Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00479/14.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. A prova de que o revertido exerceu a gerência de facto recai sobre a AT, como resulta do disposto no art. 74º/1 LGT e 342º/1 do Código Civil.
2. A AT não pode limitar-se a extrair da gerência de direito qualquer presunção de gerência efectiva, pelo menos depois do acórdão do Pleno da Secção do CT do STA n.º 01132/06 de 28-02-2007.
3. A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT).
4. Não se exige que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
5. O facto de não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário não impede a reversão da execução contra o responsável subsidiário, como resulta do disposto no art.º 23º/3 da LGT.
6. Se o Oponente declara no procedimento ter exercido a gerência efectiva da devedora originária seria contrário aos princípios gerais e da experiência comum não extrair consequências dessa declaração.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

M…, melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF do Porto que julgou improcedente a oposição deduzida contra a reversão da execução instaurada por dívidas da sociedade H…, Lda. dela intepôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

a) O Recorrente sustentou, em sede de oposição judicial, a sua ilegitimidade para o processo de execução fiscal instaurado à devedora originária, e contra si revertido na qualidade de responsável subsidiário.
b) O Tribunal a quo indeferiu totalmente a pretensão do Oponente por considerar que a Autoridade Tributária atendeu aos pressupostos legais que permitem que ocorra a alteração subjetiva em processos dessa natureza.
c) O Recorrente considera que a sentença em recurso padece de erro de julgamento, que se consubstancia na errada apreciação e valoração dos factos relevantes à boa decisão da causa e consequente errónea aplicação da lei,
Porquanto,
d) Resulta do artigo 24º da LGT, que a responsabilidade é atribuída em função efetiva do cargo de gerência e se reporta ao período em que é exercida, posto que a responsabilização, a título subsidiário, dos gerentes não se basta com a mera nomeação jurídica, impondo antes um exercício efectivo, e de facto, do cargo social, no período a que se reporta o pressuposto da responsabilização.
e) Constitui jurisprudência assente que, para integrar o conceito de gerência efetiva, à Administração Tributária cabe provar, para além dessa gerência de direito, que o mesmo gerente tenha praticado, em nome e por conta da sociedade, concretos atos dos que normalmente são praticados por pessoas que exercem essa função, vinculando-a com essas intervenções.
f) Vale isto para dizer que a gerência de facto não se presume, sem mais, da gerência de direito,
g) E que o exercício dos poderes de facto deve ser inferido do global conjunto da prova que venha a ser recolhida, mediante recurso às regras da experiência comum, recaindo sobre a AT o ónus de demonstrar que o gerente de direito contra quem pretende reverter a execução fiscal, exerceu, de facto, tais funções.
h) Sucede que a AT nada provou, invocando apenas dois elementos - a designação nominal da gerência e a assinatura de um requerimento “na qualidade de gerente” (do qual a sentença recorrida retirou uma “confissão”), o que, por si só, não têm a força necessária para deles se retirar o efectivo exercício do cargo de gerente.
i) Mesmo que se entendesse que a aposição de assinatura, ocorrida em 2013, consubstancia um ato de gestão, o que só por mera hipótese académica se concebe, mas não concede, sempre se diria que, tendo sido um ato praticado no decurso do ano de 2013, este não poderia, jamais, fundamentar o exercício da gerência em 2009.
j) Ainda no tocante a alegada “confissão” do exercício do cargo, ínsita no ponto 9. dos factos provados, não se compreende que a referência feita nesse ato possa ter mais relevância do que tudo o que foi alegado em sede de oposição judicial apresentada pelo ora Recorrente.
k) Como tal, estava vedado ao Tribunal a quo daí retirar qualquer ilação, muito menos a de que e Oponente confessou a gerência!
1) Não existe normativo legal que sustente a gerência por confissão.
m) Não se encontrando, pois, demonstrada qualquer relação de relevo entre o Oponente, ora Recorrente, e a vida da sociedade, que permitisse concluir que aquele agiu com conhecimento da vida da sociedade, o Recorrente considera que ocorreu incorrecta
apreciação e valoração dos factos provados nos pontos 4. a 9. da sentença, na medida em que este deveria ter sido julgado parte ilegítima na execução fiscal contra si revertida.

