos Autores não pode laborar desde 5 de Dezembro de 2006, até 26 de Junho de 2008, primeiro por ter estado interdito, e depois na posse da Câmara Municipal;
Dos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. O prédio sito no n.º 10 da Travessa dos G... foi sujeito, em 2004, a uma vistoria, no âmbito do protocolo celebrado com a Universidade de Coimbra, tendo-se concluído que, no geral, não apresentava problemas de maior;
2. Antes da realização das obras de recuperação do telhado do prédio n.º 8, verificava-se infiltração de água na parede contígua;
3. Com o inquérito realizado foi possível perceber que os dois edifícios apresentaram, no decurso da sua utilização, fissuras nas fachadas e empena, as quais não foram tratadas adequadamente;
4. Em consequência da derrocada foi destruído e danificado o material para venda ao público, existente no estabelecimento comercial dos Autores no valor de € 13 995, 08 (ver ponto I - b);
5. Foi danificado e destruído 20 mãos de papel de embrulho no valor de € 85,80 (ver ponto I-b);
6. Foram danificados ou destruídos diversos enfeites natalícios, decorações e bibelôs das montras no valor total de € 1500,00;
7. Foram danificados ou destruídos expositores e peças de mobiliário no valor total de € 3600,00;
8. Nos andares superiores, em Setembro de 2008 existiam quatro quartos que os Autores destinavam a arrendamento;
9. Os quartos não puderam receber arrendatários entre 5/12/2006 e 26/06/2008;
10. Os montantes das vendas efectuadas nos anos de 2005 a 2009 os Autores constam das declarações de rendimentos para efeitos de IRS, juntas aos autos, pelos Autores, em 23/3/2011;
11. No momento da derrocada os Autores encontravam-se a trabalhar no seu estabelecimento comercial;
12. Os Autores viveram momentos de pânico, traumatizantes, que recordarão;
13. Os Autores recearam pela vida;
14. Durante o período referido no ponto anterior (de 5 de Dezembro de 2006 a 28 de Junho de 2008), os Autores tiveram de proceder à transferência do estabelecimento comercial, despendendo no pagamento de rendas o montante total de € 4.900,00;
15. Os Autores necessitaram de equipar e decorar novo espaço;
16. Os Autores necessitaram de reparar danos causados pela derrocada, no interior da loja;
17. Os Autores adquiriram vidraças e montaram novas montras;
18. Foi necessário reparar a fachada do prédio e substituir as janelas do primeiro andar;
19. Foi necessário proceder à transferência de mercadorias;
20. A transferência de estabelecimentos e a incerteza sobre a situação do seu prédio causaram angústia e stress psicológico aos Autores;

2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

I- O recorrente vem, em primeiro lugar, sustentar que ocorre erro de julgamento quanto à matéria de facto.

Nesta área impera no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova, referindo o artigo 607º, n.º 5, do CPC (antigo artigo 655º), que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;…”. A prova livre está excluída sempre que a lei conceda um determinado valor legal a um determinado meio de prova. O princípio da livre apreciação da aprova implica que na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos à tomada de posição sobre a materialidade controvertida (artigo 607º - artigos 653º, n.º 2, e 712º do antigo CPC).

Neste sentido, refere Miguel Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348, que: “ a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…”.

No que se refere à matéria de recurso sobre a matéria de facto, menciona o Ac. STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05, que: “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.

Ver ainda mais recente Acórdão do STA proc. n.º 0990/12, de 25-09-2012, quando refere: I - Os poderes conferidos ao tribunal ad quem pelo artº 712º, nº1 do CPC devem ser articulados com o disposto no artº 655º, nº1 do CPC, segundo o qual «O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto». II - O que significa que o tribunal ad quem deve ser especialmente cuidadoso na reapreciação do julgamento da matéria de facto, só devendo proceder à alteração dessa matéria se a mesma padecer de erro notório ou manifesto.

