Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00342/07.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/14/2007
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR A FAVOR DO CONTRIBUINTE – ÂMBITO ARTIGO 147º, Nº 6, DO CPPT
Sumário:I - São requisitos das providências referidas no art. 147.º, n.º 6, do C.P.P.T., o «fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária» e a indicação pelo interessado da providência que pretende ver adoptada, que terá de ser adequada a afastar a lesão invocada.
II - No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais.
III – Só deve ser considerada como irreparável a lesão cuja extensão não possa ser avaliada ou quantificada pecuniariamente.
IV - Através de simples requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal a aqui Recorrente podia e devia ter assegurado a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos e interesses de que se alega titular, pelo que o presente meio tutelar «antecipatório» não configura o meio mais adequado com vista a assegurar a tutela pretendida, devendo ser convolado, como foi.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

I
TML – , SA, (adiante Requerente, ou Executada, ou Recorrente), contribuinte fiscal nº , invocando o disposto no artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), requereu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que decretasse providência cautelar contra o Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, intimando-o a abster-se da prática de qualquer acto com vista à venda executiva dos bens penhorados à entidade designada por “Officegest, SGPS, Ldª”, ou em alternativa, e no caso de se ter verificado já a emissão de acto contraditório às pretensões do interessado, deve a providência cautelar ordenar a suspensão imediata do mesmo.
Alegou a Requerente, em síntese, o seguinte:
- A autora é executada no processo executivo n° 0140200401004158, que corre os seus termos no Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro;
- no referido processo executivo foram efectuadas penhoras;
- no dia 16 de Fevereiro de 2007, foi notificado pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, da apresentação de propostas de aquisição dos bens penhorados;
- foram formuladas ao encarregado da venda executiva, por uma sociedade designada por "Officegest, SGPS, Lda.;
- as propostas para a aquisição dos bens penhorados apresentam valores substancialmente inferiores aos determinados pela Administração Tributária aquando das penhoras;
- existem muito fundadas dúvidas acerca da existência da sociedade “Officegest, SGPS, Lda”.

A Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu proferiu despacho liminar de convolação da petição inicial do presente processo cautelar em requerimento ao órgão da execução fiscal, deixando escrito, para além do mais:
« […] No caso dos autos, a Executada foi notificada, em 16 de Fevereiro de 2007, por Ofício datado de 13/02/2007, de que por despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, exarado em 13/02/2007 no processo executivo n° 0140200501000667, teriam sido apresentadas propostas de aquisição do bem objecto de penhora (venda por negociação particular), da qual se juntaram cópias.
No mesmo Oficio foi a executada notificada para caso pretendesse apresentar melhor proposta, no prazo de 10 dias, manifestando o interesse na manutenção da titularidade do bem, caso contrário, o aludido bem será entregue ao proponente.
Na sequência desta notificação veio a executada apresentar a presente providência cautelar, nos termos do art 112° do CPTA.
Resulta do art. 97°, n° 3, da LGT que se deverá ordenar a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei.
Prevê também o art 103° da LGT:
"1 - 0 processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
2 - É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior."
Assim, em vez da rejeição liminar, determina a lei que se proceda à correcção.
No caso dos autos, a providência cautelar não pode ser liminarmente admitida, no entanto, pode ser convolada em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal - Serviço de Finanças de Oliveira do Barro - para que se conheça da do pedido do referido Serviço de Finanças se abster da prática de qualquer acto com vista à venda executiva dos bens penhorados à entidade designada por "Officegest, SGPS, Lda."
Sempre com a garantia do direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos precisos termos em que se acha previsto no art 103° da LGT.
Termos em que, sem necessidade da outras considerações, decido convolar a petição inicial do presente processo cautelar em requerimento ao órgão da execução fiscal e, em consequência, convido a Executada a formular novo requerimento, dirigindo-o e apresentando-o no Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro.
Pois só em 2ª linha, perante a verificação dos pressupostos do art. 276° do CPPT, em reclamação da decisão que eventualmente vier a ser proferida, é que caberá ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu conhecer da questão suscitada.»