n) Só o exercício, digamos, direto da gerência permite sustentar uma proximidade real com a vida da sociedade e só nele pode assentar a presunção de culpa e a responsabilidade subsidiária do gerente.
o) O Tribunal a quo apreciou livremente as provas, decidindo segundo a sua convicção acerca de cada facto. Porém, descurou o ónus da prova.
p) O tribunal produziu, pois, conclusão contrária à prova produzida, existindo incongruência lógica, ou contrária aos princípios gerais da experiência comum, porquanto a valoração das provas produzidas apontam claramente no sentido contrário ao acolhido na decisão.
q) Não tendo logrado a Administração Tributária demonstrar o exercício, de facto,
r) Tanto basta, e sem mais, para que se possa concluir pela ilegitimidade do opoente/Recorrido, por não se ter demonstrado um dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24°, n.°1 da LGT.
s) Considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável, afigura-se-nos que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o Recorrente foi gerente de facto da sociedade, nos termos apontados. Devendo, por isso, o processo de execução fiscal ser extinto por ilegitimidade do ora Recorrente, motivo pelo qual não pode manter-se a decisão ora em recurso.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, nessa conformidade, ordenar-se a anulação da sentença em apreço, por ilegal, substituindo-a por decisão que julgue extinta a execução revertida contra o ora Recorrente por ilegitimidade no processo, considerando a inexistência de suporte legal que sustente a reversão contra o ora Recorrente.
Acordando nos termos ora propugnados, farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao considerar provado que o oponente exerceu as funções de gerente da devedora principal.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. No Serviço de Finanças de Povoa de Varzim foi instaurado o PEF n.º 1872201001004158, contra a sociedade “H…, Lda.”, com o NIPC 5…– fls. 88 e ss.;
2. Em 28.03.2012 foi proferida sentença no processo n.º 1230/11.5TYVNG, que correu termos no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, na qual foi declarada a insolvência da sociedade executada “H…, Lda.”, que havia sido requerida por Ildebrando Lino da Silva – fls. 80;
3. Em 18.09.2013, no processo referido foi elaborada informação que ora se considera integralmente reproduzida e da qual se extrai, além do mais, o seguinte: “(…) 1- Consultando Informação Não Certificada nº 307/2013 da Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim, consta do registo da sociedade executada H… LDA SOCIEDADE EM LIQUIDAÇÃO, NIPC 5…a nomeação da gerência na pessoa de M…, NIF 1…, com domicílio fiscal na Rua… - 4495-045 Póvoa de Varzim; 2 - A actividade da executada foi iniciada em 1992-10-16; (…) 3 - Verifica-se que por sentença de 28 de Março de 2012, exarada no Processo de Insolvência nº 1230/11.5TYVNG, a presente foi declarada insolvente, evidenciando-se assim a sua impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
4 - No âmbito do Processo de Insolvência referido, foi determinada a apreensão de todos os bens da insolvente, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos. (…). 5- A dívida em causa, que diz respeito ao(s) processo(s) executivo(s) instaurado(s) com base na(s) competente(s) certidão(ões) de dívida, descrita(s) no quadro abaixo apresentado, com identificação da(s) liquidação(ões) que lhe deu(ram) origem, perfazendo o valor de €71.587,67 (…) de quantia exequenda, serão da responsabilidade dos supra identificados gerentes (…). 6- Assim, considerando o dever de reversão da execução, previsto nos nºs 3º e 7º do art.º 23.º da Lei Geral Tributária, tratando-se de gerentes que exercem a função de gestão do devedor originário e estando em causa dívida tributária cujo prazo legal de pagamento terminou no período do exercício dos seus cargos, estarão reunidos os pressupostos constantes da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), para efetivar a sua responsabilidade subsidiária, bem como verificando-se a comprovada insuficiência do património do devedor originário para satisfazer a dívida exequenda e seus acréscimos legais, encontram-se reunidas as condições previstas no n.º 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários (…).” – fls. 64 e ss.
