Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01454/08.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:IRS, MAIS-VALIAS, REGIME TRANSITÓRIO DE CATEGORIA G
Sumário:1- As mais-valias realizadas na alienação de prédios urbanos só estão sujeitas a tributação quando resultem de transmissão de bens que tenham sido adquiridos pelo transmitente depois da entrada em vigor do CIRS, ou seja, após 1 de Janeiro de 1989.

2- O critério determinante da aplicação do regime transitório previsto no n.º 1 do art.º 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 é o da qualificação do bem no momento da entrada em vigor do diploma legal (CIRS) e não o da sua posterior transmissão.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:F.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1 – RELATÓRIO

F., melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida no TAF do Porto em 19/10/2012, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada contra a liquidação de IRS do ano de 2005, no valor de €42.887,15, dela vem interpor recurso finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
I – Inconformado com a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual julgou improcedente a impugnação, e com a mesma não se podendo conformar, vem o recorrente interpor recurso para o presente Tribunal;
II – Porquanto - salvo o devido e merecido respeito, que é muito - mal andou o Tribunal recorrido;
III – Na medida em que, conforme decorre dos autos, o prédio urbano, composto por uma casa com dois pisos, inscrito na matriz sob o artigo 1938, da freguesia de (...), concelho de (...), adveio à posse do recorrente em dois distintos momentos, a saber:
. em 22 de Fevereiro de 1985, aquele adquiriu 25 % relativos à partilha resultante do óbito de seu pai, transitada em julgado em 24/3/1985; e,
. em 14 de Março de 2000, coube-lhe 8,33 % do aludido prédio devido ao falecimento do seu irmão, J.;
IV – Atendendo a que 8,33 % do prédio sub judice advieram às suas propriedade e posse após a entrada em vigor do Código de I.R.S., o recorrente aceita a tributação dos rendimentos correspondentes àquela percentagem a título de mais valias;
V – Porém, não se pode conformar com a incidência de mais valias sobre os 25 % do prédio urbano adquirido em 1985;
VI – Reiterando-se que o recorrente adquiriu a quota-parte do prédio em apreço em 06/02/1985, por partilhas homologadas por douto despacho de 25/02/1985, transitado em julgado em 24/03/1985, no âmbito do processo de inventário obrigatório que correu seus termos pelo 6.º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Porto;
VII – Após a aquisição pelo recorrente da mencionada quota-parte, mais concretamente no ano de 2003, por imposição da Câmara Municipal de (...), foi demolida a habitação implantada no prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1983, da freguesia de (...), concelho de (...);
VIII – Havendo o recorrente, conjuntamente com os demais comproprietários, solicitado, nesse mesmo ano de 2003, o destaque da área de 974 m2;
IX – Facto que originou a criação de dois prédios urbanos, compostos por terrenos destinados à construção, os quais foram inscritos nas respectivas matrizes prediais sob os nºs 3323 e 1490;
X – Compulsada a sentença ora em crise, constata-se, em suma, que o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” considerou que a operação de destaque fez surgir duas realidades económico-jurídicas distintas do prédio originário, concluindo pela tributação de mais valias em sede de IRS;
XI – Sempre salvo o devido respeito, não perfilhamos do mesmo entendimento;
XII – Encontramo-nos perante um facto tributário de formação sucessiva, integrado por dois momentos: a aquisição e a transmissão;
XIII – No que concerne a aquisição, resultou dos factos dados por provados, designadamente sob a alínea D), que o predito prédio foi adjudicado ao recorrente e aos irmãos deste, M., M. e J., em partes iguais, por partilha no predito inventário obrigatório realizado a 6 de Fevereiro de 1985;
XIV – Donde resultou que, ao recorrente couberam 25 % do referenciado prédio;
XV – Estabelecendo o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, um “Regime transitório da categoria G”, designadamente: “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código ” (sublinhado nosso);
XVI – Sendo certo que, o Código do Imposto de Mais Valias apenas previa a tributação no caso de “transmissão onerosa de terreno para construção ”, nos termos do preceituado no seu artigo 10.º, n.º 1;