Por seu lado, como resulta do art.º 640, nºs. 1, a), b) e 2, a), do CPC, e sob pena de rejeição, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, devendo ainda referir os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Especificar os concretos pontos de facto será referir, quanto aos factos constantes da Base Instrutória, quais é que se consideram que foram incorrectamente julgados.
Feitas estas considerações debrucemo-nos sobre o caso concreto.
Os recorrentes vêm solicitar que se dê resposta diferente aos artigos da Base Instrutória n.ºs 2, 3, 5 a 17, 19 a 22 e 24 a 29.
a) No que se refere ao artigo 2º da BI vem solicitar que o mesmo se dê como não provado. Sustenta que nem as testemunhas FMMVR, JARMS, AWSC, JFGM, nem os documentos juntos aos autos fizeram prova suficiente sofre tal facto.
O artigo 2º da BI referia: O prédio sito no n.º 10 da Travessa dos G... foi sujeito, em 2004, a uma vistoria, no âmbito do protocolo celebrado com a Universidade de Coimbra, tendo-se concluído que, no geral, não apresentava problemas de maior?
A resposta a este artigo foi positiva.
Analisando os documentos juntos aos autos verifica-se que se encontra a fls. 430 e sgs., relatório elaborado pela Equipa de Engenharia da Universidade de Coimbra e que refere ter sido o prédio em questão alvo de vistoria no ano de 2004. O documento em causa foi assinado pelo Prof. Doutor JARMS, Prof. Doutor ENBSJ e Eng. MAV e PB.
Não foi impugnado o referido documento nem os recorrentes o vieram colocar em crise.
A sua elaboração e o seu conteúdo foram reforçados pelo depoimento de Prof. Doutor JARMS. Foi um dos assinantes do relatório e que o confirmou em sede de audiência. Também a testemunha FMMVR confirmou a existência da vistoria em causa e confirmou o seu conteúdo.
Ou seja, não há dúvidas que o artigo em causa se encontra provado, até pelas testemunhas referidas pelo próprio recorrente. A prova quanto a esta questão, pelo descrito é esmagadora.
Improcede assim o alegado quando a este artigo da BI.
b) O artigo 3º da BI referia: Até à data da derrocada alguém lhe apontava problemas?
A resposta dada a esta pergunta foi a seguinte: Provado apenas que antes da realização das obras de recuperação do telhado do prédio n.º 8 se verificava infiltração de água na parede contígua.
Os recorrentes vêm sustentar que se deve dar reposta positiva a este artigo. Não referem o porquê. Apenas remetem para depoimentos de várias testemunhas. Ouvidos todos os depoimentos e tendo em atenção a resposta dada ao artigo 2º e as testemunhas aí referidas, bem como o relatório elaborado pela Universidade de Coimbra conclui-se que não houve qualquer erro na resposta a este artigo. A referência que se encontrou foi a da infiltração da água, e que já consta na resposta. Nada mais. Aliás a pergunta é genérica e a resposta de difícil concretização. Era ónus dos recorrentes referirem de que forma pretendiam ver esta questão resolvida e quais concretos depoimentos que impunham decisão diferente, nos termos do artigo 640º do CPC.
Apesar de os recorrentes não terem cumprido com este ónus não se vê dos vários depoimentos analisados que tenha havido erro na resposta a esta questão.
c) Os artigos da BI, 5º a 13º, e 24º a 28º têm a ver com os danos havidos com a derrocada. Na fundamentação da resposta dada a estes artigos refere-se que:”…a comprovação das despesas exige prova documental cuja ausência a distância no tempo não justifica, ate porque os Autores dispõe de contabilidade organizada na gestão do estabelecimento em causa, na qual teriam todo o interesse em relevá-las. Para prova do valor dos prejuízos sofridos com as mercadorias destruídas é insuficiente a mera relação apresentada, contabilizada apenas com referência ao mês de Janeiro de 2007 e relevada fiscalmente em Novembro de 2011. Na redução de proventos constante do quesito 13º não pode ser diferente da que resulta dos montantes que os Autores fizeram relevar fiscalmente nas declarações fiscais junto aos autos.
