Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00615/07.6BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/23/2009
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA – MÉTODOS INDIRECTOS – INVERSÃO ÓNUS DA PROVA - CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1 - Com o aditamento à LGT da alínea d) do art. 75º da LGT e do art. 89º-A, efectuado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o legislador criou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados (designadamente, no caso de fruição de um automóvel ligeiro de passageiros de valor igual ou superior, à data dos factos, a 10000 contos, ou seja, 49.879,79 euro, quando o contribuinte declare rendimentos inferiores a 50% do valor no ano de matrícula);
2 - Nesses casos em que as manifestações de fortuna estejam em desproporção com os rendimentos declarados, passou a permitir-se à AF proceder à avaliação indirecta da matéria tributável, a menos que o contribuinte prove que os rendimentos declarados correspondem à realidade (inversão do ónus da prova) e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas é outra - cfr. artigos 87º, alínea d) e 89º-A, n.º 3, da LGT;
3 - Nos termos do disposto no n.º 4 do art. 89.º-A, da LGT, se o sujeito passivo não fizer a prova acima referida, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G (incrementos patrimoniais), o rendimento padrão apurado nos termos da tabela daquele preceito legal (para as aquisições de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 10000 contos - € 49 879,79, o rendimento padrão é de 50% do valor no ano de matrícula com o abatimento de 10% por cada um dos anos seguintes – actualmente, após 01/01/2005, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, de valor igual ou superior a € 50 000 e com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes), a menos que existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art. 90.º da LGT, que permitam à AT fixar rendimento superior;
4 – Decorre da conjugação dos nºs 1, 2, al. b) e 4, do art. 89º-A, da LGT, que o legislador pretendeu que a A.F. pudesse lançar mão da avaliação indirecta da matéria colectável quando e tão só o contribuinte fruísse qualquer um dos bens referidos na tabela prevista no nº 4 do referido artigo 89º-A, da LGT. O contribuinte é tributado com recurso a este método de cada vez que tenhamos a ocorrência dessa fruição e essa fruição apenas pode servir de base à tributação no ano em que ocorre ou se tiver ocorrido nos três anos anteriores.
5 - É conforme à Constituição da República Portuguesa, não violando o princípio da capacidade contributiva que emana dos arts. 13º, 103º e 104º da mesma CRP, o artº 89º-A, nº 2, alínea b), da LGT, por no entender do Tribunal Constitucional, “a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excepcionalmente, desvios ou excepções.
Assente a declaração do contribuinte numa presunção de veracidade que, segundo o ensinamento de Teixeira Ribeiro (“Sistema fiscal português” n.º 6 in Boletim de Ciências Económicas, 1991) varia consoante “o grau de confiança que merecem os elementos fornecidos pelo contribuinte”, pode o legislador prever situações baseadas em elementos de normalidade em que o ónus da prova se inverta contra o contribuinte.
O estabelecimento dessas presunções há-de, porém, ter um fundamento de razoabilidade e não onerar o contribuinte com uma prova impossível ou excessivamente onerosa que transforme em regra a excepção da tributação pelo rendimento normal.”
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

I
O Director de Finanças de Coimbra (adiante Recorrente), por se não conformar com a sentença proferida pela Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente o recurso deduzido por André (adiante Recorrido) contra a decisão de fixação do rendimento tributável para efeitos de IRS nos anos de 2003 e 2004, por método indirecto e ao abrigo do disposto no art. 89º-A, da Lei Geral Tributária (LGT), respectivamente em € 28.775,06 e € 25.897,55, recurso esse interposto ao abrigo dos artigos 89º-A, nº 7, da LGT e 146º-B, nº 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, apresentando, para o efeito, o quadro conclusivo constante de fls. 177:
A) A decisão recorrida sofre de ilegalidade da fundamentação, uma vez que esta pressupõe que a aplicação do método indirecto referido no art° 89°-A da LGT se limita aos caos em que as manifestações de fortuna, resultam da aquisição de bens e não da sua fruição, violando, assim, directamente, o art° 89°-A n° 2, al. b), da LGT.
B) O valor de aquisição dos bens a considerar para efeitos de aplicação da al. b) do n°2 do art° 89°-A da LGT, inclui todas as importâncias despendidas pelo adquirente para esse efeito, já que só desse modo se evidencia a efectiva capacidade contributiva do sujeito passivo do IRS tributado por método indirecto.
C) O art° 89°-A, n°2, da LGT é constitucional, não impondo ao ónus de prova do contribuinte restrições desproporcionadas.

Foram apresentadas contra-alegações, a fls. 202 a 210, em que o Recorrido defendeu a correcção e a manutenção da decisão recorrida.

A Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu parecer, a fls. 288 e 289, entendendo que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, limitando-se a dar por reproduzidas as conclusões das alegações de recurso.

Pela Juiz do Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artº 667º, nº 1, do CPC ex vi artigo 2º al. e) do CPPT, por considerar tratar-se de um lapso manifesto, foi proferido despacho, a fls. 180 e verso, devidamente notificado às partes, no qual se exarou:
«O MºPº, no seu requerimento de interposição de recurso obrigatório, faz menção a dois lapsos de escrita na fundamentação e na parte decisória da sentença.
Com efeito na 1a linha da página 8 da sentença escreveu-se art 89°, n°4 e na parte decisória escreveu-se art 89° A, n°2, al. d), pelo que se verifica efectivo lapso de escrita.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 667°, n° l, do CPC ex vi do art. 2° al. e) do CPPT, que: «se a sentença (...) contiver erros de escrita (...) quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz .
O lapso de escrita consubstancia-se em ter escrito art. 89° na página 8 e na página 11 art. 89°, A n° 2 al. d) o que impõe a sua alteração.
Assim, atento o disposto no art. 667° e 3°, n° 3, do CPC, procede-se oficiosamente à correcção do lapso mencionado passando a ter a seguinte redacção:
- Na página 8, 1a linha deve-se ler «art. 89° A, nº 4;
- na página 11, 11a linha deve-se ler «art. 89° Olvidou aqui a Juiz a quo a letra “A”, mas a mesma pressupõe-se face à redacção inicial e à razão de ser desta correcção, que foi no sentido da alínea que escreveu “d”, quando quis escrever “b”., n°2, al. b) da LGT»
Notifique e transitado este despacho anote em lugar próprio.