XVII – Dispondo o n.º 2 daquele dispositivo legal que se consideram terrenos para construção aqueles situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo;
XVIII – Dúvidas não subsistindo que, aquando da aquisição pelo recorrente da respectiva quota-parte sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1938, da freguesia de (...), concelho de (...), o qual era composto por uma casa com dois pisos, não se encontrava sujeito a tributação nos termos do Código do Imposto sobre Mais Valias;
XIX – Aliás, diga-se que, em 01 de Janeiro de 1989, data de entrada em vigor do CIRS, o prédio mantinha a mesma natureza/qualificação da descrita na data de aquisição pelo recorrente, atendendo a que a operação de destaque apenas foi efectuada no ano de 2003;
XX – Relativamente à transmissão, pese embora seja douto entendimento do Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo ” que o pedido de destaque do prédio em causa“ alterou forçosamente a natureza do prédio em questão”, constituindo “duas realidades económico-jurídicas distintas do prédio originário”, entendemos - com o devido e merecido respeito, que é muito - impor-se uma solução jurídica distinta;
XXI – Até porque é inequívoco que, aquando da entrada em vigor do CIRS, na eventualidade de haver uma transmissão, o prédio em questão não se encontrava sujeito a imposto, no tocante a mais valias;
XXII – Pelo que a tributação, ou não, em sede de IRS a título de mais-valias sempre deverá ser apreciada aquando da respectiva aquisição;
XXIII – Na medida em que, o critério determinante na aplicação do regime transitório de tributação de mais valias, previsto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 442-A/88, é a qualificação do bem no momento da entrada em vigor do diploma legal, e não o da sua posterior transmissão;
XXIV – Assim, para que a transmissão do terreno em análise fosse tributada em sede de IRS sempre seria necessário que, em momento anterior à entrada em vigor do CIRS (01/01/1989), aquele terreno revestisse a natureza de terreno para construção, o que, efectivamente, não sucedia;
XXV – Ademais, sempre se dirá que, no contexto de tributação de mais valias, não deverá atender-se à valorização que o prédio sofreu em virtude da transformação operada, vindo a qualificá-los como terrenos de construção;
XXVI – Ao determinar que a venda da percentagem de que o recorrente era proprietário se encontrava sujeita a tributação em sede de IRS – Mais Valias, o Tribunal “a quo” subordinou o seu regime a uma Lei que lhe não era aplicável, por não ser a Lei vigente à data da aquisição;
XXVII – Caso se pugnasse pela sustentabilidade de outra interpretação, sempre se estaria a aplicar retroactivamente a lei fiscal, o que, de resto, a Lei Geral Tributária proíbe, de acordo com o disposto no preceituado no artigo 12.º, n.º 1: “ As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos “;
XXVIII – Concluindo-se que, no caso sub judice, a demolição do prédio implantado sob o artigo 1983, ordenada pela competente Câmara Municipal, bem como a operação de destaque levada a cabo, não poderão, em momento algum ou de qualquer forma, prejudicar o recorrente, como sustenta o Tribunal recorrido;
XXIX – Como flui do vindo de expor, facilmente se intui que a douta sentença, ora em crise, interpretou e aplicou erroneamente o regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11;
XXX – Inquinando, assim, a liquidação adicional de IRS, atendendo à ilegalidade que lhe está subjacente, no respeitante à quota-parte adquirida antes de 01/01/1989;
XXXI – Havendo, em consequência, violado, de entre outras, as seguintes disposições legais:
Artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11;
Artigos 1.º e 10.º, n.º 1, do Código do Imposto de Mais Valias;
Artigo 12.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;
Artigos 515.º e 655.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil,
subsidiariamente aplicável; e,
Artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso sob juízo, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue procedente a impugnação judicial sub judice;
Assim se fazendo sã e inteira
JUSTIÇA !!!”
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A entidade Recorrida não apresentou contra-alegações
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A APRECIAR