Os recorrentes sustentam que com o depoimento das várias testemunhas apresentadas e pelos documentos juntos aos autos dever-se-iam ter dado como provados os artigos em questão.
Ouvido o depoimento de todas as testemunhas apresentadas e tendo em atenção os documentos apresentados, não ficámos com dúvidas que houve grandes prejuízos no estabelecimento comercial dos AA. resultado da derrocada dos prédios em causa nos autos. Para prova desses danos foram apresentados vários documentos, nomeadamente lista de bens existentes dentro do estabelecimento. Estes documentos encontram-se junto com a pi, mas também constam a fls. 837 sgs. Temos ainda recibos de rendas a fls. 617 e sgs, facturas de compra de material e orçamentos a fls. 778 e sgs.
É evidente que não foi feita prova sobre todas as peças de roupa e de mobiliário que teriam ficado destruídas, aliás de prova quase impossível dado o carácter pormenorizado a que se teria de chegar. Estamos perante uma retrosaria que normalmente tem inúmeras peças à venda. Desde roupa interior a fatos de treino, peúgas, camisolas, pijamas, etc… como foi referido por várias testemunhas. Ou seja, a prova relativa à destruição do recheio do estabelecimento, teria que ser sempre uma prova abrangente, tornando-se impossível uma prova feita peça a peça. Do depoimento testemunhal, nomeadamente das pessoas que conheciam bem o estabelecimento e o seu recheio, como a técnica oficial de contas, a testemunha, GMCS, bem como da prova feita pelos clientes que estavam na loja na altura da derrocada, como a testemunha MCMM, e ainda tendo em atenção a prova feita pelos vizinhos do estabelecimento e que o conheciam bem, como sendo as testemunhas, Fernando Maos, MEAM, MAOC, não temos dúvidas que ocorreu destruição de material que se encontrava à venda no estabelecimento. O mesmo referiu o Sapador Bombeiro que ocorreu ao local após o sinistro, a testemunha, AJGR.
Comparando o depoimento destas testemunhas com os documentos apresentados, não temos dúvidas que poderão ser dados como provados vários prejuízos ao contrário do referido na 1ª instância. Não se tornava necessário, como foi referido, que fosse apresentada outra prova documental resultado da contabilidade organizada que teriam de ter os Autores, ora recorrentes.
Assim, e relativamente a cada artigo da base instrutória concluímos o seguinte (as respostas alteradas já se encontram na matéria de facto dada como provada):
Quanto aos artigos 5º, 6º e 7º e 8º dão-se como provado as despesas aí referidas, tendo em atenção o que expusemos anteriormente. Do depoimento testemunhal e dos documentos juntos aos autos, a fls. 836 e sgs, não há dúvidas que ocorram as referidas despesas.
No que se refere ao artigo 9º, não foi feita qualquer outra prova além de um documento junto aos autos. Não se altera assim o decidido na 1ª instância.
No que se refere aos artigos 10º a 12º não foi feita prova que leve a que seja alterado o decidido na 1ª instância. Aliás a prova testemunhal feita sobre a matéria em causa foi diminuta. As testemunhas não souberam referir o que se passava quanto ao arrendamento dos quartos.
No que se refere ao artigo 13º também não foi feita prova capaz de alterar a decisão da 1ª instância. Por AA terem apresentado resultado das vendas nos anos de 2006 e 2007 inferiores a 2005 não se pode concluir, sem mais, que essa redução foi resultado do sinistro. O que se pode dar como provado são os montantes das vendas, o que foi referido pela 1ª instância.
No que se refere aos artigos 24º a 28º os danos aí referidos não correspondem com as facturas ou orçamentos junto aos autos pelo que não se altera o decidido na 1ª instância. Existiram danos que se encontram provados. A sua quantificação terá, se for o caso, de se remeter para liquidação de sentença.
De todo o exposto dão-se como provados os danos referentes aos artigos 5º, 6º e 7º e 8º da BI, constando a referida alteração na matéria de facto dada como provada.
c) Os artigos 14º a 17º e 19º a 22º e 29º têm a ver com os danos não patrimoniais eventualmente sofridos pelos AA.

