Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
146/09.0TYVNG-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: VALOR DA CAUSA
FIXAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
SANAÇÃO DA NULIDADE
Nº do Documento: RP20200924146/09.0TYVNG-E.P1
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Se o tribunal de primeira instância não fixou o valor da ação no despacho saneador, na sentença ou no despacho que admite o recurso e nenhuma das partes arguiu oportunamente a nulidade da sentença por omitir tal fixação, considera-se sanado o eventual vício de omissão de fixação do valor da causa e, para todos os efeitos legais, subsiste como valor da causa o valor inicialmente indicado pelo autor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 146/09.0TYVNG-E.P1

Sumário do acórdão elaborado pela relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

A presente ação de impugnação de resolução foi intentada a 06/01/2010 pelo B…, S.A., contra a Massa Insolvente de C…, Lda, atribuindo o A. à ação o valor de € 1.250.000,00.
A 18.10.2011, foi proferido despacho saneador que não fixou valor à ação.
A 12.12.2016, as partes juntaram aos autos transação, na qual prescindiram do prazo de recurso.
Tal transacção foi homologada por sentença de 14.12.2016, ato do qual não foi apresentado recurso.
Foi elaborada a conta de custas da responsabilidade da Ré a 17.8.2017 e da responsabilidade da Autora a 18.10.2017.
A Autora foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais.
A 30.10.2017, a Autora veio aos autos requerer a dispensa do pagamento do remanescente a taxa de justiça.
Por decisão proferida a 31.5.2019, tal pretensão foi indeferida por não ter sido requerida até ao momento da elaboração da conta.
Notificada desta decisão por ofício expedido a 14.6.2019, a Autora dela não interpôs recurso, antes requereu a anulação da conta de custas da responsabilidade da Ré, suscitando a nulidade da falta de citação da habilitada “D…” e a inaplicabilidade da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe foi dada pelo art. 2.º do Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, o que foi indeferido por despacho que considerou que a sentença de habilitação transitou em julgado após a elaboração da conta de custas, que se mantém na responsabilidade da Autora e por não ter requerido atempadamente a reforma da conta.
Notificado deste despacho e para proceder ao pagamento da conta, por ofício expedido a 17.1.2020, a Autora apresentou a 28.1.2020 novo requerimento, invocando a nulidade da sentença homologatória, por não ter fixado o valor à causa (que considera ser de € 70.000,00 em razão da utilidade económica da ação), e requerendo a sua fixação neste valor e a reformulação da conta de custas da sua responsabilidade em conformidade.
E, a 4.2.2020, a Autora veio reclamar da conta de custas, arguindo a nulidade da notificação de 18.8.2017 para efeitos do disposto no art. 14.º, n.º 9, do R.C.P., por entender que tal notificação devia vir acompanhada da conta de custas da sua responsabilidade e da guia de pagamento, a nulidade por falta de fixação de valor à ação na sentença homologatória, a aplicabilidade do art. 6.º, n.º 6, da Tabela I do Regulamento das Custas Processuais na redação do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro e a tempestividade do pedido subsidiário de dispensa do pagamento do remanescente.
Sobre este requerimento recaiu despacho do seguinte teor:
Prossigam os termos desta pendência por relação aos transactos requerimentos da lavra do B…, S.A. (e consequente informação da secretaria a tal propósito):
Uma vez sindicados os termos documentais constantes no pleito a tal relativo, sou a constatar (mormente por relação ao expendido pela Exma. Senhora Escrivã na sua compreensiva e bem elaborada informação que promana de fls.438) que a sobredita entidade bancária apenas foi utilmente notificada da questionada conta de custas no passado dia 17 de Janeiro de 2020,daqui brotando que com a materialização de tal acto se iniciou o termo inicial para a tomada de posição do B…, S.A. quanto a tal particular.
Desta adjectiva circunstância brota que a arguição/oposição apresentada pelo B…, S.A. a 28 de Janeiro de 2020 (cfr. ref . nº 249417788 e subsequente –conectado – requerimento da sua lavra apresentado a 4 de Fevereiro do corrente ano) deve ser havida como tempestiva, cumprindo, pois, tomar jurisdicional posição sobre a peticionada nulidade (parcial) da prolactada sentença homologatória de transacção no que ao segmento da fixação do valor da acção concerne (cfr. o art.306º nº2 do CPC).
Nesta sede, será de levar em cogitação a útil conjugação do preceituado no sobredito normativo e no art-296º nº1 do mesmo diploma (vd. o critério da utilidade económica do pedido aplicável ao caso “sub judice” na esteira da leitura que faço do expendido no D. Acordão da Relação de Lisboa, datado de 12/03/2013 e proferido no âmbito do processo nº 82/12.YHLSB – A.LI-7,dgsi.net, bem como do D. Acordão do Colendo S.T.J. datado de 4 de Março de 2004, no processo nº 03B3646 (dgsi.net) sou a propender para o entendimento segundo o qual (em sede de valor adequado à tributação do homologado contrato -cfr. o art.1248º do Código Civil) – e na supressão útil da omissão de pronúncia no que a tal segmento da causa tange - o valor em crise deve ser fixado no montante de 70.000 € (setenta mil euro –cfr . fls. 381V e a sentença homologatória datada de 14 de Dezembro de 2016-vd. fl.384).
Como decorrência de tal, visto o presente (novel) quadro decisório que resultou da jurisdicional sindicância da arguida nulidade procedimental (e o disposto nos art.614º/615º nºnº1 d), ambos do C.P. Civil), julgo ora como sem efeito jurídico útil a conta de custas em causa neste decisório (e que imputou ao B…, S.A o pagamento de 12.718,38€ e à massa insolvente de 13.942,28 €), no remanescente deferindo o peticionado pelo B…, S.A. à luz do estatuído no art.6º nº6 da Tabela I do Regulamento das Custas Processuais na redacção que lhe foi dada pelo Dl. Nº 34/2008,de 26 de Fevereiro), por consideração – reitero -da latente ausência de complexidade do presente processo e visto o mesmo ter terminado por contrato de transacção.