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º, nº 3 e 4 e 639º, nº 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do art. 281º do CPPT), salvo questões de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2 in fine do CPC) consiste em saber se a sentença errou ao julgar sujeito a tributação em sede de IRS, a título de mais-valias, os ganhos resultantes da alienação em 2005 de prédio destacado de outro que em 01/01/1989 não era objecto de incidência, não lhe sendo aplicável o regime transitório de categoria G, previsto no nº 1 do art. 5º de DL nº 442-A/88 de 30/11, e se a interpretação deste preceito efectuada na sentença corrida contende ou não com o princípio da retroactividade fiscal, consagrado no artigo 12º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
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3. FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida considerou como provada a seguinte factualidade:

“A. O Impugnante declarou rendimentos da categoria G na declaração de IRS do ano de 2005, referentes à alienação de 33% de dois terrenos para construção pelos valores de € 77.941,33 (setenta e sete mil e novecentos e quarenta e um euros e trinta e três cêntimos) e € 133.333,33 (cento e trinta e três mil e trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos);

B. O prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o artigo 1938º fazia parte da relação de bens apresentada por M., na qualidade de cabeça de casal por óbito de S.;
C. Na referida relação de bens consta na verba nº 26 “prédio de dois pisos, sito na Avenida (…), freguesia de (...), concelho de (...), ainda não averbado à descrição nº 41.601 a fls. 60 do Livro B-107 e inscrito no artigo 1938 da matriz predial urbana respectiva com o valor matricial de um milhão e duzentos e sessenta mil escudos”;
D. A verba nº 26 foi adjudicada ao Impugnante, a M., M e a J. em partes iguais, por partilha no inventário obrigatório realizado a 6 de Fevereiro de 1985;
E. O prédio urbano inscrito no artigo 1938º da matriz predial urbana da freguesia de (...) foi demolido e foi solicitado o destacamento da área de 974 metros quadros;
F. Do destacamento referido em E), resultou a criação dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de (...) sob o artigo 3323º artigo 1490º;
G. Por escritura pública celebrada a 18 de Novembro de 2005, foi vendido pelo preço de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) o prédio urbano composto por terreno destinado à construção com a área de novecentos e setenta e quatro metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) sob o artigo 3323;

H. Por escritura pública celebrada a 30 de Março de 2005, foi vendido pelo preço de € 233.823,98 (duzentos e trinta e três mil e oitocentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos) o prédio urbano composto de terreno destinado a construção, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) sob o artigo 1490;
I. A 05 de Janeiro de 2007, o Impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual foi indeferida a 13 de Junho de 2008;
J. O Impugnante foi notificado do indeferimento a 25 de Junho de 2008;
K. Os presentes autos deram entrada a 04 de Julho de 2008.

Factos não provados:
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, nada mais se provou, nomeadamente, não se provou a data em que foi demolido a construção que se encontrava erigida no artigo 1938º e que essa demolição tenha sido ordenada pela Câmara Municipal de (...).

Fundamentação da matéria de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se exclusivamente com base nos documentos e informações constantes do processo.
Nenhuma referência nos factos considerados provados à alegada aquisição da quota de 8,33% por parte do adquirente por motivo do óbito de seu irmão, co-proprietário dos terrenos vendidos, atendendo que nenhuma prova documental existe e o próprio impugnante não coloca em causa que as mais valias resultantes da alienação desses 8,33% estejam sujeitas a mais valias nos termos do IRS.
Os factos considerados como não provados, resultam da ausência de prova relativamente aos mesmos, sendo, no entanto, irrelevantes tais factos para a solução a dar à presente causa, atento o abaixo exposto.