No que se refere a estes artigos, ouvidos os depoimentos das diversas testemunhas, conclui-se que não foram provados outros danos além daqueles que foram dados como provados na 1ª instância. Todas as testemunhas referiram que os AA. viveram momentos de pânico, que recearam pela vida. A transferência dos estabelecimentos causou angústia a stress psicológico. No entanto, não se provaram outros danos.

De todo o exposto conclui-se que deve proceder parcialmente o recurso quanto à matéria de facto, nomeadamente quando aos artigos 5º a 8º e improcedendo o restante.

II- No que se refere ao mérito do recurso vêm os recorrentes sustentar que os serviços do Município Réu, ora recorrido, sabiam da existência de defeitos estruturais nos edifícios em causa nos autos, e da necessidade de serem realizadas obras de reparação e conservação e não agiram executando eles próprios com as obras que haviam determinado, e também não fiscalizaram ou detectaram obras feitas nos mesmos de forma clandestina.

Ao não ter procedido às obras indispensáveis à conservação dos edifícios e que poderiam ter evitado a sua derrocada nos termos doas artigos 89º e 91º do RJUE a entidade recorrida teria agido com ilicitude. Ocorreu assim, erro de julgamento.

Na decisão recorrida refere-se quanto a este aspecto:

Convém sublinhar, ainda assim, que qualquer dos poderes previstos nos art.ºs 89.º e 91.º do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, se encontra, obviamente, é insusceptível de constituir um dever.

Se o legislador pretendesse obrigar as Câmaras Municipais à realização de obras de conservação, ou à demolição dos edifícios que evidenciassem falta de condições de segurança ou salubridade, consigná-lo-ia expressamente na lei.

Com efeito, os municípios gerem recursos económico-financeiros escassos, revelando-se impraticável fazer impender sobre eles a obrigação de recuperação da totalidade dos edifícios que evidenciem sinais de degradação, ou que não possuam condições de habitabilidade, que respeitam, em primeira linha, aos respectivos proprietários.

Quanto aos edifícios que ameaçam ruína, a manutenção das condições de segurança dos munícipes em geral obriga apenas a acautelar a ocorrência de desastres pessoais, evacuando edifícios, vedando os acessos e condicionando o trânsito de pessoas e veículos na vizinhança, o que, de resto, foi feito.

A este respeito retira-se do sumário do Acórdão do STA tirado 05/05/2011 no Proc.º 0289/10, ainda que tenha por base questão diferente:
I - O locador é obrigado a assegurar o gozo da coisa para os fins a que ela se destina, o que pode implicar a execução das obras necessárias ao cumprimento dessa obrigação e que, não sendo estas executadas, o arrendatário pode fazê-las com direito ao reembolso do seu custo ou requerer a intervenção da Câmara Municipal tendo em vista a sua efectiva realização.

II - Se optar por esta via, a Câmara “pode, a todo tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou salubridade.” (art.º 89.º/2 do DL 555/99, de 16/12, com sublinhado nosso).

III - O que quer dizer que o poder que a lei reserva à Câmara Municipal nesta matéria é discricionário visto só poder ser exercido se ela considerar necessárias e indispensáveis as obras reclamadas pelos arrendatários. E se assim é a margem de discricionariedade que o exercício desse poder comporta pode ser judicialmente controlada.

De acordo com quanto se considera supra, não é possível imputar aos serviços ou a qualquer funcionário ou agente do Município Réu a prática, ou a omissão de qualquer facto ilícito, integrador do dever de indemnizar os Autores, pelo que não é possível julgar verificado um dos pressupostos para a efectivação da responsabilidade civil do Réu.

Perante a notícia de ameaça de ruína do edifício os serviços municipais intervieram prontamente, e mantiveram-se atentos à evolução da situação, promovendo a realização das obras que dentro da sua margem de livre apreciação técnica tiveram por adequadas à eliminação do perigo imprevistamente surgido, sem margem temporal para proceder à demolição controlada do edifício, devendo notar-se que na manhã do próprio dia do desmoronamento procediam ainda a obras de reparação.