***
Admito o recurso interposto pelo M°P° da sentença por estar em tempo e dispor de legitimidade (arts.70° n°l al. a); 75° e 75° A, n°l do LOTC).
O recurso sobe imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo (art. 78°, n°4 do LOTC).
Por entender não ser aplicável ao caso o n°2 do art. 78° porque, embora a decisão em causa admita recurso ordinário, da decisão em causa cabe recurso imediato para o Tribunal Constitucional independentemente dos recursos ordinários que dessa decisão coubessem, interrompendo os prazos destes n° l do art. 75°.
Notifique.»

O presente processo foi remetido ao T. Constitucional em 21/12/2007 (fls. 217 dos autos) e, aí, por acórdão de 29/07/2008, com o nº 397/2008 (fls. 254 a 258), não se conheceu do objecto do recurso, uma vez que na sentença recorrida se julgou procedente e se revogou o despacho recorrido, por um lado, por se não verificarem os pressupostos para considerar que estamos ante o fenómeno tributário das manifestações de fortuna e, por outro lado, por desaplicar a norma do artigo 89º-A, nº 2, alínea b), da LGT, por violadora do princípio da capacidade contributiva que emana dos arts. 13º, 103º e 104º da CRP.
Os presentes autos baixaram ao Tribunal a quo em 25/09/2008, tendo sido remetidos à conta por despacho de 22/10/2008 (fls. 268), tendo tido “visto em correição” com data de 17/11/2008 e, tendo o Recorrido alertado o Tribunal para o facto de o recurso tempestivamente interposto não haver subido a este TCANorte, veio o mesmo a ser ordenado por despacho de 01/04/2009.

Com dispensa de vistos legais dada a celeridade no julgamento do recurso (art. 707º nº 2 do CPC), importa apreciar e decidir.

II
Na decisão recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
a) O contribuinte André é sócio maioritário da firma Atlantic , a qual adquiriu em Junho de 2003 no estado de usado um automóvel de marca «Aston Martin» modelo DB Coupe, com a matrícula 13-81-VP, pelo preço de 49.900,00 € através de duas ordens de pagamento a partir da conta bancária n° 004530224014533331423, da agência CCA de Vilamar:
- no valor de € 24.950,00 cada uma efectuadas em 11 e 16 de Junho de 2003, correspondendo às facturas n°s 0306010 e 0306010;
b) a 1a matrícula do carro data de 24/4/97;
c) a Atlantic procedeu à legalização da viatura e pagou imposto automóvel no valor de € 7.650,12 €, através do cheque n° 5672253725 da CCAM de Cantanhede;
d) a viatura adquirida obteve a respectiva matrícula portuguesa em 20/10/03 e em Junho de 2004 a Atlantic emitiu uma declaração escrita atribuindo o uso da viatura automóvel 13-81-VP ao recorrente;
e) o recorrente não fez constar das declarações de IRS referentes aos anos de 2003 e 2004 qualquer rendimento resultante da utilização da viatura automóvel;
f) os valores declarados pelo contribuinte, para efeitos de IRS nos anos de 2003 e 2004, foram, respectivamente, de € 6.685,32 e 7.357,56.
FACTOS NÃO PROVADOS.
Nada de relevante a mencionar.
* * * *
Tendo em consideração que o Recorrente coloca em causa a apreciação da matéria de facto provada efectuada na sentença recorrida (vide sua conclusão A) e alegações III- a VII-) e ainda que a sistematização da mesma não obedeceu, por um lado, à sua verificação temporal e, por outro, não referenciou em que meios de prova se baseou, este TCA Norte, ao abrigo do disposto no art. 712.º, nº 1, alínea a), 1.ª parte, do CPC e com base nos elementos probatórios adiante referidos, entre parêntesis, a seguir a cada uma das alíneas, fixa a matéria de facto provada, com interesse para a decisão a proferir, nos seguintes termos:
a) Na sequência do Programa de Inspecção para controlo e análise das manifestações de fortuna, relativamente aos anos de 2003 e 2004, os Serviços de Inspecção Tributária de Coimbra procederam a uma acção inspectiva da qual resultou a elaboração de um relatório, no qual consta:
« IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Da análise documental efectuada aos elementos contabilístico-fiscais fornecidos pela empresa ATLANTIC ; NIPC - ; retiram-se as seguintes conclusões, que conduzem a propor correcções aos rendimentos declarados pelo SP em sede de IRS:
1) - O Sujeito passivo - Sr. André :
- È sócio maioritário da referida firma, conforme se comprova através do Anexo I;
- Nos anos de 2003 e 2004, usufruiu de uma viatura, adquirida pela referida empresa, cujo valor de Aquisição foi superior a 50.000,00 €, conforme declaração que constitui o Anexo II e V;
- O Rendimento declarado em 2003 e 2004 (RGL) apresenta-se inferior ao limite estabelecido no n°l do art. 89°-A da LGT;
- Pelo que, se encontra sujeito a tributação nos termos previstos nos n°s l e 2, al.b) daquele Diploma (Art. 89°-A Manifestações de Fortuna).
2) - Contrariando o disposto na alínea d) do n°l do art. 9° e no n°l do art. 57°, ambos do CIRS, verifica-se que o S.P. não declarou nas Declarações de rendimentos Mod. 3 o valor correspondente à fruição da viatura - "ASTON MARTIN", matricula - 13-81-VP (pertencente à firma supracitada) traduzido pelo Rendimento Padrão a que alude o nº4 do referido art.89°-A.
3) - Atendendo ao disposto nos n°s l e 4 do art. 89°-A da LGT, há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando se declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50% para menos, em relação ao rendimento padrão. Este rendimento padrão, no ano de matrícula (2003), corresponde a 50% do valor de aquisição.
Deste modo temos:
DESCRIÇÃO20032004
Valor de aquisição57.550,12 €
Rendimento Global Bruto Declarado (Rendimento Global - Dedução Especifica)6.685.32 €7.357,56 €
Rendimento Padrão (valor de aquisição X 50%); (Valor aquisição X50% X90%)28.775,06 €25.897,55 €
50% do Rendimento Padrão (N°l do art. 89°-A da LGT)14.387,53 €12.948,78 €

Verifica-se deste modo que nos exercícios de 2003 / 2004 o rendimento declarado na Mod. 3 apresenta uma desproporção superior a 50% para menos, em relação ao rendimento obtido por via da aplicação do n°l do art. 89°-A da LGT.