Deste despacho recorre o MP visando a sua revogação o indeferimento da pretensão que o A. apresentou a 28.1.2020.
Para tanto, expendeu diversos argumentos que assim sintetizou nas suas conclusões:
1.ª - O presente recurso tem por objeto o despacho proferido a 22/05/2020 que incidiu sobre o requerido pelo Autor B…, S.A. no seu requerimento de 28/01/2020 (Referência 249417788) e fixou valor à causa, julgando sem efeito útil a conta de custas da sua responsabilidade e deferiu a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
2.ª – A 14/12/2016 foi proferida sentença homologatória da transação alcançada entre as partes e a 31/05/2019 foi proferida decisão que julgou extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela Autora, ora recorrida.
3.ª – Da sentença homologatória da transação e da decisão que indeferiu a peticionada dispensa do pagamento da taxa de justiça não foram interpostos recursos, pelo que transitaram em julgado.
4.ª - Na petição inicial a Autora, ora recorria, atribuiu o valor à ação de € 1.250.000,00.
5.ª - A sentença proferida a 14/02/2016 homologou o termo de transação com o qual as partes puseram termo ao litígio, incluindo quanto a custas, nada dizendo sobre o valor da causa, tendo dela sido notificadas as partes, que não interpuseram recurso.
6.ª - Nos termos do art.º 615º, nº 4, do Código de Processo, Civil, a nulidade de falta de pronúncia do juiz sobre questão que devesse apreciar prevista na alínea d) do nº 1 da mesma norma só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário.
7.ª - A sentença admitia recurso ordinário, mas de tal faculdade as partes prescindiram. Não tendo o valor da ação sido atualizado na sentença homologatória, subsiste o valor inicialmente indicado pela Autora.
8.ª - Assim, o valor a atender para efeitos de elaboração da conta deveria ter sido, como aliás foi, o valor inicialmente indicado pela Autora - € 1.250.000,00.
9.ª - A secção notificou a Autora nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 14º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais por ofício expedido a 18/08/2017 e esta requereu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a 30/10/2017.
10.ª - O tribunal considerou, com os fundamentos que constam da decisão proferida a 31/05/2019, em conformidade com a posição maioritariamente seguida pela jurisprudência (entre a qual a do Supremo Tribunal de Justiça, por acórdãos de 13/07/2017, 03/10/2017, 22/05/2018, 24/05/2018, 11/10/2018, 23/10/2018, 8/11/2018, 11/12/2018, 26/02/2018 e 24/10/2019, in www.dgsi.pt), que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente só pode ser formulado até à elaboração da conta.
11.ª - O pedido de dispensa do remanescente apresentado pela Autora foi, assim, indeferido, o que foi notificado à Autora por ofício expedido a 14/06/2019 sem que dessa decisão tenha sido interposto recurso.
12.ª - A notificação para pagamento do remanescente da taxa de justiça remetida à Autora, estriba-se numa decisão prévia, judicial, com a qual as partes se conformaram.
13.ª - Não tendo o tribunal oficiosamente, ao abrigo do art.º 6º, nº 7, de forma fundamentada dispensado o pagamento do remanescente, e cabendo ao tribunal conhecer da dispensa em decisão anterior à remessa dos autos à conta, cabe também às partes suscitar a apreciação dessa questão em igual período para que a elaboração da conta se reflita em conformidade.