Assim, concluindo-se pela ausência de facto ou omissão imputável à Câmara Municipal, passível de constituir causa directa e imediata dos danos sofridos pelos Autores, é obviamente desnecessária a averiguação da existência das demais condições de procedência, uma vez que como acima se referiu, a lei exige a verificação cumulativa de todas, e forçoso julgar improcedente o pedido.

Ao caso dos autos aplica-se o Decreto-Lei n.º 48 051 de 21 de Novembro de 1967, o desmoronamento teve lugar em 1 de Dezembro de 2006, e o disposto no artigo 96º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterado pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.

De acordo com o artigo 6º do Decreto-Lei ora em análise: “Consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as norma legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
Traduz-se assim em comportamento ilícito as acções ou omissões das entidades públicas que infrinjam regras técnicas.
A ilicitude surge como a violação de um direito de outrem ou violação da lei que protege interesses alheios. A conduta será ilícita na medida em que o sujeito podendo ter actuado correctamente, agiu de forma diferente violando direitos ou interesses de outro legalmente protegidos. Não basta a prática de um facto lesivo de um interesse de outrem para que seja obrigado a reparar o dano. A lesão de interesses alheios só obriga a indemnizar se a conduta for contrária a uma norma destinada a proteger o interesse subjectivo de outrem ou a uma norma genérica de protecção de interesses alheios. Não existe, portanto, ilicitude quando o comportamento do agente, apesar da lesão de bens jurídicos, não prossiga qualquer fim proibido por lei (Acórdão deste Tribunal proc. n.º 02926/09.7BEPRT, de 19-11-2015).

Vejamos agora que regras terão sido violadas pelo recorrido:
Refere o artigo 89º do RJUE, sob a epígrafe “Dever de Conservação” que:

1 – As edificações devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético.

2- Sem prejuízo do disposto no número anterior, a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade.

3- A câmara municipal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.

4- Os actos referidos nos números anteriores são eficazes a partir da sua notificação ao proprietário.

Por seu lado refere o artigo 91º do mesmo diploma legal que
Artigo 91º 1- Quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 89º ou não as concluir dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados, pode a câmara municipal tomar a posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata.

Feito este enquadramento teórico temos agora de verificar se o comportamento da Câmara Municipal de Coimbra, tendo em atenção os factos dados como provados, se pode considerar como ilícito.

Está em causa a derrocada de dois edifícios ocorridos no dia 1 de Dezembro de 2006, na cidade de Coimbra, sitos na Rua dos G... e na Travessa dos G..., com os números de polícia 8 e 10. Trata-se de dois edifícios que ocupavam a esquina resultante da intersecção da Rua dos G... com a Travessa dos G.... O edifício que fazia esquina era o n.º 10 e era seguido do edifício n.º 8, que por sua vez estava também colado a um outro edifício, que não caiu.

A derrocada destes dois edifícios afectou o prédio dos AA., situado do outro lado da rua dos G..., tendo-lhe provocado diversos danos e que pretendem ver ressarcidos. É esta a questão em causa nos autos.

Da matéria de facto dada como provada verifica-se que em 20 de Fevereiro de 2001, o Município realizou uma vistoria aos prédios em causa (alínea D) da matéria de facto dada como provada. Pertencem a esta matéria a indicação de números ou letras sem qualquer outra referência). A vistoria realizada ao prédio com o n.º 8 concluiu tratar-se de uma edificação bastante antiga, e que apresenta mau estado de conservação. Concluiu-se ser necessário proceder a obras de conservação.

Os proprietários dos edifícios em causa foram notificados para proceder à realização das obras sob pena de se propor a realização coerciva das mesmas (F). Não foram realizadas as obras, nem pelos proprietários, nem pelo Município (G e H).

Em 28 de Março de 2003 foi realizada nova vistoria ao prédio com o n.º 8 que refere ser notório o avançado estado de degradação do edifício cujo interior ameaça ruina. A cobertura encontra-se completamente deteriorada permitindo significativas infiltrações. Refere-se no relatório que: “ Assim em termos práticos, apenas se admitem as paredes periféricas como dotadas de capacidade resistente…”. Concluem que se torna necessário efectuar obras (K).