CORRECÇÃO OFICIOSA DA FACTUALIDADE

Ao abrigo do artigo art.º 662.º, nº 1 do Código do Processo Civil (CPC), e por se mostrar essencial, corrige-se a factualidade apurada no que concerne à alínea E):

E. O prédio urbano inscrito no artigo 1938 da matriz predial urbana da freguesia de (...) foi demolido e foi solicitado o destacamento da área de 974 metros quadrados, o que ocorreu em 2003 (cfr. fls. 16 do processo administrativo apenso aos autos)
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4. O DIREITO

Cumpre, agora, entrar na apreciação do recurso.
Está em causa a liquidação de IRS do ano de 2005, relativamente aos ganhos (mais-valias) alegadamente obtidos pelo Recorrente com a alienação de dois terrenos para construção.

Conforme resulta do probatório o ora Recorrente adquiriu, em 1985 e por óbito de seu pai, 25% indivisos de um prédio urbano.

Tal prédio veio a dar lugar a dois prédios urbanos – terrenos para construção -, na sequência da demolição da construção aí existente e do destaque da área de 974m2, ocorrido em 2003.

Estes prédios vieram a ser vendidos em 2005, tendo a AT considerado que os rendimentos obtidos pelo Recorrente com a dita venda estavam sujeitos a tributação em sede de IRS, a título de mais-valias, não lhe sendo aplicável o regime transitório da categoria G, previsto no nº 1 do artigo 5º do Decreto – Lei nº 442-A/88, de 30/11 (na redacção dada pelo DL nº 142/92, de 17/06).
Considera o Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito por considerar que o citado regime transitório tem aqui plena aplicação.
Atentemos, antes do mais, ao quadro jurídico aplicável.

Preceituava o artigo 1.º do Código de Imposto de Mais-valias (CIMV) aprovado pelo DL n.º 46 373, de 09 de Junho de 1965 que:O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram:
“1º. Transmissão onerosa de terrenos para construção, qualquer que seja o título por que se opere quando dela resultem ganhos não sujeitos a encargo de mais-valias previstos no art. 17º da Lei nº 2030, de 22/1/48, ou no art. 4º do DL nº 41.616, de 10/5/58, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
“2º. Transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de elementos do activo imobilizado das empresas ou de bens ou valores por elas mantidos como reserva ou para fruição.
“3º. Trespasse de locais …
“4º. Aumento do capital das sociedades …
“…”.
A 1 de Janeiro de 1989, entrou em vigor o Código do IRS (CIRS), o qual veio abolir, nomeadamente, o imposto de mais-valias, relativamente aos sujeitos passivos de tal imposto, passando a tributar as mais-valias no âmbito da Categoria G (artigo. 43.º).

Importa, contudo, ter presente a norma transitória contemplada no artigo 5º do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro, a qual estatuía que: “1- Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo DL nº 46.673, de 9/6/65, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”.

Ora, da interpretação conjugada de tais preceitos legais resulta que os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1 de Janeiro de 1989, exceptuados os terrenos para construção, não se encontravam sujeitos a tributação em mais-valias cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do C.I.R.S..