14 ª - Com o trânsito em julgado da referida decisão, tornou-se certo e exigível o pagamento do remanescente da taxa de justiça. E o valor da responsabilidade da Autora pelas custas relativas ao remanescente da taxa de justiça ainda não paga em ação de valor superior a € 275 000 resultam de simples cálculo aritmético (artigo 6º. do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I a ele anexa), conhecendo esta o valor do processo e da taxa de justiça paga.
15.ª - O art.º 628º do Código de Processo Civil determina que “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
16.ª - A figura do trânsito em julgado é imposta, sobretudo, por razões de certeza e segurança nas relações jurídicas.
17.ª - O referido preceito visa, assim, determinar, com rigor, o momento a partir do qual transita em julgado uma decisão judicial, isto é, quando essa decisão se torna, para o mundo jurídico, definitiva.
18.ª - De tal normativo resulta que uma decisão judicial só possa considerar-se transitada em julgado depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição do recurso ou, não sendo admissível, para a arguição de nulidades ou dedução do incidente de reforma. Contudo, conforme discorre o conselheiro Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 30”), “importa diferenciar os casos em que a decisão é ou não passível de recurso ordinário:
a) Quando é susceptível de recurso ordinário, o trânsito em julgado depende, em primeiro lugar, do facto de se encontrarem esgotadas as possibilidades de interposição desse recurso em cujas alegações deve ser integrada a arguição de nulidades da sentença ou a reforma quanto a custas e multa (arts. 615º, nº. 4, e 616º, nº. 3)
b) Quando seja insusceptível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos dos arts. 615º, nº. 4, e 616º (e dos arts. 666º e 685º quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respetivamente).
19.ª - A admitir-se que, pela via da reforma da conta de custas, se possa alterar duas decisões transitadas em julgado, como foi o caso dos autos, é contrária à lei e ofende a certeza e segurança nas relações jurídicas.
20.ª - Não podia o tribunal recorrido, perante a reclamação da conta de custas, que se destina apenas a apreciar da sua harmonia com as disposições legais, em conformidade com o disposto no art.º 31º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais, ou seja, a verificar se existem erros materiais, de acordo com os critérios definidos no seu art.º 30º, nº 3, proceder à alteração da sentença homologatória há muito transitada em julgado e à decisão que indeferiu a requerida dispensa do pagamento da taxa de justiça.
21.ª - A conta de custas da responsabilidade da Autora obedece aos parâmetros fixados no art.º 30º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais e em conformidade com o valor da causa atribuído na petição inicial pela Autora, taxa de justiça paga e demais parâmetros ali fixados.
22.ª – A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 615º, nº 1, alínea d) e 4, 628.º e 616º do Código de Processo Civil e os art.ºs 6º, nº 7, 14º, nº 9, 30º, nº 3 e 31º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais.
23º - Deve, em conformidade, a decisão recorrida ser substituída por outra que, considerando o trânsito em julgado da sentença homologatória e da decisão que indeferiu a dispensa do pagamento da taxa de justiça, indeferir o requerimento apresentado pela Autora a 28/01/2020 e manter a conta de custas nos seus precisos termos.