Os proprietários do edifício foram notificados para efectuar as obras (M), mas não foram as mesmas realizadas, nem pelos proprietários (N) nem pelo Município (O).

Encontra-se ainda provado que neste edifício (n.º 8), foram realizadas obras na cobertura (ver relatório de fls. 426- doc. n.º 10 anexo à pi- P) e (S). No ano de 2006 foram realizadas obras no anterior da loja de R/C, tendo sido retirado lanço de escadas de acesso à loja. Em Novembro de 2006 foram ainda realizadas obras também no R/C (relatório anexo como doc. n.º 10 da PI-P). Construiu-se uma escada de acesso à parte de cima, um corte de parte de uma parede divisória, o pavimento, os tectos e as paredes foram revestidos com matérias leves de acabamento. A casa de banho no 1º andar também foi alvo de obras. Estas obras, realizadas em 2006 não foram licenciadas pelo Município (doc. n.º 10 anexo à pi- P).

No edifico n.º 10 encontra-se provado que em 1990 se realizou uma vistoria (que também se tinha realizado no edifício n.º 8) que constatou que aquele edifício se encontrava em estado muito degradado ao nível da cobertura com sinais evidentes de infiltrações (doc. n.º 10 anexo à pi-P). O Município não notificou os proprietários para efectuarem obras (Q).

Foi realizada vistoria em 1992, tendo-se constatado que aquele espaço se encontrava em bom estado.

Em 1997/1999 realizaram-se obras na loja de R/C. Em 2003/2004 efectuaram-se obras, tendo sido colocado pavimento aligeirado com vigotas pré-esforçadas que, no entanto, não resolveram o problema (c n.º 10 junto com a PI-P). Foram realizadas outras obras no ano de 2004, nas paredes e tectos do 1º andar. Foi instalada casa de banho no lugar de uma antiga cozinha. Em 2005 também se realizaram obras no 3º e 4º andares. Em Janeiro de 2006 era visível ao nível do 1º andar uma deformação / abaulamento para o exterior da parede da fachada virada para a Travessa dos G....

Nos anos de 2005/2006 foram executas outras obras. Todas as obras e referências feitas, com excepção da vistoria de 1990 e 1992 não foram do conhecimento do Município nem foram por estas licenciadas.

Este prédio n.º 10 foi alvo de vistoria, em 2004, no âmbito de um protocolo celebrado com a Universidade de Coimbra tendo-se concluído que, no geral, não apresentava, problemas de maior (1).

Com o decurso do inquérito (doc. n.º 10 junto com a pi e que temos vindo a fazer referência) foi possível perceber que os dois edifícios apresentaram, no decurso da sua utilização, fissuras nas fachadas e empena, as quais não foram tratadas adequadamente (n.º 3).

Efectuando-se uma retrospectiva pela matéria de facto mais relevante e que aqui está em causa, coloca-se agora a questão de saber se o Município, nestas condições, deveria ou não ter feito intervenção, no sentido de tomar posse administrativa dos imóveis e realizadas as obras de conservação, nos termos do artigo 91º do RJUE.

De acordo com o artigo 89º do RJUE, as edificações devem ser objecto de obras de conservação. No entanto, quando estejam em causa obras que sejam necessárias à correcção de más condições de segurança ou salubridade, a Câmara Municipal pode ordenar a realização dessas mesmas obras. De notar, no entanto, que a realização das obras cabe, sempre, e em primeira linha, ao proprietário do imóvel. É o que decorre do n.º 1 do artigo 89º e dos artigos 1074º e 1111º do CC.

Como se refere no Acórdão deste Tribunal proc. n.º 01552/11.5BEPRT IV - A obrigação de executar as obras de conservação necessárias à reposição da segurança e salubridade do imóvel, ordenadas pela Administração Municipal ao abrigo do artigo 89.º, n.º2 do RJUE são da responsabilidade do proprietário, por se tratar de uma obrigação propter rem ou ob rem.