4. Sobre a informação referida no ponto anterior foi exarado, na mesma data, despacho pelo Chefe de Finanças da Póvoa de Varzim determinando a preparação do processo de execução fiscal para efeitos de reversão da execução contra os devedores subsidiários, de entre os quais figurava o ora Oponente, ordenando ainda a sua notificação para exercerem por escrito o seu direito de audição prévia – fls. 66, do processo físico;
5. O Oponente apresentou defesa, nos termos de fls. 67 e ss.;
6. Em 28.10.2013, no processo referido, foi elaborada informação que ora se considera integralmente reproduzida e da qual se extrai, além do mais, o seguinte: “(…) Após análise dos documentos juntos, pelos elementos da Informação Não Certificada nº 307/2013 da Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim, constata-se que M…, NIF 1…, se encontra nomeado como gerente da H… LDA SOCIEDADE EM LIQUIDAÇÃO, desde 02-05-1999. Uma vez que foi declarada a insolvência no âmbito do processo n.º 1230/11.5TYVNG, em 28-03-2012, onde se evidencia a sua impotência para continuar a generalidade dos seus compromissos, e tendo sido solicitada a apreensão de todos os bens da insolvente, ainda que arrestados ou penhorados, encontra-se evidenciada a fundada insuficiência de bens penhoráveis na titularidade da devedora, suscetíveis de garantir a dívida, objecto deste autos, pelo que estarão reunidas as condições para efetivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT).
Devem assim os presentes autos prosseguir para a reversão contra o responsável subsidiário, em cumprimento da disposição legal contida nos nºs 3 e n.º 7 do art. 23.º da LGT, uma vez que a realização do objetivo fundamental da execução fiscal, que é a cobrança da dívida executiva, justifica a proteção legal dos créditos da Fazenda, mesmo não estando definido o montante exato pelo qual o responsável subsidiário irá responder. Quanto ao facto de existir avultado montante na massa insolvente proveniente da venda de bens móveis e imóveis da devedora originária, a situação de insolvência de uma pessoa coletiva traduz uma situação de insuficiência de bens penhoráveis desta, da qual deve resultar a preparação imediata da reversão contra os gerentes (…). O projecto de reversão foi realizado com os fundamentos de insuficiência de bens da devedora originária (nº 2 e 3 do art. 23.º da LGT), o contribuinte em questão exerceu funções de gerência, assim sendo, o gerente é responsável pela dívida cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo. Verifica-se então que a gerência na data limite de pagamento voluntário da dívida em causa, pertencia aos contribuintes M…, NIF 1…, O…, NIF 1…e Manuel…, NIF 1…. Ora, nos presentes autos as dívidas reportam-se aos processos executivos instaurados com base nas competentes certidões de dívida, descritas no quadro abaixo apresentado, com identificação das liquidações que lhes deram origem, perfazendo o valor de €257.808,09 (duzentos e cinquenta e sete mil oitocentos e oito euros e nove cêntimos) de quantia exequenda, que será da responsabilidade do supra identificado gerente (…)” – fls. 72 e ss., do processo físico;
7. Sobre a informação referida no ponto anterior foi exarado, na mesma data, despacho pelo Chefe de Finanças da Póvoa de Varzim que ora se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai, além do mais, o seguinte: “(…) Tendo em conta a informação que antecede e que aqui se dá por integralmente reproduzida, cumpre-me decidir: (…) Apesar de regularmente notificado fez junção de factos, que depois de analisados, em nada alteram os pressupostos já definidos não impedindo assim a concretização da reversão contra o mesmo. O exercício do cargo de gerente desde 1999 é assumido pelo supra referido responsável subsidiário no 1º ponto do requerimento onde exerceu o direito de audição prévia (…) relativamente ao procedimento de reversão automática determinado em 10-08-2013, entretanto anulado por lapso no processado dos autos. De acordo com o elemento disponíveis no sistema informático da AT constata-se que em nome da devedora originária, H… LDA SOCIEDADE EM LIQUIDAÇÃO - NIPC 5…, são conhecidos bens, não obstante, determina o artigo 23.