Contra-alegou o A., pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

O recurso foi recebido nos termos legais e, já nesta Relação, os autos correram Vistos.

Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil:
a) Fixação do valor da ação conforme requerimento apresentado pelo A. a 28.1.2020, por ter sido apenas neste segmento impugnado o despacho recorrido.
Não é, pois, objeto de recurso qualquer segmento decisório que tenha a ver com outros requerimentos da A, mormente o de fls. 428 v.º e ss (reclamação de conta de custas, de 4.2.2020, uma vez que o despacho recorrido apenas se quedou na questão da nulidade da sentença homologatória quanto à fixação do valor da ação.

Fundamentação de facto
Os factos que interessam à decisão de fundo são os correspondentes ao iter processual e que acima ficaram descritos.

Fundamentação de Direito
O despacho recorrido responde à pretensão da A. formulada em requerimento de fls. 420 e ss., no qual se considerou constituir nulidade a omissão, na sentença, da fixação do valor da ação, conforme decorreria do disposto no art. 615.º, n.º1 al. d) CPC.
Diz a A. que como não tem possibilidade de recorrer da sentença, pode invocar a nulidade perante o tribunal (art. 615.º, n.º4).
Ora, dispõe o art. 615.º, n.º1 al. d) CPC que constituiu nulidade a omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser conhecidas.
Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 306.º CPC: 1 - Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
2 - O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.
3 - Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho referido no artigo 641.º.
Do preceituado neste normativo decorre que o valor da ação é fixado pelo juiz.
As partes têm obrigação de indicar o valor que atribuem à causa.
O valor deve ser fixado no despacho saneador, quando o haja.
O valor é fixado na sentença nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.
Se houver recurso antes de fixado o valor da ação, o juiz deve fixá-lo no despacho que incida sobre o requerimento de recurso.
No caso dos autos, o valor não foi fixado no despacho saneador, como devia.
Sendo assim, a nulidade por omissão de pronúncia ocorreria naquele momento e não na sentença que, mais tarde, incidiu sobre a transacção.
De modo que cabia às partes, então, no prazo legal de 10 dias, querendo, arguir a nulidade em apreço[1].
Com efeito, ao contrário do que pretende a A., o momento próprio para fixar o valor da ação é no despacho saneador e não depois. Para fixação em sentença relegam-se os casos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.
Quer isto dizer que no processo em apreço foi omitida pronúncia quanto ao valor da ação aquando da prolação do despacho saneador mas, nessa altura, não foi arguida qualquer nulidade, logo a questão não poderia mais ser colocada e isto porque a sentença não é o local próprio para o fazer.
Admita-se, contudo, que, ainda assim, seria possível levantar a questão omitida – a do valor – agora em sede de sentença (e, como vimos, não é isso que o art. 306.º estipula), não podendo a parte recorrer da sentença, o que fazer nesse caso?
Mais uma vez, aqui, tratando-se de nulidade da sentença (o que não consideramos), caberia à parte impugnar o ato, apodando-o de nulo, por omissão de pronúncia quanto ao valor da causa.
Quando fazê-lo?
Exatamente no mesmo prazo que a lei lhe confere para a reclamação de quaisquer outras nulidades, isto é, no prazo de 10 dias após notificação da sentença (art. 149.º CPC).
A sentença dos autos data de 14.12.2016 e a arguição de nulidade foi apresentada mais de três anos depois.
Quer isto dizer que é extemporânea tal arguição de nulidade que, por isso, deveria ter sido indeferida.