No caso em apreço nos autos, como verificámos e em relação ao edificado com o n.º 8 o Município ordenou, em 2003, aos proprietários que procedessem à realização das obras de conservação necessárias. Os proprietários não as efectuaram.

Levanta-se agora a questão de saber se não tendo os proprietários realizado as obras, o Município tinha o dever de as ter realizado.

O artigo 91º do RJUE refere que quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 89º ou não as concluir dentro dos prazos fixados, pode a Câmara municipal tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução mediata.

As obras mandadas realizar nos termos do artigo 89º têm a ver com o facto de estar em causa a necessidade de correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do seu arranjo estético (n.º 2).

No entanto, quando esteja em causa construções que ameacem ruina ou ofereçam perigo para a saúde pública, pode a Câmara Municipal ordenar a sua demolição total ou parcial (n.º 3 do artigo 89º).

Ou seja, a realização das obras de conservação tem lugar quando estejam em causa más condições de segurança ou de salubridade, mas não quando esteja em causa a ruina iminente do imóvel, caso em que estará em causa a sua demolição.

E isto porque, conforme se afirma no Ac. do TCAS, proc. n.º 08063/1, de 24-04-2014, «Há um interesse público na boa conservação dos edifícios erigidos no Município, que justifica a competência da CMB para a intimação das obras necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético».

Vejam-se ainda os Acs. do STA n.º 424/06, de 22.11.2006, n.º 991/08, de 23.09.2009, nº 298/10, de 05.05.2011, do TCAS n.º 314/04, de 28.10.2004 e n.º 7133/11, de 06.02.2014, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

Ver ainda quanto a esta dicotomia Ver Acórdão do TCAS proc. n.º 07133/11, de 06-02.2014, quando refere:
I-. Em face do disposto no nº 2 do artº 89º do RJUE, pode a Câmara Municipal, em qualquer momento, ordenar a realização de obras conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade, podendo actuar, quer a requerimento dos interessados, quer oficiosamente, por sua própria iniciativa.

II. Condição dessa actuação é que exista prédio a necessitar de obras de conservação, por estar em risco a segurança ou a salubridade do edifício.

III. Doutro modo, quando a situação de degradação do imóvel assumir maior gravidade, por as construções ameaçarem ruína ou oferecerem perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas, já não estão verificados os pressupostos legais para que a Câmara Municipal ordene a realização de obras de conservação, nos termos do disposto no nº 2 do artº 89º do RJUE, antes podendo ordenar a demolição total ou parcial das construções, segundo o disposto no nº 3 desse preceito legal.

IV. A conduta a adoptar pela Câmara Municipal, nos termos do artº 89º do RJUE, irá dependerá das circunstâncias do caso concreto, designadamente do estado de conservação do imóvel.

V. Resultando inequivocamente demonstrado em juízo que o prédio se encontra em estado limite de conservação, já que a sua estrutura se encontra afectada, não servindo mais para desempenhar as funções habitacionais para que foi edificado e que lhe são atribuídas, não pode o Município ser condenado à adopção de conduta, nos termos do disposto no nº 2 do artº 89º do RJUE.

Assim sendo, a possibilidade da realização destas obras pelo Município, nos termos do artigo 91º, não se pode concluir que seja um poder-dever, a não ser que esteja em causa uma ameaça de ruina, e então já não estará em causa a realização de obras, mas sim a demolição do edificado.