º, nº3 da Lei Geral Tributária, que, no caso de não se conseguir apurar a suficiência dos bens do devedor principal e responsáveis solidários, por ainda não estar definido o montante exato pelo qual o responsável ou responsáveis subsidiários irão responder, haverá lugar à efetivação imediata da reversão, embora com suspensão da execução até à completa excussão dos bens do devedor principal e responsáveis solidários. A dívida, diz respeito aos processos executivos, instaurados com base nas competentes certidões de dívida pelo pagamento em falta de IRC relativo ao exercício de 2007, perfazendo o total de €71.587,67 (…), de quantia exequenda, que será da responsabilidade do supra identificado gerente.
Assim, mantêm-se os fundamentos constantes no projecto de decisão de 18-09-2013, do qual se transcrevem: (…) Deve prosseguir a execução contra M…, NIF 1…, na qualidade de responsável subsidiário, pelas dívidas em causa, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº1 do art. 24.º da Lei Geral Tributária e do art. 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Em consequência, proceda-se à citação do executado por reversão, acima mencionado (…)” –fls. 75 e ss., do processo físico;
8. As dividas referem-se a IRC, do ano de 2007, com data limite de pagamento de 28.12.2009, no montante global de €71.587,67 – fls. 63 e ss.;
9. O Oponente exerceu funções de gerente da sociedade “H…, Lda.” no período compreendido entre Maio de 1999 e 13.06.2012 (por confissão).
*
Factos não provados: Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.
*
Motivação da matéria de facto.
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto resulta da análise do teor dos documentos juntos aos autos, designadamente aqueles que foram sendo indicados nos respectivos pontos do probatório, considerando, desde logo, que tais documentos não foram impugnados. O facto constante do ponto 9. do probatório resulta de confissão expressa do Oponente, efectuada em sede de audiência prévia no decurso do processo de execução fiscal.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Foi instaurada execução fiscal contra a sociedade “H…, Lda” para cobrança de dívidas de IRC e juros compensatórios relativos a 2007, no valor global de € 71.587,67.
A execução foi revertida contra o oponente, que após citação deduziu oposição fiscal alegando em síntese não constar um único facto que pudesse demonstrar o exercício efectivo e de facto da gerência da H… por parte do Oponente, pelo que é ilegal o despacho de reversão quer pela violação do dever de fundamentação quer pela inexistência dos pressupostos formais legitimantes da reversão, impedindo “...o contribuinte de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Autor do acto a que se opõe”. Além disso, o SF não efetuou qualquer tipo de diligências para apurar se os bens da primitiva executada são insuficientes para satisfazer o crédito do Estado, o SF não verificou no processo de insolvência se havia créditos privilegiados ou créditos garantidos e quais os valores reclamados, mas neste processo já foi arrecadada a quantia de € 606.700,00.
A MMª juiz proferiu sentença julgando a oposição improcedente, com a qual o Oponente se não conforma por considerar que a sentença errou no julgamento da matéria de facto (factos 4 a 9) uma vez que a AT nada provou quanto à gerência de facto, invocando apenas dois elementos: a designação nominal da gerência e a assinatura de um requerimento na qualidade de gerente (do qual a sentença recorrida retirou uma “confissão”), o que por si só não tem a força necessária para deles se retirar o efetivo exercício do cargo de gerente.
Não existe normativo legal que sustente a gerência por confissão, acrescenta o Recorrente.