V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS.
Na sequência do exposto no Capítulo anterior, atendendo ao disposto no n° 4 do art. 89°-A da LGT, propõe-se as seguintes correcções aos rendimentos declarados, a enquadrar como rendimentos da Categoria G do IRS, tendo por base os seguintes pressupostos:
- No ano de matricula (2003) considera-se como rendimento, o rendimento padrão, o qual corresponde a 50% do valor de aquisição;
- No exercício de 2004 considera-se o rendimento padrão abatido de 10%.
Apurou-se deste modo o Rendimento Padrão a considerar como rendimento da Categoria G do IRS nos seguintes montantes:
VAL. VIATURAEXERCÍCIOPERCENTAGEMREND. PADRÃO (Categoria G)
57.550,12 €200350%28.775,06 €
200450% X 90%25.897,55 €
- cfr. fls. 7 a 14 do proc. administrativo junto por linha;
b) Sobre este relatório recaiu despacho do Director de Finanças de Coimbra, em 05/07/2007, no qual exarou que “de acordo com a fundamentação abaixo mencionada (relatório de análise interna), nos termos da alínea d) do artigo 87º e do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, fixo o rendimento tributável, a enquadrar na Categoria G, o montante de € 28.775,06 (ano de 2003) e de € 25.897,55 (ano de 2004)” – cfr. fls. 5 e 6 do proc. administrativo junto por linha;
c) O contribuinte André é sócio maioritário da firma Atlantic , a qual adquiriu em Junho de 2003 no estado de usado um automóvel de marca «Aston Martin» modelo DB Coupe, com a matrícula 13-81-VP, pelo preço de 49.900,00 € através de duas ordens de pagamento a partir da conta bancária n° 004530224014533331423, da agência CCA de Vilamar:
- no valor de € 24.950,00 cada uma efectuadas em 11 e 16 de Junho de 2003, correspondendo às facturas n°s 0306010 e 0306010 – cfr. fls. 30 a 35 destes autos;
d) A 1a matrícula do carro data de 24/4/97 – cfr. fls. 35 destes autos;
e) A Atlantic procedeu à legalização da viatura e pagou imposto automóvel no valor de € 7.650,12 €, através do cheque n° 5672253725 da CCAM de Cantanhede - cfr. fls. 36 destes autos;
f) A viatura adquirida obteve a respectiva matrícula portuguesa em 20/10/03 - cfr. fls. 35 destes autos;
g) A Atlantic emitiu uma declaração escrita, sem data, nos seguintes termos:
Declaramos que a pessoa que usufrui a viatura de marca Aston Martin, com a matrícula 13-81-VP, é André , portador do BI – com emissão a 29/06/2004.» - cfr. fls. 16 do proc. administrativo junto por linha;
h) O ora Recorrido declarou que utilizou a referida viatura em 2003 - cfr. fls. 31 do proc. administrativo junto por linha;
i) O ora Recorrido não fez constar das declarações de IRS referentes aos anos de 2003 e 2004 qualquer rendimento resultante da utilização da viatura automóvel;
j) Os valores declarados pelo contribuinte, para efeitos de IRS nos anos de 2003 e 2004, foram, respectivamente, de € 6.685,32 e 7.357,56.

III
As questões que cumpre apreciar e decidir, tal como delimitadas pelas conclusões da alegação do Recorrente, podem ser elencadas do modo que segue:
a) Ilegalidade da fundamentação da sentença recorrida, uma vez que esta pressupõe que a aplicação do método indirecto referido no art° 89°-A da LGT se limita aos ca[s]os em que as manifestações de fortuna, resultam da aquisição de bens e não da sua fruição, violando, assim, directamente, o art° 89°-A n° 2, al. b), da LGT – conclusão A);
b) Apurar se o valor de aquisição dos bens a considerar para efeitos de aplicação da al. b) do n°2 do art° 89°-A da LGT, inclui todas as importâncias despendidas pelo adquirente para esse efeito, já que só desse modo se evidencia a efectiva capacidade contributiva do sujeito passivo do IRS tributado por método indirecto – conclusão B);
c) Apurar se o art° 89°-A, n°2, da LGT é ou não é constitucional, não impondo ao ónus de prova do contribuinte restrições desproporcionadas – conclusão C).
*
Por razões que se prendem com a eventual prejudicialidade do seu conhecimento, consoante a solução que se lhe dê, iniciamos a apreciação da sentença recorrida pela elencada terceira questão, ou seja, pela constitucionalidade do artigo 89º-A, nº 2, da LGT, defendida pelo Recorrente ou pela inconstitucionalidade de tal norma, sustentada na decisão recorrida e pelo Recorrido nas suas contra-alegações.
Quanto a essa questão, sentenciou-se:
«Claro que tudo isto sem prejuízo das questões de (in)constitucionalidade que a norma do art. 89ºA da LGT levanta nomeadamente em sede de violação do princípio da capacidade contributiva que o próprio recorrente invoca nos artigos 24º e 25º do seu articulado.
Na verdade o interesse fiscal com expressão no domínio do direito fiscal material, em que exige simplicidade na estrutura dos impostos, como no domínio do direito fiscal formal, em que reclama uma regular e pronta cobrança das receitas fiscais, há-de ser prosseguido com a ressalva de não violar o princípio da capacidade contributiva, que constituiu o limite material matriz. Cfr. Prof. Casalta Nabais, in «O Dever Fundamental úe Pagar Impostos», pág. 497.
Com a lei n° 30-G/2000, de 29 de Dezembro, veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria colectável.
Desde logo esta lei excluiu a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes nos casos em que os rendimentos declarados para efeitos do IRS se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimentos indiciados por determinadas manifestações de fortuna.
Por conseguinte o legislador ao aditar a alínea d) do ar t. 75° e o art. 89°A criou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados.
Nestes casos, permite-se à A. F. proceder à avaliação indirecta da matéria colectável, a menos que o contribuinte prove que os rendimentos declarados correspondem à realidade (inversão do ónus da prova) e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciada é outra.
Por sua vez, o art. 89ºA, n° 4 dispõe que: «Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, [incrementos patrimoniais] (...) o rendimento, padrão apurado nos termos da tabela seguinte (...)»
Na verdade, se não for feita prova da fonte das manifestações de fortuna, nos termos do art. 89° A, n° 3 da LGT, o que sucede é que se procede a uma avaliação indirecta que inexoravelmente vai considerar rendimento tributável o «rendimento-padrão» constante da tabela do n° 4 da mencionada norma.
