Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01502/22.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:OPOSIÇÃO; INDEFERIMENTO LIMINAR;
FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO; ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO;
ATO DEFINITIVO; AUDIÊNCIA PRÉVIA; INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA;
Sumário:
I - É inequívoca a natureza taxativa dos fundamentos da oposição à execução fiscal, sem prejuízo do carácter aberto da previsão da alínea i,) do nº 1, do artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

II - A eventual inexistência de um ato definitivo e a falta da correpondente notificação pode relevar como fundamento da inexigibilidade da dívida exequenda.

III – Apesar de a inexigibilidade da dívida não ter sido expressamente mencionada pela oponente, tal facto não inibe o tribunal de assim enquadrar os factos invocados, pois não releva a qualificação jurídica dos factos efetuada pelo oponente, atenta a regra do artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], Lda, devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 15.09.2022, pela qual foi liminarmente indeferida a oposição por si deduzida contra à execução fiscal nº ...41, a correr termos na Secção de Processo Executivo de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. instaurada para cobrança coerciva do débito comunicado pela guia de reposição nº ...06, correspondente à totalidade dos períodos de concessão das prestações de desemprego atribuídas à trabalhadora «AA», no montante de € 10.560,86.
1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A - Para o Tribunal a quo, “se a Oponente pretendia reagir contra a decisão que determinou a restituição das prestações de subsídio de desemprego em cobrança - apresentando competente ação administrativa nos termos dos artigos 37.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que se afigura como o meio processual adequado de reação contra o apontado ato administrativo - deveria tê-lo feito a partir da respetiva notificação da nota de restituição (…)”.
B - É referido na Nota de Restituição, seguinte:
Prazo para responder se não concordar com o valor em dívida
No prazo de 10 dias úteis a contar da data em que recebeu estra notificação, poderá responder, por escrito, juntando os documentos de prova que considere importantes.
(…)
Se não responder, presume-se que concorda com valor da dívida, pelo que deverá efetuar o pagamento no prazo de 30 dias a contar da data em que recebeu esta notificação.”
C - Entendeu o Recorrente, como entenderia qualquer destinatário normal, colocado na situação concreta, que caso não concordasse com o valor da multa e antes de ser tomada a decisão final deveria para tal, pronunciar-se.
D - Se não respondesse, no referido prazo de 10 dias úteis, caberia ao interessado e “se pretender pedir a revisão da decisão”, “a partir dos 10 dias úteis acima indicados (…)” reclamar, recorrer hierarquicamente ou impugnar contenciosamente … a decisão.
E - A Recorrente, por não concordar com o valor em dívida pronunciou-se - “respondeu” - por escrito, no prazo de 10 dias úteis indicado na notificação, mas nunca foi notificada de nenhuma decisão final, da qual pudesse reclamar, recorrer hierarquicamente ou impugnar contenciosamente.
F - Não há com a notificação do Centro de Saúde ... datada de 2021-06-25, decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
G - Não há ato administrativo - Cfr. Art. 148º, do CPA, suscetível de reclamação, recurso hierárquico ou impugnação contenciosa.
H - Seguem a forma de ação administrativa, os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos, designadamente a impugnação de atos administrativos - Art. 37º, nº 1, al. a), do CPTA.
I - Isto é, a impugnação de “todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta - Art. 51º, nº 1, do CPTA.
J - Não há ato impugnável, seja por via de decisão expressa, seja por via de indeferimento, a resposta da Segurança Social - Centro Distrital de ..., veio sob a forma de citação do processo executivo.
K - E ao contrário do que é referido na sentença do tribunal a quo, o requerimento de 06 de julho de 2021, não pode ser interpretado como “reclamação” na aceção do art. 191.º do Código do Procedimento Administrativo.”, pois inexiste ato administrativo do qual possa reclamar-se, recorrer hierarquicamente ou impugnar contenciosamente.
L - É assim que, confrontada com o facto consumado, entenda-se a citação para o processo executivo, o único meio de que a Recorrente dispunha para deduzir oposição era discutir a legalidade da liquidação da dívida exequenda, com fundamento no disposto no Art. 204º, nº 1, al. h), do CPPT.
M - Como é referido na sentença recorrida, “sucede que, atenta a fórmula legal constante do assinalado preceito, a discussão da legalidade da dívida exequenda, em sede de oposição à execução fiscal, depende de se verificar um condicionalismo adicional: a lei não assegurar outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o respetivo ato definidor.
O que significa que relativamente às dívidas criadas por atos administrativos e/ou tributários não existe a possibilidade de se discutir a legalidade em concreto em sede de oposição à execução fiscal, se ao interessado foi concedida a possibilidade de os impugnar contenciosamente (sn)”, o que não sucedeu.
N - É assim que deveria a oposição apresentada pela Recorrente ser recebida e apreciada, entenda-se, “apreciado o mérito da causa”.
O - Não é possível que a alegada dívida seja respeitante a 720 dias de atribuição da prestação de desemprego paga à referida trabalhadora e ainda para mais entre o período de 2021-03-18 e 2021-03-18, como referido na notificação da Segurança Social à Recorrente.
P - A trabalhadora no âmbito de procedimento por despedimento coletivo, celebrou com a aqui Recorrente, em 12 de março de 2021, Acordo de revogação do contrato de trabalho no âmbito de processo de despedimento coletivo.
Q - Não estão verificados os pressupostos de aplicação do Art. 63º, do Decreto-Lei nº 220/2006, alterado pelo Decreto-Lei nº 64/2012, de 15 de março.
R - A Recorrente nunca foi notificada de qualquer irregularidade ou vicissitude respeitante ao processo de despedimento coletivo e a trabalhadora em questão – «AA» -, apenas recebeu subsídio de desemprego no período compreendido entre 18/03/2021 a 06/06/2021, conforme se retira da consulta ao sítio da internet da Segurança Social.
S - Do ato de liquidação não pôde a Recorrente reclamar graciosamente, interpor recurso hierárquico ou apresentar impugnação judicial.
T - Da comunicação de liquidação, no valor de €10.560,86 e que não foi precedida de qualquer “comunicação anteriormente enviada”, não consta qualquer fundamentação de facto e de direito que tivesse permitido à Recorrente - como a qualquer outra entidade colocada na mesma situação -, perceber o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato.
U - O mesmo é dizer que o ato que determinou à Recorrente a restituição de prestações indevidamente pagas padece do vício de falta de fundamentação –
- Cfr. Ac TCA Norte, de 21-12-2018 (Proc. nº 00463/16.2BEVIS).
V - A falta de fundamentação gera invalidade do ato, com a consequente anulabilidade - Art. 163º, do CPA.
X - A liquidação é, também, inválida porque respeitará às situações previstas no Art. 63º, do Decreto-Lei nº 220/2006, na sua redação atualizada.
Z - Sucede que não são referidas que situações são essas, nem a Recorrente foi ouvida em procedimento prévio de apuramento de eventuais responsabilidades, ignorando mesmo se existiu um.
AA - A preterição da audiência prévia que tem como consequência a invalidade do “ato de liquidação”, concretamente a respetiva nulidade - Cfr. Acórdão Tribunal Central Administrativo Norte, de 2015-12-18 (Proc. nº 00277/13.1BECBR), in www.dgsi.pt., mas mesmo que assim não se entenda a falta de audiência prévia sempre seria geradora de anulabilidade do “ato de liquidação” - Art. 163º, CPA
BB - Estamos perante um erro material da liquidação quanto ao período de referência das prestações alegadamente indevidamente pagas: 2021-03-18 a 2021-03-18.
CC - O mesmo se diga quanto ao período temporal de 720 dias!, uma vez que a situação de desemprego foi bastante menor, pelo que não podem ter sido pagas as prestações de desemprego respeitante a tal período.
DD - Estas são incidências, questões, factos, que o tribunal a quo deveria ter apreciado (apreciação de mérito), pois não foi concedida ao Recorrente, antes da oposição à execução, a possibilidade de impugnar o ato administrativo e/ou tributário.
EE - A rejeição liminar da oposição à execução, sem que o juiz se pronuncie sobre questões que devesse apreciar, tem como consequência a nulidade da sentença - Art. 615º, nº 1., al. d), 1ª parte, do CPC.
FF - Caso assim não se entenda, sempre estaremos perante erro de julgamento, que resulta numa distorção na aplicação do direito, de forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei - Ac STJ, de 2021-03-03 (Proc. nº 3157/17.8T8VFX.L1.S1), in www.dgsi.pt.

Termos em que, em face do exposto, julgando procedente o presente recurso e revogando a decisão recorrida, farão Vªs Exªs. a costumada

JUSTIÇA!».

1.3. A Recorrida não contra-alegou.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer considerando, resumidamente, o seguinte:
«(…)
III – Do recurso propriamente dito
Assim e com interesse para o recurso em causa, o Meritíssimo Juiz de Direito a quo considerou que:
“Para tal, alega, em síntese, que:
Não é possível a alegada dívida ser respeitante a 720 dias de atribuição da prestação de desemprego paga à referida trabalhadora, tendo a mesma apenas recebido subsídio de desemprego no período compreendido entre 18 de março de 2021 e 06 de junho de 2021;
O ato que determinou a restituição das prestações de desemprego padece do vício de falta de fundamentação, já que do mesmo não é possível perceber o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo respetivo autor;
A “liquidação” é, também, inválida porque não estão verificados os pressupostos de aplicação previstos no art. 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro;
A Oponente nunca foi ouvida em procedimento prévio de apuramento de eventuais responsabilidades, pelo que foi preterida a formalidade de audiência prévia.
A final formula o seguinte pedido:
Termos em que, em face do exposto, por ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, deve a presente oposição ser recebida, julgada procedente, por provada e, a final, extinta a execução - Art. 204º, nº 1, al. h), do CPPT, suspendendo-se a mesma até à decisão final, por ter sido constituída garantia (Art. 169º, CPPT).
Em sede deste recurso, a ora recorrente repisou os argumentos anteriormente firmados em 1ª instância, tendo, agora, concluído que não há ato administrativo - cf. Art. 148º, do CPA, suscetível de reclamação, recurso hierárquico ou impugnação contenciosa pois que a recorrente, por não concordar com o valor em dívida pronunciou-se - “respondeu” - por escrito, no prazo de 10 dias úteis indicado na notificação, mas nunca foi notificada de nenhuma decisão final, da qual pudesse reclamar, recorrer hierarquicamente ou impugnar contenciosamente, de modo que não há com a notificação do Centro de Saúde ... datada de 2021-06-25, decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
Ora, in casu, a oponente/recorrente limitou-se a invocar a invalidade da decisão do Centro Distrital de ... da Segurança Social que determinou a restituição de prestações de desemprego consideradas indevidamente pagas, imputando-lhe vícios de forma e erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito, enquadrando a sua pretensão no fundamento de oposição previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, ou seja, na ilegalidade da dívida exequenda.
Sucede que, atenta a fórmula legal constante do assinalado preceito, a discussão da legalidade da dívida exequenda, em sede de oposição à execução fiscal, depende de a lei não assegurar outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o respetivo ato definidor.
O que significa que relativamente às dívidas criadas por atos administrativos e/ou tributários não existe a possibilidade de se discutir a sua legalidade, em concreto, em sede de oposição à execução fiscal, se ao interessado foi concedida a possibilidade de os impugnar contenciosamente - não se pode perder de vista que a norma ínsita no artigo 204.º, n.º 1, al. h) do CPPT pretende acautelar as situações em que o sujeito passivo não dispõe de meios de impugnação contenciosa do ato de liquidação, como é o caso das contribuições para a segurança social, em que se permite a extração de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um ato administrativo ou tributário prévio, definidor da situação.
Assim, se a oponente/recorrente pretendia reagir contra a decisão que determinou a restituição das prestações de subsídio de desemprego em cobrança - apresentando competente ação administrativa nos termos dos artigos 37.º e ss. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que se afigura como o meio processual adequado de reação contra o apontado ato administrativo - deveria tê-lo feito a partir da respetiva notificação da nota de restituição, que expressamente reconhece como tendo ocorrido em 25 de junho de 2021, e de cujo ofício constam indicados os meios de reação ao seu dispor, designadamente que dispunha de 15 dias úteis para reclamar para o autor do ato (sendo que “a reclamação não suspende o prazo para recorrer da decisão”), 3 meses para recorrer hierarquicamente e 3 meses para impugnar contenciosamente (“recorrer para o tribunal”) [cf. doc. n.º 1 junto com a petição inicial].
Por outro lado, o requerimento de 06 de julho de 2021, junto como doc. n.º 2 do articulado inicial e que terá de ser necessariamente interpretado como “reclamação” na aceção do artigo 191.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), apenas teve por efeito suspender o prazo de impugnação contenciosa daquele ato administrativo nas condições previstas no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA.
E, assim sendo, não pode pretender, agora, através da oposição à execução, a apreciação da legalidade da dívida exequenda, não se mostrando, pois, preenchido o fundamento de oposição à execução fiscal invocado (cf. artigo 204.º, nº 1, al. h) do CPPT).
Refira-se ainda que é manifesto que não existe qualquer possibilidade de convolação dos autos em ação administrativa, porque a isso sempre obstaria a patente intempestividade da petição inicial - aquando da apresentação da presente oposição à execução fiscal (em 01 de julho de 2022), já havia transcorrido o prazo legal de três meses previsto no artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA (mesmo considerando a suspensão decorrente da apresentação da “reclamação”).
Acresce que, em obediência ao princípio da economia processual, com a devida vénia e por uma questão de não ser repetitivo, fazemos nossos os doutos argumentos de facto e de direito insertos na douta decisão a quo ora posta em crise, os quais se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais devendo, por isso, manter-se na Ordem Jurídica, o Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º ...41, a correr termos na Secção de Processo Executivo de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (cf. fls. 88 e ss. do SITAF).
*
IV - CONCLUSÃO
Em conclusão, pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos e de acordo com a lei, somos do parecer que se deve considerar:
1º - O recurso interposto pela oponente/recorrente [SCom01...], Lda. totalmente improcedente, pois que o despacho judicial que rejeitou liminarmente a oposição está conforme à lei e ao direito devendo manter-se na Ordem Jurídica; e
2º - Com custas processuais a cargo da oponente/recorrente (cf. artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 2º, alínea e), do CPPT, e artigos 6º, nº 2 e 7º, nº 2, do Regulamento de Custas Processuais e Tabela I –B anexa).».

*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao indeferir liminarmente a petição inicial de oposição à execução fiscal, por não conter nenhum dos fundamentos enquadráveis no nº 1 do artigo 204º do CPPT.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida não selecionou qualquer matéria de facto, no entanto, entendemos pertinente, para a boa apreciação deste recurso, a fixação da seguinte matéria de facto, que resulta provada dos documentos juntos aos autos e indicados em cada uma das alíneas seguintes:
A) A coberto do ofício de pp. 43 e 44 do sitaf, em que é mencionado «Nota de reposição N.º ...06», foi a Recorrente notificada do seguinte:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)».
B) Através de carta registada em 07/07/2021 e rececionada pela Segurança Social no dia imediato, a ora Recorrente “respondeu” ao ofício identificado no ponto antecedente – cfr. requerimento de pp. 17 a 19 do sitaf, que constitui o doc. 1 da p.i.; aviso de receção de pp. 20 do sitaf e talão de registo de pp. 21 do sitaf.
C) Em 21.09.2022 foi proferida a sentença recorrida, de pp. 88 e seguintes do sitaf, com o seguinte teor:
«[SCom01...], LDA., (…), vem, ao abrigo do disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea h) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), deduzir a presente oposição à execução fiscal n.º ...41, a correr termos na Secção de Processo Executivo de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. instaurada para cobrança coerciva do débito comunicado pela guia de reposição n.º ...06, correspondente à totalidade dos períodos de concessão das prestações de desemprego atribuídas à trabalhadora «AA», no montante de € 10.560,86.