Deste modo, as mais-valias realizadas na alienação de prédios urbanos só estão sujeitas a tributação quando resultem de transmissão de bens que tenham sido adquiridos pelo transmitente depois da entrada em vigor do CIRS, ou seja, após 1 de Janeiro de 1989.
Assim, do regime legal referido retiramos que:
- os ganhos já sujeitos ao imposto de mais-valias encontrar-se-ão sujeitos a IRS, pela categoria G;
- os ganhos não sujeitos a imposto de mais-valias, e decorrentes da alienação de bens ou de direitos que tenham sido adquiridos até 31-12-1988, não se encontrarão sujeitos a IRS;
- os ganhos não sujeitos a imposto de mais-valias e decorrentes de alienação de bens ou direitos que tenham sido adquiridos depois da entrada em vigor do Código do IRS, encontrar-se-ão sujeitos a este imposto se forem enquadráveis nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo Código.
In casu, é pacífico que o prédio foi adquirido pelo Recorrente (na proporção de 25%), por óbito de seu pai, em 1985, ou seja, antes da entrada em vigor do CIRS, logo, como bem se refere na sentença recorrida, não estava sujeito a imposto.
Assim, a quota-parte do prédio que em 1985 adveio à propriedade do Impugnante/Recorrente por transmissão “mortis causa” não estava sujeito a Imposto de mais-valias e também não estava quando em 1/1/1989 entrou em vigor o CIRS.
Todavia, a sentença recorrida foi mais além e entendeu que essa não era a realidade transmitida pelo Recorrente em 2005, dizendo que:” O que resulta dos autos é que o Impugnante e mais três pessoas adquiriram um prédio inscrito sob o artigo 1938º no qual constava uma construção – habitação – de dois andares sito em (...) e que em 2005 procederam à venda de dois terrenos para construção, não se colocando em questão que tais terrenos tiveram origem naquele.
Ora, alegaram o autor que a demolição da construção existente no prédio originário foi resultado de imposição pela Câmara Municipal – facto que não se provou.
No entanto, mostra-se tal circunstância irrelevante, pois o que, na opinião do Tribunal, faz com que não mereça censura o entendimento da Administração Tributária, não é a demolição da construção – pois estaria na mesma livre de ser tributado em sede de mais valias – mas sim o destaque solicitado.
Na verdade, com a apresentação do requerimento de destaque, a situação fáctica passou a ser distinta e sequentemente a realidade jurídica passou a ser distinta.
O que primeiramente foi adquirido era uma propriedade com determinadas características físicas – construção, confrontações – que devido a essas mesmas características estava isento de mais valias.
Porém, o que foi posteriormente vendido, fruto de transformação física, foram duas parcelas de terreno para construção, as quais resultaram não só da demolição da construção existente – irrelevante nos termos já supra referidos – mas do pedido de destacamento realizado.
Ora, o pedido de destacamento do prédio em causa, alterou forçosamente a natureza do prédio em questão, mudando a área, os confrontantes e o próprio uso do mesmo. No destaque estamos perante o fraccionamento de um prédio, que obriga os interessados a requerer ao serviço de finanças da área da localização do prédio a alteração da matriz - cfr. artigo 13.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
O destaque implica a eliminação do artigo da matriz actualmente existente e a cada novo prédio resultante do destaque será atribuído um novo artigo - cfr. artigo 106.º, n.º 1, alínea e) do Código do IMI.
Assim sendo, conclui-se que o destacamento faz surgir duas realidades económico-jurídicas distintas do prédio originário.
Conclui-se do exposto, que necessariamente nenhuma crítica há a fazer ao entendimento da Administração Tributária e, por conseguinte a venda da percentagem de que era proprietário o Impugnante nos prédios vendido encontra-se sujeita a tributação em sede de IRS – Mais Valias.”.

Adiantámos já, que o assim decidido não pode manter-se na ordem jurídica uma vez que o critério determinante da aplicação do regime transitório previsto no n.º 1 do art.º 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 é o da qualificação do bem no momento da entrada em vigor do diploma legal (CIRS) e não o da sua posterior transmissão.

Assim, tendo em consideração que o prédio em causa adveio à propriedade do Impugnante/Recorrente por transmissão “mortis causa” em 1985, ou seja, antes da entrada em vigor do CIRS, é-lhe aplicável a norma transitória precita no art. 5º do DL n.º 442-A/88, não havendo lugar a mais-valias, padecendo a sentença recorrida de manifesto erro de julgamento quando assim não o entende.