A avaliação indirecta, aqui, opera apenas com o rendimento-padrão, impondo este como matéria tributável, sem mais considerações. A avaliação indirecta deixa assim de ser subsidiária da avaliação directa e de visar, como aquela, à determinação do rendimento real do contribuinte; sabido que a constituição proíbe que a determinação da matéria colectável, nos rendimentos empresariais assente no rendimento desligado da realidade concreta do sujeito passivo (art. 104°, n°2 da CRP).
É pressuposto do que vem sendo dito que tributar o rendimento real significa atingir a matéria colectável realmente auferida pelo sujeito passivo, o qual tanto pode ser determinado de forma efectiva (declaração do contribuinte) como ser determinada de forma presumida (quando seja de todo inadequado para determinar a verdade o material fornecido pelo contribuinte), de qualquer modo, tanto num caso como noutro estamos dentro do principio da tributação do rendimento real porque, neste caso, utiliza-se sempre os factores referidos no art. 90°, n°l, da LGT, porque relacionam-se com o sujeito passivo em concreto. No sentido do texto veja-se "o princípio da Tributação do Rendimento Real e a Lei Geral Tributária, Xavier de Basto, in Revista de Direito e Gestão Fiscal, n°5, pág. 18 e segs. bem como o voto de vencido do Juiz do TC Mota Pinto no Acórdão 84/03 desse Tribunal, a propósito do n°2 do art. 90° da LGT e ainda Rui Duarte Morais, «Sobre o IRS», Almedina, pág. 101 a 108.
O contribuinte está, assim, sujeito ao rendimento fixado ab initio pelo legislador sem possibilidade de poder provar a existência de um rendimento inferior ao pré-estabelecido pela lei. Trata-se de uma fixação op legis de um rendimento mínimo, ainda que possam existir indícios fundados que apontem para um rendimento inferior.
Por conseguinte, a norma deveria permitir ao contribuinte demonstrar que a verificação dos pressupostos não é susceptível de conduzir ao resultado predefinido na lei.
A não ser assim, a não admissão desta prova leva a concluir pela natureza «jure et de jure» da presunção, ou seja, não admitindo qualquer prova, presunção absoluta que em face da lei fundamental é materialmente inconstitucional.
Não pode a lei quedar-se tão-só pela dissonância "objectiva" entre a declaração de rendimentos e a manifestação de fortuna (induzida pelo valor pecuniário da aquisição), cerceando um direito fundamental do cidadão demonstrar que não obstante a sua declaração divergir da realidade ainda, assim, está aquém do legalmente presumido.
Todavia esta constatação pode encontrar um problema de interpretação ao nível da prova face à estrutura da norma que parece apontar para a necessidade de demonstrar duas realidades distintas e cumulativas que caberia ao contribuinte demonstrar: os rendimentos declarados correspondem à verdade e não foram sonegados rendimentos que tornassem possível a manifestação de fortuna o que revela exigência de uma prova irrazoável já que além de demonstrar a origem dos rendimentos que sustentaram a aquisição teria de provar a não sonegação ou ocultação de outros rendimentos na declaração do contribuinte o que materializa uma prova quase impossível e, por conseguinte, com este sentido a norma é inconstitucional por negar o direito a uma efectiva defesa consagrado nos arts. 20° e 268°, n°4, da CRP.
Não fazendo prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou acréscimo de património ou o consumo evidenciados o contribuinte fica sujeito, como já se expressou, à avaliação indirecta que inexoravelmente vai considerar rendimento tributável o rendimento-padrão da tabela do n°4 do art.87°A, sem quaisquer considerações de carácter concreto e respeitante ao contribuinte, desligada da efectiva capacidade contributiva ou afastada do rendimento real ou efectivo a que a lei fundamental obriga. Obra citada do Prof. Casalta Nabais, pág. 498.
Esta técnica legislativa, movida por legítimas preocupações de simplificação e de praticabilidade das leis fiscais, tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico.
Significa isto que a norma do art. 89°A, n° 2 al. d), da LGT é inconstitucional na medida em que se atende como indicador de manifestação de fortuna o valor de aquisição do bem e não da sua fruição apesar do legislador assumir que não foi o contribuinte visado que o adquiriu.»
E, na decisão propriamente dita, exarou-se:
«Por tudo quanto expendido fica, o Tribunal decide julgar a impugnação procedente, por provada, declarando-se materialmente inconstitucional a norma do art. 89°A, n°2 al. b) da LGT, à luz do princípio da capacidade contributiva que emana dos arts. 13°, 103º e 104° da CRP, e, em consequência, revoga-se o despacho do Sr. Director.»
Vejamos.
Pese embora a sentença recorrida não prime pelo rigor, na indicação concreta e precisa dos preceitos legais que estão em causa nestes autos, vislumbramos que aludiu à violação dos artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP, por entender que o regime estabelecido no artigo 89º-A, da LGT, nega o direito a uma efectiva defesa, considerando que constitui uma prova irrazoável, quase impossível, a demonstração por parte do contribuinte de os rendimentos declarados corresponderem à verdade e que não foram sonegados rendimentos que tornassem possível a manifestação de fortuna.
Ora, analisado o preceito, maxime os seus nº 1 e 3, verificamos que se aplica este normativo em duas situações:
- ou falta a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencia as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no nº 4;
- ou o contribuinte declara rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
Verificada qualquer uma destas situações, cabe ao contribuinte a prova que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.
Ao contribuinte não é exigida a prova que não foram sonegados rendimentos que tornassem possível a manifestação de fortuna, sendo-lhe antes exigível que prove, prova afirmativa, que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada.
Assim, pese embora na decisão propriamente dita, a Juiz a quo nada tenha referido, mostra-se inverificada a violação destes preceitos constitucionais.
Na decisão propriamente dita, a Juiz a quo desaplicou o artigo 89º-A, nº 2, alínea b), da LGT, por entender que o mesmo é materialmente inconstitucional, violando o princípio da capacidade contributiva que emana dos arts. 13º, 103º e 104º da CRP.
Vejamos.
