Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00119/23.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC;
EXCESSO DE PRONÚNCIA;
FALTA DA P.I.; NULIDADE PROCESSUAL;
Sumário:
I - É na p.i. que se define o pedido (tutela pretendida pelo autor) e a causa de pedir (factos constitutivos do direito a que o autor se arroga), ambas essenciais para averiguar da existência de caso julgado. É também com base nela que se determina a competência do Tribunal, o valor da causa, a propriedade do meio processual empregue e se definem os poderes de cognição do Tribunal, que são limitados às questões suscitadas pelas partes e às que forem do seu conhecimento oficioso.

II – No caso, uma vez que a p.i. apreciada nos autos respeita a outra reclamação (remetida ao Tribunal por lapso do OEF), apesar de a sentença recorrida também se ter pronunciado sobre a questão da prescrição (que era abordada na p.i. com base na qual o processo judicial de reclamação devia ter sido autuado e também é do conhecimento oficioso), não é possível considerar regular uma instância sem a petição inicial que a devia instruir, pois tal irregularidade contraria os elementares princípios do processo civil – onde, de resto, uma situação similar nunca poderia sequer ocorrer.

III - Precisamente por ser um caso estranho ao processo civil, não existe regulamentação que especificamente o trate; daí que ocorra uma nulidade processual atípica, por ser patente o desvio ao formalismo processual legalmente prescrito, com influência no exame e decisão da causa - artigo 195º do Código de Processo Civil.

IV - Esta nulidade implica a anulação de todos os atos já praticados, por o terem sido com referência a uma p.i. que não é a deste processo, com exceção da autuação no Tribunal de 1ª instância, pois nada obsta a que esta seja aproveitada, já que, como a Recorrida referiu, a informação prestada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 208º do Código de Procedimento e de Processo Tributário versa sobre a alegada prescrição das dívidas exequendas, afigurando-se que os autos reúnem a prova documental necessária à apreciação da causa.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 06.07.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual foi julgada improcedente a presente reclamação, apresentada nos termos do artigo 276º e seguintes do Código de Processo Civil.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A) Por um lado, a nulidade por excesso de pronúncia, pois, da reclamação, causa de pedir e pedido da reclamação ao abrigo do art.º 276.º do Código de Processo Civil não resulta que a questão nos presentes autos era também a ilegalidade de penhora dos vencimentos do Reclamante de Julho, Agosto e Setembro de 2021.
B) Por outro lado, a contradição entre a fundamentação e a decisão, tendo presente a interpretação dos factos e o enquadramento legal aplicável, segundo a Sentença na sua página 8,
C) E os factos provados em 1 a 16 da Sentença, páginas 2 a 5, não resulta que e quando é que o Reclamante Executado tenha sido citado nos autos de execução,
D) Sendo o prazo de prescrição de 5 anos, e que, segundo o Tribunal, “relativamente às dívidas à Segurança Social e que dizem respeito aos períodos de 3/2002 a 12/2006 as prescrições começariam a ocorrer, respectivamente, no dia 20 do mês Abril de 2002, e nos dias 20 dos meses subsequentes, até dia 20 de Janeiro de 2007,
E) E apenas em 24/8/2010 é que o Reclamante terá vindo requerer o pagamento da divida em 36 prestações à Reclamada segundo o facto provado em 3 da Sentença,
F) Portanto, nos termos do enquadramento e fundamentação apresentados pela Sentença, a prescrição verificou-se quanto às alegadas dívidas entre 03/2002 e 08/2005 da Reclamada.
G) Pelo que se verifica a nulidade por contradição na fundamentação e decisão contidas na Sentença.
H) Por último, o erro de julgamento, tendo presente a interpretação dos factos e o enquadramento legal aplicável, segundo a Sentença na sua página 8,
I) E os factos provados em 1 a 16 da Sentença, páginas 2 a 5, não resulta que e quando é que o Reclamante Executado tenha sido citado nos autos de execução,
J) Sendo o prazo de prescrição de 5 anos, e que, segundo o Tribunal, “relativamente às dívidas à Segurança Social e que dizem respeito aos períodos de 3/2002 a 12/2006 as prescrições começariam a ocorrer, respectivamente, no dia 20 do mês Abril de 2002, e nos dias 20 dos meses subsequentes, até dia 20 de Janeiro de 2007,
K) E apenas em 24/8/2010 é que o Reclamante terá vindo requerer o pagamento da divida em 36 prestações à Reclamada segundo o facto provado em 3 da Sentença,
L) Portanto, nos termos do enquadramento e fundamentação apresentados pela Sentença, a prescrição verificou-se quanto às alegadas dívidas entre 03/2002 e 08/2005 da Reclamada.
M) Em lado algum é demonstrado e dado como provado quando é terá sido feita a citação do Reclamante Executado, sendo que em 10/05/2007, no facto provado 1) apenas se extrai a instauração dos autos em 10/05/2007,
N) Em 10/05/2007, alegada data da instauração do processo, já estariam prescritas as dívidas entre 03/2002 e 05/2002,
O) E apenas em 24/8/2010 é que o Reclamante terá vindo requerer o pagamento da divida em 36 prestações à Reclamada segundo o facto provado em 3 da Sentença,
P) Com a vigência da Lei nº 17/00, de 8 de Agosto (Bases do Sistema de Segurança Social), que entrou em vigor 180 dias após a data da sua publicação (art.119º), ou seja, em 8/02/01, o prazo de prescrição foi reduzido para 5 anos (art. 63º nº 2), prazo esse que se manteve com a nova Lei de Bases do Sistema de Segurança Social instituída pela Lei nº 32/02 de 20 de Dezembro, (e da L 4/2007 de 16 de Janeiro), e no art.º 187.º, n.º 1 da Lei 110/2009, de 16/9, (Código do Regime Contributivo)
Q) Decorre dos artigos 48.º e 49.º da LGT as causas de interrupção e suspensão previstas, sem citação e com o facto provado em 3 da Sentença com data de 24/08/2010.
R) Pelo que estamos perante o fundamento para a procedência da reclamação nos termos do art.º 276.º e ss. Do Código de Processo Civil.
S) Assim, deverá ser revogada a Sentença e substituída por outra que julgue a prescrição verificada, pelo decurso do prazo de 5 anos, quanto às alegadas dívidas entre 03/2002 e 08/2005 da Reclamada.
Nestes e nos melhores de direito, que V.ª Exªs. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, quanto às nulidades, factos, erro de julgamento e, consequentemente, ser a reclamação julgada provada e procedente com o decurso do prazo de 5 anos da prescrição das alegadas dívidas entre 03/2002 e 08/2005 da Reclamada.».