Por se mostrar deveras esclarecedor, visando uma interpretação e aplicação uniforme do direito e tendo em conta o disposto no art. 8º, nº 3 do Código Civil, apelamos ao decidido no Acórdão deste TCA de 07/12/2017, processo nº 01456/08.9BEPRT disponível in: www.dgsi.pt. , em tudo igual ao dos presentes autos, dado que as conclusões do recurso são ipsis verbis as dos presentes autos, uma vez tratar-se da apreciação do recurso de um dos comproprietários dos prédios visados pelo imposto aqui em apreço, assim ali é dito que:
Nessa linha de interpretação, o STA tem decidido, reiteradamente, que à luz do disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha, posteriormente, adquirido a natureza de urbano (terreno para construção) e sido alienado como tal.
Nesse sentido, podem ler-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 9/11/2005, proferido no recurso n.º 733/05; de 29/03/2004, proferido no recurso n.º 1213/05; de 12/12/2006, proferido no recurso n.º 1100/05; de 6/06/2007, proferido no recurso n.º 179/07; de 13/02/2008, proferido no recurso n.º 763/07; de 29/10/2008, proferido no recurso n.º 539/08 e de 4/02/2009, proferido no recurso n.º 872/08, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Com efeito, na aplicação do regime transitório previsto no art. 5º/1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro que aprovou o CIRS podem destacar-se duas situações distintas: uma em que o bem já era tributado no âmbito do CIMV e por isso continua a sê-lo no âmbito do CIRS (se preenchidos os pressupostos da norma de incidência).
E outra em que o bem não era tributado no âmbito do CIMV e por isso também não o será no âmbito do CIRS, não obstante as transformações sofridas.
Nesse sentido, podem ler-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 9/11/2005, proferido no recurso n.º 733/05; de 29/03/2004, proferido no recurso n.º 1213/05; de 12/12/2006, proferido no recurso n.º 1100/05; de 6/06/2007, proferido no recurso n.º 179/07; de 13/02/2008, proferido no recurso n.º 763/07; de 29/10/2008, proferido no recurso n.º 539/08 e de 4/02/2009, proferido no recurso n.º 872/08, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Vejamos a 1ª situação: o bem já era sujeito a incidência no âmbito do CIMV, era, por exemplo um terreno para construção, então continua sujeito à norma de incidência do CIRS (categoria G).
É exemplo desta situação a versada no acórdão do STA n.º 01100/05 de 12-12-2006.
O bem foi adquirido por doação e partilha em 1977 e era composto por um artigo urbano e outro rústico.

Por sua vez, em 1984, por processo de loteamento, passa a ser tudo terreno de construção, depois, em 1992, aos dois lotes que couberam aos impugnantes, por força da lei foi dada a inscrição matricial em dois artigos, os quais, em 1995, foram objecto de permuta com a Câmara Municipal da Feira onde lhes é atribuído um valor de 7.360.000$00, valor este de onde se parte para o acto tributário controvertido.
O douto acórdão do STA decidiu que “No caso em apreço, a aquisição do imóvel em causa pelos impugnantes ocorreu em 1977 (alínea A do probatório), tendo o referido prédio sido em 1984 objecto de loteamento (alínea B do probatório), do qual resultaram as parcelas que, em 1995, aqueles cederam ao Município de Santa Maria da Feira (alínea E do probatório).
Assim, parece não haver dúvidas que, não obstante à data da sua aquisição o prédio em causa não possuir a natureza de terreno para construção, as duas parcelas de terreno cedidas pelos impugnantes em 1995, e destacadas daquele, passaram a destinar-se a construção urbana desde o processo de loteamento levado a cabo em 1984.
Ou seja, é evidente que à data da entrada em vigor do CIRS as referidas parcelas de terreno já estavam, em caso de transmissão, sujeitas a imposto de mais-valias.
E daí que não seja aqui aplicável o regime transitório previsto no artigo 5.º do DL 442-A/88, de 30/11.
Na verdade, para que este fosse aplicável era necessário que os ganhos resultantes da transmissão dessas parcelas não estivessem até então sujeitos ao imposto de mais-valias, o que não é o caso pois tratando-se de terrenos para construção caíam já no campo de incidência do artigo 1.º do CIMV.
Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não interessa tanto aqui a qualidade que o bem detinha no momento da sua aquisição mas sim a sua natureza à data em que o DL 442-A/88 entrou em vigor.”
2ª situação. O bem não era sujeito a tributação quando entrou em vigor do CIRS, mas na vigência deste diploma sofreu uma transformação no seu estatuto – passou de rústico a urbano ou terreno para construção.
A hipótese mais comum é a dos prédios rústicos adquiridos antes da entrada em vigor do CIMV e que não eram sujeitos a tributação por mais valias, mas adquiriram posteriormente a natureza urbana. Nestes casos, entende o STA que também não há lugar a tributação em sede de IRS.
Exemplo é o acórdão do STA n.º 0998/09 de 02-06-2010 cujos factos submetidos a julgamento eram os seguintes:

1. O impugnante adquiriu a quota-parte de 1/2 no prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Santa Maria Maior, do concelho de Viana do Castelo, sob o artigo 412, em 08.06.1974, por partilhas homologadas por despacho de 20.04.1..., transitado em julgado em 06.06.1..., que tiveram lugar no processo de inventário obrigatório que correu termos sob o n° 16/82 pela 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.
2. Nessas partilhas coube ao impugnante a verba n° 35, que relacionava metade de um prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria Maior, do concelho de Viana do Castelo, sob o artigo 412, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n° 72.312, a fls. 191 v° do livro B-182.
3. Esse prédio, em resultado de processo de expropriação de que foi objecto, veio, posteriormente, a receber o artigo 465 da matriz predial rústica, da mesma freguesia e concelho, para a parte sobrante à expropriada.
4. No qual o impugnante manteve uma quota-parte de 1/2.
5. Em 02.10.2002, em resultado de operação de destaque autorizada por deliberação da Câmara Municipal de Viana do Castelo de 16.01.2002, deu entrada no Serviço de Finanças de Viana do Castelo declaração para alteração da inscrição do prédio dividido e inscrito sob o artigo 465, referido, e para inscrição da parte dele a destacar, com 2.500 m2, a que veio a ser atribuído o artigo urbano n° 3662.
6. Na qual o impugnante continuou a deter uma quota-parte de 1/2.
7. Em 26.11.2002, por escritura pública de compra e venda lavrada no primeiro Cartório Notarial de Viana do Castelo, a fls. 97 e ss. do livro 337-E, o impugnante e o comproprietário da restante parte do prédio, procederam ao destaque e venda do prédio inscrito sob o já citado artigo urbano 3662, pelo preço global de 523.737,80 €, cabendo 261.868,90 € à quota-parte de cada um deles.
8. Na referida escritura pública o imóvel vendido foi qualificado como urbano.
O STA decidiu que o ganho obtido pelo Impugnante com a transmissão onerosa, efectuada em 2002, não estava sujeito IRS (por “mais-valias”), pese embora esse prédio se tenha entretanto transformado num prédio urbano (terreno destinado a construção).
Esta jurisprudência foi reiterada no acórdão 0529/11
Ora, no caso dos autos, o prédio foi adquirido em 1985 como prédio urbano para habitação, pelo que os ganhos resultantes da sua alienação não estavam sujeitos CIMV.
E quando entrou em vigor o CIRS (1 de janeiro de 1989), o prédio mantinha o mesmo estatuto. A alteração qualitativa (destaque e terreno para construção) ocorreu já na vigência do CIRS.
Mas como vimos, o que releva na norma transitória do art. 5º/1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88 não é que a alteração qualitativa ocorra na vigência do CIRS mas sim que a “...aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”.
Mas como a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam foi efetuada antes da entrada
em vigor do CIRS, o recurso merece provimento e a liquidação deverá ser anulada na parte relativa a 25% do prédio em causa.”


Aqui, como ali, tendo em conta que o momento da aquisição do prédio por parte do Recorrente (1985) foi anterior à entrada em vigor do CIRS, e que o mencionado prédio não estava sujeito a imposto de mais-valias, resta concluir que o recurso merece provimento e a sentença que assim não entendeu não pode manter-se na ordem jurídica.
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V. DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação e determinar a anulação da liquidação impugnada.
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Custas pela AT em primeira instância.
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Porto, 2021-07-08

Maria Celeste Gomes Oliveira
Carlos de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos
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i) disponível in: www.dgsi.pt.