Quanto ao argumento que sustentado terá Xavier de Basto, no artigo “o princípio da Tributação do Rendimento Real e a Lei Geral Tributária”, publicado na revista Fiscalidade, nº 5, Janeiro de 2001, págs. 18 e segs., esse mesmo autor veio já posteriormente, em 2007, na sua obra, “IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos”, numa nota de rodapé (418), a fls. 373, conformar-se com a posição do Tribunal Constitucional, que alude, num aresto de 2004 Cremos existir aqui lapso, uma vez que o único aresto que conhecemos e relacionado com a avaliação indirecta do rendimento e sua eventual (in)constitucionalidade é do ano 2003 e que adiante citaremos., em que julgou este regime de avaliação indirecta, que fixa rendimentos “normais” em vez de procurar chegar aos rendimentos reais, conforme com a Constituição, não ofendendo o princípio constitucional da tributação do rendimento, constante do artigo 104º, nº 2, da CRP.
Alude-se, ainda, na sentença recorrida, à posição de Rui Duarte Morais, na sua obra “Sobre o IRS”, Almedina, págs. 101 a 108. Compulsado o texto dessas páginas, verificamos que o autor, apenas a págs. 105 a 108 se pronuncia acerca do artigo 89º-A, da LGT, mas nunca alude a qualquer inconstitucionalidade, referindo apenas dificuldades que antevê de aplicação, mas resultante da concatenação dos artigos 87º, alínea f) e 89º-A, ambos da LGT.
Por fim, alude-se ao voto de vencido de Paulo Mota Pinto, aposto no acórdão do Tribunal Constitucional nº 84/03 Consultável na íntegra aqui: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030084.html , proferido em Plenário, no dia 12/02/2003. Tratando-se de um voto de vencido, a decisão não foi em conformidade com a inconstitucionalidade defendida pela Juiz a quo, mas antes a maioria dos Conselheiros considerou este regime (no caso tratava-se da avaliação indirecta a que alude o artigo 90º, nº 2, da LGT) conforme à Constituição.
Dele deixamos respigados os excertos que fazemos, com a devida vénia, a fundamentação para decidirmos pela constitucionalidade do artigo 89º-A, nº 2, alínea b), da LGT, por entendermos que não é violador do princípio da capacidade contributiva que emana dos arts. 13º, 103º e 104º da CRP:
«10 – O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.
Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício).
A actual Constituição da República não consagra expressamente este princípio com longa tradição no direito constitucional português - a Carta Constitucional de 1826 expressa-o na fórmula de tributação “conforme os haveres” dos cidadãos e, na Constituição de 33, o artigo 28º consigna-o na obrigação imposta a todos os cidadãos de contribuir para os encargos públicos “conforme os seus haveres”)
Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (cfr. Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos”, págs. 445 e segs., onde, no entanto, se defende que, embora o princípio não careça – para ter suporte constitucional – de preceito específico e directo, não é de todo inútil ou indiferente a sua consagração expressa).
Autores há, porém, que contestam a operatividade jurídica prática ao princípio da capacidade contributiva, em razão, nomeadamente, da sua acentuada e indiscutível indeterminabilidade, não se estando aí senão perante uma “fórmula passe-partout” imprestável para um teste jurídico-constitucional dos impostos, quer porque se limitaria a “estabelecer que “deve pagar-se o que se pode pagar” sem definir o “poder pagar”, quer porque “não forneceria nenhum critério concreto para a repartição justa dos encargos fiscais por todos os contribuintes”, quer ainda porque “diria muito pouco sobre as taxas a considerar correctas dos impostos ou sobre a sua exacta progressão, caso esta, em alguma medida possa resultar de um tal princípio” (cfr. Casalta Nabais ob. cit. págs. 459 e 461).
Diferentemente, outros autores, como é o caso do próprio Casalta Nabais reconhecem ainda “importantes préstimos” ao princípio, o qual “afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja erija em objecto ou matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto” e tem “especial densidade no concernente ao(s) imposto(s) sobre o rendimento” exigindo “um conceito de rendimento mais amplo do que o rendimento-produto” e implicando “quer o princípio do rendimento líquido (...) quer o princípio do rendimento disponível (...)” (“Direito Fiscal”, págs. 157/168).
De todo o modo, deve reconhecer-se não ser fácil retirar consequências jurídicas muito líquidas e seguras do princípio da capacidade contributiva, traduzidas num juízo de inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal.
Assim, desde logo se imporá a maior contenção, reserva e dúvida, quanto à possibilidade de se chegar a um tal juízo sobre o regime legal em apreço, a partir do seu confronto com o mesmo princípio. E isto mesmo quando se aceite que tal princípio é um parâmetro constitucional susceptível de efectivamente assumir relevo no caso.
A verdade, porém, é que, no caso, o princípio da capacidade contributiva não é sequer parâmetro constitucional relevante para a apreciação da solução legal em causa.
Com efeito, esta solução legal não implica critério de imposição diverso daquele em que se exprime, no seu mais rigoroso e estrito sentido, o referido princípio – ou seja um critério de repartição dos impostos (ou de certos impostos) em função dos “haveres” ou da “capacidade económica”, “capacidade de gastar” ou “capacidade de pagar” dos contribuintes – limitando-se a definir e estabelecer o instrumento, método ou procedimento que, em dadas circunstâncias, há-de utilizar-se justamente para apurar aquela capacidade económica.
A isto se poderá contrapor que as dimensões do princípio são mais vastas, delas emergindo, logo primariamente e como algo de necessário, a ideia ou o postulado da existência da capacidade económica como substracto ou pressuposto insuprível da tributação - “a capacidade contributiva tem de basear-se na força ou potencialidade económica do contribuinte, expressa na titularidade ou utilização da riqueza (ou do rendimento)”, escreve, a propósito, Casalta Nabais, “O dever fundamental...”, pág. 463.
Mas, ainda aqui, o princípio da capacidade contributiva se situa a montante da solução legal uma vez que esta opera no quadro das normas de incidência que pressupõem e visam atingir manifestações de capacidade económica.
Objectar-se-á que certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais (“O dever fundamental...”págs. 497/498 e 501/502) considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particular as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto” e, mais adiante, aludindo ao “rendimento normal”, quando sustenta que ele “apenas poderá ser contestado nos casos em que a tributação conduza a situações de intolerável iniquidade”.
Mas, se nos ativermos ao que aquele autor escreve na obra citada (anterior à vigência do regime legal agora em apreço), não pode deixar de se concluir que a solução em causa se compatibiliza com o princípio da capacidade contributiva. É que, a admitir-se que na hipótese em apreço se está perante uma “presunção”, ela admite prova em contrário e, a considerar-se que se trata de um tributação pelo “rendimento normal”, não pode dizer-se que ela necessariamente conduza a “situações de intolerável iniquidade”.
Não se desconhece que, em escrito posterior, o mesmo autor veio sustentar a desconformidade constitucional da norma ínsita na alínea c) do artigo 87º da LGT (“O quadro constitucional da tributação das empresas”, in Nos 25 anos da Constituição da República Portuguesa de 1976, ed. AAFDL, 2001).
Simplesmente, aí, o fundamento do juízo de inconstitucionalidade situa-se já num plano diferente do das considerações gerais a que atrás se fez referência; embora tendo a ver com elas, ele assenta na equiparação a uma inadmissível “presunção absoluta de rendimentos” da eventual situação (“situação limite”) em que a tributação do rendimento normal não admita prova em contrário. Mas, no caso, não terá cabimento pôr as coisas nesses termos já que ao contribuinte começa por ser dada a possibilidade de justificar o afastamento da sua matéria tributável dos indicadores-padrão (assim podendo evitar a aplicação destes), o que é afinal menos do que exigir-lhe a prova de que não obteve o rendimento correspondente a tais indicadores.
Nestes termos, considera-se que a solução legal em apreço, tal como emerge dos artigos 87º, alínea c), 89º, 90º, n.º 2 e 75º, n.º 2, alínea c), da LGT, não afecta o princípio da capacidade contributiva.»
( … )
«Em suma, pois, a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excepcionalmente, desvios ou excepções.
Assente a declaração do contribuinte numa presunção de veracidade que, segundo o ensinamento de Teixeira Ribeiro (“Sistema fiscal português” n.º 6 in Boletim de Ciências Económicas, 1991) varia consoante “o grau de confiança que merecem os elementos fornecidos pelo contribuinte”, pode o legislador prever situações baseadas em elementos de normalidade em que o ónus da prova se inverta contra o contribuinte.
O estabelecimento dessas presunções há-de, porém, ter um fundamento de razoabilidade e não onerar o contribuinte com um prova impossível ou excessivamente onerosa que transforme em regra a excepção da tributação pelo rendimento normal.»
( … )
«Poderá, no entanto, censurar-se a aplicação do critério nos casos em que o contribuinte dispõe de uma contabilidade organizada e sã, tendo em conta que, em situações de incumprimento grave de deveres fiscais (v.g. as que se prevêem nas alíneas a), b) e c), do artigo 88º, da LGT) a tributação é feita nos termos do artigo 90º, n.º 1, da LGT – ou seja, com a consideração de elementos reais -, o que traduziria uma solução injusta, iníqua ou arbitrária; é este, aliás, o caso em que Xavier de Basto entende verificar-se uma solução “claramente injusta e desequilibrada” (O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária” in Fiscalidade, n.º 5, Janeiro 2001, pág. 19/20)
Mas sem razão.
Em primeiro lugar, não pode afirmar-se que a tributação das empresas que não têm contabilidade que permita a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável seja sempre efectuada de acordo com índices com atinência à sua situação concreta.
Com efeito, nos termos do artigo 90º, n.º 1, da LGT, a determinação da matéria colectável não tem necessariamente em conta todos os elementos enunciados das diversas alíneas do preceito - é o que dizem, em anotação ao preceito, Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa (“Lei Geral Tributária, comentada e anotada”, 1999, Vislis, pág. 308); e isto desde logo significa que ela pode ser feita pelos índices referidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 90º, n.º 1, ou seja, por elementos objectivos (designadamente, “margens médias de lucro líquido”, ou “taxas médias de rentabilidade”).
Em segundo lugar, considerando o afastamento dos indicadores, nos termos em que ele pode dar lugar à tributação pelo rendimento normal, como um adequado e forte indício de evasão fiscal, não é lícito atribuir-se um relevo excessivo à referida “contabilidade organizada e sã”.
Na verdade, e como é sabido, a contabilidade organizada não é sempre e necessariamente o reflexo da realidade da empresa, podendo ocultar, com maior ou menor sofisticação, rendimentos superiores aos escriturados.
Mas, mesmo não sendo assim, aquele que revela uma contabilidade organizada disporá sempre de um poderoso suporte para demonstrar e provar - ilidindo a presunção de o rendimento apresentado não corresponder à realidade – que essa contabilidade espelha com fidelidade a realidade concreta, podendo, deste modo, afastar mesmo a aplicação de qualquer critério de avaliação indirecta da matéria tributável e acabar por ser tributado em função do lucro declarado, ou seja, do rendimento real efectivo.
Não já assim nos casos previstos nas alíneas a), b) e c), do artigo 87º, da LGT, em que, para além das sanções tributárias a que o contribuinte se sujeita, a tributação do rendimento presumido mais facilmente se impõe - ou, dito de outro modo, mais dificilmente se tributará por avaliação directa - quer pela impossibilidade lógica de tributar o rendimento real efectivo quando de todo faltam os elementos da contabilidade ou a declaração, quer pela maior dificuldade de prova contrária à presunção quando esses elementos são insuficientes, se verificam atrasos ou irregularidades na escrituração, se oculta, destrói, inutiliza, falsifica ou vicia a contabilidade ou demais documentos legalmente exigidos, ou se dispõe de diversas contabilidades com propósitos simulatórios.
O confronto só impressionará quando se admita que a falta de razões suficientemente convincentes do afastamento dos indicadores possa não significar a ocultação do rendimento real; e, neste caso, o contribuinte não deixará de ser tributado nos termos do artigo 90º, n.º 2, da LGT.
Entende-se, contudo, que se trataria sempre de uma situação-limite só congeminável no pressuposto – inaceitável - de que a administração tributária, na valoração das justificações, procederia contra o que o sistema lhe impõe - ela deve proceder “em termos tais que as não converta [as justificações] em custos ou ónus desproporcionados para os contribuintes” (Casalta Nabais, “O quadro constitucional...” cit. pág. 373).
Em suma, pois, as normas contidas nos artigos 87º, alínea c), 89º, 75º, n.º 2, alínea c) e 90º, n.º 2, da LGT, não violam o princípio consagrado no artigo 104º, n.º 2, da Constituição, em si mesmo considerado ou em conjugação com o princípio da proporcionalidade.»
*
Enfrentemos, ora, as questões acima elencadas sob a) e b), ou seja:
a) Ilegalidade da fundamentação da sentença recorrida, uma vez que esta pressupõe que a aplicação do método indirecto referido no art° 89°-A da LGT se limita aos ca[s]os em que as manifestações de fortuna, resultam da aquisição de bens e não da sua fruição, violando, assim, directamente, o art° 89°-A n° 2, al. b), da LGT – conclusão A);
b) Apurar se o valor de aquisição dos bens a considerar para efeitos de aplicação da al. b) do n°2 do art° 89°-A da LGT, inclui todas as importâncias despendidas pelo adquirente para esse efeito, já que só desse modo se evidencia a efectiva capacidade contributiva do sujeito passivo do IRS tributado por método indirecto – conclusão B).
Diga-se que a sentença recorrida não prima pelo rigor, quer na enunciação clara e precisa das questões a ponderar e resolver, como, sobretudo, e que já referimos, pela indicação concreta e precisa dos preceitos legais que estão em causa nestes autos. Leve-se em linha de conta o que já atrás deixámos referido na nota de rodapé.
Contudo, podemos concluir que estas duas outras conclusões das alegações de recurso se prendem com o apurar da legalidade ou ilegalidade de a Administração Tributária (AT), no caso sub iudicio, ter feito uso do método indirecto previsto no artigo 89º-A, da LGT, na redacção dada pela Lei nº 30-G/2000, de 29/12 Ou seja, quando na tabela constante do nº 4 daquele preceito se estatuía, no item 2- “automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 10000 contos …”, sendo que este valor, convertido em euro corresponde a € 49.879,79. e em relação aos rendimentos relativos aos anos de 2003 e 2004.
Quanto ao ano de 2003, sentenciou-se:
«Por fim, resta analisar a decisão do Sr. Director respeitante ao ano de 2003, ano da aquisição do veículo automóvel pelo valor de 49.900,00 € mais 7.650,12 € a titulo do IA.
O art. 89°A na parte que respeita à questão do valor aquisitivo dos automóveis ligeiros estabelece o valor de 49.879,79, não especificando a lei a forma como se deve interpretar a expressão «valor de aquisição».
Tem sido interpretado pela jurisprudência dos tribunais superiores Acórdão do STA de 7/12/04 no processo 01248/04, relatado pelo Sr. Consº Vítor Meira e Acórdão TCA Sul de 20/3/07 no processo 01678/07., quando está em causa a tributação em IRS, como no caso dos autos, fazendo apelo às normas do IRS dos arts.46°, n°l e 51°al.b) em conjugação com o art. 89° A da LGT que tal valor deverá ser o valor de aquisição sem quaisquer outros adicionais a titulo de despesas, encargos ou impostos.
Sendo distinto o valor de aquisição e os encargos e, referindo apenas a tabela apenas o valor de aquisição, a interpretação da Administração Tributária não tem um mínimo de correspondência na letra da lei.
Interpretação reforçada com o valor aduaneiro referido no art. 17° do CIVA para o caso dos bens importados, conferindo aqui um sentido mais abrangente do que no art. 89°A e no CIRS.
Não havendo correspondência na letra da lei, ainda que mínima, não há que recorrer aos demais elementos de interpretação das normas, sem embargo de no direito a constituir tal designação dever abarcar não só o valor de aquisição como os adicionais face à ratio da norma em questão, ou seja, avaliação indirecta sempre que haja manifestações de fortuna sem que os rendimentos declarados não a sustente; o que deverá relevar é capacidade económica traduzida no dinheiro efectivamente desembolsado para que se possa usufruir do bem adquirido.»
Ora, face ao probatório já então estabelecido pela sentença recorrida, o valor de aquisição do automóvel ligeiro de passageiros que o ora Recorrido fruiu no ano de 2003, foi de € 49.900,00 – cfr. alínea a) do probatório da sentença recorrida a que corresponde no presente acórdão a alínea c). A essa data, o valor estabelecido na tabela, a partir do qual se evidenciava por parte do contribuinte as manifestações de fortuna e que permitia a aplicação do constante do artigo 89º-A, da LGT, era de € 49.879,79, correspondente a 10000 contos.
Assim, importa concluir que o valor de aquisição do veículo automóvel ligeiro de passageiros, sem outros encargos, é superior ao valor fixado no item 2- da tabela a que alude o nº 4, do artigo 89º-A, da LGT, pelo que constitui manifestação de fortuna para efeitos daquele preceito.
Coloca-se agora a questão de apurar, em concreto, qual o conceito de valor de aquisição a que se refere a lei naquele item:
- se o valor de aquisição - € 49.900,00;
- se o valor de aquisição, acrescido de outros valores, no caso, o pagamento do imposto automóvel (IA) – (€ 49.900,00 + € 7.650,12 = € 57.550,12).
Conforme se refere na sentença recorrida, tem sido entendimento seguido pela jurisprudência que se conhece e que é citada, que o conceito de “valor de aquisição” corresponde a esse mesmo valor, sem quaisquer outros adicionais a titulo de despesas, encargos ou impostos, fazendo-se apelo às normas do IRS dos arts.46°, n° 1 e 51°, al. b).
Escreveu-se no acórdão do STA, proferido no processo nº 01248/04, em 07/12/2004 Consultável na íntegra em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eb28e871c27def1280256f6d0059e241?OpenDocument :
«Prescreve o artigo 11º nº1 da LGT que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. E o artº 9º do C. Civil prescreve que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições temporais de aplicação (nº1), salvaguardando, porém, não poder ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº2).
Face a estes princípios gerais de interpretação vejamos agora que entendimento dar à norma em causa relativamente ao conceito de “valor de aquisição”.
Que em sentido literal o valor de aquisição é o que for pago pelo comprador ao vendedor parece não oferecer dúvidas. Mas será esse o entendimento a dar à expressão para efeitos da tabela inserta no artigo 89º-A da LGT? No caso vertente está em causa a tributação em IRS. Por isso, vejamos o que consta das normas do respectivo código referentes a situações diferentes mas que poderão ajudar na interpretação do sentido da expressão em causa. No artigo 46º nº1 do CIRS, cuja epígrafe é “Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”, consigna-se, para efeitos de mais-valias, que “se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa”. E no artigo 51º al. b) do mesmo código, sob a epígrafe “Despesas e encargos”, também para efeitos de mais-valias, refere-se que ao valor de aquisição acrescem as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação. Ora, como diz a sentença recorrida, se ao valor de aquisição acrescem as despesas tal significa que estas se não contém naquele valor, sendo algo que, para aquele efeito, acrescerá, mas que não tem necessariamente que acrescer em outros casos. Afigura-se-nos por isso que, sendo distintos o valor de aquisição e os encargos e referindo a tabela apenas o valor de aquisição, a interpretação pretendida pelos recorrentes não tem, in casu, um mínimo de correspondência na letra da lei, não podendo por isso sufragar-se tal entendimento. Não havendo correspondência na letra da lei, ainda que mínima, não há que recorrer aos demais elementos de interpretação das normas.»
Importa assim atender ao valor de aquisição, como sendo o de € 49.900,00, sendo o rendimento padrão correspondente a 50%, ou seja, € 24.950,00, sendo este o valor a fixar como o rendimento corrigido, já que o rendimento declarado, ou seja, € 6.685,32, mostra uma desproporção superior a 50%, para menos em relação ao rendimento padrão, uma vez que os 50% do rendimento padrão correspondem a € 12.475,00.
E, tendo sido esse o valor e não tendo o ora Recorrido feito prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade (inversão do ónus da prova) e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas é outra - cfr. artigos 87º, alínea d) e 89.º-A, n.º 3, da LGT -, temos de concluir pela legalidade da actuação da AT quanto ao ano de 2003, embora com esta alteração quanto ao montante a fixar ao rendimento corrigido.
*
Quanto ao ano de 2004, sentenciou-se:
«Vejamos em primeiro lugar a fixação do rendimento para o ano de 2004.
Dispõe o art. 89° A n° 2 que: «Na aplicação da tabela prevista no n° 4 tomam-se em consideração:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo (...)».
Da conjugação destas disposições resulta, como já se escreveu em acórdão do TCA Norte Acórdão da 2ª Secção Contencioso Tributário de 26/1/06, in Acórdãos do TCAN disponível in www.dgsi.pt , que o legislador pretendeu apenas que a AT pudesse lançar mão da avaliação indirecta da matéria colectável quando e apenas o contribuinte procedesse à aquisição de qualquer um dos bens referidos na tabela prevista no n° 4 do art. 89° A da LGT. O contribuinte é tributado com recurso a este método de cada vez que haja a ocorrência desse facto aquisitivo e esse facto aquisitivo apenas pode servir de base à tributação no ano em que ocorre ou se tiver ocorrido nos três anos anteriores.
Acontece que no ano de 2004 o contribuinte não exteriorizou qualquer manifestação de fortuna, estando a AT a tributar por um facto aquisitivo anterior e que tributou no ano da aquisição (2003).
Com efeito a lei, na al. b) do art. 89° A da LGT, fala nos «bens que frua no ano em causa», ou seja no ano da aquisição ou nos três anteriores.»
Pese embora a forma algo “desgarrada” e com lapsos, como se mostra escrita esta parte da sentença recorrida, nela podemos verificar que se teve em conta a fruição, por parte do ora Recorrido, do bem adquirido pela sociedade na qual detém participação maioritária. A essa conclusão temos de chegar, lido o parágrafo final acima respigado, e levando até em linha de conta que, no probatório fixado pela sentença recorrida, o ano tido em conta como de fruição foi o de 2004 – cfr. alínea d), segunda parte, do probatório da sentença recorrida a que corresponde no presente acórdão a alínea g) -, pese embora, no início, a Juiz a quo ter apenas transcrito a alínea a), do nº 2, do artigo 89º-A, da LGT.
E, será de aplicar, como o fez a sentença recorrida, a jurisprudência fixada no acórdão deste TCANorte, de 26/01/2006 Prolatado no processo nº 01198/05.7BEVIS e consultável na íntegra aqui: http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/74dd6faf5b7e0fda8025710a003ae792?OpenDocument , por nós relatado?
Na verdade, no sumário desse acórdão, no item 5., pode ler-se:
«5 - Decorre da conjugação dos nºs 1, 2, al. a) e 4, do art. 89º-A, da LGT, que o legislador pretendeu que a A.F. pudesse lançar mão da avaliação indirecta da matéria colectável quando e tão só o contribuinte procedesse à aquisição de qualquer um dos bens referidos na tabela prevista no nº 4 do referido artigo 89º-A, da LGT. O contribuinte é tributado com recurso a este método de cada vez que tenhamos a ocorrência desse facto aquisitivo e esse facto aquisitivo apenas pode servir de base à tributação no ano em que ocorre ou se tiver ocorrido nos três anos anteriores.
Cremos que a resposta tem de ser afirmativa.
Por um lado, a redacção dada à alínea a), do nº 2, do artigo 89º-A, da LGT, no que ao caso interessa, é a mesma, ou seja, a lei refere sempre, quer o bem seja adquirido, quer seja fruído, “no ano em causa, ou nos três anos anteriores”.
Por outro lado, na situação sub iudicio, em 2004 o ora Recorrido não exteriorizou qualquer manifestação de fortuna, estando a A.F. a tributar por um facto de fruição que já havia tributado para o ano de 2003, como vimos.
Não tendo a A.F. comprovado a existência da fruição de qualquer um dos bens identificados na tabela prevista no nº 4, do artigo 89º-A, da LGT, no decurso do ano de 2004, não se pode manter o despacho que determinou a fixação da matéria colectável por avaliação indirecta, quanto a esse ano, mantendo-se a sentença recorrida, nesta parte.

IV
Face ao exposto decide-se conceder parcial provimento a este recurso jurisdicional:
- julgando conforme à Constituição da República Portuguesa o artigo 89º-A, nº 2, alínea b), da LGT, não sendo o mesmo materialmente inconstitucional à luz do princípio da capacidade contributiva que emana dos artigos 13º, 103º e 104º da CRP;
- revogando-se em parte a sentença recorrida e alterando-se o despacho de fixação do rendimento tributável para efeitos de IRS no que concerne ao ano de 2003, que deverá ser corrigido dos € 28.775,06 para € 24.950,00;
e negar provimento ao recurso, no que concerne ao ano de 2004.
Custas em ambas as instâncias pelo Recorrente e pelo ora Recorrido, na proporção do decaimento.
Notifique e registe.
Porto, 23 de Abril de 2009
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) José Maria Fonseca Carvalho
Ass) Aníbal Augusto Ruivo Ferraz