A Requerente veio interpor o presente recurso, apresentando, para o efeito, o quadro conclusivo constante de fls. 58 a 60:
A) No dia 13 de Março de 2007, veio a sentença de que ora se recorre, decidir pela não aceitação da providência cautelar apresentada pela ora Recorrente,
B) E pela convolação da respectiva petição inicial em requerimento ao órgão da execução fiscal.
C) Não pode, contudo, a ora Recorrente, conformar-se com a sentença recorrida,
D) Quando o objectivo subjacente não se prendia com a reclamação de um acto administrativo já praticado pelo órgão de execução fiscal,
E) Mas sim com a urgência em evitar a prática de acto administrativo pelo órgão de execução fiscal.
F) A tutela cautelar é uma garantia constitucional, que resulta dos art.°s 20°, n.° 5 e 268°, n.° 4 da CRP, como forma de assegurar ao particular uma tutela jurisdicional efectiva perante a Administração Pública.
G) O art.° 112.°, n.° 1, do CPTA, permite a adopção das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar o efeito útil das sentenças no processo principal.
H) A providência cautelar antecipatória destina-se, nos termos do art.° 120.° do CPTA, a evitar a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses da Recorrente.
I) Perante a iminência da prática de um acto lesivo por parte da Administração Pública, em sede de execução fiscal,
J) Apenas restava ao interessado a apresentação de uma providência cautelar antecipatória,
K) Destinada, de acordo com o art.° 112.°, n.° 2, al. f), do CPTA, em processo urgente, a intimar a Administração Pública à abstenção da emissão do acto administrativo em questão,
L) Se é verdade que a norma prevista no art.° 151.° do CPPT se destina a definir a competência dos tribunais tributários em sede de execução fiscal,
M) Não pode, em qualquer caso, admitir-se que visa subtrair à competência dos tribunais, a apreciação de outros meios judiciais destinados à garantia dos direitos e interesses dos particulares.
N) Não pode assim o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu escusar-se à admissão de uma providência cautelar antecipatória,
O) Alegando que a intervenção judicial se afigura limitada e está dependente de uma prévia decisão do órgão de execução fiscal,
P) Quando o escopo da tutela cautelar antecipatória visa, precisamente, a intimação para a abstenção de um comportamento por parte da Administração,
Q) Reflectindo, ademais, uma garantia constitucional dos cidadãos.
R) O sentido da decisão recorrida e a interpretação restritiva que nela se faz dos artigos 276.°, do CPPT e 112° e 120.°, do CPTA, quanto à possibilidade do uso de providências cautelares em sede de execução fiscal, privam a Recorrente de fazer uso de uma garantia que lhe é constitucional e legalmente conferida, com destino à protecção dos seus direitos e interesses.
S) Em consequência, a decisão recorrida violou os artigos 20.°, n.° 5 e 268°, n.° 4, ambos da CRP, bem como os artigos 112.° e 120.°, ambos do CPTA.
Nestes termos,
E nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença de 13 de Março de 2007 sendo adoptada a providência cautelar requerida, com o que farão a sempre costumada JUSTIÇA.

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Veio ainda a Recorrente interpor recurso deste despacho de admissão, pondo em causa o efeito, que considera ser suspensivo, concluindo da seguinte forma:
A) O despacho do TAF de Viseu, que admitiu o recurso interposto pela Recorrente no dia 4 de Abril de 2007, determinou a sua tramitação como agravo em matéria cível, a sua subida imediata nos autos e fixou-lhe um efeito meramente devolutivo.
B) Nos termos do artigo 738° do CPC, sobe imediatamente no autos o recurso interposto do despacho, proferido em procedimento cautelar, que não ordene a providência.
C) O artigo 740° do CPC dispõe que «têm efeito suspensivo do processo os agravos que subam imediatamente nos próprios autos».
D) Por outro lado, o artigo 143°, n.° 4 do CPTA estabelece que «quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou a minorar esses danos...».
E) O indeferimento da providência cautelar, de que se recorre, radicou-se, unicamente, na apreciação de uma questão de direito,
F) E não na exclusão dos fundamentos apresentados, subjacentes ao receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, que a apresentante, nessa sede, manifestou.
G) Mantém-se o receio fundado da constituição de uma situação de facto consumado, bem como o receio da produção de prejuízos de difícil reparação, quer para a Recorrente, quer para a própria Fazenda Pública.
H) Designadamente por estar em causa, no processo principal, a iminente venda judicial ilegal de bens a uma entidade inexistente, o que acarretará prejuízos, não só para o património da Recorrente, como para a cabal satisfação da dívida exequenda por parte da Fazenda Pública.
I) Pelo que deve ser atribuído ao recurso em causa efeito suspensivo do processo ou, em alternativa, ser ordenado ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, que se abstenha de praticar qualquer acto tendente à venda judicial dos bens em questão, até à decisão do recurso.
Nestes termos,
E nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser atribuído efeito suspensivo ao recurso apresentado no dia 4 de Abril p.p. ou, em alternativa, ser ordenado ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro que se abstenha de praticar qualquer acto tendente à venda judicial dos bens em questão, até à decisão do recurso, com o que fará a sempre costumada JUSTIÇA.

O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer, a fls. 92 a 94, no sentido de ser negado provimento ao primeiro recurso e que seja fixado o efeito suspensivo ao mesmo.

Com dispensa de vistos legais, dada a natureza urgente do presente processo, importa apreciar e decidir.

II
Como se constata do anteriormente exposto, duas são as questões a apreciar:
- Fixar o efeito ao recurso, uma vez que o meramente devolutivo atribuído pela Mmª Juiz é discutido pela Recorrente.
- Saber se no despacho recorrido se fez correcto julgamento quando se decidiu que a providência cautelar antecipatória requerida não pode ser liminarmente admitida e, nos termos do artº 97º, nº 3, da LGT, ordenou a convolação do processo em “requerimento ao órgão de execução fiscal”.

No que respeita à fixação do efeito do recurso importa referir que, nos termos do nº 2, do artº 286º do CPPT, o efeito meramente devolutivo é o que aí se prevê como regra, no âmbito do processo tributário, e só há excepção em dois casos: quando “for prestada garantia nos termos do presente Código” e quando “o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos”.
Fala-se neste nº 2 em prestação de garantia, mas o relevante é que a dívida a que se reporta o processo em que é interposto o recurso esteja garantida.
Por isso, além dos casos em que há propriamente prestação de garantia, nos termos do artigo 199º do CPPT, deverá atribuir-se efeito suspensivo ao recurso sempre que a dívida esteja garantida, para além do mais, por penhora, nos termos do nº 4 desse mesmo artigo 199º.
Ora, no caso dos autos resulta que já foi efectuada penhora de bens à Executada, ora Recorrente.
Procede, pelo exposto, a questão suscitada pela Recorrente da fixação do efeito do recurso, decidindo atribuir efeito suspensivo ao presente recurso e nessa parte revogando o despacho que admitiu o recurso.

No que concerne à questão de fundo, importa ter presente o disposto no nº 6, do artigo 147º, do CPPT:
“6 – O disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela administração tributária e a providência requerida.”
No dizer de Jorge Lopes de Sousa [ “Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado”, Vol I, 5ª edição, 2006, pág. 1094 e segs.], “quando não esteja em causa a aplicação de direito comunitário, a adopção de medidas cautelares está, em princípio, limitada aos casos em que possam ocorrer prejuízos irreparáveis, que se prevêem no nº 6 deste art. 147º.
(…)
No entanto, como é óbvio, as medidas cautelares a adoptar terão de ter idoneidade para afastar essa lesão, pois é princípio processual geral que não podem ser praticados actos processuais inúteis (art. 137º do CPC). [ No sentido de serem requisitos de adopção de providências cautelares ao abrigo do nº 6 do art. 147º do CPPT apenas o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a idoneidade da providência para o afastar, pode ver-se o acórdão do STA, de 01/09/2004, recurso nº 0799/04, consultável na íntegra em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dd0164e118110f8080256f250032c09b?OpenDocument]
Sendo este nº 6 do art. 147º uma norma especial sobre a tutela cautelar no contencioso tributário, não há uma lacuna de regulamentação, quanto aos requisitos da adopção de providências cautelares no contencioso tributário, pelo que não é viável recorrer aos critérios previstos no CPTA, pois são de aplicação meramente subsidiária [art. 2º, alínea c), do CPPT].
O prejuízo irreparável deve reportar-se ao próprio requerente da adopção das medidas.
No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa.»
Este nº 6 do artigo 147º do CPPT veio dar satisfação à exigência constitucional constante do nº 4 do artigo 268º da CRP, estabelecendo-se explicitamente que a tutela judicial efectiva que se garante abrange a “adopção de medidas cautelares adequadas”.
Como vimos, sendo os critérios previstos no CPTA, de aplicação meramente subsidiária, os interesses da executada podiam ser acautelados com a apresentação de requerimento no processo executivo.
Como bem se sustenta no parecer do magistrado do M. Público, “decorre da notificação efectuada na execução fiscal que a Recorrente tomou conhecimento em tempo oportuno da proposta de aquisição dos bens penhorados, do autor da proposta e da possibilidade de, «caso pretenda apresentar melhor proposta deverá intervir nos autos, no prazo de 10 dias a contar da assinatura do aviso de recepção, manifestando o interesse na manutenção da titularidade do bem, caso contrário, o aludido bem será entregue ao proponente».
Assim, os interesses da executada mostravam-se acautelados podendo apresentar requerimento no processo executivo a formular uma proposta de compra dos bens ou, se assim o pretendesse e em obediência ao princípio de colaboração dos contribuintes com o Fisco, manifestar as suas dúvidas e apreensões quanto « … à muito provável inexistência …» da “Officegest, Ldª”, dúvidas e apreensões que alega nesta providência cautelar mas de que não produz qualquer tipo de prova.
Através do referido simples requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal a aqui Recorrente podia e devia ter assegurado a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos e interesses de que se alega titular, pelo que o presente meio tutelar «antecipatório» não configura o meio mais adequado com vista a assegurar a tutela pretendida de incutir a desejável celeridade ao processo executivo e, simultaneamente, acautelar os interesses legítimos quer da executada quer da Fazenda Pública exequente no processo.”
Assim, se bem que com a presente fundamentação, afigura-se-nos dever manter-se o despacho liminar de convolação da petição inicial do presente processo cautelar em requerimento ao órgão da execução fiscal.

III
Face ao exposto decide-se negar provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido, com a presente fundamentação.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC.
Notifique e registe.
Porto, 14 de Junho de 2007
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) José Maria da Fonseca Carvalho
Ass) Aníbal Augusto Ruivo Ferraz