Ora, no caso em apreço, e relativamente ao edifício com o n.º 8, não se encontra demonstrado que o mesmo estivesse em tal situação que tivesse de ocorrer uma intervenção do Município, sob pena de o mesmo poder ruir. Houve uma vistoria em Fevereiro de 2001 que conclui que o edifício estava em mau estado de conservação, necessitava de obras, mas não se concluiu que estivesse em ruina iminente. Ocorreu outra vistoria em 2003, que concluiu no mesmo sentido, tendo mesmo referido que as paredes periféricas estavam dotadas de capacidade resistente…Ou seja, não havia perigo iminente de ruina. E isto de tal forma que o desmoronamento ocorreu em 2006, três anos depois, e após as intervenções feitas no prédio e que já descrevemos. Estas obras foram realizadas sem conhecimento do município e sem licenciamento das mesmas. Quando das vistorias foram notificados os proprietários para realizar obras. Ou seja, o recorrido procedeu em conformidade com o referido no artigo 89º do RJEU. No entanto, não tendo os proprietários realizado as obras, e não se provando que o edifício estivesse em ruina, não se pode concluir que seria obrigatório o Município tomar posse administrativa do mesmo e tivesse realizado as obras. Ou seja, não se pode concluir que tenha ocorrido qualquer omissão ilícita da sua parte.

Quanto ao edifício n.º 10, apenas ocorreu uma vistoria em 1990 (P), mas também não se concluiu que o mesmo estivesse em risco de ruina. Aliás, quanto a este edifício, em 2004, através de uma vistoria realizada pelos Serviços da Universidade de Coimbra concluiu-se que, no geral, não apresentava problemas de maior (1).

A situação é idêntica à do edifício n.º 8. Não havendo notícia de que havia risco iminente de ruina, a não tomada de posse administrativa e a realização de obras coercivas não pode ser considerado uma omissão ilícita da recorrida.

De notar que, como já verificámos, nos dois prédios em causa, nos anos de 2004/2005 e no ano de 2006 foram realizadas várias obras. No edifício n.º 10 foram realizadas obras nos 3º e 4º andar em 2005. No edifício n.º 8 foram realizadas obras no verão de 2004 na sua cobertura. No verão de 206, no interior da loja do R/c e em Novembro de 2006, ou seja, um mês antes da derrocada foram executadas obras no interior da loja do R/C, e na casa de banho do 1º andar.

A degradação acentuada dos edifícios foi verificada no dia 27 de Novembro, quando os serviços do Município e de Protecção Civil realizaram diversas intervenções que não obstaram ao desmoronamento dos edifícios.

A derrocada não se deveu assim à não intervenção em 2003, quando da última vistoria do recorrido, por não ter tomado posse e realizado as obras necessárias de conservação. Ou seja, a ausência de tomada de posse administrativa em 2003, data em que foi realizada a última vistoria do Município, quando não havia notícia de ruina dos edificados, não pode ser considerada uma actividade ilícita, porque não se encontra demonstrado que a mesma era necessária a evitar a ruina dos mesmos.

Ver, neste sentido, Acórdão do STA proc. n.º 0289/10, de 05-05-2011, ainda que com um voto de vencido, quando refere:

I - O locador é obrigado a assegurar o gozo da coisa para os fins a que ela se destina, o que pode implicar a execução das obras necessárias ao cumprimento dessa obrigação e que, não sendo estas executadas, o arrendatário pode fazê-las com direito ao reembolso do seu custo ou requerer a intervenção da Câmara Municipal tendo em vista a sua efectiva realização.
II - Se optar por esta via, a Câmara “pode, a todo tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou salubridade.” (art.º 89.º/2 do DL 555/99, de 16/12, com sublinhado nosso).

III - O que quer dizer que o poder que a lei reserva à Câmara Municipal nesta matéria é discricionário visto só poder ser exercido se ela considerar necessárias e indispensáveis as obras reclamadas pelos arrendatários. E se assim é a margem de discricionariedade que o exercício desse poder comporta pode ser judicialmente controlada.

Por todo o exposto tem de se concluir que o Município de Coimbra, ora recorrido ao não tomar posse administrativa dos prédios alvo de derrocada não cometeu qualquer acto ilícito, pelo que não podem proceder, neste campo as conclusões do recorrente devendo assim manter-se a decisão recorrida.

3. DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conceder parcial provimento ao recurso quanto à matéria de facto e considerar como provados os factos constantes dos artigos 5º, 6º e 7º e 8º da BI e negar provimento quanto ao restante.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento que se fixa em 80% para os recorrentes e de 20% para o recorrido.
Notifique

Porto, 8 de Abril de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco