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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0254/12.0BELRA 0599/17
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
LEGALIDADE DA DIVIDA EXEQUENDA
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
FALSIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO
NOTIFICAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - O fundamento da oposição constante do artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T., remete para a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o mesmo acto de liquidação. Ora, em regra, liquidado um tributo, é efectuada a respectiva notificação, podendo o sujeito passivo impugnar o acto tributário em causa, por via graciosa ou contenciosa (reclamação graciosa ou impugnação judicial, em conformidade com o preceituado nos artºs.70, 99 e 102, do C.P.P.T.). Por ser dada esta oportunidade ao interessado de impugnar o acto de liquidação e haver um prazo para serem usados esses meios processuais é vedada ao sujeito passivo, em regra, a possibilidade de discutir na oposição a legalidade daquele. Com excepção dos casos em que for imputado ao acto vício qualificável como nulidade ou invocada a sua inexistência (cfr.artºs.133 e 134, do anterior C.P.A., o aplicável no caso "sub iudice").
II - Assim, a discussão da legalidade da liquidação que consubstancia a dívida exequenda, em sede de oposição à execução, só é permitida nos casos em que, por via do "âmbito da execução fiscal" definido no artº.148, do C.P.P.T., são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade.
III - O que pode e deve ser objecto de fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa).
IV - A falsidade do título susceptível de suportar a oposição (cfr.artº.204, nº.1, al.c), do C.P.P.T.) consiste na desconformidade do seu conteúdo face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação.
V - De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C.P.Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do actual C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário). Tanto à face do anterior C.P.Tributário, como da actual L.G.T., o facto que obsta à caducidade do direito à liquidação e consequente inexigibilidade da dívida exequenda é a notificação do contribuinte ou sujeito passivo originário do tributo no prazo determinado na lei.
VI - No caso "sub iudice", de acordo com o exame da factualidade provada e estruturada pelo Tribunal "a quo", deve concluir-se que da mesma não consta a identificação das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda, tal como a eventual notificação de tais actos tributários ao sujeito passivo originário de imposto, tudo com vista ao concreto exame deste fundamento da oposição.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27886
Nº do Documento:SA2202106230254/12
Data de Entrada:05/24/2017
Recorrente:A...........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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A…………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, constante a fls.157 a 169 do processo físico, a qual julgou totalmente improcedente a presente oposição a execução fiscal, deduzida pelo ora recorrente e enquanto revertido, visando o processo de execução fiscal nº.1350-2008/109214.6 e apensos, instaurados para cobrança de dívidas de I.R.S. e I.R.C., relativas aos anos de 2006 e 2008 e no montante global de € 100.056,78.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.182 a 190 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-O Tribunal recorrido, depois, de analisar os pressupostos de que depende a dedução de oposição, conclui na decisão sindicada o seguinte: "...que o vício invocado não é fundamento da presente Oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.°, n.° 1, alínea h) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.";
B-Se bem entendemos o texto legal no que tange aos fundamentos de oposição à execução, assim não poderá ser, sob pena de manifesta interpretação inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade;
C-Com efeito, estabelece o Art°. 204° do CPPT, para o que ora interessa, o seguinte:
1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
(...)
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
(…);
D-Em face do exposto no apontado incisivo legal, consubstanciam, de entre o mais, fundamentos de oposição à execução, falsidade do título executivo; prescrição da dívida e falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
E-O título executivo baseia-se numa liquidação emanada pela AT na sequência de uma reversão operada contra o oponente. Com efeito, alga o mesmo que a Autoridade Tributária preteriu em tal procedimento formalidades legais e, por isso, tal determina, que o título executivo não seja válido, por o procedimento que o originou estar inquinado, o que, consubstancia, pois, fundamento de oposição a execução nos termos da apontada norma legal e, por isso, é admissível a oposição deduzida – neste sentido: Ac. do TCAS no processo n°. 01376/04.6BEPRT - Secção: 2ª Secção;
F-O sindicante invocou, ainda, a falta de notificação do tributo dentro do prazo de caducidade, o que o Tribunal recorrido desatendeu, com o fundamento que o que conta é a notificação do devedor originário e não do subsidiário, no caso o aqui oponente. Contudo, da matéria de facto dada como assente nada se encontra nesse sentido, quer da notificação da liquidação, quer da citação da devedora originária. Assim, temos de concluir que assiste razão ao oponente, pois nada constando quanto à notificação / citação do devedor originário, tem de se levar em linha de conta a notificação do oponente e, esta, ocorreu para além do prazo de caducidade e, por isso, procede a oposição.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo parcial provimento do recurso (cfr.fls.202 a 205 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.209 e 210 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.160 a 165 do processo físico):
1-Contra B……………., LDA, NIPC: …………….., foi instaurada a execução fiscal nº 1350200801092146 e apensos, para cobrança das seguintes dívidas:



no valor total de € 100.056,78, cfr. teor dos docs. de fls. 40/41 dos autos (p.f.), que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
2-Em 07/11/2011, pelo Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, foi lavrada informação para despacho para audição (reversão, cfr. fls. 42 do p.f., com o seguinte teor):
[Imagem]


3-Em 07/11/2011, o Chefe do Serviço de Finanças sustentado na informação antecedente proferiu despacho para audição (reversão) do ora Oponente, cfr. fls. 43/v do p.f.;
4-O OEF, mediante carta registada PM 778427881PT, notificou o Oponente para exercer o direito de audição prévia, cfr. fls 44/ v do p.f.;
5-Em 22/11/2011, o Oponente exerceu o direito de audição prévia, cfr. fls. do p.f. 45/v, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e donde consta o seguinte:
«(…)

[Imagem]


(…)»;

6-Em 28/11/2011, o OEF, mediante ofício n.º 9350, solicitou à Direcção de Finanças de Leiria, elementos, designadamente os documentos subjacentes à liquidação oficiosa dos impostos em cobrança coerciva, cfr. fls. 46 do p.f.;
7-Por ofício datado de 29/11/2011, foi remetido ao OEF o Relatório de Inspecção Tributária e respectivos anexos da inspecção efectuada à devedora originária quanto ao exercício de 2008, cfr. fls. 47/75v do p.f.;
8-Em 05/12/2011, pelo OEF, foi lavrada informação com o seguinte teor:

[Imagem]


[cfr. fls. 76 do p.f.];
9-Em consequência, por despacho datado de 23/12/2014, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, reverteu a execução contra o Oponente, tendo proferido o seguinte despacho: «Prossiga a execução com a citação do executado por se verificarem reunidos os pressupostos do art.º 24.º da LGT», cfr. fls 76 verso do p.f.;
10-O Oponente foi citado para reversão em 18/01/2012, cfr. fls. 77/79 do p.f.;
11-A presente Oposição foi intentada em 20/02/2012, cfr. teor de fls. 5 dos autos (p.f.).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos e elementos do PEF juntos aos autos que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos – art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a presente oposição a execução fiscal, com base nas seguintes conclusões:
1-Que, contrariamente a todo o alegado pelo oponente, relevante para se apreciar a questão da falta de notificação das liquidações no prazo de caducidade é a notificação ao sujeito passivo do imposto e não a do oponente, enquanto responsável subsidiário, razão pela qual improcede o argumento apresentado, nesta sede;
2-Que estando em causa a não apreciação, por parte dos serviços da A. Fiscal, de questão suscitada pelo potencial revertido, por ocasião do exercício, nos termos do artº. 60, da L.G.T., do direito de audição prévia à decisão final de reversão, o meio processual tributário próprio para escrutinar tal omissão é o de reclamação das decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal, previsto e disciplinado no artº.276 e seg. do C.P.P.T., e não o de oposição à execução fiscal, assim se julgando improcedente o presente esteio da oposição;
3-Que a alegada inexistência de actividade da devedora originária não é fundamento de oposição, pois tal apreciação envolve a legalidade da liquidação, face a tal matéria devendo ter deduzido impugnação judicial, assim não sendo enquadrável no artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
Mais deve vincar-se que houve trânsito em julgado da sentença recorrida na vertente em que conclui que a alegada omissão existente no exame, por parte da A. Fiscal, do teor do direito de audição prévia à decisão final de reversão, somente em sede de reclamação das decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal pode ser examinada, matéria não abarcada pelo recurso (cfr.artºs.628, 635, nº.5, e 639, nº.1, todos do C.P.Civil).
Se bem percebemos o teor das conclusões da apelação, o recorrente começa por impugnar a sentença recorrida na vertente em que esta concluiu que a alegada inexistência de actividade da devedora originária não é fundamento de oposição. Nesta sede, defende que tal interpretação do artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T., é inconstitucional, devido a violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade. Que constitui fundamento de oposição à execução a falsidade do título executivo, nos termos do artº.204, nº.1, al.c), do C.P.P.T. Que, no caso concreto, o título executivo não é válido, dado que estruturado com base em procedimento em que se preteriram formalidades legais (cfr.conclusões A) a E) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
No exame deste esteio do recurso, deve começar este Tribunal por relevar a confusão de conceitos jurídicos demonstrada pelo recorrente nas alegações apresentadas, nessa medida sendo difícil perceber que vício elege como fundamento da apelação, tal como a censura que dirige à sentença recorrida, sabendo-se que o artº.639, nº.1, do C.P.C. (cfr.anterior artº.685-A, nº.1, do C.P.Civil, na redacção do dec.lei 303/2007, de 24/8) faz recair sobre o recorrente o encargo de circunscrever com clareza o âmbito do litígio submetido ao escrutínio judicial, através da explicitação das razões da sua dissidência com a decisão do Tribunal "a quo".
Avançando.
O fundamento da oposição constante do artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T., remete para a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o mesmo acto de liquidação. Ora, em regra, liquidado um tributo, é efectuada a respectiva notificação, podendo o sujeito passivo impugnar o acto tributário em causa, por via graciosa ou contenciosa (reclamação graciosa ou impugnação judicial, em conformidade com o preceituado nos artºs.70, 99 e 102, do C.P.P.T.). Por ser dada esta oportunidade ao interessado de impugnar o acto de liquidação e haver um prazo para serem usados esses meios processuais é vedada ao sujeito passivo, em regra, a possibilidade de discutir na oposição a legalidade daquele. Com excepção dos casos em que for imputado ao acto vício qualificável como nulidade ou invocada a sua inexistência (cfr.artºs.133 e 134, do anterior C.P.A., o aplicável no caso "sub iudice").
Assim, a discussão da legalidade da liquidação que consubstancia a dívida exequenda, na oposição à execução, só é permitida nos casos em que, por via do "âmbito da execução fiscal" definido no artº.148, do C.P.P.T., são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/01/2019, rec. 654/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2020, rec.12/16.2BEAVR; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.495 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, as dívidas exequendas consubstanciam liquidações de impostos (cfr.nº.1 do probatório), face às quais se deveria ter utilizado a forma de processo de impugnação, querendo discutir-se a legalidade concreta das mesmas, nesta medida se confirmando a sentença recorrida em tal segmento.
Apesar disso, defende o recorrente que esta interpretação do citado artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T., padece do vício de inconstitucionalidade, devido a violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade.
Em primeiro lugar, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec. 387/17.6BEMDL; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Revertendo ao caso concreto, desde logo, se deve vincar que o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Apesar do acabado de mencionar, não lobriga este Tribunal no que possa, a sentença recorrida, ter violado os citados princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade, com a interpretação efectuada do mencionado artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T. (o recorrente também nada concretiza neste domínio), pelo que se julga improcedente o presente vector do recurso.
Por último, ainda no âmbito deste alicerce da apelação, vem o recorrente chamar à colação o fundamento de oposição à execução que consiste na falsidade do título executivo, nos termos do artº.204, nº.1, al.c), do C.P.P.T.