1.3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

1.4. A DMMP teve vista dos autos e emitiu parecer, concluindo que o recurso deve improceder.

1.5. Notificado o Reclamante para juntar aos autos cópia do requerimento que submeteu ao OEF em dezembro de 2022 a invocar a prescrição das dívidas exequendas, do despacho que o indeferiu (pois nenhum deles se encontra nestes autos) e da p.i. de reclamação correspondente, com comprovativo da data da sua apresentação junto do OEF, este correspondeu ao solicitado.

1.6. A Recorrente não se pronunciou sobre os documentos apresentados.

1.7. Os autos foram com vista do DMMP que emitiu novo parecer, suscitando, a título prévio, a questão de falta de fixação do valor da causa e, no mais, concluindo que o recurso não merece ser provido.

1.8. Tendo-se constatado que, por lapso do OEF, a p.i. remetida ao Tribunal e ali apreciada não foi a que, efetivamente, fora apresentada pelo Recorrente, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a ocorrência de nulidade processual.

1.9. O Recorrente pronunciou-se, concluindo que «Deve(…) a mesma ser procedente e o processo regressar à 1ª Instância para ali ser ordenada ao OEF a junção da p.i. apresentada pelo Executado em 2.03.2023, acompanhada de todos os actos que a antecederam e da informação prevista no art.º 208º do CPPT para os demais trâmites posteriores serem prosseguidos.».

1.10. Por seu turno, o IGFSS, IP, Secção de Processo de ..., admitindo a petição inicial é a mesma nos processos nº 64/22.6BEMDL e 119/23.0BEMDL, esclarece que, no entanto, toda a restante documentação que seguiu para o Tribunal dizia respeito à Reclamação que o executado apresentou no OEF, cujo objeto é o despacho da Senhora Coordenadora da Secção de Processos de ..., a indeferir o pedido de prescrição que o mesmo remeteu aos Processos de Execução Fiscal, assim como a própria resposta/contestação apresentada nos autos é referente à Reclamação do ato de indeferimento do pedido de prescrição, facto que se explica porque a mandatária ao contestar tem na sua posse a petição inicial, correta, que deu entrada no OEF. Entende, por isso, que ainda que através da figura da ampliação do pedido, a pretensão do reclamante, ou seja, a apreciação da prescrição, foi decidida na Sentença. Conclui, assim, que a remessa dos autos à primeira instância, para repetição de todos os atos praticados no processo, parece colidir com o principio de economia processual, pois tratar-se-á, efetivamente, da repetição de atos já praticados e cujo desfecho será exatamente o mesmo que já existe, isto é, decidir novamente sobre a questão da prescrição das dividas à Segurança Social, pelo executado «AA» e objeto do Processo executivo ...07 e apensos.