A questão, como vemos, consiste em saber se a sentença errou ao considerar provado que o Oponente exercia as funções de gerente da devedora originária, no período relevante para operar a reversão da dívida exequenda, sendo questionado precisamente o facto provado n.º 9 segundo o qual o “Oponente exerceu funções de gerente da sociedade “H…, Lda” no período compreendido entre Maio de 1999 e 13.06.2012”.

Referiu a MMª juiz na motivação da decisão que este facto resulta de “confissão expressa do Oponente, efectuada em sede de audiência prévia no decurso do processo de execução fiscal”.

Efetivamente, lê-se no requerimento apresentado no âmbito do exercício do direito de participação sobre o projecto de reversão da execução fiscal n.º 1872201001004158 (o presente processo de execução fiscal) subscrito pelo próprio (1) que “O signatário exerceu funções de gerente da primitiva executada desde Maio de 1999 até 13/06/2012 (data do trânsito em julgado da sentença em que a originária devedora foi declarada insolvente – fls. 94 e 95 dos autos.

Ora, independentemente de se considerar tal declaração como uma confissão em sentido técnico jurídico ou não, a verdade é que a assunção de gerência no período em crise foi manifestada pelo próprio, em documento por si assinado e contra o qual não foi arguido qualquer vício de vontade, nem negada a sua autoria.

Em vistas disso, tal declaração não pode deixar de ter efeitos na convicção do tribunal, mais que não seja como uma presunção natural, e merecer a devida atenção na prova dos factos que lhe respeitam, precisamente a gerência efectiva da sociedade devedora originária sem que daí resulte alguma incongruência lógica, ou contrária aos princípios gerais de experiência comum (Conclusão p), bem pelo contrário.

De resto, embora o Recorrente afirme nas alegações (fls. 214 verso) ter negado a gerência em oposição judicial (2), relendo a douta petição inicial não se encontra qualquer alegação relativa à falta de gerência efetiva da devedora originária.

Tão pouco defende não ter capacidade (ou legitimidade) para a declaração que efetuou. Sustenta que a AT não logrou demonstrar o exercício da gerência de facto, falhando assim um dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24º/1 LGT, esquecendo que a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, como infra melhor se esclarece.

Ora, tudo conjugado, apenas podemos concluir que não aceitar a declaração do próprio quanto à gerência que diz ter exercido é que nos pareceria decididamente contrário aos princípios gerais e da experiência comum, além de ilógico.

Os restantes factos alegados no requerimento referem-se à prossecução de um processo de impugnação judicial que ainda não foi decidido, à insolvência da primitiva executada, à arrecadação de “avultado montante” com a venda dos bens e à nulidade da notificação que deveria ter sido efectuada ao Administrador da Insolvência.

Esta alegação não tem aptidão para extinguir ou modificar os efeitos da declaração de gerência, são meras questões de direito. E o facto de não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário não impede a reversão da execução, como resulta do disposto no art.º 23º/3 da LGT.

Diz o Recorrente na conclusão j) que “...Não se compreende que a referência feita nesse acto [direito de audição] possa ter mais relevância do que tudo o que foi alegado em sede de oposição judicial apresentada pelo ora Recorrente” e que “Não existe normativo legal que sustente a gerência por confissão” (conclusão l), depreendendo-se que considera a declaração inválida, mas não adianta porquê nem qual o vício que lhe subjaz.

Ora a prova de que o revertido exerceu a gerência de facto recai sobre quem pretende exercer o direito à reversão, como resulta do disposto no art. 74º/1 LGT e 342º/1 do Código Civil. O mesmo é dizer que tal prova recai sobre a AT que não pode limitar-se a extrair da gerência de direito qualquer presunção de gerência efectiva, pelo menos depois do acórdão do Pleno da Secção do CT do STA n.º 01132/06 de 28-02-2007 (3).

Mas de acordo com a doutrina do STA, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido (4).

O que significa que, no caso de reação do visado, isto é, no caso de negar a gerência efectiva da sociedade, a AT terá então (na contestação) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, em especial o efectivo exercício da gerência (5).

No caso dos autos não só não foi alegado qualquer vício da vontade na declaração como na petição inicial o Oponente não pôs em causa tal declaração nem negou a gerência efectiva da devedora originária. Limitou-se a alegar que a AT não provou a gerência efectiva do Oponente (“...sem invocar um único facto demonstrativo do exercício efectivo da gerência” – art.º 29º da pi), aparentemente ignorando a sua própria declaração sobre a matéria.

Nestas circunstâncias, improcedendo todas as conclusões de recurso, a sentença recorrida deverá ser confirmada.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 9 de novembro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira


(1) Com entrada no SF em 4/9/2013 – fls. 94
(2) O texto da alegação é o seguinte: “Como já aqui se referiu, não é lícito inferir da assinatura de documento a gerência de facto, quando é o próprio que, em oposição judicial, a nega”
(3) Em cujo sumário se lê I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.
II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.
IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
(4) Ac. do Pleno da Secção do CT do STA n.º 0458/13 de 16-10-2013 in http://www.dgsi.pt/
(5) Ac. do TCAN n.º 01210/07.5BEPRT de 30-04-2014 (Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro): II) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
III) Assim, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.