A falsidade pode apresentar-se sob diversos aspectos no que diz respeito ao direito processual. Pode, em primeiro lugar, ser objecto de acção declarativa. Em segundo lugar, pode servir de fundamento ao recurso de revisão (cfr.artº.696, al.b), do C.P.Civil). Em terceiro lugar, pode servir de fundamento à dedução de embargos de executado (cfr.artº.729, al.b), do C.P.Civil). Por último e no que em concreto nos interessa, pode surgir como incidente, o que pressupõe a pendência de uma acção declarativa ou executiva ou como fundamento de oposição a execução fiscal (cfr.artº.446, do C.P.Civil; artºs.166, nº.2, e 204, nº.1, al.c), do C.P.P.Tributário).
No que diz respeito à falsidade documental, a lei substantiva só prevê a possibilidade da sua invocação quanto a tipos de documentos aos quais atribui eficácia probatória plena. Tal conclusão resulta, de forma evidente, do confronto entre os artºs.346 e 347, do C.Civil. Somente o artº.347, do C.Civil, exige a prova do contrário, incumbindo o respectivo ónus (através do incidente de falsidade) a quem se quiser opôr à prova plena resultante do documento (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/02/2015, proc.5336/12; José Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, Coimbra 1984, pág.123 a 125).
A falsidade do título executivo pode consistir na desconformidade entre a certidão e o original certificado. Pode, igualmente, consistir na certificação de um facto que na realidade se não verificou. Ocorrerá, ainda, falsidade do título se na certidão de relaxe constar, por lapso, uma quantia em dívida superior à do conhecimento relaxado (viciação do contexto). São estes os casos de falsidade passíveis de ocorrer face ao título executivo que fundamenta uma execução fiscal. No entanto, a falsidade do título executivo que pode servir de fundamento à oposição a execução fiscal não é a intelectual, consistente em certificar uma obrigação alegadamente inexistente por o opoente ainda nada dever. A falsidade do título susceptível de suportar a oposição consiste, antes, na desconformidade do seu conteúdo face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/06/2003, rec.596/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/01/2010, rec.667/09; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 2000, pág.490 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.482 e seg.).
Mais, a lei prevê a possibilidade de suprimento de qualquer deficiência do título executivo através de prova documental junta ao processo (cfr.artº.165, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 2000, pág.411; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.142).
"In casu", o recorrente não alega qualquer fundamento válido de falsidade dos títulos executivos identificados no nº.1 do probatório supra, sendo que este Tribunal igualmente não vislumbra o mesmo.
Sem necessidade de mais amplas considerações o Tribunal nega provimento ao presente esteio do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, por último, que invocou no articulado inicial, como esteio da oposição, a falta de notificação do tributo dentro do prazo de caducidade. Que o Tribunal "a quo" desatendeu este fundamento da oposição ao concluir que a notificação relevante é a do devedor originário e não do subsidiário. Que do probatório elaborado não consta a data de notificação da liquidação, tal como da citação da devedora originária no âmbito da execução fiscal. Que nada constando quanto à notificação/citação do devedor originário, tem de se levar em linha de conta a notificação do oponente e esta ocorreu para além do prazo de caducidade, assim devendo proceder a oposição (cfr.conclusão F) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C.P.Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do actual C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
Tanto à face do anterior C.P.Tributário, como da actual L.G.T., o facto que obsta à caducidade do direito à liquidação e consequente inexigibilidade da dívida exequenda é a notificação do contribuinte ou sujeito passivo originário do tributo no prazo determinado na lei (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/05/2005, rec.381/05; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.491).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/09/2011, rec.473/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/09/2012, rec.251/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.489 e seg.).
Neste contexto, cabe à A. Fiscal o ónus de demonstrar que as notificações das liquidações foram validamente efectuadas, atento o disposto no artº.74, nº.1, da L.G.T.
No caso "sub iudice", de acordo com o exame da factualidade provada e supra exarada, deve concluir-se que da mesma não consta a identificação das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda, tal como a eventual notificação de tais actos tributários ao sujeito passivo originário de imposto, a sociedade "B………….., L.da.", tudo com vista ao concreto exame deste fundamento da oposição.
Releve-se que a falta de apuramento de tais factos resulta da omissão de diligências que se impunha realizar por parte do Tribunal "a quo", pelo que a sentença sindicada padece de défice instrutório, sendo que o S.T.A. é um Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), com exclusiva competência em matéria de direito, em regra (cfr.artº.26, al.b), do E.T.A.F.).
Por outro lado, mencione-se que, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/12/2019, rec. 1555/08.5BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.2145/12.5BEPRT; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Com estes pressupostos, a sentença recorrida será revogada, neste segmento (falta de notificação do tributo dentro do prazo de caducidade), e os autos deverão regressar à 1.ª Instância, a fim de aí, após fixação da matéria de facto pertinente, ser conhecido este fundamento da oposição, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM:
1-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, no segmento relativo à alegada inexistência de actividade da devedora originária;
2-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA e ordenar que os autos regressem à 1.ª Instância (TAF de Aveiro), a fim de aí, após fixação da pertinente matéria de facto, ser conhecido o outro fundamento da oposição (falta de notificação do tributo dentro do prazo de caducidade).
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Condena-se o recorrente e a entidade recorrida em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), na proporção do respectivo decaimento, mais se dispensando esta última do pagamento da taxa de justiça nesta instância de recurso, visto não ter produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23 de Junho de 2021

Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Paulo José Rodrigues Antunes e Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.
Joaquim Manuel Charneca Condesso