1.11. Os autos foram, de novo com vista ao DMMP que declarou nada ter a opor, sem prejuízo da questão prévia que anteriormente suscitou.
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia e de erro de julgamento.
Previamente, porém, cumpre fixar o valor da causa e apreciar se ocorre a nulidade processual oficiosamente suscitada.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Factos provados:
1. Em 10/5/2007, ao Executado/Reclamante, foram instaurados os processos executivos n.º ...07 e apensos, por dividas à segurança Social, na qualidade de trabalhador independente, referentes ao período: 3/2002 a 12/2006 – docs 2 a 8 do PEF;
2. Não tendo sido paga a quantia em divida, nem deduzida oposição, os processos foram tramitados para a fase de penhora, tendo sido ordenada penhora de veículo automóvel em 17/6/2009. - Documento de fls. 9 do PEF;
3. Em 24/8/2010 o executado veio requerer o pagamento da divida em 36 prestações, tendo-lhe sido deferido - Documento de fls.15 a 21 do PEF;
4. Após o pagamento da primeira prestação, foi levantada a penhora do veículo e desde aí o executado não procedeu ao pagamento de mais nenhuma prestação, tendo então o plano prestacional vindo a ser rescindido por incumprimento em 7/4/2011. - Documento de fls. 13 do PEF;
5. Em 5/4/2011 procedeu-se à penhora do prédio urbano inscrito na matriz ...94, conforme apresentação ...95, a qual lhe foi oportunamente notificada - - Documento de fls. 27 a 38 do PEF;
6. Em 20/12/2016, na sequência de penhoras que lhe foram ordenadas, veio o executado novamente requerer o pagamento em prestações, requerimento deferido em 28/12/2016 e rescindido em 4/8/2017, por incumprimento - Documento de página 91 a 99 (paginação eletrónica);
7. Voltou a requerer e a serem-lhe deferidos planos prestacionais em 23/8/2017 e 30/1/2018, os quais também não foram cumpridos. -Documento de página 101 a 115 (paginação eletrónica);
8. O último plano prestacional foi rescindido em 30/9/2018, por incumprimento e desde então, em consequência do incumprimento reiterado dos planos prestacionais o executado foi objeto de penhoras, bancárias, de vencimento e outras;
9. Na sequência da penhora de vencimento ordenada em 26/5/2021 o executado/reclamante veio novamente requerer acordo de pagamento em prestações em 20/7/2021, tendo-lhe este sido autorizado em 5/8/2021, para iniciar em setembro. –Doc. 2 da PI;
10.Em 13/9/2021 procedeu ao pagamento da 1.ª prestação do acordo de pagamento em prestações e 25/10/2021 foi ordenado o levantamento de todas as penhoras, no caso das bancárias com transferência dos valores cativos. -Documento de página 147 (paginação eletrónica);
11.Na sequência das penhoras referidas, nomeadamente a de vencimento, o executado apresentou em 2021 reclamação judicial, nos termos do artigo 276.º do CPPT, pedindo o levantamento imediato das penhoras e a restituição dos valores penhorados, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: “Nestes termos e nos melhores de direito aplicável, o Executado reclama a V. Exa. ao abrigo dos art.ºs 276.º e ss. do CPPT, quanto aos Processos executivos nºs ...07 e Apensos, pendentes na Secção de Processo Executivo de ..., as referidas penhoras de vencimento de Julho, Agosto e Setembro de 2021 são absolutamente ilegais nos termos do Decreto-Lei n.º 42/2001 de 9 de Fevereiro e do Código de Procedimento e Processo Tributário e do art.º 194.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social aprovado pela Lei n.º 110/2009 de 16 de Setembro com as diversas alterações (cfr. Documentos nºs 3 e 4) e requer que seja proferida decisão quanto aos actos ilegais ser revogados/anulados e os valores penhorados no vencimento do Executado entre Julho e Setembro de 2021 ser reembolsados e devolvidos a este
12. A reclamação (Facto anterior) correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, Proc. N.º 64/22.6 BEMDL, e que aqui integralmente se reproduz– Cfr. cópia da sentença de fls. 48 a 52 dos processo fisico;
13.A decisão foi objecto de recurso para o TCAN, cujo acórdão aqui se reproduz, com o seguinte destaque: “Assim, comprovado que está nos autos a anterioridade das penhoras de vencimento reportadas a julho e agosto ao deferimento do pagamento em prestações e da data a que esse mesmo despacho fixa para o seu início, mês de setembro, foram-no antes da suspensão do processo de execução e apensos, em conformidade com o decidido pelo tribunal a quo. A suspensão dos processos executivo e apensos em questão nos autos, depende tão só como se refere no artigo 194º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social da decisão de autorização do pagamento da dívida em prestações, que como vimos ocorreu em agosto com efeitos a setembro, assiste, pois, razão ao Recorrente no que concerne a penhora do mês de setembro os processos executivos já estavam suspensos. Pelo exposto, carece de razão o Recorrente quanto às penhoras de vencimento do mês de julho e agosto, mantendo-se a sentença nessa parte, no entanto incorre a mesma em erro de julgamento quanto à penhora do mês de setembro, pelo que nesse segmento se revoga a sentença e se julga procedente a reclamação quanto a esse preciso segmento // Conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que decidiu pela legalidade da penhora de vencimento do mês de setembro de 2021; e, b) Consequentemente julgar procedente a reclamação quanto a penhora de vencimento do mês de setembro de 2021
14. O acórdão do TCAN ( facto anterior) já transitou em julgado – cfr, proc. no SITAF;
15.Apesar de estar a cumprir o último acordo celebrado de pagamento em prestações, em dezembro de 2022 o executado/reclamante veio invocar a prescrição das dividas em execução, por falta de citação, requerendo a extinção dos processos por prescrição. -Documento de página 152 a 154 (paginação eletrónica);
16.Requerimento este que lhe foi indeferido - Documento de página 158 a 160 (paginação eletrónica);».