Para tal, alega, em síntese, que:
Não é possível a alegada dívida ser respeitante a 720 dias de atribuição da prestação de desemprego paga à referida trabalhadora, tendo a mesma apenas recebido subsídio de desemprego no período compreendido entre 18 de março de 2021 e 06 de junho de 2021;
O ato que determinou a restituição das prestações de desemprego padece do vício de falta de fundamentação, já que do mesmo não é possível perceber o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo respetivo autor;
A “liquidação” é, também, inválida porque não estão verificados os pressupostos de aplicação previstos no art. 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro;
A Oponente nunca foi ouvida em procedimento prévio de apuramento de eventuais responsabilidades, pelo que foi preterida a formalidade de audiência prévia.
A final formula o seguinte pedido:
Termos em que, em face do exposto, por ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, deve a presente oposição ser recebida, julgada procedente, por provada e, a final, extinta a execução - Art. 204º, nº 1, al. h), do CPPT, suspendendo-se a mesma até à decisão final, por ter sido constituída garantia (Art. 169º, CPPT).
*
II – DA APRECIAÇÃO LIMINAR
A questão que importa decidir, desde logo, nos termos do disposto no art. 590.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” art. 2.º, alínea e) do CPPT, é a viabilidade do prosseguimento dos presentes autos, tendo em conta a causa de pedir e o pedido formulados, sob pena de ser determinada a prática de atos inúteis, igualmente proibidos por lei, em situações como a presente em que dos autos constam todos os elementos necessários à apreciação liminar.
Cumpre, pois, apreciar se foi alegado algum dos fundamentos que legitimam o recurso ao presente meio processual de oposição à execução fiscal, constantes do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Nos termos do art. 204.º, n.º 1 do CPPT, são fundamentos do processo de oposição à execução fiscal:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prescrição da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) O Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de coleta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
Por sua vez, estabelece o art. 209.º, n.º 1 do CPPT que recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por um dos seguintes fundamentos:
a) Ter sido deduzida fora do prazo;
b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º;
c) Ser manifesta a improcedência.”
Ora, “[em] qualquer caso, para haver lugar a indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, em sintonia com o preceituado no n.º 3 do art. 3.º do CPC” - cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 554.
No presente caso, a Oponente limita-se a invocar a invalidade da decisão do Centro Distrital de ... da Segurança Social que determinou a restituição de prestações de desemprego consideradas indevidamente pagas, imputando-lhe vícios de forma e erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito, enquadrando a sua pretensão no fundamento de oposição previsto na alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, ou seja, na ilegalidade da dívida exequenda.
Sucede que, atenta a fórmula legal constante do assinalado preceito, a discussão da legalidade da dívida exequenda, em sede de oposição à execução fiscal, depende de se verificar um condicionalismo adicional: a lei não assegurar outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o respetivo ato definidor.
O que significa que relativamente às dívidas criadas por atos administrativos e/ou tributários não existe a possibilidade de se discutir a sua legalidade em concreto em sede de oposição à execução fiscal, se ao interessado foi concedida a possibilidade de os impugnar contenciosamente - não se pode perder de vista que a norma ínsita no art. 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT pretende acautelar as situações em que o sujeito passivo não dispõe de meios de impugnação contenciosa do ato de liquidação, como é o caso das contribuições para a segurança social, em que se permite a extração de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um ato administrativo ou tributário prévio, definidor da situação (neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., Vol. III, pp. 495-497).
Destarte, se a Oponente pretendia reagir contra a decisão que determinou a restituição das prestações de subsídio de desemprego em cobrança - apresentando competente ação administrativa nos termos dos artigos 37.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que se afigura como o meio processual adequado de reação contra o apontado ato administrativo -, deveria tê-lo feito a partir da respetiva notificação da nota de restituição, que expressamente reconhece como tendo ocorrido em 25 de junho de 2021, e de cujo ofício constam indicados os meios de reação ao seu dispor, designadamente que dispunha de 15 dias úteis para reclamar para o autor do ato (sendo que “a reclamação não suspende o prazo para recorrer da decisão”), 3 meses para recorrer hierarquicamente e 3 meses para impugnar contenciosamente (“recorrer para o tribunal”) [cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial]. Por outro lado, o requerimento de 06 de julho de 2021, junto como doc. n.º 2 do articulado inicial e que terá de ser necessariamente interpretado como “reclamação” na aceção do art. 191.º do Código de Procedimento Administrativo, apenas teve por efeito suspender o prazo de impugnação contenciosa daquele ato administrativo nas condições previstas no art. 59.º, n.º 4 do CPTA.
E, assim sendo, não pode pretender, agora, através da oposição à execução, a apreciação da legalidade da dívida exequenda, não se mostrando, pois, preenchido o fundamento de oposição à execução fiscal invocado (a alínea h) do n.º 1 do art. 204.º).
Refira-se ainda que é manifesto que não existe qualquer possibilidade de convolação dos autos em ação administrativa, porque a isso sempre obstaria a patente intempestividade da petição inicial - aquando da apresentação da presente oposição à execução fiscal (em 01 de julho de 2022), já havia transcorrido o prazo legal de três meses previsto no art. 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA (mesmo considerando a suspensão decorrente da apresentação da “reclamação”) -, bem como a incompetência material deste Tribunal Tributário para apreciar da legalidade da decisão que determinou a restituição de prestações de desemprego consideradas indevidamente pagas em causa nos autos (competência que pertence aos Tribunais Administrativos de Círculo nos termos do art. 44.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
*
Atento o exposto, por a petição inicial de oposição à execução fiscal não conter nenhum dos fundamentos enquadráveis no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, impõe-se a sua rejeição liminar nos termos do art. 209.º, n.º 1, alínea b) do mesmo diploma legal, o que se determinará na parte dispositiva da presente decisão.» - fim de transcrição.
*
Não existem outros factos que importe dar como provados ou não provados.

3.2. DE DIREITO
Constitui entendimento jurisprudencial uniforme e constante que «O fundamento da oposição constante do artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T., remete para a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o mesmo acto de liquidação. Ora, em regra, liquidado um tributo, é efectuada a respectiva notificação, podendo o sujeito passivo impugnar o acto tributário em causa, por via graciosa ou contenciosa (reclamação graciosa ou impugnação judicial, em conformidade com o preceituado nos artºs.70, 99 e 102, do C.P.P.T.). Por ser dada esta oportunidade ao interessado de impugnar o acto de liquidação e haver um prazo para serem usados esses meios processuais é vedada ao sujeito passivo, em regra, a possibilidade de discutir na oposição a legalidade daquele. Com excepção dos casos em que for imputado ao acto vício qualificável como nulidade ou invocada a sua inexistência (cfr.artºs.133 e 134, do anterior C.P.A., o aplicável no caso "sub iudice").
Assim, a discussão da legalidade da liquidação que consubstancia a dívida exequenda, na oposição à execução, só é permitida nos casos em que, por via do "âmbito da execução fiscal" definido no artº.148, do C.P.P.T., são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/01/2019, rec. 654/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2020, rec.12/16.2BEAVR; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.495 e seg.).» - cfr. acórdão do STA de 23.06.2021, proferido no processo 0254/12.0BELRA 0599/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d959cf27bb7d1b31802586fe007b8b26?OpenDocument&ExpandSection=1.
Em suma, não é possível conhecer em sede de oposição da legalidade da dívida exequenda, quando esta tenha sido criada por ato administrativo.
Na situação dos autos, para além de invocar a ilegalidade da dívida exequenda, a Recorrente referiu, nos artigos 5º, 6º e 14º a 16º da p.i., que:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
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Do assim alegado e tanto quanto os documentos juntos aos autos nos permitem divisar, decorre que a notificação “da liquidação” não era, desde logo, um ato definitivo, pois do seu próprio teor resulta que, não concordando com o valor da dívida, a destinatária podia responder, por escrito, no prazo de 10 dias úteis. Mais lhe foi indicado que, a partir dos 10 dias úteis “acima indicados” (ou seja, para apresentação da “resposta”), podia pedir a revisão da decisão, através de reclamação, a apresentar no prazo de 15 dias, de recurso hierárquico, no prazo de 3 meses, ou de impugnação contenciosa, também no prazo de 3 meses.
Ora, no requerimento aludido em B) do probatório, a Recorrente refere “responder” à dita notificação, identificando-se como “respondente”. Para além disso, este requerimento foi apresentado dentro do prazo de 10 dias úteis após a notificação, pelo que visava, indubitavelmente, responder, a título de audiência prévia, à pretensão da Recorrida de liquidar o montante exequendo.
E não temos qualquer rebuço em considerar que se tratou, efetivamente, do exercício de audiência prévia porquanto dos autos não resulta qualquer elemento probatório evidenciador de que esta formalidade já antes tivesse ocorrido no procedimento.
Não podemos, por isso, concordar com o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo quando refere que o requerimento em causa era uma “reclamação”, nos termos do artigo 191º do CPA.
É inequívoca a natureza taxativa dos fundamentos da oposição à execução fiscal, sem prejuízo do carácter aberto da previsão da alínea i,) do nº 1, do artigo 204º do CPPT, sendo que essa «taxatividade dos fundamentos de oposição não implica uma restrição aos direitos fundamentais de acesso aos tribunais, à tutela judicial efectiva e ao recurso contencioso, uma vez que a impugnação de actos lesivos é permitida sempre que a lei não assegurar um meio de os impugnar contenciosamente, como expressamente se refere na alínea h) do n.º 1» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª edição, III volume, anotação 2 ao artigo 204º, págs. 441/442. ).
Assim, é manifesto que a Recorrente não poderá discutir nesta sede a legalidade da liquidação/dívida. Poderia fazê-lo, isso sim, na sede própria, sendo que o respectivo prazo não se abriria sem que fosse notificada da respectiva decisão. Mas, essa eventual falta de notificação não lhe abre a possibilidade de impugná-la em sede de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea h) do nº 1 do artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A eventual inexistência de um ato definitivo e a falta da correpondente notificação poderá relevar, isso sim, como fundamento da inexigibilidade da dívida exequenda.
Existe, portanto, outro fundamento alegado, para além dos referidos na sentença recorrida, relativamente ao qual se não pode afirmar que não constitua, em abstrato, fundamento de oposição à execução fiscal.
É certo que a inexigibilidade da dívida não foi expressamente mencionada pela Recorrente, mas tal facto não inibe o tribunal de assim enquadrar os factos invocados, designadamente nos transcritos artigos da p.i.. No sentido de que não releva a qualificação jurídica dos factos efetuada pelo oponente, atenta a regra do artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 10 ao artigo 209º, pág. 559.
Nesta conformidade, os ditos factos comportam o seu enquadramento na inexigibilidade da dívida por falta de notificação da decisão de determinação do valor em dívida, o qual é subsumível na alínea i), do nº 1, do artigo 204º do CPPT. Referindo-se a este fundamento de oposição à execução fiscal, ensina-nos JORGE LOPES DE SOUSA: «trata-se de uma disposição com carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que exist[e] um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade» ( Ob. cit., volume III, nota 38 a) ao artigo 204º, pág. 498.).
Neste contexto, não pode manter-se a sentença recorrida, que deve ser revogada, ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância para aí ser proferido novo despacho liminar, que não seja de indeferimento por não ter sido alegado qualquer fundamento de oposição.
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Assim preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - É inequívoca a natureza taxativa dos fundamentos da oposição à execução fiscal, sem prejuízo do carácter aberto da previsão da alínea i,) do nº 1, do artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
II - A eventual inexistência de um ato definitivo e a falta da correpondente notificação pode relevar como fundamento da inexigibilidade da dívida exequenda.
III – Apesar de a inexigibilidade da dívida não ter sido expressamente mencionada pela oponente, tal facto não inibe o tribunal de assim enquadrar os factos invocados, pois não releva a qualificação jurídica dos factos efetuada pelo oponente, atenta a regra do artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil.


4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para o efeito supra referido.

Custas a cargo da Recorrida, por aqui sair vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 12 de outubro de 2023

Maria do Rosário Pais - Relatora
Vítor Domingos de Oliveira Salazar Unas
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