Por outro lado, o art. 616.º CPC permitia, neste caso, a reforma da sentença, a requerimento da parte, o que não sucedeu.
Com isto, estava o juiz impedido motu propriu de, volvido tal lapso de tempo sobre a sentença e já elaborada a conta de custas, decidir oficiosamente sobre tal nulidade?
Salvo o devido respeito, a resposta não poderá deixar de ser positiva.
O que a lei, no art. 306.º CPC obriga o juiz a fazer é a fixar o valor no despacho saneador, devendo fazê-lo na sentença, nos casos ali previstos, e ainda prevendo uma outra válvula de escape quando não tenha ainda sido fixado o valor e que é no despacho que recebe o recurso. Não se prevê que, transitada a sentença, e já depois de elaborada a conta de custas, o juiz oficiosamente decida fixar o valor do processo e alterar tudo quanto as partes, a tal respeito, disseram nos articulados quando procederam à indicação do valor da causa.
Mesmo a tratar-se de nulidade, não está previsto o seu conhecimento oficioso depois do trânsito em julgado da sentença (cfr. art. 196.º CPC), não se tratando do caso previsto no art. 613.º, nº 2, CPC, uma vez que aqui se não fala de esgotamento do poder jurisdicional (o art. 306.º permite exatamente ao juiz fixar o valor da ação depois de proferida a sentença), mas sim de caso julgado (arts. 619.º e 620.º CPC).
Não se trata, por isso, de nulidade insanável sem a qual se não pode proceder à elaboração de conta de custas
Neste sentido o ac. STJ, de 21.2.2019, Proc. 6645/11.6TBCSC-A.l1-A.S1, em cujo sumário se lê: “Se o Sr. Juiz, na sentença, resolveu não alterar o valor da causa que anteriormente fixara ou nada disse sobre o valor inicialmente indicado e nenhuma das partes entendeu necessária tal alteração, nem arguiu a nulidade da sentença por omitir tal alteração, considera-se sanado o eventual vício de omissão de actualização do valor da causa e para todos os efeitos legais, subsiste como valor da causa o anteriormente fixado (se tal tiver ocorrido) ou na falta de fixação em concreto o valor inicialmente indicado pelo autor”.
Claro que, como refere o recorrido, assim se renova o regime do anterior art. 315.º, na redação dada pelo DL 329-AA/95, de 12.12, deixando na disponibilidade das partes a indicação do valor da ação.
Porém, esse argumento não permite interpretação distinta da que agora ficou consignada, uma vez que isso só sucede quando, ultrapassadas todas as fases processuais, se verifica uma inércia de todos os sujeitos processuais quanto à questão da fixação do valor, o que acontecerá em casos muito residuais[2].
Do exposto, resulta a procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, julgando improcedente a nulidade invocada pelo A.
Custas pelo A.

Porto, 24.9.2020
Fernanda Almeida
António Eleutério
Maria José Simões
_______________
[1] Cfr. Ac. STJ, de 29.10.2015, Proc. 478/11.7TTVRL.G1-A.S1: Em regra, o valor da causa deve ser fixado no tribunal de 1ª instância. 2. Se o juiz não o fixar (no despacho saneador, na sentença ou no despacho que incida sobre o requerimento de interposição de recurso), deverá a parte nisso interessada arguir a correspondente nulidade, por omissão de pronúncia.
[2] Ainda que a decisão (implícita ou explícita) sobre o valor da causa tenha subjacente um erro de julgamento, resultante da circunstância de tal valor se encontrar em flagrante oposição com os critérios consagrados na lei para o determinar, tal decisão, na medida em que transite em julgado, tem força obrigatória dentro do processo, não se configurando qualquer nulidade. O valor assim fixado é, imodificavelmente, o que releva para efeitos de recurso, ainda que a condenação sentenciada lhe seja superior, cfr. Acórdãos de 29/10/1992 (Processo 082808) e de 13/01/05 (Processo 04B3696).