3.1.2. Aditamento à matéria de facto
Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º do Código de Processo Civil, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto provada:
17. Contra o despacho de 20.02.2023 que indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas exequendas, foi apresentada reclamação, nos termos do artigo 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conforme p.i. junta aos autos em 26.09.2023 – cfr. pp. 274 e seguintes do sitaf.
*
Estabilizada nestes termos a decisão em matéria de facto, avancemos na apreciação jurídica deste recurso.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do valor do processo
De acordo com o disposto no artigo 306º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. E, de acordo com o nº 3 do mesmo artigo, se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho referido no artigo 641º.
No caso que nos ocupa, não foi fixado o valor da causa nem na sentença, nem no despacho que apreciou o requerimento de interposição de recurso, sendo certo que nenhuma das partes arguiu a nulidade por omissão de pronúncia quanto ao valor causa.
Como se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.09.2020, proferido no processo nº 146/09.0TYVNG-E.P1 e disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/604f1df5e5f9805b80258626005b2ce5: « Se o tribunal de primeira instância não fixou o valor da ação no despacho saneador, na sentença ou no despacho que admite o recurso e nenhuma das partes arguiu oportunamente a nulidade da sentença por omitir tal fixação, considera-se sanado o eventual vício de omissão de fixação do valor da causa e, para todos os efeitos legais, subsiste como valor da causa o valor inicialmente indicado pelo autor.».
Afigurando-se ser de acompanhar esta jurisprudência, uma vez que na p.i. apreciada pelo Tribunal de 1ª instância vem indicado o valor de 7.505,37€, para já, vamos atribuir à presente causa aquele valor.

3.2.2. Da nulidade processual
Conforme decorre do que já vem exposto e é aceite pelas partes, o ora Recorrido remeteu, por lapso, ao Tribunal de 1ª instância a p.i. apresentada contra um ato de penhora, que havia dado origem a outro processo de reclamação, já decidido, com transito em julgado, por Acórdão deste TCAN.
Tal p.i. acabou por ser a analisada na sentença aqui recorrida, que considerou verificada a exceção de caso julgado.
Pese embora, como o Recorrido bem refere, a sentença também haja emitido pronúncia sobre a prescrição que, na pendência destes autos, o Recorrente referiu ter arguido junto do PEF, o certo é que a p.i. aludida no ponto 17 do probatório (por nós aditado) não foi objeto de análise.
Ora, como se sabe, é na p.i. que se define o pedido (tutela pretendida pelo autor) e a causa de pedir (factos constitutivos do direito a que o autor se arroga), ambas essenciais para averiguar da existência de caso julgado. É também com base nela que se determina a competência do Tribunal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.11.2013, rec. 2696/09.9TBBCL.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/DF5436BE5EEF006D80257C43003FAF6C), o valor da causa, a propriedade do meio processual empregue e se definem os poderes de cognição do Tribunal, pois este deve apreciar apenas as questões suscitadas pelas partes, bem como as que forem do seu conhecimento oficioso.
É certo que a sentença recorrida também se pronunciou sobre a questão da prescrição, que era abordada na p.i. com base na qual o processo judicial de reclamação devia ter sido autuado, e também é do conhecimento oficioso; no entanto, ressalvado o respeito devido por diferente entendimento, não se nos afigura possível considerar regular uma instância sem a petição inicial que a devia instruir.
Não nos vamos ocupar com as possíveis consequências, processuais e/ou extraprocessuais, de uma tal irregularidade, pois esta contraria os mais elementares princípios do processo civil – onde, de resto, uma situação similar nunca poderia sequer ocorrer.
Precisamente por ser um caso estranho ao processo civil, não existe regulamentação que especificamente o trate; daí que se nos afigure ocorrer uma nulidade processual atípica, uma vez que há um patente desvio ao formalismo processual legalmente prescrito, com influência no exame e decisão da causa - artigo 195º do Código de Processo Civil.
Esta nulidade implica a anulação de todos os atos já praticados, por o terem sido com referência a uma p.i. que não é a deste processo, com exceção da sua autuação no Tribunal de 1ª instância, pois nada obsta a que esta seja aproveitada. É que, como a Recorrida referiu, a informação prestada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 208º do Código de Procedimento e de Processo Tributário versa sobre a alegada prescrição das dívidas exequendas, afigurando-se que os autos reúnem a prova documental necessária à apreciação da causa.
Assim, devem declarar-se nulos todos os atos posteriores à autuação da presente reclamação no Tribunal, devendo este determinar o prosseguimento dos autos, considerando a p.i. apresentada pela Recorrente em 02.03.2023 e junta aos autos 26.09.2023, se a tanto nada mais obstar.

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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - É na p.i. que se define o pedido (tutela pretendida pelo autor) e a causa de pedir (factos constitutivos do direito a que o autor se arroga), ambas essenciais para averiguar da existência de caso julgado. É também com base nela que se determina a competência do Tribunal, o valor da causa, a propriedade do meio processual empregue e se definem os poderes de cognição do Tribunal, que são limitados às questões suscitadas pelas partes e às que forem do seu conhecimento oficioso.
II – No caso, uma vez que a p.i. apreciada nos autos respeita a outra reclamação (remetida ao Tribunal por lapso do OEF), apesar de a sentença recorrida também se ter pronunciado sobre a questão da prescrição (que era abordada na p.i. com base na qual o processo judicial de reclamação devia ter sido autuado e também é do conhecimento oficioso), não é possível considerar regular uma instância sem a petição inicial que a devia instruir, pois tal irregularidade contraria os elementares princípios do processo civil – onde, de resto, uma situação similar nunca poderia sequer ocorrer.
III - Precisamente por ser um caso estranho ao processo civil, não existe regulamentação que especificamente o trate; daí que ocorra uma nulidade processual atípica, por ser patente o desvio ao formalismo processual legalmente prescrito, com influência no exame e decisão da causa - artigo 195º do Código de Processo Civil.
IV - Esta nulidade implica a anulação de todos os atos já praticados, por o terem sido com referência a uma p.i. que não é a deste processo, com exceção da autuação no Tribunal de 1ª instância, pois nada obsta a que esta seja aproveitada, já que, como a Recorrida referiu, a informação prestada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 208º do Código de Procedimento e de Processo Tributário versa sobre a alegada prescrição das dívidas exequendas, afigurando-se que os autos reúnem a prova documental necessária à apreciação da causa.


4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e julgar verificada a nulidade processual oficiosamente suscitada, com a consequente anulação de todo o processado após a autuação no Tribunal a quo, devendo os autos prosseguir considerando a p.i. apresentada pela Recorrente em 02.03.2023 e junta aos autos 26.09.2023, se a tanto nada mais obstar.

Custas a cargo do Recorrido, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 11 de janeiro de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta