Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02635/21.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADES; TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO;
ACTO DE REPERCUSSÃO; JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
INCONSTITUCIONALIDADES ;
Sumário:
I. A norma constante do artigo 85º, nº.3, da Lei do OE/2017 para 2017 (Lei 42/2016, de 28/12), ostenta validade ou conformidade constitucional e plena eficácia, assim produzindo efeitos desde 01/01/2017, passando a ser ilegal a repercussão da TOS nos consumidores.

II. A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo.

III. A circunstância da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) ser uma entidade privada, uma sociedade anónima, não determina a sua exclusão do âmbito de aplicação do artigo 43º, nº.1, da LGT, interpretado em conformidade com o artigo 22º, da Constituição.

IV. No contexto de facto e de direito que emerge dos autos, é de considerar a sociedade comercializadora de gás ora recorrida integrada no conceito de "serviços" consagrado no citado artigo 43º, nº.1, da LGT, em consequência, não existe qualquer obstáculo em reconhecer à sociedade recorrente o direito de reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios.

V. A norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 não é inconstitucional, não sendo de desaplicar, quando interpretada no sentido de ser imediatamente aplicável, nem por violação do princípio da igualdade, confiança legitima, da proporcionalidade e proibição do excesso e da tutela da iniciativa privada e da propriedade privada.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], SA (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 02.06.2023, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela [SCom02...], S.A., consistente no acto de repercussão da Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS) incluída na fatura n° ...95, emitida em 8 de outubro de 2020, no valor de 9.428,04 €, referente ao mês de setembro de 2020, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
1) O presente Recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou a impugnação judicial deduzida pela [SCom02...] procedente.
2) O processo de impugnação judicial foi apresentado pela [SCom02...] e tem por objeto o valor da TOS, no montante de € 9.428,04, incluído na fatura n.º ...95, de 8 de outubro de 2020, emitida pela [SCom01...].
A) Vícios da sentença recorrida: omissão de pronúncia, oposição da decisão com os fundamentos e obscuridade na fundamentação
3) Desde logo, no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 125.°, n.º 1 do CPPT e art. 615.°, n.º 1, al. d) da CPC, a mesma verifica-se em virtude de o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a questão da inconstitucionalidade da normas prevista no n.º 3 do artigo 85.° da Lei do OE para 2017, quando interpretada e aplicada no sentido de ser imediatamente aplicável, por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada (artigos 2.°, 61.° e 62.° da Constituição), do princípio contido no artigo 105.°, n.º 2 da Constituição de acordo com o qual o Orçamento é elaborado de harmonia com as obrigações decorrentes de lei ou de contrato por violação do estatuto jurídico-constitucional do Governo e, por consequência, dos artigos 2.°, 111.° e 128.° da Constituição, por violação da tutela da confiança da Recorrente, enquanto entidade comercializadora de gás natural e agente interveniente na cadeia de distribuição e comercialização de gás, em desrespeito pelos artigos 2.° e 266.°, n.° 2, da Constituição, que havia sido suscitada pela RECORRENTE na contestação.
4) A [SCom01...] suscitou, ainda, no requerimento submetido em 12 de abril de 2023 (Ref. SITAF 803224, Doc. n.° 00839466 e constante a fls. 1742 e seguintes do SITAF) que é inconstitucional a interpretação e aplicação da norma do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017, bem como do posterior artigo 133.°, n.° 1 da LOE 2021, no sentido de que as empresas comercializadoras de gás podem ser sujeitas a suportar o custo da TOS, não obstante não serem sujeitos passivos do tributo em causa, exercerem a sua atividade em regime de livre concorrência e a inviabilidade económica de uma interpretação do regime legal que faça recair sobre as comercializadoras de gás o encargo de suportar a TOS, por violação dos princípios da igualdade, da confiança legítima, da proibição do excesso e ainda da iniciativa privada e da propriedade privada e por consequência do disposto nos artigos 2.°, 13.°, 18.°, n.° 2, 61.° e 62.° da Constituição.
5) Tendo a sentença recorrida condenado a [SCom01...] à restituição do valor impugnado e, assim a suportar o respetivo encargo económico, impunha-se a apreciação das questões de inconstitucionalidade suscitadas, que são de conhecimento oficioso, conforme decorre dos artigos 608.°, n.° 2 do CPC e 204.° da CRP, pelo que a não pronúncia sobre as indicadas inconstitucionalidades conduz à nulidade da sentença por omissão de pronúncia ao abrigo dos artigos 125.°, n.° 1 do CPPT e 615.°, n.° 1, al. d) da CPC.
6) Quanto à omissão de pronúncia e obscuridade na fundamentação, tendo a [SCom01...] expressamente invocado e demonstrado, no presente processo, não ser uma empresa operadora de infraestruturas, o tribunal não podia deixar de se pronunciar sobre as consequências da sua posição específica, enquanto entidade comercializadora, na cadeia de valor do sector do gás natural, em face da aplicação do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017 o que não foi feito, sob pena de incorrer numa obscuridade na respetiva fundamentação ou, pelo menos, numa omissão de pronúncia, geradora de nulidade, à luz do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alíneas c) e d), do CPC, e no artigo 125.°, n.° 1, do CPPT.
7) Quanto à nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão na medida em que há uma contradição lógica entre o fundamento da decisão - que conclui que desde 1 de janeiro de 2017, a partir da entrada em vigor da norma do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017, o encargo da TOS deve ser suportado pelas empresas operadoras de infraestruturas (in casu a [SCom03...]) – e, a decisão, que condena a RECORRENTE, que é uma entidade comercializadora de gás (e ão uma empresa operadora de infraestruturas), ao reembolso do valor correspondente ao encargo da TOS, pelo que a sentença padece de nulidade, cujo declaração se requer ao abrigo da alínea c) do n. ° 1 do artigo 615.° do CPC, aplicável ao caso ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT.
B) Erro de julgamento quanto à matéria de facto
8) Acresce que não foram carreados para o probatório todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
9) Tendo a [SCom01...] invocado na contestação a questão da inconstitucionalidade da norma constante do n.° 3 do artigo 85.° da Lei do OE para 2017 , quando interpretada no sentido da sua aplicação imediata, por se considerar que a mesma colidia com as obrigações anteriores decorrentes dos contratos de concessão de gás, concretamente, com o direito de repercussão da TOS sobre os consumidores finais, em flagrante violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.°, 61.° e 62.° da CRP e do artigo 105.°, n.° 2, da CRP que impõe que o Orçamento seja elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou contrato e, bem assim, do estatuto jurídico-constitucional do Governo como órgão superior da Administração e da tutela da confiança na atuação do Estado conforme artigos 2.°, 111.°, 128.° e 266.°, n.° 2, da CRP , impunha-se que na factualidade dada como provada o Tribunal a quo se tivesse considerado que a repercussão da TOS emerge das minutas dos contratos de concessão de gás, celebrados entre o Estado e os operadores das redes de distribuição de gás e tivesse considerado que a [SCom03...] é uma empresa operadora das infraestruturas.
10) Acresce que, para a análise das exceções da incompetência material e de ilegitimidade e para a análise da entidade obrigada a suportar a TOS era necessário que fosse fixado nos factos que a [SCom03...] é a detentora de concessão de distribuição regional de gás natural do Norte, que inclui a área de concessão do concelho ....
11) Face à factualidade alegada e à prova produzida deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos, cujo aditamento se requer ao abrigo do disposto no artigo 640.° do CPC:
a) Pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 98/2008, 3 de abril, foram aprovadas as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as sociedades [SCom04...], S.A.; [SCom05...], S. A.; [SCom06...], S.A.; [SCom07...], S.A.; [SCom08...], S.A. e [SCom09...], S.A., que em 2016 alterou a sua designação para [SCom10...], S.A. e desde outubro de 2017 opera, sob a designação social de [SCom03...], S.A. (cf. Documento n.° 1 da contestação).
b) A [SCom03...] S.A. (anteriormente designada de [SCom10...], S.A.) é a detentora de concessão de distribuição regional de gás natural do Norte, que inclui a área de concessão do concelho ... (cf. Resolução do Conselho de Ministros n.° 98/2008, de 3 abril, junto como Documento n.° 1 da contestação e artigo 3.° da petição inicial).
c) No âmbito do contrato de fornecimento de gás celebrado entre a [SCom01...] e a [SCom02...], no Anexo II das Condições Particulares, foi expressamente identificada a fórmula de cálculo do preço de venda, incluindo uma Parcela Regulada (que integra “a componente do preço que corresponder, a cada momento, ao conjunto dos valores devidos, direta ou indiretamente pelo Cliente, pela adesão e utilização das infraestruturas que integram o SNGN, tal como indicado na cláusula 3.2 das Condições Gerais. Os valores atrás referidos são fixados administrativamente pela ERSE e revistos periodicamente (...)”) e uma Parcela Não Regulada (correspondente à “componente do preço que é livremente fixada pela Empresa e que, em cada mês, será determinada com base na(s) seguinte(s) fórmula(s) (...)”) (cf. processo administrativo).
d) Na cláusula 3.ª (Preço) das Condições Gerais do contrato celebrado entre a [SCom01...] e a [SCom02...] consta que (cf. processo administrativo):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
12) No caso em apreço, como vimos, o Tribunal a quo não fixou a matéria factual relevante/essencial para a análise das questões jurídicas colocadas pelas partes, pelo que, em face do exposto e atenta a prova produzida nos autos, supra identificada, a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada aditando aos factos julgados provados os factos supra identificados.
C) Erro de julgamento quanto à matéria de direito: incompetência material do tribunal, ilegitimidade passiva da Recorrente, erro na forma de processo e intempestividade da impugnação judicial
13) Acresce que a sentença recorrida enferma também de erro de julgamento quanto à matéria de Direito.
14) Para o Tribunal a quo no presente litígio está em causa um ato de repercussão de um tributo, tem subjacente uma relação jurídico-tributária, pelo que conclui que o Tribunal é materialmente competente, conclusão que não se pode acompanhar, devendo antes concluir-se pela incompetência material do Tribunal.
15) A relação tributária relativa à TOS é estabelecida exclusivamente entre o município e a operadora da rede de distribuição.
16) O direito das concessionárias a repercutir sobre os utilizadores das suas infraestruturas, o valor integral de quaisquer taxas, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais e a subsequente regulação deste direito visa garantir a regulamentação da forma como estes custos se vão refletir na formação dos preços por estas praticados (cf. Cláusula 7.ª n.º 2 de cada uma das minutas de concessão).
17) A repercussão que a operadora da rede de distribuição possa fazer sobre a entidade comercializadora (direito, e não dever) inclui-se no preço das prestações disponibilizadas pela primeira à segunda, como um dos custos suportados pela primeira, cuja formação está sujeita a uma regulamentação (tarifas reguladas).
18) A repercussão que a entidade comercializadora faça sobre o cliente final tem a mesma natureza de preço, ainda que o modo de repercussão seja igualmente objeto de regulamentação da ERSE. É precisamente isso que se verifica no caso dos autos, à luz do contrato de fornecimento de gás celebrado entre a [SCom01...] e a [SCom02...].
19 Inexiste, portanto, qualquer relação tributária em sentido amplo relativa à TOS que inclua a [SCom02...] ou, sequer, a [SCom01...].
20 Deste modo, a circunstância de se estar perante uma prestação obrigatória para [SCom02...], com a sua génese nas minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural aprovadas por Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 03.04 não significa que essa obrigação tenha natureza tributária.
21 Como já abordado, está-se perante a figura da repercussão tributária legal quando o encargo económico de um tributo é transferido para uma pessoa diferente do sujeito passivo por imposição de uma norma tributária.
22 As fontes da determinação que a [SCom02...] deve suportar no preço o valor correspondente à TOS suportada pela concessionária não são normas tributárias.
23 Em suma, na medida em que a repercussão não faz parte da forma como a TOS foi estruturada pela entidade responsável pela sua criação e liquidação e, na medida em que as fontes da obrigação de repercussão não têm natureza tributária, não há uma ligação entre a relação jurídica tributária (no quadro da qual é emitido o ato de liquidação) e as relações subsequentes que se estabelecem entre a concessionária, a comercializadora e o consumidor final que permita reconhecer natureza tributária a estas últimas.
24 Para além disso, também, não se poderá entender que a repercussão da TOS constitui um elemento desta taxa, na medida em que a mesma resulta de normas externas ao regime jurídico que instituiu esta taxa.
25 Mesmo que não se acompanhe o entendimento da RECORRENTE quanto à natureza de preço e à não existência de uma relação jurídica tributária em sentido amplo, o que por mera cautela de patrocínio se admite, segundo a posição tradicional da doutrina, nos casos de repercussão tributária o sujeito económico suporta o encargo económico do imposto, por via de uma difusão ou repercussão que a lei fiscal determina mas da qual se desinteressa, pelo que a relação com o repercutido não tem natureza fiscal.
26 Deste modo, a sentença recorrida ao afirmar que o ato de repercussão se insere numa relação jurídica tributária e ao concluir pela competência material do Tribunal enferma de erro de julgamento por violação dos artigos 1.°, n.° 1, 4.°, n.° 1, alínea a) e 49.° n.° 1, alínea a) do ETAF e 212.°, n.° 3 da CRP.
27 Acresce que, estando em causa um preço a relação entre a [SCom01...] e a [SCom02...] (cliente final) será, então, de qualificar como uma mera relação jurídica de consumo, na medida em que a mesma emerge do contrato de fornecimento de energia (gás natural) celebrado entre as partes.
28 Pelo que, em qualquer caso, o Tribunal Tributário nunca seria materialmente competente para apreciar a presente ação, enfermando, em consequência, a sentença recorrida, de erro de julgamento por violação do disposto no artigo 4.° número 4, alínea e) do ETAF, na redação da Lei n.° 114/2019 de 12 de setembro.
29 A infração das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, devendo em consequência, revogar-se a sentença recorrida que não reconheceu a invocada exceção e absolver-se a RECORRENTE da instância (cf. art. 16.°, número 1 do CPPT e art. 278.° e 576.° do CPC).
30 Relativamente à exceção da ilegitimidade passiva, a apreciação do Tribunal a quo, ao concluir pela não verificação da exceção, assentou, no entender da RECORRENTE, numa errada interpretação do artigo 9.° do CPPT, que é a norma que fixa a legitimidade para intervir nos procedimentos e nos processos judiciais tributários (cf. Acórdão do STA proferido em 14.10.2020, no processo n.° 0506/17.2BEALM, disponível em www.dgsi.pt ).
31 A [SCom01...] é uma sociedade comercial de direito privado comercializadora de gás natural, que não integra qualquer relação jurídica tributária mesmo em sentido amplo, pelo que não se reconduz a nenhum dos atores aos quais se reconhece ao abrigo daquela disposição legitimidade para intervir no processo tributário.
32 A [SCom01...] contabiliza o valor que pagou ao distribuidor relativa à componente de TOS e, seguindo a regulamentação emitida pela ERSE, cobra do consumidor final uma refração daquilo que suportou para compensar o operador da rede de distribuição pelo custo que este suportou com o pagamento da TOS.
33 Vindo o Tribunal ad quem a entender que a repercussão é ilegal, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, o valor repercutido e pago pela RECORRENTE deve ser reembolsado pelo Operador da Rede de Distribuição, uma vez que decorre do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017, ser esta entidade que deve pagar e suportar o encargo económico da TOS, o que significa que é o Operador da Rede de Distribuição que tem interesse em contradizer.
34 Pelo que, no caso em apreço, contrariamente ao que é sustentado na sentença recorrida a [SCom01...] não se afigura parte legítima.
35 Refira-se, ainda, que de acordo com o STA na impugnação judicial a determinação da legitimidade processual deverá ainda ser efetuada através do critério especial do art. 10.°/2 do CPTA do qual deriva que tem legitimidade processual passiva, nos processos instaurados contra entidades públicas, a pessoa coletiva de direito público a cujos órgãos ou serviços sejam imputáveis os atos impugnados, não sendo aplicável à impugnação judicial o disposto no artigo 30.° do CPC, para determinar a legitimidade processual das partes.
36 O art. 10.°/2 do CPTA trata-se de uma norma que regula a legitimidade processual passiva das entidades públicas, como decorre expressamente do seu teor e a [SCom01...] é uma sociedade comercial de direito privado, que não atua no exercício de poderes públicos.
37 Mesmo que se considerasse, o que por mera cautela de patrocínio se admite, que por via da aplicação do critério constante do art. 10.°/2 do CPTA, tem legitimidade processual passiva a entidade a quem seja imputável o ato impugnado importa ter presente, como já aflorado, que ao abrigo do regime aplicável, nomeadamente em função do determinado nas minutas contratuais aprovadas em Conselho de Ministros e nos regulamentos e manuais da entidade reguladora – a ERSE, a repercussão constitui um direito dos operadores das redes de distribuição de gás, limitando-se os comercializadores, através das suas faturas, a cobrar do consumidor final uma refração daquilo que suportaram para compensar o operador pelo custo que este suportou com o pagamento da TOS.
38 Caso fosse determinada a ilegalidade dessa repercussão – o que por mera cautela de patrocínio se admite – são estes operadores que veem negado um direito que lhes foi reconhecido nos contratos que celebraram enquanto concessionários das redes de distribuição, direito este posteriormente regulado nos Regulamentos e Manuais da ERSE.
39 Caso se conclua que os valores não podiam constar das faturas, é a [SCom03...] que terá de promover o reembolso daqueles valores e, por consequência, é a entidade que tem interesse em contradizer.
40 Em face do exposto, a sentença recorrida faz uma errada aplicação do direito quando considera que a [SCom01...] é parte legitima no presente processo de impugnação judicial nos termos do art. 30.° do CPC, em violação do art. 9.° do CPPT e do art. 10.°/2 do CPTA o que deverá determinar a sua revogação, com base nos fundamentos supra expostos.
41 No que respeita à exceção dilatória de erro na forma do processo, o Tribunal a quo julga improcedente esta exceção com fundamento na alínea a) do n.° 4 do artigo 18.° da LGT.
42 Quanto a esta exceção, a RECORRENTE entende que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação dos factos e das normas jurídicas relativas ao objeto do processo de impugnação.
43 No artigo 97.° do CPPT não é feita qualquer referência à possibilidade de impugnação da repercussão tributária de tributos e, por maioria de razão, não garante a possibilidade de contestação da mera repercussão económica de custos suportados por operadores económicos, que não integram a relação jurídica tributária, nem em sentido amplo.
44 Sem prejuízo do exposto, também não se poderá considerar que da alínea a), do n.° 4, do artigo 18.° da LGT, contrariamente ao que é sustentado na sentença recorrida, resulta a possibilidade de deduzir impugnação judicial contra a repercussão em apreciação, na medida em que o STA já veio entender que esta disposição protege o interesse do repercutido para impugnar a liquidação e não para impugnar a repercussão.
45 Não constituindo o ato de repercussão da TOS um ato suscetível de impugnação judicial nos termos do artigo 97.° do CPPT, nem por via do artigo 18.°, n.° 4, alínea a) da LGT, a sentença recorrida que julgou improcedente a exceção dilatória de erro na forma de processo não poderá manter-se na ordem jurídica por padecer de erro de julgamento quanto à matéria de direito, concretamente por violação do disposto no artigo 97.° do CPPT e do artigo 18.°, n.° 4, alínea a) da LGT, devendo, em consequência ser anulada.
46 No que respeita à exceção dilatória da intempestividade o Tribunal a quo por considerar ser de aplicar o disposto no artigo 279.° do CPC e que a propositura da presente ação respeitou o prazo de 30 dias estabelecido no citado normativo, entendeu que se mantêm os efeitos da propositura da primeira ação, incluindo a data da sua apresentação e, por isso, conclui pela improcedência desta exceção.
47 O processo de impugnação n.° 850/21.4BEPRT, teve como objeto imediato a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa e como objeto mediato o ato de liquidação da TOS, relativamente ao qual foi apresentada a reclamação graciosa, uma vez que, não é permitido conhecer a legalidade de qualquer outro ato em impugnação apresentada na sequência da formação de indeferimento tácito de reclamação deduzida contra ato de liquidação.
48 Já na impugnação que deu origem aos presentes autos apenas é peticionada a anulação da repercussão da TOS incluída na fatura n.° ...95, por violação do disposto no artigo 85.°, n.° 3, da LOE de 2017 e, subsidiariamente, o reconhecimento da inconstitucionalidade da repercussão da TOS, pelo que a mesma somente tem por objeto o ato de repercussão da TOS, subjacente à fatura n.° ...95, emitida pela [SCom01...].
49 Não existindo identidade de objeto entre as duas impugnações, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, a [SCom02...] não poderia lançar mão do mecanismo de renovação da instância previsto no artigo 279.° do CPC.
50 Em qualquer caso, na primeira impugnação o acesso à via judicial foi aberto por via da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação apresentada perante o Município.
51 Não pode a formação da presunção de indeferimento tácito de uma reclamação graciosa apresentada junto de um Município abrir a via judicial para a apresentação de uma impugnação judicial deduzida contra uma terceira entidade, neste caso, a ora RECORRENTE.
52 Pelo que, também, por este motivo a [SCom02...] não poderia lançar mão do mecanismo de renovação da instância previsto no artigo 279.° do CPC.
53 Acresce que, nos termos do artigo 102.°, n.° 1, alínea a), do CPPT, a impugnação será apresentada no prazo de 3 meses contado do termo do prazo para pagamento voluntário.
54 Terminando esse prazo de 3 meses em 22/04/2021, verifica-se que a [SCom02...] não propôs contra a [SCom01...] qualquer ação impugnatória dessa repercussão no decurso desse prazo.
55 Para que assim não fosse, teria de atender-se ao disposto no artigo 102.°, n.° 1, alínea d), do CPPT: a formação da presunção de indeferimento tácito.
56 Mas ao não ter sido apresentada reclamação graciosa junto da [SCom01...] não poderia a [SCom02...] beneficiar do compasso de espera que adviria da apresentação dessa para que tivesse início a contagem do prazo de impugnação, pelo que é extemporânea a impugnação proposta, após o termo do prazo a que se refere o artigo 102.°, n.° 1, alínea a), do CPPT.
57 Deste modo, a sentença recorrida que julgou improcedente a exceção dilatória de intempestividade da impugnação judicial não poderá manter-se na ordem jurídica por padecer de erro de julgamento quanto à matéria de direito, concretamente por violação do disposto no artigo 279.° do CPC e do artigo 102.°, n.° 1, alínea a) do CPPT, devendo, em consequência ser anulada.
D) Errada interpretação e aplicação do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017
58 No que respeita à legalidade da repercussão da TOS, entende a RECORRENTE que a apreciação do Tribunal a quo e, a decisão do STA que indica , assentam numa errada interpretação das normas jurídicas referentes ao quadro legal da repercussão TOS, designadamente do n.° 3 do artigo 85.° da Lei do OE para 2017 e do artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 3 de março, que estabeleceu as normas de execução do OE para 2017, por concluírem que a proibição da repercussão da TOS sobre os consumidores finais prevista no artigo 85.°, n.° 3 da Lei do OE para 2017 é imediatamente aplicável, a partir da entrada em vigor da lei que a aprovou.
59 Com efeito, conforme ficará demonstrado, a execução do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017 dependia do disposto nas disposições aprovadas no artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, e no que respeita à não repercussão das taxas nas faturas dos consumidores, dependia e depende ainda, das alterações a introduzir pelo Governo no quadro legal da TOS, como aliás resulta confirmado pelo disposto no artigo 246.° da LOE 2019, no artigo 133.° LOE da 2021, pela criação do Grupo de Trabalho.
60 A sentença recorrida, ao considerar que a proibição da repercussão da TOS é de aplicação imediata, sem atender à intenção manifestada de se promover uma alteração ao regime da TOS e, sobretudo sem atender à identificada necessidade, de em momento anterior se avaliar o impacto financeiro da medida faz uma errada interpretação do n.° 3, do artigo 85.° da LOE 2017, dos n.°s 1 a 5 do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 3 de março e, não atende ao princípio consagrado no artigo 9.°, n.° 1 do Código Civil e art. 11.°, n.° 1 da LGT, de acordo com o qual a interpretação das normas não se deve cingir à letra da lei, mas atender ao pensamento legislativo e à unidade do sistema jurídico.
61 Na medida em que se limitam a clarificar o caráter não exequível do n.° 3 do indicado artigo 85.°– o qual, como se viu, já resultava da interpretação deste preceito – as disposições do artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017 assumem-se, ao contrário do que parece ser sustentado na sentença recorrida como normas interpretativas.
62 Não procedendo o entendimento, o que por mera cautela de patrocínio se admite, que o artigo 70.° é uma norma interpretativa, tendo o n.° 5 do artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 25 de março sido aprovado e publicado após a da LOE 2017 há que aplicar-se o princípio que lei posterior prevalece sobre lei anterior, projetando sobre a primeira os seus efeitos jurídicos.
63 Enferma de manifesto erro, a interpretação secundada no Acórdão transcrito na sentença recorrida, de acordo com a qual o artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017 não disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo (pág. 30 da sentença).
64 O artigo 85.° da LOE 2017 está construído sequencialmente, elencando os vários passos cuja concretização permitirão concretizar no futuro a proibição da repercussão da TOS, motivo pelo qual no n.° 5, do artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017 se afirma expressamente que a alteração ao quadro legal em vigor – nomeadamente em matéria de repercussão da TOS - só terá lugar após a realização da avaliação pelas entidades reguladoras.
65 Face a esta disposição, na sentença recorrida sustenta-se que a alteração do quadro legislativo se reporta ao modo de determinação da TOS e do seu pagamento pelas operadoras de infraestruturas (designadamente tendo em consideração o equilíbrio económico que o Estado se comprometera a assegurar) e não a um condicionamento direto à proibição de repercussão.
66 Faz aqui a sentença recorrida uma errada interpretação da disposição em apreciação pois o caráter imperativo da proibição da TOS não é posto em causa pela necessidade, reconhecida em simultâneo pelo legislador, da concretização dessa proibição necessitar, ainda, de alterações legislativas.
67 Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, o n.° 3 do art. 85.° da LOE 2017 deve ser interpretado no sentido de que a proibição da repercussão da TOS não é imediatamente aplicável, – como, aliás, não é também o disposto nos n.°s 1 e 2 do art. 133.° da LOE 2021 – pelo que enquanto não ocorrer a alteração do quadro legal da TOS, que será promovida na sequência dos trabalhos que vierem a ser desenvolvidos pelo indicado grupo, a TOS pode ser refletida na fatura dos consumidores.
68 Caso a proibição da repercussão fosse imediatamente aplicável, desde 01.01.2017, o legislador não continuaria a aprovar sucessivos Diplomas em que reitera a intenção de vir a alterar o quadro legal da TOS para concretizar essa proibição, não teria aprovado a Lei n.° 5/2019, de 11.01, que impõe aos comercializadores a obrigação de fazer constar da fatura periódica de gás natural as “Taxas discriminadas, incluindo a taxa de ocupação do subsolo repercutida nos clientes de gás natural, bem como o município a que se destina e o ano a que a mesma diz respeito” (cf. artigo 9.º, n.º 1, alínea h) da Lei n.º 5/2019), nem teria criado um Grupo de Trabalho para alterar o quadro legal da TOS, almejando o fim da repercussão da TOS na fatura dos consumidores.
69 Também, todo quadro regulamentar emitido pela ERSE, após a publicação da LOE para 2017, vai no sentido de que o valor da TOS pode ser incluído nas faturas dos consumidores finais.
70 Enferma, assim, de manifesto erro sobre os pressupostos de direito – por errada interpretação e aplicação do artigo 85.° da Lei do OE, do artigo 70.° da Lei de Execução Orçamental e do artigo 133.° da LOE 2021 – a conclusão da sentença recorrida de que a TOS deixou de poder ser repercutida no consumidor final, a partir de 1 de janeiro de 2017, quando resulta, claro, da interpretação conjugada do artigo 85.°, n.° 3 da Lei do OE com o artigo 70.° da Lei de Execução Orçamental que a alteração do quadro legal, nomeadamente, em matéria de taxas, seria ainda promovido pelo Governo, após levantamento do cadastro das redes e avaliação do impacto da medida pelas entidades reguladoras setoriais, o que ainda não se verificou.
E) Errada interpretação e aplicação do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017 na perspetiva das empresas comercializadoras de gás
71 Sem prejuízo do exposto, a prevalecer o entendimento sufragado na sentença recorrida que, a repercussão da TOS está proibida desde a entrada em vigor do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017 e, que a TOS é paga pelas empresas de infraestruturas nunca tal entendimento poderia resultar na condenação da [SCom01...] no reembolso do valor impugnado, como se verificou.
72 Resultando do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017, bem como do artigo 133.°, n.° 1 da LOE 2021 que as taxas “de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas”, a condenação pela sentença recorrida da [SCom01...] no reembolso do valor impugnado, resulta numa violação destas mesmas disposições, ou seja, resulta na violação das próprias normas que o Tribunal a quo aplica para fundar a anulação do ato de repercussão, o que deverá determinar a procedência do presente recurso.
F) Inconstitucionalidade do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017, interpretado e aplicado no sentido de impor às empresas comercializadoras de gás o reembolso da TOS
73 No caso dos autos é por demais evidente que:
i. Não existe norma legal que faça recair sobre as entidades comercializadoras de gás o encargo da TOS;
ii. Não existe racional jurídico ou económico que justifique que sejam estas entidades a suportar este encargo, desde logo porque não são sujeitos passivos da TOS, nem tão pouco consumidores finais dos serviços que justificam a cobrança da TOS;
iii. Resulta da análise da ERSE que o exercício da atividade de comercialização é posto em causa, pelas margens reduzidas que a caracterizam; sendo este encargo em consequência um custo não remunerado desproporcional e arbitrário;
iv. Não existe qualquer mecanismo para garantir o equilíbrio económico e financeiro da operação desenvolvida pelas entidades comercializadoras de gás;
v. A imposição deste encargo corresponde a uma alteração dos pressupostos sob os quais estas empresas atuaram no período em causa no mercado, assente no comportamento da própria entidade reguladora;
vi. Caso as empresas de comercialização que atuem em Municípios que lançaram a TOS, suportem o respetivo custo, estar-se-á a impor às mesmas um custo não remunerado que não é suportado por operadores que atuem noutros Municípios, sem qualquer justificação, uma vez que não são os sujeitos passivos da TOS.
74 Deste modo, a norma do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017, interpretada e aplicada, tal como fez a sentença recorrida, no sentido de que as empresas comercializadoras de gás, que não são empresas operadoras de infraestruturas, nem exercem a sua atividade ao abrigo de uma concessão do Estado, podem ser obrigadas a suportar o custo da TOS sem que sejam sujeitos passivos deste tributo, é inconstitucional na medida em que viola os princípios da igualdade, da confiança legítima, da proporcionalidade e proibição do excesso e ainda da tutela da iniciativa privada e da propriedade privada, consagrados nos artigos 2.°, 13.°, 18.°, n.° 2, 61.° e 62.° da Constituição, o que desde já se invoca.
G) Inconstitucionalidade do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017 e do n.° 1 e 2 do artigo 133.° da LOE 2021 interpretados e aplicados no sentido de serem imediatamente operativos por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica, da propriedade privada, do princípio de que orçamento é elaborado tendo em conta a obrigações decorrentes de lei ou de contrato, por violação estatuto jurídico-constitucional do Governo e da confiança da [SCom01...] na atuação do Estado
75 Resulta do n.° 2 do art. 105.° da CRP que o Orçamento é elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato, sendo esta disposição um corolário do princípio da proteção da confiança (cf. art. 2.° da CRP).
76 A natureza da imposição decorrente do n.° 3 do artigo 85.° da Lei do OE para 2017, não podia deixar de ficar dependente de normas de execução que garantissem o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas, que por contrato com o Estado tinham garantido o direito à repercussão, que garantissem o respeito pela própria forma de organização do mercado ou mercados em que as entidades titulares de infraestruturas, comercializadores e clientes operam, e finalmente, que garantissem a possibilidade de adaptação de todo o mercado às novas regras pois como resulta da análise sobre a TOS efetuada, em 2018, pela ERSE, a não repercussão das TOS nas faturas dos clientes poderá levar, a médio prazo, ao desequilíbrio económico-financeiro de vários operadores de redes de distribuição e de forma, até mais acentuada, das comercializadoras de gás.
77 Neste ponto, não se pode, portanto, acompanhar a recente posição do STA que conclui que, podendo o Estado alterar unilateralmente o contrato de concessão e estando previstos mecanismos de reposição do reequilíbrio financeiro das concessões não se verifica a violação dos princípios da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada, nem do artigo 105.°, n.° 2 da CRP.
78 A circunstância de se consagrar o direito do concedente, por via legislativa, a alterar unilateralmente o contrato de concessão não significa que o legislador fique desvinculado do disposto nos artigos 2.° e 105.° da CRP e, não obsta a que o legislador, antecipando o impacto no equilíbrio económico dos contratos e no mercado como um todo, faça depender a aplicação das projetadas alterações da avaliação desse impacto pelas entidades reguladoras, como foi determinado nos n.°s 4 e 5, do artigo 70.°, do Decreto-Lei n.° 25/2017.
79 A norma do art. 85.°, n.° 3, da LOE 2017, interpretada e aplicada como o faz a sentença recorrida, no sentido de ser exequível por si mesma, consubstancia, ainda, uma violação do estatuto jurídico-constitucional do Governo como órgão superior da Administração (cf. artigos 2.°, 111.° e 182.°, da CRP) pois o Governo vê-se privado, por um ato legislativo da Assembleia da República, de continuar a atuar numa matéria que é de natureza (contratual) administrativa, e que o Executivo nem sequer chegou a densificar através de um Decreto-Lei de execução.
80 A interpretação sufragada na sentença de que o art. 85.°, n.° 3, da LOE 2017 é imediatamente exequível consubstancia, ainda, uma violação da tutela da confiança da [SCom01...], vedada pelos artigos 2.° e 266.°, n.° 2, da Constituição.
81 Com efeito, verifica-se, in casu, uma conduta jurídica do Estado – quer através das cláusulas contratuais (inter partes), que permitem expressamente a repercussão da TOS, quer através da Resolução do Conselho de Ministros n.° 98/2008, de 3 de abril, que aprovou as minutas dos contratos celebrados - que gerou uma situação de confiança de que o compromisso do Estado seria cumprido na cadeia de agentes que intervêm na distribuição e comercialização da energia em causa, e designadamente na [SCom01...].
82 A [SCom01...] investiu a confiança legítima naquele compromisso, ao negociar e ao celebrar os seus contratos de uso de rede no pressuposto de que o custo da TOS seria repercutido nos consumidores finais.
83 Por conseguinte, a exequibilidade e aplicabilidade imediata da norma de proibição de repercussão da TOS, sem um Decreto-Lei de execução que disponha sobre o equilíbrio económico-financeiro nas relações jurídicas constituídas no âmbito da cadeia de operadores de distribuição e comercialização de gás, constitui uma frustração ilegítima da confiança depositada pela [SCom01...] na conduta adotada pelo Estado a partir de 2008.
84 Em suma, a interpretação, preconizada pelo Tribunal a quo, de que a norma do n.° 3 do artigo 85.° da Lei do OE para 2017, é imediatamente exequível, bem como a mesma interpretação do n.° 1 e 2 do artigo 133.° da Lei do OE para 2021, sem qualquer preocupação de respeito pelas obrigações anteriormente assumidas pelo Estado e sem que o equilíbrio económico-financeiro das operações fosse garantido, significa que aquelas disposições legais estão em flagrante violação do princípio da proteção da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.°, 61.° e 62.° da Constituição, do princípio contido no artigo 105.°, n.° 2, da Constituição e, bem assim, em violação estatuto jurídico-constitucional do Governo como órgão superior da Administração e da tutela da confiança da [SCom01...] na atuação do Estado (artigos 2.°, 111.°, 182.° e 266.°, n.° 2, da CRP), o que se invoca.
85 Resulta uma interpretação mais razoável e conforme à Constituição que o legislador, consciente do impacto das alterações que visava introduzir, tivesse em sede de Decreto-Lei de Execução Orçamental regulado os vários passos necessários para que o princípio da não repercussão pudesse ser aplicado, sem pôr em causa as obrigações assumidas pelo Estado nos contratos celebrados com as titulares das infraestruturas e a confiança de que o compromisso do Estado seria cumprido na cadeia de agentes que intervêm na distribuição e comercialização de gás.
H) Inconstitucionalidade do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017 por não dispor sobre matéria financeira e orçamental
86 A interpretação e aplicação do disposto no n.° 3 do artigo 85.° da Lei do OE para 2017 - como aliás dos posteriores n.° s 1 e 2 do artigo 133.° da Lei n.° 75­B/2020 - como determinando de imediato que a TOS deve ser suportada pelas Operadoras de Infraestruturas, sustentada pelo Tribunal a quo, é inconstitucional dado que aquelas normas não dispõem sobre matéria financeira e orçamental, em violação do disposto nos artigos 105.°, números 1 a 4 e 106.°, número 1 da Constituição e, bem assim, ilegal por violação do número 2, do artigo 41.° da Lei de Enquadramento Orçamental.
87 Contra o exposto não se invoque a posição do STA, de que é exemplo o Acórdão proferido no processo n.° 035/21.0BEPRT, que pugna pela admissibilidade das normas designadas por cavaleiros orçamentais e, identifica uma conexão mínima com o Orçamento, com fundamento no facto do número 3, do artigo 85.º LOE 2017 estar inserido no Capítulo V “Finanças Locais”, alterar a conformação legal do âmbito de incidência da TOS e, por se atender às repercussões económicas que dessas alterações podem resultar.
88 O entendimento sufragado pelo STA no indicado acórdão não pode proceder pois como já abordado, a repercussão que o número 3, do artigo 85.° LOE 2017 visa regular dispõe, apenas, sobre uma componente do preço, não sendo, a sua inclusão no Capítulo das Finanças Locais que determina a sua natureza.
89 Por outro, ao contrário do afirmado pelo STA, aquela disposição não altera a conformação legal do âmbito da incidência da TOS pois o âmbito de incidência de uma taxa municipal pode, apenas, ser determinado/alterado pelo próprio Município que lançou a respetiva taxa.
90 Nem a Resolução do Conselho de Ministros n.° 98/2008, nem os contratos de concessão ou qualquer licença alteraram (nem podiam) o âmbito de incidência da TOS.
91 Por último, ao contrário do sustentado no indicado aresto, no caso da proibição da repercussão da TOS, não há uma conexão mínima orçamental já que a norma não obedece ao princípio da anualidade típico das normas orçamentais, nem diz respeito ao OE– não é despesa, nem receita do Orçamento Geral do Estado -, tendo unicamente impacto na esfera dos sujeitos passivos daquele tributo, na medida em que deixem de repercutir o respetivo encargo económico.
I) Da errada aplicação do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017 quando interpretado e aplicado no sentido de que o mesmo dispõe de posição hierárquica proeminente em relação ao Decreto-Lei de Execução Orçamental
92 Sem prejuízo do exposto, admitindo-se a posição sufragada pelo Tribunal a quo e o STA que os cavaleiros orçamentais não são, de per se, inconstitucionais, não se pode deixar de sublinhar que normas material e funcionalmente independentes da elaboração e aprovação do OE e que não possuem direta natureza ou incidência financeira stricto sensu, como o indicado n.° 3, do artigo 85.° LOE 2017 e n.° 1 do artigo 133.° da LOE 2021, não apresentam direta conexão com as previsões orçamentais e, por consequência, não beneficiam do estatuto próprio da lei do orçamento.
93 No ordenamento constitucional português, a regra é a de que “leis e decretos-leis têm igual valor” (artigo 112.°, n.° 2, da CRP) e são, por isso, mutuamente revogáveis.
94 Assim, o artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017, não obstante estar incluído na lei do orçamento, não constitui norma orçamental e, por isso, não dispõe de qualquer posição hierárquica proeminente em relação aos decretos-leis do Governo, o que significa que ao contrário do que é assumido pela sentença recorrida, o artigo 85.° da LOE 2017 não é uma norma hierarquicamente superior à norma do artigo 70.° do Decreto-Lei de execução orçamental.
95 Mas, mesmo que assim se não entenda, é a própria Constituição que confere ao Governo, órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública” (artigo 182.º da Constituição), o poder autónomo de executar o orçamento do Estado (artigo 199.°, alínea b), da Constituição).
96 Em face do exposto, ao contrário do pressuposto assumido na sentença recorrida, o artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017, não dispõe de qualquer posição hierárquica proeminente em relação ao Decreto-Lei de Execução Orçamental em apreciação.
J) A questão dos juros indemnizatórios
97 Relativamente à condenação da RECORRENTE no pagamento de juros indemnizatórios, considera a RECORRENTE que a apreciação do Tribunal a quo assenta numa errada interpretação do disposto nos artigos, 43.°, n.° 1 da LGT e 22.° da CRP.
98 A [SCom01...] enquanto entidade privada, comercializadora de gás natural em mercado livre, não pode ser reconduzida ao conceito de serviços para efeitos de aplicação do artigo 43.°, n.° 1 da LGT e 22.° da CRP pois as entidades privadas abrangidas na previsão destas normas são entidades cuja atividade é regulada por disposições ou princípio de direito administrativo ou que atuam no exercício de prerrogativas de um poder público.
99 Sucede, que a [SCom01...] não é uma entidade concessionária de um serviço público, não está sujeita a um regime substantivo de direito administrativo, nem atua no exercício de prerrogativas de um poder público.
100 A individualização do valor da TOS como uma das componentes do preço praticado pela [SCom01...] não transmuta o valor em causa num encargo de natureza tributária, não transmuta a respetiva relação numa relação materialmente tributária, nem permite a integração da [SCom01...] no conceito de serviços da Administração Tributária para efeitos da aplicação do número 3, do artigo 1.° e do artigo 43.° da LGT.
101 Não se pode ainda deixar de afastar o entendimento sufragado pelo STA no Acórdão proferido no processo n.° 035/21.0BEPRT, de acordo com o qual o pagamento da TOS, por via do ato de repercussão, representa ainda a cobrança de uma receita coativa, e não a mera satisfação de uma obrigação privada, por aplicação do disposto no artigo 18.°, n.° 1 da LGT.
102 Ao contrário do que resulta da posição do STA, o concessionário do serviço público de gás natural não integra a previsão do artigo 18.°. n.° 1 e, por consequência não integra o conceito de serviços para efeitos do disposto no artigo 43.°, n.° 1, ambos da LGT e do artigo 22.° da CRP.
103 E, por maioria de razão, a [SCom01...] que enquanto entidade comercializadora de gás natural não é concessionária de um serviço público, nem é sujeito passivo, nem ativo da TOS, não integra, igualmente, a previsão do artigo 18.°, n.° 1 da LGT e o conceito de serviços, para efeito da aplicação do disposto no artigo 43.°, n.° 1, da LGT e do artigo 22.° do CRP, pelo que a sentença recorrida que condenou a [SCom01...] no pagamento de juros indemnizatórios fá-lo em violação destas últimas disposições legais e constitucionais, o que se invoca.
104 Acresce que, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, que depende nos termos do artigo 43.°, n.° 1 da LGT, do reconhecimento de que houve erro imputável à Autoridade Tributária.
105 A imputabilidade a que alude a referida norma exige, assim, que seja formulado um juízo de censura da atuação do autor da lesão, pelo que caberia ao lesado, isto é, a [SCom02...], fazer a prova, no âmbito dos presentes autos, da culpa do autor da lesão (cf. artigo 74.°, n.° 1, da LGT).
106 Na situação em apreço, tendo em conta os contornos em que ocorreu a repercussão, não é possível formular-se qualquer juízo de censura relativamente à atuação da [SCom01...].
107 Se a condenação ao reembolso da quantia impugnada viola os indicados princípios, por maioria de razão, a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios sob essa mesma quantia é igualmente violadora do princípio da proibição do excesso, da confiança e da propriedade e iniciativa privadas.
108 A interpretação da norma contida no artigo 43.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária, feita pelo Tribunal a quo como permitindo a sujeição das empresas privadas comercializadoras de gás, que não exercem a sua atividade ao abrigo de qualquer concessão, ao pagamento de juros indemnizatórios, por considerar as mesmas incluídas no conceito de “serviços” previsto em tal norma, dispensando qualquer demonstração de um juízo de censura justificativo da sua sujeição ao referido pagamento, é inconstitucional por violação dos indicados princípios constitucionais da proporcionalidade (ou proibição do excesso), da confiança e da propriedade e iniciativa privadas, consagrados nos artigos 2.°, 13.°, 18.°, n.° 2, 61.° e 62.° da Constituição, o que desde já se invoca.
109 A sentença recorrida, ao condenar a RECORRENTE no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.° da LGT, padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por decisão que em conformidade com o supra exposto julgue a impugnação improcedente quanto à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
110 Em suma, a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, por oposição dos fundamentos com a decisão e obscuridade na fundamentação, tendo, também incorrido em erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, devendo, portanto, ser revogada e substituída por outra que julgue verificadas as exceções dilatórias invocadas pelo [SCom01...] e considere totalmente improcedente a impugnação deduzida, quer quanto ao pedido de anulação da repercussão, quer quanto ao pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO INTEGRALMENTE PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL TOTALMENTE IMPROCEDENTE EM CONFORMIDADE COM O ACIMA EXPOSTO.».
1.2. A Recorrida ([SCom02...], SA), notificada da apresentação do presente recurso, contra alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
A. Contrariamente ao defendido pela Recorrente, a circunstância de o Tribunal a quo não ter apreciado da inconstitucionalidade dos artigos 85.º, n.º 3, da LOE 2017 e 133.º, n.º 1 da LOE 2021 quando interpretados no sentido de serem imediatamente exequíveis, não constitui causa de nulidade da sentença com o fundamento alegado.
B. Repare-se que o Tribunal a quo decidiu do mérito, tendo interpretado a norma acima referida em sentido oposto ao da Recorrente. A circunstância de o Tribunal não ter julgado tal como a Recorrente pretendia não constitui uma omissão de pronúncia.
C. Salienta-se que o Tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, porém, não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as suas posições.
D. Neste sentido, tem-se pronunciado a jurisprudência dos tribunais comuns, nomeadamente, no Tribunal da Relação de Lisboa: “[a] sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo n.º 1211/09.9GACSC-A.L2-3, de 8 de maio de 2019).
E. Nem se compreenderia que sempre que o Tribunal decidisse em sentido contrário a uma das partes estaria a furtar-se ao seu dever de decidir.
F. A Recorrente invoca, ainda, a nulidade da sentença nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC nos casos: (i) de oposição entre os fundamentos e a decisão; ou (ii) quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
G. Ao contrário do sustentado pela Recorrente nas suas alegações, a condenação da Recorrente na devolução do montante correspondente à taxa alicerça-se no entendimento de que a TOS não pode ser repercutida no consumidor final à luz da lei que, in casu, é a Recorrida.
H. Nesse sentido, a Recorrente cobrou e arrecadou indevidamente a taxa à Recorrida, pelo que terá de ser aquela a responsável pelo respetivo reembolso, independentemente, de quem deva legalmente suportar o encargo económico da TOS o que estava fora do objeto da ação.
I. Adicionalmente, a Recorrente alega que “o Tribunal a quo não fixou a matéria factual relevante/essencial para a análise das questões jurídicas colocadas pelas partes, pelo que, em face do exposto e atenta a prova produzida nos autos, supra identificada, a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada aditando aos factos julgados provados os factos supra identificados.” (cfr., Ponto 12 das Conclusões de Recurso).
J. Mais uma vez, a Recorrida discorda da Recorrente já que o Juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria invocada pelas partes. O Juiz tem, isso sim, o dever de selecionar tão-só a matéria de facto que interessa para a decisão, atendendo, naturalmente, à causa de pedir que fundamenta o pedido da Impugnante/Autora.
K. O Tribunal assenta a sua decisão nas provas produzidas segundo o princípio da livre apreciação da prova, formando a sua convicção a partir da análise e avaliação das provas que são carreadas para os autos.
L. Pelo que se afigura que não é de acolher a posição defendida pela Recorrente no sentido de que existem factos com relevo para a decisão da causa que não foram objeto de apreciação, posto que o objeto da presente ação não se centra no facto de a Recorrente atuar enquanto comercializadora ou operadora, mas sim enquanto entidade que repercutiu e cobrou indevidamente a TOS à Recorrida.
M. Nas suas Alegações de Recurso alega também a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao “[julgar] improcedente a exceção invocada de incompetência material do tribunal. [fazendo que com incorresse] em erro de julgamento”. (cfr., § 28 das Alegações de Recurso), porquanto, segundo a Recorrente, a Recorrida nem paga exatamente a TOS, sendo-lhe imputado um custo que a Recorrente paga ao ORD.
N. A Recorrente funda-se no argumento de que a relação que se estabelece entre a [SCom01...] e a aqui Recorrida não é uma relação jurídico-tributária, já que, alega, a [SCom01...] não repercute o preço da TOS na Recorrida, mas sim “uma parcela relativa à compensação dos custos incorridos pela [SCom01...] com o pagamento da compensação devida ao operador das redes pelo montante da TOS por esta suportado, e não qualquer repercussão legal da TOS” (cfr., § 133 das Alegações de Recurso).
O. Semântica à parte, tal constitui um comportamento contraditório da Recorrente, uma vez que é esta quem, nas faturas impugnadas, indica que está a cobrar TOS – v. Doc. n.º 1 junto à P.I..
P. Por outro lado, importa deixar claro que a Recorrida é terceira à relação que se estabelece entre os ORD e os comercializadores de gás natural.
Q. Se a Recorrente compensa os ORD por eventuais custos que estes últimos tenham na relação que estabelecem com os municípios, esse é um problema que a Recorrente tem de resolver com os ORD e/ou com os municípios.
R. No caso concreto, tendo a TOS sido repercutida sobre a Recorrida, estamos na presença de um diferendo que emerge do facto de ter sido liquidada uma taxa e de esta procurar atingir, do ponto de vista económico, um contribuinte de facto diferente do sujeito passivo.
S. Ou seja, o litígio advém (é o resultado/a consequência) de uma relação jurídico-tributária, pelo que será competente – em linha com toda a jurisprudência – a jurisdição administrativa e fiscal.
T. A repercussão – em si mesma – é a consequência de uma relação jurídica tributária
U. Sem que exista uma relação jurídica tributária não existe repercussão, e sem repercussão não existe uma relação jurídica tributária com as características com que esta foi configurada juridicamente.
V. Ao que acresce que, traduzindo a repercussão legal o exercício de um poder público, sempre seria possível reconduzir o diferendo em análise nos presentes autos ao artigo 4.º, n.º 1, al. o), do ETAF que atribui competência a esta jurisdição no âmbito de “[r]elações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores”.
W. Por último, sempre será de referir que o próprio Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou afirmativamente sobre a competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais para apreciar a (i)legalidade da repercussão de uma TOS.
X. Mais, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou em formação alargada, não tendo aderido à posição de que esta ação devia ser instaurada nos tribunais judiciais, tendo apenas um dos juízes votado vencido (cfr., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 506/17.2BEALM, de 14 de outubro de 2020).
Y. E, assim sendo, andou bem a Mm.ª Juíza a quo ao entender que o Tribunal a quo era competente em razão da matéria.
Z. No caso dos autos foi suscitada a exceção da ilegitimidade passiva que o Tribunal a quo julgou, segundo a Recorrente, erradamente improcedente. No essencial, a Recorrente sustenta que nos termos do artigo 9.º do CPPT, não tem legitimidade para intervir nos processos tributários dado que não integra a Administração Tributária nem atua na qualidade de contribuinte, de substituto ou responsável tributário, acrescentando que não é nem sujeito ativo nem sujeito passivo nos termos do artigo 18.º da LGT.
AA. O que está em discussão nos presentes autos é um elemento de uma taxa municipal – a TOS – cuja relação tributária tem como sujeito ativo o Município e como sujeito passivo a concessionária, tendo a taxa sido ilegalmente repercutida no consumidor final – a [SCom02...] – pela comercializadora, ora Recorrente.
BB. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do CPTA e do artigo 30.º do CPC, da procedência da presente ação pode resultar um prejuízo para a [SCom01...], S.A., que advém do reembolso do tributo indevidamente repercutido e que justifica, ademais, a sua legitimidade processual passiva.
CC. Sem prejuízo de a situação em análise traduzir alguma singularidade – já que está em causa a legalidade de um tributo que é notificado à Recorrida (entidade privada), pelo comercializador de gás natural, outra entidade privada –, esta decorre inteiramente das opções legislativas nas quais as partes não intervêm.
DD. Referem a este respeito JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO que a “(...) legitimidade é, no campo do direito material, um conceito de relação – relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico.”, acrescentando os referidos autores que “(...) esta titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência duma relação jurídica (...)” (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 51-52).
EE. Ora, da aplicação do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 e do artigo 133.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para 2021, decorre inequivocamente que a TOS não pode ser repercutida no consumidor final que, in casu, é a Impugnante, ora Recorrida.
FF. Pelo que é de meridiana clareza que a Recorrente é parte legítima no presente processo. Aliás, essa é a consequência natural de o Supremo Tribunal Administrativo ter decidido (contra aquilo que sustentava a impugnante do processo n.º 506/17.2BEALM, que se insere no mesmo grupo económico que a Recorrida) que o Município – aquele que lança o tributo – não é parte legítima. Se quem lança o tributo não é parte legítima então só resta como possível parte legítima quem o cobrou à Recorrida.
GG. Conclui-se, deste modo, que a sentença recorrida andou bem ao decidir que a Recorrente é parte legítima no presente litígio.
HH. A Recorrente sustenta erro na forma de processo, alegando que o ato de repercussão da TOS não pode constituir objeto de um processo de impugnação judicial. Uma vez mais discorda-se do alegado pela Recorrente, pois ao abrigo do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, ao repercutido é-lhe conferido o direito de impugnar.
II. Não se compreende como é que a posição da Recorrente se articula com o artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT acima transcrito que confere expressamente ao repercutido o direito a impugnar. Naturalmente que o direito a impugnar se prende com a repercussão de um tributo. Se assim não fosse não se compreenderia qual seria o efeito útil e prático do referido preceito que confere garantias ao repercutido, entre elas, a de impugnar.
JJ. O facto de o artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT consagrar o direito do repercutido à reclamação, recurso hierárquico, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral “nos termos das leis tributárias”, bem como com o disposto nos artigos 70.º, 66.º, 97.º e 99.º do CPPT e 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, demonstra que a repercussão é ainda um elemento da liquidação de um tributo, dado que os referidos meios contenciosos apenas permitem reagir contra a liquidação de tributos.
KK. Entende ainda a Recorrente que a decisão do Tribunal a quo sobre a tempestividade da ação proposta pela Recorrida, mediante a aplicação do número 2, do artigo 279.º do CPC, enferma de erro de julgamento, determinantes da invalidade da douta sentença proferida.
LL. No entanto, a posição da Recorrente também neste segmento padece de sustento fáctico e jurídico, razão pela qual não deverá ser considerada procedente.
MM. Ora, no dia 8 de outubro de 2020, a Impugnante foi notificada da repercussão da TOS, no valor de € 9.428,04 (€ 79,99, respeitantes ao número de dias de faturação e € 9.348,05, respeitantes ao consumo), incluída na fatura n.º ...95, da [SCom01...], emitida a 8 de outubro de 2020.
NN. Não se conformando com a legalidade da repercussão e considerando que esta ainda integra a relação jurídico-tributária da qual o Município ... é sujeito ativo, procedeu ao pagamento da fatura e da TOS, mas apresentou reclamação necessária junto do Município ..., ao abrigo do artigo 16.º, n.ºs 1, 2 e 3, do RGTAL.
OO. Não tendo sido proferida decisão final da reclamação graciosa, foi apresentada Impugnação Judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no dia 24 de março de 2021.
PP. No dia 15 de novembro de 2021, foi a Impugnante, ora Recorrida, notificada da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tendo sido a final decidido que: “(...) julga-se procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva e, consequentemente, absolve-se a Impugnada da instância”.
QQ. Em todo o caso, uma vez que, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto apenas se pronunciou pela ilegitimidade passiva, não tendo a referida exceção dilatória sido suprida, veio a Impugnante, ora Recorrida, apresentar nova petição, nos termos do artigo 87.º, n.º 8, do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, al. c), do CPPT, dentro do prazo de 15 dias estabelecido na lei e seguindo a direção que lhe foi apontada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto,
RR. Considerando-se esta, contudo, “apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação” (cfr. artigo 87.º, n.º 8, do CPTA).
SS. Neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA referem que nos casos do artigo 87.º, n.º 8, do CPTA, “o autor poderá renovar a instância, com o aproveitamento dos efeitos civis da primeira apresentação.” (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, p. 672).
TT. No mesmo sentido se tem vindo a pronunciar a jurisprudência nacional, nomeadamente no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 298/16.2BELLE, de 18/05/2017, ao referir que “quando ocorra absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento, o autor tem a faculdade de, no prazo de 15 dias, apresentar nova petição, a qual se considera apresentada na data em que tinha sido a primeira”.
UU. Ou seja, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto reconheceu que o fundamento último da impugnação apresentada contra o Município ... era o ato repercutório – razão pela qual absolveu o Município da instância.
VV. Ora, nunca se colocaram dúvidas quanto à tempestividade da reclamação nem da impugnação judicial apresentada contra o Município, que, como vimos, partilham objeto com o da presente ação, na medida em que i) já na reclamação se atacava o ato de repercussão, ii) a eventual anulação da liquidação da TOS – já na reclamação – implicava necessariamente a anulação da repercussão, e iii) o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto reconheceu expressamente que o fundamento último da impugnação judicial que correu termos sob o processo n.º 850/21.4BEPRT era a ilegalidade da repercussão.
WW. De onde não soçobram quaisquer dúvidas de que a presente ação foi intentada tempestivamente.
XX. No que respeita à alegada ilegalidade da TOS, a Recorrente entende que a sentença a quo padece de erro na aplicação do direito na medida em que concluiu pela ilegalidade da repercussão da TOS.
YY. A TOS é liquidada pelo Município ... ao distribuidor de gás natural (in casu, a [SCom10...], S.A.), tendo vindo a ser, a final, suportada através do mecanismo da repercussão legal pela Impugnante, ora Recorrida, através da fatura n.º ...95, da [SCom01...], S.A., emitida a 8 de outubro de 2020.
ZZ. No entanto, o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 e o artigo 133.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para 2021 em redação semelhante, determina que a "taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos).
AAA. Assim, sem prejuízo de — mesmo após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 — a TOS ter continuado a ser repercutida à ora Recorrida, sendo esta consumidora de gás natural, a repercussão da TOS, nomeadamente a efetuada através da fatura acima identificada é ilegal, por violação do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 e 133.º, n.º 1, da LOE 2021.
BBB. Desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores.
CCC. A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.
DDD. Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.
EEE. Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa- se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal ... liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural, que é repercutida ao comercializador (a [SCom01...], S.A.) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrida.
FFF. Do quadro descrito resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.
GGG. Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr., artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017).
HHH. Tanto assim é que, recentemente, o Ministério da Coesão Territorial veio esclarecer que “pese embora se encontre incluída na Lei do Orçamento de Estado para 2017, [a norma do artigo 85.º, n.º 3 da Lei do OE de 2017] é válida e eficaz, não dependendo de qualquer circunstância para passar a ser aplicável, nem tendo cessado a sua vigência com o termo do ano de 2017, entende-se que, desde a sua entrada em vigor, as empresas operadoras de infraestruturas não podem refletir na fatura dos consumidores as taxas municipais”.
III. Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrida deriva do facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.
JJJ. Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, repercussão essa que a Impugnante, e aqui Recorrida, considera ser ilegal – e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 e 133.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para 2021.
KKK. A Impugnante e aqui Recorrida compreende que o resultado prático do regime legal - tal como está em vigor hoje e esteva a partir de 2017 - possa ser injusto para a Recorrente e até causar-lhe prejuízo financeiro, mas essa circunstância não afasta o facto insofismável e bem patente na lei (i.e., no artigo 85.º n.º 3 da LOE 2017 / 133.º, n.º 1, da LOE 2021) de que a repercussão da TOS sobre a Recorrida é proibida.
LLL. Se à Recorrente se afigura que o Estado não estabeleceu os mecanismos de reequilíbrio contratual que devia ou não instituiu os meios necessários ao ressarcimento da Recorrida pelos custos que passou a ter por força da proibição de repercussão da TOS, deve a Recorrente insurgir-se e acionar o Estado como entender. O que não pode é ignorar A LEI, fazer de conta que esta não existe, e continuar a onerar a Recorrida apenas porque a lei aumentou os seus custos de contexto sem qualquer contrapartida.
MMM. Entender de outro modo é limitar os poderes de conformação legislativa da Assembleia da República – não esqueçamos que estamos perante uma norma constante de um diploma aprovado pelo Parlamento – e respetiva eficácia à conveniência de que se revistam relativamente à atividade dos sujeitos inseridos no âmbito de aplicação pessoal da legislação adotada.
NNN. O segmento final do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 como do artigo 133.º, n.º 1, da LOE 2021 são imediatamente constitutivos de direitos para os consumidores, não carecendo, para serem eficazes, de qualquer densificação legislativa ou regulamentar adicional,
OOO. Sendo tais direitos independentes do que suceda a montante, i.e., da solução dada à questão de saber sobre quem deva recair, entre Operadores e Comercializadores, o encargo da TOS.
PPP. O facto é o de que determinação legal – clara, precisa e incondicional – o encargo não pode ser suportado pelo consumidor, i.e., a Recorrida.
QQQ. A questão de saber quem deve suportar a TOS é irrelevante para o consumidor – a aqui Recorrida - e deve ser dirimida em sede própria se os visados assim entenderem;
RRR. Mas tendo a Recorrente ignorado a lei expressa, que proibia a cobrança de TOS à Recorrida, deve devolver os montantes que lhe foram entregues, INDEPENDENTEMENTE de poder ou não vir a recuperá-los junto de outras entidades.
SSS. Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte do Supremo Tribunal Administrativo em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrida, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo a propósito desta questão.
TTT. Entendimento este que tem suporte nas normas dos artigos 85.º, n.º 3, da LOE 2017 e 133.º, n.º 1, da LOE 2021, os quais impedem que a TOS seja repercutida na Recorrida. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático.
UUU. Com efeito, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado.
VVV. Do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 e do artigo 133.º, n.º 1 da LOE 2021 resultam dois imperativos claros, precisos e incondicionais: (i) a TOS tem de ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
WWW. O artigo 85.º, n.º 3, da LEO 2017 e o artigo 133.º, n.º 1, da LOE 2021, não impõem qualquer requisito nem limitação à sua interpretação ou aplicação. Não se lê “sem prejuízo do disposto no número x”, “assim que y”, “verificado que esteja z”, nem tão pouco se prevê um diferimento temporal para aplicação do referido regime.
XXX. Mais, a norma não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.
YYY. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado pela Recorrente –, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.
ZZZ. Salienta-se, porém, que através da referida norma, o legislador não revogou o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada.
AAAA. Repare-se que o Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental”. De referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017.
BBBB. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos deste último.
CCCC. Um Decreto-Lei de Execução Orçamental, seja ele qual for, deve respeitar e desenvolver o Orçamento do Estado a que corresponde e não obstar à sua aplicação.
DDDD. Entendimento diverso permitiria considerar legítimo que o Governo pudesse, através de Decreto-Lei e sem qualquer autorização legislativa específica, alterar, ou obstaculizar, o decidido pela Assembleia da República em matéria orçamental.
EEEE. Uma interpretação do artigo 70.º, n.º 5, do Decreto-lei n.º 25/2017, de 3 de março, segundo a qual tal norma tem o poder de impedir a aplicação imediata do n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 torna aquela primeira norma inconstitucional, por violação do princípio da fixação de competência legislativa conexo com o princípio da separação de poderes, que deriva da conjugação dos artigos 111.º, 112.º n.º 3, 161.º, n.º 1, alínea g), e 198.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os legais efeitos.
FFFF. É manifesto que uma norma constante de um decreto-lei de execução orçamental aprovado pelo Governo não pode impedir a aplicação de uma norma constante do Orçamento do Estado, que é de valor reforçado nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da Constituição e é emanada pela Assembleia da República no âmbito da sua reserva legislativa [artigo 161.º, n.º l, alínea g)], sob pena de inconstitucionalidade orgânica.
GGGG. Passe a redundância, ignorar esta circunstância é atribuir ao Governo o poder de ignorar a Assembleia da República, bastando, para tal, que o Governo refira – como faz no decreto-lei em causa – agir no contexto de competência legislativa concorrencial, ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a) da Constituição.
HHHH. Pelo que não deve tal interpretação colher, reconhecendo-se, ao invés, que não pode admitir-se que uma norma constante de um decreto-lei de execução orçamental impeça a aplicação de uma norma constante da lei de valor reforçado – a Lei do Orçamento do Estado – que sustenta e habilita a própria vigência do decreto de execução.
IIII. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrida que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).
JJJJ. A Recorrida desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedica à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural. Assim, tratando-se a Recorrida de uma consumidora de gás, a cobrança da TOS contraria lei expressa (cfr., artigo 3.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto).
KKKK. Assim, tendo sido repercutida na Recorrida a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.
LLLL. Ressalve-se que o entendimento mais recente do Supremo Tribunal Administrativo é o de que o ato de repercussão da TOS sobre os consumidores é ilegal porquanto a sua proibição resulta de uma lei – a Lei do Orçamento do Estado para 2017 – que é clara, precisa e incondicional.
MMMM. Esse entendimento do Supremo Tribunal Administrativo resulta de dezenas de acórdãos já transitados em julgado, que versam sobre situações jurídico-factuais em todos os aspetos equivalentes à que aqui se coloca perante V. Exa., sendo a Impugnante, ora Recorrida, a entidade demandante em diversos daqueles processos (veja-se o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos referentes aos processos n.os 118/21.6BEPRT, 25/21.0BEPRT, 1141/21.6BEPRT, 797/21.4BEPRT, 185/21.2BEPRT, 936/21.5BEPRT, 762/21.1BEPRT, 267/21.0BEALM, 18/21.0BEALM, 817/20.0BEALM, 23/21.6BEALM, 58/21.9BEALM, 3/21.1BEALM, entre outros, disponíveis em www.dgsi.pt).
NNNN. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos, por ser conforme ao Direito.
OOOO. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrida que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).
PPPP. Assim, tendo sido repercutida na Recorrida a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.
QQQQ. Adicionalmente, a Recorrente entende que o n.º 3, do artigo 85.º, da LOE 2017 não dispõe sobre matéria de natureza financeira ou orçamental, pelo que é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 105.º, n.os 1 a 4, e 106.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
RRRR. O entendimento da Recorrente não está, no entanto, em linha com a jurisprudência e a doutrina que têm vindo a considerar que as normas que não versem sobre matéria financeira ou orçamental são compatíveis com a Constituição.
SSSS. Esta norma é, à semelhança das demais normas constantes do articulado das Leis Orçamentais, uma norma cuja vigência não está circunscrita ao período de 1 ano.
TTTT. Repare-se que a prática comum de elaboração de Leis Orçamentais inclui, frequentemente, exemplos de cavaleiros fiscais, designadamente: “as alterações directas aos códigos fiscais, não incidentes nas respectivas taxas, isenções e outros benefícios; acumulações no exercício profissional de certas actividades verificadas no quadro da função pública; autorizações legislativas no sentido de o Governo alterar o estatuto do pessoal dirigente dos serviços da Administração, com eventual definição de competências e de responsabilidades;” (CARLOS BLANCO DE MORAIS, As Leis Reforçadas, Coimbra Editora, 1998, p. 810).
UUUU. A tese da Recorrente deitaria por terra centenas de normas anualmente, cuja vigência nunca ninguém se lembrou de questionar.
VVVV. Pelo exposto, conclui a Recorrida que a norma ínsita no artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, não viola os artigos 105.º, n.ºs 1 a 4, e 106.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
WWWW. Numa tentativa de recentrar a discussão num tema que nada tem a ver com o objeto do presente litígio, a Recorrente alega que “as normas que proíbem a repercussão da TOS não podem ser exequíveis por si mesmas, como sustenta a sentença recorrida, quanto ao artigo 85.º da Lei do OE para 2017 e ao artigo 133.º da Lei do OE para 2021, sob pena de violação do estatuto jurídico-constitucional do Governo (artigos 2.º, 111.º e 128.º, da Constituição). Ao que acresce que, se aquelas normas fossem diretamente aplicáveis – o que não se concede –, sempre haveria uma violação da tutela da confiança da RECORRENTE, vedada pelos artigos 2.º e 266.º, n.º 2, da Constituição” (cfr. § 435 e 436 das Alegações de Recurso).
XXXX. Sejamos claros: o presente litígio versa sobre um aspeto concreto e determinado que é a repercussão (ilegal e inconstitucional) da TOS sobre a Recorrida pela Recorrente.
YYYY. Resulta bem patente da lei (i.e., quer no artigo 85.º n.º 3 da Lei do OE de 2017, quer no artigo 133.º, n.º 1 da Lei do OE de 2021) que a repercussão da TOS sobre a Recorrida é proibida.
ZZZZ. O incómodo, injustiça ou ilegalidade da situação em que a Recorrente possa estar colocada por força da proibição da repercussão da TOS não é imputável à (nem repercutível sobre a) Impugnante, aqui Recorrida, mas ao Estado.
AAAAA. Se à Recorrente se afigura que o Estado não estabeleceu os mecanismos de reequilíbrio económico-financeiro que devia ou não instituiu os meios necessários ao ressarcimento da comercializadora pelos custos que passou a ter por força da proibição de repercussão da TOS, deve esta insurgir-se e acionar o Estado ou qualquer entidade que entender, como entender, designadamente em sede de responsabilidade civil.
BBBBB. O que não pode é ignorar A LEI, fazer de conta que esta não existe, e continuar a onerar a Recorrida apenas porque a lei aumentou os seus custos de contexto sem qualquer contrapartida. Entender de outro modo é limitar os poderes de conformação legislativa da Assembleia da República (não esqueçamos que estamos perante uma norma constante de um diploma aprovado pelo Parlamento),
CCCCC. Condicionando a eficácia de diplomas aprovados pelo órgão legislativo soberano no sistema português ao facto de tais diplomas ou normas serem, ou não, convenientes à atividade dos sujeitos a quem essa legislação se dirige, ao arrepio do princípio do primado da Assembleia da República que se infere do nosso sistema constitucional de reserva de competências, consagrado em particular nos artigos 161.º, 164.º, 165.º e 198.º da Lei Fundamental!
DDDDD. Deste modo, devem ser desconsiderados todos os argumentos invocados pela Recorrente que não se digam respeito à relação jurídico-tributária em causa.
EEEEE. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrida que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).
FFFFF. Assim, tendo sido repercutida na Recorrida a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.
GGGGG. Discorda-se igualmente da Recorrente na parte em que defende a improcedência do pedido de juros indemnizatórios peticionado pela Recorrida.
HHHHH. Os juros indemnizatórios revestem “uma função reparadora dos prejuízos causados ao contribuinte pelo facto de ter ficado privado ilicitamente durante certo período, de uma quantia. O reconhecimento destes juros visa repor a situação que se verificaria se o contribuinte não tivesse procedido ao pagamento indevido do tributo. Pelo contrário, não corresponde à punição de quem cometeu o erro do qual resultou aquele pagamento indevido.” (CARLA CASTELO TRINDADE e SERENA CABRITA NETO, Contencioso Tributário, Vol. I – Procedimentos, Princípios e Garantias, Edições Almedina, 2017, p. 216).
IIIII. Atendendo ao caso em apreço, tendo a ora Recorrente repercutido ilegalmente a TOS na Recorrida, esta viu-se privada, ilicitamente, há mais de um ano, de uma quantia que lhe era devida pelo que deverá ser devidamente compensada.
JJJJJ. Não obstante a [SCom01...], S.A., não integrar a Administração Tributária e Aduaneira nem ser um ente público equiparado, para o efeito da discussão em causa nos presentes autos, é ela que indevidamente repercutiu o tributo à Impugnante, ora Recorrida.
KKKKK. Ao cobrar a TOS à Recorrida em violação de lei expressa, a Recorrente cobra um tributo que não é devido pela Recorrente, privando-a, deste modo, de uma quantia que era sua.
LLLLL. A repercussão da TOS traduz-se, assim, num empobrecimento real e efetivo da tesouraria da Impugnante, ora Recorrida, e num enriquecimento da tesouraria da [SCom01...], S.A.
MMMMM. Refira-se que, em tese, o direito a juros indemnizatórios devidos à Recorrida, [SCom02...], é independente do eventual direito de regresso que a Recorrente possa ter sobre outras entidades.
NNNNN. Salienta-se, igualmente, que na esmagadora maioria da jurisprudência respeitante à ilegalidade da repercussão da TOS os Tribunais têm decidido consistentemente pela condenação ao pagamento de juros indemnizatórios pelas comercializadoras - [SCom11...], S.A. - Sucursal Portugal, [SCom01...], S.A., e [SCom12...] S.A. – Sucursal em Portugal.
OOOOO. Assim, a decisão recorrida deverá ser mantida quanto à anulação da repercussão efetuada pela ora Recorrente e restituído o montante pago a título de TOS acrescido de juros indemnizatórios, por ser conforme ao Direito.
PPPPP. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos, por ser conforme ao Direito.
QQQQQ. Sem prejuízo, a Mm.ª Juíza a quo não se pronunciou especificamente sobre o pedido subsidiário de declaração de inconstitucionalidade orgânica da norma que impõe/possibilita a repercussão da TOS, por violação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da Lei Fundamental, nem sobre os fundamentos que lhe subjazem, na medida em que considerou procedente o pedido principal aduzido pela impugnante, ora Recorrida.
RRRRR. De onde, para o caso de entenderem V. Exas. ser de julgar procedente o recurso apresentado – o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona - desde já se requer, ao abrigo do artigo 665º., n.º 2 do CPC, que seja apreciado o pedido subsidiário aduzido pela impugnante, aqui Recorrida.
SSSSS. Em função do ali peticionado, deve julgar-se a impugnação procedente e ser declarada a inconstitucionalidade orgânica da norma resultante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho e da Portaria n.º 1213/2010, de 2 de dezembro, cláusula 11.º do Anexo III, que prevê e impõe a repercussão da TOS (e em consequência do próprio ato de repercussão), por violação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n. º 2, da Lei Fundamental.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, em face da fundamentação exposta, porque a sentença recorrida bem decidiu, deve esta ser mantida na ordem jurídica e, consequentemente, ser negado provimento ao recurso apresentado.»
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 2851 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma das nulidades por (i) omissão de pronúncia [quanto à omissão da apreciação da questão da inconstitucionalidade da norma contida no n.º 3 do art.º 85.º da Lei do Orçamento de Estado para 2017 conclusões 3 e 4 das alegações de recurso] e (ii) por oposição dos fundamentos com a decisão e por obscuridade na fundamentação [conclusão 7) das alegações de recurso], (iii) dos erros de julgamento quanto à matéria de facto [conclusões 8) a 10) das alegações de recurso] e (iv) quanto à matéria de direito invocados de ilegalidade e inconstitucionalidades [conclusões 13) a 110) das alegações de recurso. Caberá, ainda, em caso de procedência do recurso, a apreciação (v) da questão suscitada pela Recorrida em sede de ampliação do objeto do recurso [da inconstitucionalidade orgânica da norma resultante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho e da Portaria n.º 1213/2010, de 2 de dezembro, cláusula 11.º do Anexo III, que prevê e impõe a repercussão da TOS (e em consequência do próprio ato de repercussão), por violação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n. º 2, da Lei Fundamental].
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. «Com interesse para a decisão da excepção (da tempestividade), consideram-se provados os seguintes factos, com base nos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, nos termos expressamente referidos no final de cada facto:
1) Em 08.10.2020, a [SCom01...], S.A., ora Impugnada, emitiu em nome da aqui Impugnante, a fatura n.° ...95, relativa ao período de fornecimento de gás natural, de 01.09.2020 a 30.09.2020, com data limite de pagamento de 09.11.2020 – cfr. doc. n.° 1 junto com a p.i.;
2) Decorre dos detalhes da mencionada factura, entre o mais, a cobrança da Taxa Ocupação Subsolo do Município da ..., nos seguintes termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]“(…)
“(…)
- cfr. doc. n° 1 junto com a p.i.;
3) Em 09.11.2020, a Impugnante dirigiu à Câmara Municipal ..., via e-mail, reclamação, nos termos do artigo 16°, n°s 1 e 2 do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, relativa ao acto de liquidação da Taxa de Ocupação do Subsolo, relativa ao mês de Setembro de 2020, através da factura n° ...95, de 08.10.2020, emitida pela Impugnada, alegando, como causa de pedir, a ilegalidade da repercussão do acto de liquidação da Taxa de Ocupação do Subsolo e a violação do princípio da equivalência jurídica, peticionando a final a declaração de nulidade ou revogação do acto de liquidação da taxa de ocupação do subsolo referente ao mês de Setembro de 2020 – cfr. doc. n° 3 junto com a p.i.;
4) A reclamação identificada no ponto anterior não foi objecto de qualquer decisão por parte do Município ... – facto não controvertido e que se extrai da consulta do proc. n° 850/21.4BEPRT no SITAF;
5) Em 24.03.2021, a aqui Impugnante apresentou, via SITAF, petição inicial de impugnação judicial, intentada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 16° da Lei n° 53-E/2006 (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), de 29 de Dezembro e artigos 99° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a qual deu origem ao processo de impugnação que correu termos sob o n° 850/21.4BEPRT – cfr. doc. n° 4-A junto com a p.i. e consulta do proc. n° 850/21.4BEPRT no SITAF;
6) Consta do introito da petição inicial identificada no número anterior, entre o mais, que a Impugnante, “ (..) notificada em 8 de outubro de 2020 para proceder ao pagamento da Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (“TOS”) liquidada pelo Município ... (..), no montante de ' 9.428,04 (' 79,99 respeitantes ao número de dias de facturação e ' 9.348,05 respeitantes ao consumo), à [SCom10...], S.A., (..), e incluída na factura n° ...95 da [SCom01...], S.A., (..), emitida a 8 de outubro de 2020 (..), peticionando a final “ (..) que declare a ilegalidade do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa e, bem assim: (I) Anule a repercussão da TOS incluída na factura n° ...95 por violação do disposto no artigo 85°, n° 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso; ou Subsidiariamente e caso assim não se considere: (II) Deve ser reconhecida a inconstitucionalidade da repercussão da TOS por violação do artigo 165°, n° 1, al. i) e 103°, n°s 2 e 3, da CRP, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso.” – cfr. doc. n° 4-A junto com a p.i. e consulta do processo n° 850/21.4BEPRT no SITAF;
7) Em 10.11.2021 foi proferida decisão no âmbito do processo identificado no ponto 5) em que foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Município ..., aí Impugnado, e em consequência foi o mesmo absolvido da instância – cfr. doc. n° 5 junto com a p.i.;
8) Da sentença identificada no ponto anterior, é possível extrair o seguinte: “ (..)
'Na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado. II - Não é imputável à entidade municipal nem aos seus órgãos ou serviços o ato impugnado de repercussão do valor de um tributo municipal que não foi por eles praticado nem de alguma forma determinado.
(...)
Do exposto deriva que não existem elementos que permitam, sequer, relacionar o Município com o ato de repercussão. Não há, assim, como concluir que a repercussão é imputável ao Município”.
Deste modo, o Município ... é parte ilegítima, procedendo a exceção dilatória da ilegitimidade passiva e, consequentemente, deve concluir-se pela sua absolvição da presente instância, nos termos do artigo 577°, alínea e), do Código de Processo Civil.” (...) Pelo exposto, julga-se procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva e, consequentemente, absolve-se a Impugnada da instância.” – cfr. doc. n° 5 junto com a p.i.;
9) Em 11.11.2021, foram remetidas notificações electrónicas às partes, visando a notificação da sentença referida em 8) – cfr. doc. n° 5 junto com a p.i. e consulta do processo n° 850/21.4BEPRT no SITAF;
10) Em 30.11.2021, a Impugnante apresentou, via SITAF, a petição inicial de impugnação que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 1 do processo electrónico.
2.1.1. Com interesse para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 05.06.2020, a [SCom01...], S.A., ora Impugnada, e a Impugnante, respectivamente na qualidade de “entidade comercializadora” e “cliente”, outorgaram contrato de fornecimento de gás natural, com o n° ...34, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. fls. 1 a 15 do p.a. junto, a fls. 953 a 971 do SITAF;
2. Em 08.10.2020, a “[SCom01...], S.A.” emitiu em nome da Impugnante factura n° ...95, referente ao mês de Setembro de 2020, com data limite de pagamento em 09.11.2020 – cfr. doc. n° 1 junto com a p.i., a fls. 61 a 65 do SITAF;
3. Decorre da factura mencionada no ponto anterior, a cobrança da “Taxa Ocupação Subsolo do Município da ...”, nas quantias de € 79,99 e € 9.348,05, relativas, respectivamente, a “Componente Fixa (n° dias)” e “Componente Variável (KWh) – cfr. doc. n° 1 junto com a p.i., a fls. 61 a 65 do SITAF;
4. Em 05.11.2020, a Impugnante procedeu ao pagamento da factura referida nos pontos anteriores – cfr. doc. n° 2 junto com a p.i. a fls. 66 do SITAF.
Factos não provados:
Inexiste matéria de facto não provada com interesse para a decisão da causa.
Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados fundou-se na análise dos documentos juntos aos autos, não impugnados, tudo conforme referido no final de cada ponto do probatório.»
2.1.2. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se à matéria de facto o seguinte:
5. Em 05.06.2020, a Recorrida ([SCom02...] S.A) e a Recorrente ([SCom01...] S.A.) subscreveram um contrato para o fornecimento de gás natural – cf. doc. a fls. 953 a 972 dos autos – paginação do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2.2. De direito
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário do Porto pela qual se concedeu provimento à impugnação deduzida pela Recorrida ([SCom02...], S.A.), intentada contra o acto de repercussão da Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS) incluída na fatura n° ...95, emitida em 8 de outubro de 2020, no valor de 9.428,04 €, referente ao mês de setembro de 2020.
Concretizando, a sentença sob recurso deu provimento à impugnação, anulando a repercussão da taxa de ocupação de subsolo constante da factura identificada emitida pela [SCom01...], S. A. (Recorrente), com todas as consequências legais, designadamente a restituição da quantia que o Impugnante (Recorrida) pagou a esse título bem como os juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento até à data de emissão da nota de crédito.
Em sede de petição inicial a impugnante alegou, em súmula, que atento o disposto no artigo 85°, n° 3 da Lei n° 42/2016, de 28.12, Lei do Orçamento de Estado para 2017 (doravante LOE 2017), que proíbe expressamente a repercussão da taxa em questão aos consumidores finais, o acto de repercussão da TOS em questão é ilegal, e que, caso assim não se considere, a repercussão da TOS é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, decorrente dos artigos 165°, n° 1, al. i) e 103°, n° s 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A ora Recorrente, em sede de contestação, defendeu-se por excepção alegando (i) da incompetência material; (ii) da sua ilegitimidade passiva; (iii) do erro na forma de processo, (iv) da intempestividade da presente impugnação, e (v) por impugnação defendeu a improcedência da acção, assente na perspectiva da correcta interpretação a dar ao disposto no n.º 3 do artigo 85º da LOE de 2017 e da sua inconstitucionalidade por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada (artigos 160º a 287º da contestação) e, no mais, refutando a irrepercutibilidade da TOS defendida pela Autora (artigos 288º a 333º da contestação).
O tribunal a quo, elencou enquanto questões a decidir as seguintes « i) Da incompetência material do Tribunal; ii) Do erro na forma de processo; iii) Da ilegitimidade passiva da Entidade Impugnada; iv) Da intempestividade da presente impugnação; v) Vício de violação de lei – ilegalidade do acto de repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo; vi) Da inconstitucionalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo; vii) Do direito a juros indemnizatórios.», conhecendo das excepções, fls. 3 a 21 da sentença, conclui pela improcedência das mesmas e, após a fixação dos factos, conheceu “Da ilegalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo” concluindo, pela procedência da impugnação.
Para assim decidir, concluiu a sentença «Assim sendo, acompanhando o entendimento e respectiva fundamentação jurídica vertida neste aresto, conclui-se pela ilegalidade do acto de repercussão da TOS, ora impugnado, incluída na factura n° ...95, emitida pela Impugnada, no valor de € 9.428,04 (setembro de 2020), por violação do artigo 85°, n° 3 do OE 2017.», e « Por todo o exposto, sufragando o entendimento decorrente do acórdão supra transcrito, urge concluir que a repercussão da TOS aqui em causa resulta de um erro imputável à Impugnada, o qual deu origem ao pagamento de um tributo por parte da Impugnante quando o mesmo não era devido à Impugnada, circunstância que determina o direito daquela a receber juros indemnizatórios, tal como resulta do disposto no artigo 43°, n° 1 da LGT./Juros que, nos termos do disposto no n° 5 do artigo 61° do CPPT, são contados desde a data do pagamento indevido da TOS, no caso desde 05.11.2020 (facto provado n° 4), até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.» [o aresto a que alude é o acórdão do STA de 08.03.2023, proferido no processo n° 035/21.0BEPRT].

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objecto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença enferma das nulidades que lhe são imputadas e, bem assim, se padece de erro de julgamento de facto e de direito.
2.2.1. Da nulidade por omissão de pronúncia
A Recorrente começa por invocar que a sentença recorrida enferma da nulidade por omissão de pronúncia, “prevista no art. 125.°, n.° 1 do CPPT e art. 615.°, n.° 1, al. d) da CPC, a mesma verifica-se em virtude de o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a questão da inconstitucionalidade da normas prevista no n.° 3 do artigo 85.° da Lei do OE para 2017, quando interpretada e aplicada no sentido de ser imediatamente aplicável, por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada (artigos 2.°, 61.° e 62.° da Constituição), do princípio contido no artigo 105.°, n.° 2 da Constituição de acordo com o qual o Orçamento é elaborado de harmonia com as obrigações decorrentes de lei ou de contrato por violação do estatuto jurídico-constitucional do Governo e, por consequência, dos artigos 2.°, 111.° e 128.° da Constituição, por violação da tutela da confiança da Recorrente, enquanto entidade comercializadora de gás natural e agente interveniente na cadeia de distribuição e comercialização de gás, em desrespeito pelos artigos 2.° e 266.°, n.° 2, da Constituição, que havia sido suscitada pela RECORRENTE na contestação.” e, ainda que em requerimento de 12.04.2023 suscitou a inconstitucionalidade da “interpretação e aplicação da norma do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017, bem como do posterior artigo 133.°, n.° 1 da LOE 2021, no sentido de que as empresas comercializadoras de gás podem ser sujeitas a suportar o custo da TOS, não obstante não serem sujeitos passivos do tributo em causa, exercerem a sua atividade em regime de livre concorrência e a inviabilidade económica de uma interpretação do regime legal que faça recair sobre as comercializadoras de gás o encargo de suportar a TOS, por violação dos princípios da igualdade, da confiança legítima, da proibição do excesso e ainda da iniciativa privada e da propriedade privada e por consequência do disposto nos artigos 2.°, 13.°, 18.°, n.° 2, 61.° e 62.° da Constituição.
Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 608º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Mas, como é sabido, a omissão de pronúncia só existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que o conceito de «questões» também não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar.
Vejamos.
Antes do mais, diga-se que a ocorrer omissão de pronúncia a mesma é balizada pelas questões que efectivamente incumbia ao Tribunal a quo conhecer, o que afasta desde logo a inclusão das questões e argumentos apresentados pela aqui Recorrente no seu requerimento em 12.04.2023, que em suma, mais não é do que uma resposta ao entendimento sufragado pelo STA em manifesta oposição àquela ao longo dos 102 artigos que compõem o seu requerimento, movido pela junção dos acórdãos prolatados pela impugnante aos autos. Aliás, atente-se ao seu “desabafo” final “Em face do exposto, não deve ser transposto para o presente processo, o entendimento sufragado pelo STA, nos acórdãos juntos aos autos pela [SCom02...]”.
Razão pela qual é manifesto, que não cumpria ao Tribunal a quo conhecer de eventuais inconstitucionalidades e /ou outras questões, que por aquela via tenham sido pela primeira vez suscitadas nos autos, note-se já após a emissão de parecer pelo DPMP e fora, como tal, dos articulados e das alegações finais.
Mais, perscrutada a contestação, mormente os seus 333º artigos, em concreto a inconstitucionalidade devidamente autonomizada que não encontramos respaldada na sentença sob recurso, é aquela que consta nomeadamente dos artigos 242º a 248º da contestação, a saber, da inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, quando interpretada no sentido de ser imediatamente aplicável, por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.º, 61.º e 62.º da CRP e, do artigo 105.º, n.º 2 que impõe que o Orçamento seja elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou contrato.
Pelo que este será o padrão do invocado para aferir da omissão de pronúncia.
É que, efectivamente como bem alega a Recorrente nas suas conclusões as invocadas inconstitucionalidades são de conhecimento oficioso.
Este conhecimento oficioso da inconstitucionalidade decorre do poder e do dever que o artº 204º da CRP atribui á função jurisdicional, quando dispõe: “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.” Estando o juízo de constitucionalidade dependente de uma causa submetida a julgamento, não havendo uma acção ou um recurso judicial directo de inconstitucionalidade, tal juízo de constitucionalidade assume natureza incidental porque ele ocorre a propósito de uma outra questão submetida ao tribunal (no caso concreto estamos perante a “perda de um mandato autárquico”), “(…) podendo e devendo ser oficiosamente levantada pelo juiz. (…)” (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pag. 796).
Assim, porque o artigo 204º da CRP significa que a função jurisdicional integra também a fiscalização da constitucionalidade e que os tribunais têm o poder e o dever de confrontar com a lei fundamental as normas infraconstitucionais que sejam chamados a aplicar, assim procedendo ao “controlo difuso ou desconcentrado da constitucionalidade” (cfr. autores e ob. Citados, pag. 796), sendo tal controlo uma fiscalização concreta porque apenas relevante para o caso concreto em juízo, antevemos já que as questões das inconstitucionalidades suscitadas pelo Recorrente nas suas alegações de recurso, sendo de conhecimento oficioso, devem ser conhecidas por este tribunal de recurso, assim como podem ser suscitada em qualquer altura do processo e até à decisão final, «pela simples razão de que os tribunais não podem, nos termos do artº 207 da CRP (hoje artº 204) “aplicar (ou coonestar a aplicação) de norma que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados”(…).» (cfr. ponto II do Sumário do Ac. STA de 24.01.95, in Rec. 034482, in www.dgsi.pt).
Dispõe o n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que constitui causa de nulidade da sentença, entre outras, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, considerando-se como tais, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Dispõe a parte final do mesmo preceito que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Sendo as questões de inconstitucionalidade, no âmbito da fiscalização difusa da constitucionalidade das leis, de conhecimento oficioso, como consensualmente aceite pela jurisprudência e a doutrina, não nos parece, ao contrário do sustentado pelo tribunal a quo no seu despacho de sustentação da inexistência de nulidade por omissão de pronúncia, que efectivamente in casu ocorre uma concreta omissão, sem deixarmos de ventilar que algumas das inconstitucionalidades suscitadas integram o acervo do aresto do STA integralmente transcrito, mas certo é que nas vertentes supra elencadas de violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.º, 61.º e 62.º da CRP, é certo que não foram equacionadas e como tal sobre ela não foi emitida pronúncia na sentença.
Nada se consignou na sentença recorrida a propósito daquela questão – que é verdadeiramente uma questão, e não apenas um novo argumento no sentido da inconstitucionalidade material do n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 – sendo que se lhe impunha a referência, porque de conhecimento oficioso e expressamente suscitada em sede de contestação, razão pela qual, como alegado, está ferida de nulidade a sentença recorrida nessa exacta medida.
Assim sendo, há que concluir que a sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 615º, nº1, alínea d), do CPC e 125º, nº1, do CPPT.
No entanto, consideramos que a nulidade aqui em análise que se prende com a defesa por impugnação, que não matéria de excepção dilatória ou perentória, apresentada pela Recorrente na contestação não contende com a totalidade do segmento decisório da decisão, pelo que nos propomos não de imediato, mas no momento que nos parece o próprio – em sede de erro de julgamento de direito, até porque como veremos atenta ainda a Recorrente em sede de erro de julgamento de facto da necessidade de aditamento de matéria de facto, a qual poderá vir a revelar qui ça naquela sede. Ou seja, em termos de discurso lógico e atentas as demais inconstitucionalidades avocadas em sede de recurso, consideramos ser de compilar tudo no mesmo segmento de conhecimento, o que se remete para a apreciação e decisão do erro de julgamento de direito imputado à decisão.

2.2.2. Da nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, obscuridade e ambiguidade
As questões suscitadas nestes autos são, em ampla medida, idênticas – até por estarmos perante as mesmas partes e pela quase integral similitude do quadro conclusivo das alegações – àquelas já tratadas, com a devida profundidade e detalhe, no recentíssimo acórdão deste TCAN, proferido no processo n.º 864/22.7BEPRT, em 23/11/2023.
Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Sessão (acórdão esse que subscrevemos na qualidade de 1ª adjunta). Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos [a qual foi igualmente sufragada em recentes acórdãos deste TCA Norte, nomeadamente de 27.04.2023, 11.05.2023, 25.05.2023, e de 25.02.2024, proferidos no âmbito dos processos n.º 1528/21.4BEPRT, n.º 1798/20.5BEPRT, nº 2309/21.0BEPRT e nº 298/22.3BEPRT], pelo que sempre que se mostrar transponível passaremos a transcrever e/ou aderir a fundamentação de tal aresto, com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise, com a devida interrupção da transcrição, sempre que a mesma se justificar.
«IV.1.2 – Da nulidade por oposição dos fundamentos com a correspetiva decisão.
Em segundo lugar, a Apelante invoca que há uma contradição lógica na sentença recorrida na medida em que concluiu que o encargo relativo à TOS deve ser suportado pela [SCom03...], S.A. e, ao mesmo tempo, concluiu que deverá ser a Recorrente a devolver o encargo relativo a tal taxa. Mais refere em sede de alargamento de recurso que tal questão não foi ponderada e decidida no despacho de 23.05.2023 acima referido.
Ora, está correta a afirmação feita pela Recorrente no que diz respeito a sobredita questão não ter sido objeto de apreciação no dito despacho agora recorrido, tendo esta sido invocada em sede recursiva. Por isso, impõe-se analisar se a sentença recorrida enferma da nulidade cuja apreciação foi obnubilada no despacho supra mencionado.
Ora, convém desde logo salientar que na sentença recorrida não se faz qualquer referência concreta a que o encargo da TOS tivesse que ser suportada pela sociedade indicada pela ora Recorrente (mais concretamente a [SCom03...], S.A.). Por outro lado, na sentença recorrida delimita-se e decide-se a questão como sendo a da repercussão da TOS pela ora Apelante à Recorrida e, nessa medida, se condena aquela à devolução da taxa aqui em questão.
Por isso, não há aqui qualquer contradição entre os fundamentos da decisão jurisdicional recorrida e o seu sentido decisório, ao invés do que é referido pela ora Recorrente, pelo que não se consumou a apontada nulidade.»
A apreciação transcrita é transponível para os presentes autos, cumprindo tão só atentar que o objeto da presente ação resulta da caraterização da relação “jurídico-tributária” controvertida, tal como configurada pela impugnante. Nessa conformidade, temos que a presente impugnação visa a anulação de um acto de repercussão praticado pela impugnada (recorrente), senão observemos a fatura identificada no facto provado n.º1, a qual foi emitida pela “[SCom01...]”.
Mais, da análise da Petição Inicial verificamos que o facto relevante é a repercussão em si, sendo irrelevante o facto da sociedade que praticou tal acto assumir um papel de comercializadora ou operadora, releva apenas o facto de esta ser a entidade que repercutiu a TOS liquidada, cobrando-a à impugnante (recorrida), que naquela relação comercial assume o papel de consumidora final.
Os factos relevantes na decisão de uma determinada situação concreta resultam, essencialmente, da análise da relação material controvertida, tal como configurada pelas partes, pelo que, no caso, considerando tanto a referida relação como o pedido feito ao tribunal, que se consubstancia única e exclusivamente, na anulação da repercussão, os factos fixados e a fundamentação, que servem de base à decisão proferida – alicerçada na recente jurisprudência do STA não enferma de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, pelo que improcede tal alegação (vide conclusão 7) das alegações de recurso).
2.2.2. Do erro de julgamento de facto
A Recorrente, alega que “(...) não foram carreados para o probatório todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis de direito. Tendo a [SCom01...] invocado na contestação a questão da inconstitucionalidade da norma constante do n.° 3 do artigo 85.° da Lei do OE para 2017 , quando interpretada no sentido da sua aplicação imediata, por se considerar que a mesma colidia com as obrigações anteriores decorrentes dos contratos de concessão de gás, concretamente, com o direito de repercussão da TOS sobre os consumidores finais, em flagrante violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.°, 61.° e 62.° da CRP e do artigo 105.°, n.° 2, da CRP que impõe que o Orçamento seja elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou contrato e, bem assim, do estatuto jurídico-constitucional do Governo como órgão superior da Administração e da tutela da confiança na atuação do Estado conforme artigos 2.°, 111.°, 128.° e 266.°, n.° 2, da CRP , impunha-se que na factualidade dada como provada o Tribunal a quo se tivesse considerado que a repercussão da TOS emerge das minutas dos contratos de concessão de gás, celebrados entre o Estado e os operadores das redes de distribuição de gás e tivesse considerado que a [SCom03...] é uma empresa operadora das infraestruturas.” Mais avoca que “(...) era necessário que fosse fixado nos factos que a [SCom03...] é a detentora de concessão de distribuição regional de gás natural do Norte, que inclui a área de concessão do concelho ....” para correctamente aferir das excepções da incompetência material e de ilegitimidade.
Assim fundamentando, propõem o aditamento dos seguintes factos:
« a) Pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 98/2008, 3 de abril, foram aprovadas as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as sociedades [SCom04...], S.A.; [SCom05...], S. A.; [SCom06...], S.A.; [SCom07...], S.A.; [SCom08...], S.A. e [SCom09...], S.A., que em 2016 alterou a sua designação para [SCom10...], S.A. e desde outubro de 2017 opera, sob a designação social de [SCom03...], S.A. (cf. Documento n.° 1 da contestação).
b) A [SCom03...] S.A. (anteriormente designada de [SCom10...], S.A.) é a detentora de concessão de distribuição regional de gás natural do Norte, que inclui a área de concessão do concelho ... (cf. Resolução do Conselho de Ministros n.° 98/2008, de 3 abril, junto como Documento n.° 1 da contestação e artigo 3.° da petição inicial).
c) No âmbito do contrato de fornecimento de gás celebrado entre a [SCom01...] e a [SCom02...], no Anexo II das Condições Particulares, foi expressamente identificada a fórmula de cálculo do preço de venda, incluindo uma Parcela Regulada (que integra “a componente do preço que corresponder, a cada momento, ao conjunto dos valores devidos, direta ou indiretamente pelo Cliente, pela adesão e utilização das infraestruturas que integram o SNGN, tal como indicado na cláusula 3.2 das Condições Gerais. Os valores atrás referidos são fixados administrativamente pela ERSE e revistos periodicamente (...)”) e uma Parcela Não Regulada (correspondente à “componente do preço que é livremente fixada pela Empresa e que, em cada mês, será determinada com base na(s) seguinte(s) fórmula(s) (...)”) (cf. processo administrativo).
d) Na cláusula 3.ª (Preço) das Condições Gerais do contrato celebrado entre a [SCom01...] e a [SCom02...] consta que (cf. processo administrativo):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida](...)»
Importa, desde logo, salientar que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1134/10.9BELRA.
Ora, temos por líquido que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como iremos ver ser o caso, preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões.
Aqui chegados, importa, pois, reverter para o caso concreto e verificar se o aditamento que nos é proposto é constituído por matéria conclusiva ou que possa ser considerada como sendo matéria de direito, o que, a ocorrer, impede a sua recondução ao probatório.
Munidos dos presentes considerandos do decidido e da matéria controvertida no presente recurso, temos que a matéria que a Recorrente almeja aditar ao julgado e que vai referida nas alíneas a) e b) supra indicadas, não constitui verdadeira matéria factual, mas, antes, trata-se de matéria de contornos de natureza legal, uma vez que faz alusão a um diploma resolutivo do Governo e ao que dele constará., pelo que terá que improceder nesta parte.
Relativamente à pretendida inserção pela Recorrente do que supra vai vertido nas alíneas c) e d), respeitante ao contrato de fornecimento de gás subscrito pelas partes, temos que considerar que aquela cumpre os ónus processuais de impugnação da matéria de facto vertidos no artigo 640.º do CPC aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT e a mesma se mostra pertinente. No entanto atenta à matéria factual aditada por esta instância oficiosamente, torna-se inútil aferir da sua inclusão, uma vez que aquela absorve a pretensão da Recorrente.
Assim sendo, indefere-se o peticionado aditamento, sendo que parcialmente por via da inserção factual aditada oficiosamente por esta instância, nessa exacta medida, o mesmo revela-se inútil, dando-se por estabilizada a decisão da matéria de facto.

2.2.3. Do erro de julgamento de direito
Recapitulando, vem o presente recurso interposto pela Recorrente [SCom01...] da decisão proferida pelo TAF do Porto, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida [SCom02...], S.A. contra o acto de repercussão da Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS) incluída na fatura n° ...95, emitida em 8 de outubro de 2020, no valor de 9.428,04 €, referente ao mês de setembro de 2020.
Afastadas as nulidades assacadas à decisão sob recurso, estabilizada a matéria de facto, cumpre apreciar e decidir dos fundamentos invocados em sede de erro de julgamento de direito ao julgado, sendo que das vastas conclusões e alegações apresentadas podemos concluir que as questões são as de saber: se a decisão vertida na sentença recorrida padece de erro de julgamento ao não ter considerado verificada a excepção da incompetência material do tribunal [conclusões 13) a 29)], ilegitimidade passiva [conclusões 30) a 40)], no que respeita à exceção dilatória de erro na forma do processo [conclusões 41) a 45)], relativamente à exceção da intempestividade da impugnação judicial [conclusões 46) a 56)], por errónea interpretação e aplicação do disposto do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado (LOE) para 2017, quanto à legalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo aos consumidores finais e se a mesma carece ou não de um regime legal de execução para produzir os seus efeitos [conclusões 58) a 70)]; errada interpretação e aplicação do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017 na perspetiva das empresas comercializadoras de gás [conclusões 71) a 72)]; da errada aplicação do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017 quando interpretado e aplicado no sentido de que o mesmo dispõe de posição hierárquica proeminente em relação ao Decreto-Lei de Execução Orçamental [conclusões 92) a 96)]; inconstitucionalidade do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017, interpretado e aplicado no sentido de impor às empresas comercializadoras de gás o reembolso da TOS [conclusões 72) a 74)]; inconstitucionalidade do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017 e do n.° 1 e 2 do artigo 133.° da LOE 2021 interpretados e aplicados no sentido de serem imediatamente operativos por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica, da propriedade privada, do princípio de que o orçamento é elaborado tendo em conta a obrigações decorrentes de lei ou de contrato, por violação estatuto jurídico-constitucional do Governo e da confiança da [SCom01...] na atuação do Estado [conclusões 75) a 85)]; inconstitucionalidade do artigo 85.°, n.° 3, da LOE 2017 por não dispor sobre matéria financeira e orçamental [conclusões 86) a 91)]; da condenação em juros indemnizatórios [conclusões 97) a 109)].
Como já referenciamos supra, as questões aqui tratadas são, em ampla medida, idênticas – até pela quase integral similitude do quadro conclusivo das alegações – àquelas já tratadas, com a devida profundidade e detalhe, no recentíssimo acórdão deste TCAN de 23.11.2023, processo 864/22.7BEPRT, também ele assente em parte em jurisprudência emanada em acórdão deste Tribunal ad quem de 27.04.2023, proferido no processo n.º 1528/21.4BEPRT e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo ali referenciada. Aliás à semelhança da sentença sob recurso, que à exclusão das matérias das excepções transcreveu ipsi verbis o acórdão do STA de 08.03.2023, proferido no processo n° 035/21.0BEPRT.
Razão pela qual prosseguimos a nossa análise aderindo quer à jurisprudência deste TCA, quer á jurisprudência do STA em todas as situações consolidadas, tendo em vista alcançar uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como já referimos.
2.2.3.1. Do erro de julgamento no conhecimento das excepções
«IV.3 – Dos erros de julgamento alegados.
Cabe agora analisar as questões que a Recorrente coloca quanto aos erros de julgamento que imputa à sentença recorrida.
Antes de mais, convém referir que não perfilhamos o entendimento prosseguido pela Recorrente quanto aos erros de julgamento atinentes à consideração como não verificadas as exceções de incompetência material do tribunal recorrido da ilegitimidade passiva e do erro na forma do processo.
Assim, cremos que no decisório da sentença recorrida, não se afrontaram as regras de competência material dos tribunais administrativos e fiscais, uma vez que estamos perante uma causa que tem subjacente uma relação que emerge de uma relação jurídico tributária, estando em causa a repercussão de um tributo, mais concretamente de uma taxa (cf. n.º 1 do art.º 1.º e art.º 4.º ambos do ETAF). Aliás, em socorro deste entendimento, tenha-se presente que sobre questões semelhantes à presente, ou seja, em que está em causa a repercussão de Taxas de Ocupação de subsolo, têm sido proferidos vários acórdãos pelo STA que se debruçam de fundo sobre a presente problemática, o que significa um reconhecimento de que estamos perante uma questão para cuja apreciação são competentes os tribunais administrativos e fiscais (vide, entre outros, os acórdãos proferidos em 12-04-2023 (processos n.ºs 0814/20.5BEALM, 0826/20.9BEALM, 0670/20.3BEALM, 0819/20.6BEALM, 077/21.5BEALM)).
Por outro lado, quanto ao erro na forma de processo, desde já adiantamos que estamos de acordo com o decidido em primeira instância, na medida em que da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT decorre a possibilidade do repercutido poder impugnar, nos termos das leis tributárias, o imposto em si mesmo considerado, o que, por maioria de razão, terá que incluir o próprio ato de repercussão enquanto ato definidor da relação jurídica tributária. Acresce, ainda, que a abertura dada pela redação do artigo 99.º do CPPT lida à luz do princípio ínsito no art.º 20.º da CRP, impõe tal entendimento sob pena de se poder frustrar o direito de acesso à justiça aqui consignado e se poder arruinar a lógica do sistema assente na proposição lógica que o processo de impugnação se destina a discutir, em geral, a validade de atos tributários o que inclui a sua cobrança ainda que pela via da repercussão (como é aqui o caso presente, não se quedando a questão suscitada no domínio da eficácia de atos, na medida em que aqui se questiona a própria relação jurídica tributária subjacente, na vertente da definição de quem são os seus sujeitos passivos). Acresce que, como se afirma no acórdão do STA de 29.03.2023, proferido no proc. nº 817/20.0BEALM (in www.dgsi.pt):
“[…] Em suma, o pagamento da TOS, por via do acto de repercussão, representa ainda a cobrança de uma receita coactiva e não a mera satisfação, por parte do cliente final, de uma obrigação privada assumida no âmbito de um contrato sinalagmático que tem como contraparte a sociedade recorrida. Interpretação que, se bem vemos, encontra respaldo no artº.18, nº.1, da L.G.T., norma que consagra uma noção ampla de sujeito activo da relação tributária, nela se incluindo a figura do representante, entendendo-se ser nesta última figura que se integra o concessionário/comercializador do serviço público de gás natural, a funcionar na arrecadação da TOS como um substituto "ex lege", assim promovendo a cobrança do tributo por meio da respectiva repercussão. Também chamadas entidades de direito público por atribuição e constituindo sujeitos activos da relação jurídica tributária de natureza complexa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/02/2023, rec.2/21.3BEALM; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/03/2023, rec.267/21.0BEALM; Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, pág.74 e seg.). …”.
[…]”.
Já no que concerne à legitimidade da ora Recorrente, perfilhamos o entendimento vertido na sentença recorrida quanto a esta matéria, devidamente apoiada na jurisprudência do STA ali e aqui acima citada, para a qual aqui remetemos e que tem a nossa adesão e na qual se conclui que “na impugnação judicial do acto de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o acto impugnado”, ou seja, in casu, à Recorrente.»
Abrimos aqui um parêntesis, pois ali não foi apreciado o aqui invocado erro de direito no julgamento que recaiu sobre a excepção da intempestividade da impugnação judicial.
Em relação àquela excepção, foi a seguinte a apreciação e decisão proferida pela 1.ª Instância, que aqui transcrevemos:
«(...)
Desde logo e no seguimento da notificação da repercussão da TOS, no valor de € 9.428,04, incluída na factura n° ...95, emitida pela [SCom01...], S.A., a aqui Impugnante, ao abrigo do disposto no artigo 16° do RGTAL (Lei n° 53-E/2006, de 29 de Dezembro), apresentou reclamação necessária, através de requerimento dirigido ao Município ..., em 09.11.2020 (factos provados n°s 1) a 3)).
Não sendo controvertido que a referida reclamação não foi objecto de decisão por parte do Município ..., a Impugnante, em 24.03.2021, apresentou Impugnação judicial junto deste tribunal, que correu termos sob o n° 850/21.4BEPRT (factos provados n°s 4, 5 e 6).
Em 11.11.2021, foram remetidas notificações electrónicas às partes, notificando-as da sentença proferida no processo n° 850/21.4BEPRT, presumindo-se as mesmas notificadas a 15.11.2021 (artigo 248°, n° 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT) (facto provado n° 9).
Mais decorre dos autos que a referida sentença julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Município ..., aí Entidade Impugnada, absolvendo-a da instância (factos provados n°s 7 e 8).
Assim, tendo a mencionada decisão julgado procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada e sendo a ilegitimidade singular insanável, não poderia ter lugar o convite da Impugnante para o respectivo suprimento.
De facto, urge recordar que tendo em conta o estatuído no n° 8 do artigo 87° do CPTA, o mesmo é aplicável “em casos em que podia haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou irregularidades.”
Pelo que, no âmbito da impugnação judicial que correu termos com o n° 850/21.4BEPRT, não podia a Impugnante usar do mecanismo de substituição da petição previsto no citado normativo, uma vez que, estava em causa uma excepção insuprível.
Aqui chegados urge trazer à colação o recente acórdão do TCA Norte, de 27.11.2020, proc. n° 00322/13.0BEBRG, do qual se extrai entre o mais o seguinte: “2 – Uma vez que a exceção de ilegitimidade julgada verificada na ação inicial, é uma ilegitimidade singular e insuprível, não podia a Recorrente usar do mecanismo de substituição da petição previsto no n° 2 do art° 89° do CPTA, uma vez que essa exceção é insuprível, não havendo a possibilidade de substituir a petição em consequência de absolvição da instância, mas apenas a faculdade de nova ação, com aproveitamento dos efeitos da anterior. Assim, na situação em apreciação deverá ser aplicável o disposto no artigo 279°, n° 2 do CPC, pelo que não ocorreu a exceção de caducidade ditada pelo tribunal a quo. (...) Uma vez que a exceção de ilegitimidade julgada verificada na ação originária, se consubstancia numa ilegitimidade singular é a mesma insuprível, em face do que resta o recurso ao CPC para ultrapassar a referida questão, designadamente chamando à colação o estatuído no artigo 289°, n° 2 do CPC (atual Art° 279° CPC), até em homenagem ao principio “pro actione” (Artª 7° CPTA)”– consultável em www.dgsi.pt.
Sob a epígrafe, “Alcance e efeitos da absolvição da instância”, prescreve o artigo 279° do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT, que “1 – A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objecto.”
Doutro passo determina o n° 2 do mesmo normativo que, “Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.”
Assim, considerando que no originário processo de impugnação que correu termos sob o n° 850/21.4BEPRT, não foi admitida a possibilidade de correcção da petição inicial, em virtude de estarmos perante uma excepção dilatória de ilegitimidade passiva, excepção insuprível, certo é que, com base na citada jurisprudência, a Impugnante não estava impedida de apresentar uma nova acção sobre o mesmo objecto, ao abrigo do disposto no artigo 279° do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPC.
Sob pena de, caso não fosse admitida tal possibilidade, ficar comprometido o referido princípio “pro actione” ou do favorecimento do processo, com todas as implicações daí resultantes, em última análise do próprio princípio da tutela jurisdicional efectiva.
“I – O princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça (...), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.” – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.01.2014, proc. n° 01233/13, consultável em www.dgsi.pt.
Ante o exposto, considerando ser de aplicar ao caso em apreço o artigo 279°, n° 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT, cabe concluir que, tendo a Impugnante, na sequência da notificação da sentença em 11.11.2021 (facto provado n° 9), apresentado nova petição que deu origem aos presentes autos, o que veio a ocorrer dia 30.11.2021 (facto provado n° 10), a mesma respeitou o prazo de 30 dias estabelecido no citado normativo, mantendo-se os efeitos da propositura da primeira acção, incluindo a data da sua apresentação, pelo que a mesma se mostra tempestiva.
E a tal entendimento não obsta, a argumentação avançada pela Impugnada de que a presente impugnação tem objecto diferente da impugnação que correu termos sob o n° 850/21.4BEPRT.
Isto porque, pese embora o entendimento da Impugnada, certo é que, em ambas as impugnações, está em causa o acto de repercussão da taxa e não o acto de liquidação.
Aliás, como supra já se referiu, foi este mesmo entendimento que levou a considerar verificada a excepção de ilegitimidade passiva do Município ..., pois que a referida entidade, então Impugnada, era alheia ao acto de repercussão, cuja legalidade era aí, tal como na presente impugnação, posta em causa.
Com efeito e como decorre da referida decisão, “II - Não é imputável à entidade municipal nem aos seus órgãos ou serviços o ato impugnado de repercussão do valor de um tributo municipal que não foi por eles praticado nem de alguma forma determinado.
(...)
Do exposto deriva que não existem elementos que permitam, sequer, relacionar o Município com o ato de repercussão. Não há, assim, como concluir que a repercussão é imputável ao Município”. (facto provado n° 8).
E se não podemos olvidar que existem diferenças entre as duas petições apresentadas pela Impugnante, igualmente não é menos verdade que as mesmas se traduzem nas alterações necessárias ao suprimento da referida excepção de ilegitimidade passiva, mantendo-se no essencial a mesma relação jurídico-tributária, dando assim cumprimento a um mínimo de estabilidade da instância, princípio previsto no artigo 260° do CPC.
Assim sendo, tendo em conta o estatuído no artigo 279° do CPC (ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT), normativo que, segundo entendemos, será de aplicar ao caso sub judice, atendendo a que a nova petição apresentada respeitou o prazo de trinta dias legalmente estabelecido, considerando-se assim apresentada na data em que tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação, urge concluir pela improcedência da excepção invocada.» (fim de transcrição de enxerto da sentença de 1ª instância)
A sentença discreteou de modo a não merecer reparo quando afirma a tempestividade da impugnação, sendo que por via do presente recurso a Recorrente repisa nos seus argumentos, pelo que aqui acompanhamos o assim julgado.
2.2.3.1. Do erro de julgamento de direito do demais
Prosseguindo, a sentença sob recurso alicerçou-se no conhecimento da questão que lhe vinha colocada pela Recorrida sobre a interpretação e aplicação do disposto do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado (LOE) para 2017, quanto à legalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo aos consumidores finais e se a mesma carece ou não de um regime legal de execução para produzir os seus efeitos; se a TOS é inconstitucional, por se dever entender que configura um imposto; se são devidos juros indemnizatórios à Recorrente.
Estas questões de fundo a apreciar no presente recurso são, em ampla medida, idênticas – até pela quase integral similitude do quadro conclusivo das alegações – àquelas já tratadas, com a devida profundidade e detalhe, no recentíssimo acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Março de 2023, lavrado no Processo n.º 217/21, disponível em www.dgsi.pt, e onde se pode ler, no segmento conclusivo:
“I – Nos termos do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2017), a taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas e não podem ser reflectidas na factura dos consumidores.
II – Sendo a citada norma válida e plenamente eficaz desde 1 de Janeiro de 2017, é ilegal o acto de repercussão que posteriormente à sua entrada em vigor foi incluído em factura de consumo de gás e suportado pelo consumidor final.
III - A actividade ou prestação de um serviço público essencial não perde a sua natureza pública administrativa pela circunstância de ser desenvolvida por uma pessoa colectiva de direito privado (no caso constituída sob a forma de sociedade anónima), nem o acto de repercussão, realizado ao abrigo de um direito legalmente reconhecido, deixa de ser materialmente tributário apenas por ter sido praticado por uma concessionária (de serviço publico essencial), pelo que, os valores cobrados ao consumidor na parte que respeitam à contrapartida da utilização pela concessionária do bem de domínio público ainda possuem a natureza de créditos tributários.
IV – Não determinando a natureza privada da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) a sua exclusão do conceito de “ serviços” previsto no artigo 43.º da LGT e estando verificados os demais pressupostos para atribuição de juros indemnizatórios previstos no mesmo preceito, deve concluir-se que não existe qualquer obstáculo a que seja reconhecido à repercutida (consumidor final) o direito a reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4%, desde a data em que esse pagamento indevido se verificou até efectivo e integral pagamento.”
Contextualizando, a principal questão que se colocava ao STA era a de saber se a norma contida no n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 era imediatamente eficaz e constitutiva de direitos e se, em consequência, a partir da aprovação desta norma, as comercializadoras passaram a estar proibidos de repercutir a TOS nas faturas dos consumidores finais.
O STA, antes de atender a esta questão, apreciou a constitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 por entender que se poderia tratar de um “cavaleiro orçamental”, visto que não teria qualquer relação com o objeto de uma Lei do Orçamento do Estado, que são questões de natureza financeira ou orçamental, e por tender a vigorar para lá da vigência de uma Lei do Orçamento do Estado. O STA referiu, quanto a este ponto, que embora não exista consenso na doutrina sobre a melhor solução oferecida pelo ordenamento jurídico, ao nível da jurisprudência constitucional, o entendimento tradicional e maioritário vai no sentido da sua validade desde que se verifique uma conexão mínima entre o “cavaleiro orçamental” e a Lei do Orçamento do Estado, conexão esta que o STA considerou que se se verificava no caso concreto.
De seguida, quanto à questão da eficácia imediata da norma, o STA considerou que a norma em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores, a partir da entrada em vigor da LOE 2017, sem necessidade de ser regulamentada para produzir os seus respetivos efeitos jurídico. Com efeito, o STA argumentou, para este efeito, que (i) a norma em apreço era apta a regular de forma direta e imediata a realidade nela contemplada, pois a linguagem utilizada pelo legislador era clara, direta e incondicional; e (ii) nem na norma em causa, nem em qualquer outra norma da mesma lei, se fazia depender a proibição consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da LEO 2017 de quaisquer regulamentações, estudos ou alterações legais.
Neste sentido, o STA decidiu que o acto de repercussão da TOS impugnado era ilegal, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017, pelo que era anulável.
Por conseguinte, o STA decidiu ainda que, além da devolução do montante pago a título de TOS, a Recorrente também teria direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Efetivamente, tendo o STA decidido que o acto de repercussão da TOS era ilegal e que desse acto ilegal resultou o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, não teve dúvidas em afirmar que se verificavam os requisitos de atribuição de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
A questão que se colocava era, então, a de saber se a recorrida, enquanto pessoa coletiva de direito privado (sociedade anónima), poderia considerar-se abrangida pelo artigo 43.º da LGT.
A este respeito, o STA considerou que o Estado, ao ter concedido legalmente à sociedade comercializadora de gás natural a possibilidade de repercutir um tributo, a investira de um poder tributário perante os seus clientes, o que configurava ainda uma competência tributária, ainda que de segundo grau.
Neste sentido, o STA entendeu que não se verificava qualquer obstáculo em reconhecer à Recorrente o direito de reaver o que ilegalmente lhe fora exigido e pago e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4% desde a data em que o pagamento indevido havia sido realizado.
Acresce referir, que o aresto em referência já se valia da decisão pioneira constante do Processo n.º 2/21, de 23 de fevereiro de 2023, cuja fundamentação seguiu de perto, aresto este igualmente disponível em www.dgsi.pt. E, desde então, e envolvendo precisamente as presentes partes e as mesmas questões, o Supremo Tribunal reiterou essa leitura nos acórdãos lavrados nos processos n.ºs 670/20, 826/20 e 77/21, todos de 12 de Abril de 2021, e, mais recentemente nos acórdãos de 8 de março de 2023, processos n.ºs 035/21.0BEPRT, 039/21.2BEPRT, 0217/21.4BEALM, 0267/21.0BEALM e 0347/21.2BEALM, em acórdão de 29 do mesmo mês, processo n.º 0847/21.4BEPRT, e nos acórdãos de 12 de abril de 2023, nos processos n.ºs 077/21.5BEALM, 670/20.3BEALM, 0826/10.9BEALM e 0814/20.5BEALM, entre outros.
Pelo que estamos seguramente perante entendimento uniformizado da Secção do Contencioso Tributário do STA sobre esta matéria.
Assim, devendo ser assegurada a uniformidade da jurisprudência no julgamento das questões que mereçam tratamento análogo (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), resta apenas fazer aplicação do exposto aos presentes autos e, remetendo para a fundamentação do primeiro dos acórdãos supra indicados, manter a sentença recorrida que nela se firmou.
2.2.3.1. Das inconstitucionalidades alegadas
Antes do mais, denote-se que a recente jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 576/2003, datado de 27.09.2023, proferido no processo n.º 378/22, na sequência de decisão do TAF do Porto (situação análoga a dos presentes autos) considerou que «a repercussão da TOS no consumidor final, que não utiliza, de forma individualizada, o subsolo com os seus tubos e condutas, autorizada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23/06, e pela Portaria n.º 1213/2010, de 2 de dezembro, na cláusula 11.ª do seu anexo III, transmuta a TOS num imposto sobre o consumo, e, dessa forma, ofende o princípio da legalidade tributária consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, porque a criação de impostos constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, al. i), da mesma CRP, que, neste caso, não existe», dissertando numa análise profunda e assertiva sobre o tema considerou a final que:
“(...) uma conclusão parece ter ficado evidente. A validade do ato de repercussão do valor da TOS nos clientes de gás natural, que se funda normativamente na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 e na Portaria n.º 1213/2010 e constitui um direito opcional que o Estado-Administração reconheceu às concessionárias como forma de assegurar o respetivo equilíbrio económico-financeiro, pode ser discutida sob diversos pontos de vista. Do ponto de vista da sua conformidade à lei, tendo em conta o disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, tal como interpretado pelo Supremo Tribunal Administrativo (v. supra, o n.º 16). Ou até mesmo do ponto de vista da sua congruência com o regime de proteção do consumidor, tendo designadamente em conta as regras especiais de proteção dos utentes previstas na Lei n.º 23/96, de 26 de julho, para cujos efeitos o fornecimento de gás natural é considerado um serviço público essencial (artigo 1.º, n.º 2, alínea c)). O que já não parece possível é pretender-se infirmar essa invalidade, como fez a decisão recorrida, com fundamento no princípio da legalidade fiscal. O sentido deste princípio é, como atrás se disse, colocar sob reserva material de lei (artigo 103.º, n.º 2, da Constituição) e reserva (relativa) de lei da Assembleia da República (alínea i) do nº 1 do artigo 165.º da Constituição) a criação dos impostos, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, o que, por tudo quanto se expôs, manifestamente não deriva da norma sindicada. Como concluiu o Ministério Público nas suas alegações, «a repercussão analisada não beneficia da proteção constitucional do princípio da legalidade tributária consagrado no nº2 do artigo 103º da CRP e artigo 165º, nº 1, al. i), da mesma CRP», pelo que o recurso deverá ser julgado procedente.
E, decidindo declarou “Não julgar inconstitucional a norma que se extraí do n.º 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho, com referência ao conteúdo das cláusulas insertas nos pontos 8 e 9 das minutas aprovadas, em conjugação com o artigo 3.º da Portaria n.º 1213/2010, com referência aos pontos 3. e 4. da Cláusula 11.ª do respetivo Anexo III, que faculta à concessionária da atividade de distribuição a possibilidade de repercutir o valor da taxa de ocupação do subsolo que liquidou na entidade comercializadora de gás que, por sua vez, o repercute no consumidor final; e, em consequência, (...)”
Denote-se, que a tal jurisprudência Constitucional não colide com a orientação jurisprudencial firmada pelo STA e aqui prosseguida no que concerne à apreciação do recurso movido pela Recorrente, sendo de salientar a referência expressa que aqui transcrevemos:
«16. A preocupação com a salvaguarda da posição dos consumidores finais teve a sua expressão máxima nas Leis n.ºs 42/2016, de 28 de dezembro, e 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovaram, respetivamente, os Orçamentos de Estado para 2017 e 2021. Dispôs-se nelas que a «taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores» (artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016) ou «cobradas aos consumidores» (artigo 133.º, n.º 1, da Lei n.º 75-B/2020). No Decreto-Lei n.º 25/2017, que estabeleceu as normas de execução do Orçamento do Estado para 2017, o Governo comprometeu-se a proceder à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores, tendo em conta a avaliação das entidades reguladoras, designadamente quanto às consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas (artigo 70.º, n.ºs 4 e 5). Em 2021, foi constituído um grupo de trabalho com o objetivo de alterar o quadro legal da taxa municipal de ocupação do subsolo atualmente em vigor (Despacho n.º 315/2021, publicado no Diário da República n.º 6/2021, Série II, de 11 de janeiro), cujo mandato foi, entretanto, prorrogado (Despacho n.º 5983/2021, publicado no Diário da República n.º 117/2021, Série II, de 18 de junho).
Neste quadro, várias ações com contornos semelhantes à que foi interposta nos presentes autos deram entrada nos tribunais administrativos e fiscais com o propósito de discutir a legalidade do ato de repercussão da TOS em face do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016. Em jurisprudência recente, mas reiterada, o Supremo Tribunal Administrativo veio considerar que, contrariamente ao entendimento seguido pelo Tribunal aqui recorrido (v., supra, o n.º 6), a norma do «artº.85, nº.3, da Lei do OE para 2017», para além de integrar, sem problemas de «validade ou conformidade constitucional», as normas habitualmente designadas de «cavaleiros orçamentais», deve ser «interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou», «plenamente eficaz» «“per se”», o que determina a ilegalidade dessa repercussão, como tal anulável (v., entre outros, o Acórdão de 23 de fevereiro de 2023, proferido no Processo n.º 02/21.3BEALM, bem como os Acórdãos de 8 de março de 2023, proferidos nos Processos n.ºs 035/21.0BEPRT, 039/21.2BEPRT, 0217/21.4BEALM, 0267/21.0BEALM e 0347/21.2BEALM, arestos que consideraram ainda que «os valores cobrados ao consumidor na parte que respeitam à contrapartida da utilização pela concessionária do bem de domínio público ainda possuem a natureza de créditos tributários»).»
Alega a Recorrente ([SCom01...]) a inconstitucionalidade decorrente da aplicabilidade directa da norma do n. º3 do art. 87º da LOE de 2017, cumpre neste conspecto atentar a vasta fundamentação que escoa da jurisprudência do STA, e de toda a problemática atinente à eficácia de tal normativo e sua aplicabilidade imediata, nomeadamente em contraposição com o artigo 70º, n.º 5 do Decreto lei 25/2017.
Sendo certo que o art.º 70º do DL 25.2017, de 3 de março (que estabeleceu as normas de execução do Orçamento do Estado para 2017), não afastou tal proibição de repercussão da TOS aos consumidores finais, prevendo, nos seus n.º 4 e 5, que as entidades reguladoras setoriais avaliavam a informação recolhida (pelos municípios) e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e que, tendo em conta essa avaliação, o Governo procedia à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.
Com efeito, um Decreto-Lei de execução orçamental não tem a virtualidade de afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado, sendo que o referido art.º 85º, n.º 3, não estabelece qualquer requisito ou limitação à sua aplicação imediata (leia-se, a partir de 01.01.2017), sendo claro ao afirmar que a TOS é paga pelas empresas operadoras de infraestruturas e que não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
De facto, o art.º 70º, n.º 5 do DL 25.2017, de 3 de março, limita-se a deixar aberta a possibilidade de o legislador, em face da avaliação das consequências no equilíbrio económicofinanceiro das empresas operadoras de infraestruturas, alterar a proibição de repercussão constante do art.º 85º, n.º 3, da Lei n.º 42.2016, de 28 de dezembro.
Na verdade, se o referido Decreto-Lei de execução orçamental contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, não se afigura plausível que estabeleça regras incompatíveis ou impeditivas da aplicação das normas imperativas previstas nesse Orçamento.
Por conseguinte, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 e sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional, a repercussão da TOS aos consumidores finais passou a ser ilegal.
A este propósito, atente-se no voto de vencido apresentado pelo Conselheiro Gustavo Courinha no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, proferido no processo 506/17.2BEALM (em ação com o mesmo enquadramento fáctico-jurídico), quando refere que: “(...) tão-pouco se compreenderia que o Parlamento tivesse decidido elevar à condição de Lei Formal, integrado no Orçamento de Estado – pelo artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro – uma proibição de um fenómeno de conteúdo, afinal, meramente económico e sem qualquer substrato jurídico-tributário.”.
Mais alega a Recorrente a inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017, por violação do princípio da igualdade, da confiança legitima, da proibição do excesso e ainda da tutela da iniciativa privada e da propriedade privada consagrados nos artigos 2.º, 13º, 18º, n.º 2, 61.º e 62.º da CRP e, do artigo 105.º, n.º 2 que impõe que o orçamento seja elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou contrato.
Dispõe o art.º 2.º da CRP que “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”.
Por sua vez, o artº. 61.º, n.º 1 da CRP estatui que “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” e o art.º 62.º que “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”.
E, o art.º 105.º, n.º 2 consagra que “O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato”.
Ora, não se vislumbra em que medida o entendimento defendido pela jurisprudência e secundado por este Tribunal fere aqueles princípios, na medida em que a norma vinda a referenciar é, per se, sem a intermediação ou complementação de quaisquer outras, apta a regular de forma directa e imediata a realidade nela contemplada, pois assim o afirma o legislador de forma clara, directa e incondicional: "A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores." E se nem nesta norma, nem em qualquer outra da mesma Lei, se faz depender a proibição consagrada no transcrito normativo de quaisquer regulamentações, estudos ou alterações legais, nem existe norma a impor expressamente o deferimento no tempo da sua aplicação, assim devendo concluir o aplicador da lei que a disposição em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou, não pode tal norma ser inconstitucional por violação do princípio da confiança, da iniciativa económica e da propriedade privada.
O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artigo 13º, da Constituição da Portuguesa.
A igualdade a que se refere o artigo 13.º da CRP é a igualdade jurídica, elemento do Estado de direito, que se traduz na igualdade de todos quanto à aplicação da lei – ou seja, em vínculos que impendem sobre a função administrativa (legalidade e imparcialidade da administração) e sobre a função jurisdicional (neutralidade dos tribunais) – e na igualdade de todos através da lei – que se traduz, por seu turno, em vínculos que impendem sobre o próprio legislador.
Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante.
As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.341; ac.Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/5/2003; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).
No entanto, como logo se entrevê, da arguição de que a norma do nº 3 do artigo 85º da LOE de 2017, em que assenta a incidência negativa de repercussão do valor liquidado de TOS ao consumidor final, a mesma não estabelece em si qualquer diferenciação entre consumidores finais, abrangendo uns e não outros, susceptível de enquadrar a existência de um tratamento diverso para situações que sejam iguais. O que, quando muito, poderia resultar da alegação por parte da Recorrente, que não vislumbramos, mas que a ocorrer sempre careceria de demonstração de que existe uma situação de desigualdade na aplicação da norma seja por parte da Estado -Administração, seja por parte de qualquer outra entidade, o que, em qualquer caso, não afecta a validade e eficácia da norma em questão proclamada pelo STA, e muito menos leva à sua inconstitucionalidade, devido a violação do examinado princípio da igualdade
Prosseguindo, para aferirmos se o princípio da tutela da confiança se mostra violado é necessário o preenchimento de determinados pressupostos.
Desde logo, na sua invocação, exige-se o elemento surpresa, ou seja, o facto de o particular ter sido surpreendido por uma mudança brusca com a qual ele não poderia contar. E ainda, que o Estado lhe tenha oferecido fundadas razões para confiar que o regime normativo anterior continuaria estável.
Portanto, para além da imprevisibilidade, é necessário que o Estado, através de comportamentos concretos, tenha incutido no particular uma expectativa efetiva de que determinado marco normativo seria mantido.
No entanto, o cunho imprevisível, a forma repentina como a mudança tenha ocorrido e a existência de razões objetivas averiguadas pelo comportamento estatal capaz de fazer crer na estabilidade normativa, mesmo que relevantes, só por si, não são suficientes para poder se afirmar que existe uma confiança merecedora de proteção.
É necessário, que ocorra uma mudança expressiva na linha de conduta até ali preconizada pelo Estado, a par da demonstração de que tal agravamento ou situação comporta em si um prejuízo para o particular.
Por fim, ainda no campo dos actos normativos é necessária a realização de uma ponderação entre aquela confiança legítima assim balizada, por um lado, e o interesse público pelo qual a alteração da norma se justifica.
Para Jorge Miranda, devido à relação direta existente entre os cidadãos e a administração pública, é sempre exigível que o ente estatal resguarde as legítimas expectativas dos particulares [cf. Acórdão n. 245/2009, do Supremo Tribunal de Justiça].
In casu, até podemos aceitar que a Recorrente enquanto comercializadora de Gás, e não sendo consumidor final, tenha criado uma real expectativa de que poderia repercutir a TOS ao mesmo. E, certo é que por via da actuação do legislador aquela expectativa foi defraudada ao afirmar de forma clara, directa e incondicional que "A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores.". É também certo que este preceito supera o teste do interesse público: no balanceamento ou ponderação a realizar entre os interesses desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração, este último deve prevalecer.
É que “Os consumidores não pagam a TOS, enquanto sujeitos passivos de uma relação jurídica tributária; pagam sim um valor calculado através da metodologia instituída pela ERSE, referente a uma repercussão dos custos suportados pela concessionária com o pagamento do tributo aos municípios que o fixaram. O pagamento desse valor insere-se no âmbito da obrigação contratual do consumidor de pagamento do preço devido. Este é fixado de acordo com o Regulamento Tarifário do Setor do Gás aprovado pela ERSE ¾ no período a que se reportam os autos, o Regulamento n.º 415/2016, publicado no Diário da República n.º 83/2016, Série II, de 29 de abril, e, atualmente, o Regulamento n.º 825/2023, publicado no Diário da República n.º 146/2023, Série II, de 28 de julho ¾, tendo passado o respetivo valor a poder refletir também ¾ agora segundo o MPTOS e o Regulamento das Relações Comerciais do setor do gás natural igualmente aprovados pela ERSE (v. supra, o n.º 14) ¾ o custo económico do serviço prestado pela concessionária originado pelo encargo que esta suportou com a liquidação da TOS.
22. Aqui chegados, uma conclusão parece ter ficado evidente. A validade do ato de repercussão do valor da TOS nos clientes de gás natural, que se funda normativamente na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 e na Portaria n.º 1213/2010 e constitui um direito opcional que o Estado-Administração reconheceu às concessionárias como forma de assegurar o respetivo equilíbrio económico-financeiro, pode ser discutida sob diversos pontos de vista. Do ponto de vista da sua conformidade à lei, tendo em conta o disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, tal como interpretado pelo Supremo Tribunal Administrativo (v. supra, o n.º 16). Ou até mesmo do ponto de vista da sua congruência com o regime de proteção do consumidor, tendo designadamente em conta as regras especiais de proteção dos utentes previstas na Lei n.º 23/96, de 26 de julho, para cujos efeitos o fornecimento de gás natural é considerado um serviço público essencial (artigo 1.º, n.º 2, alínea c)).” [in acórdão do TC n. º576/2023 de 27 de setembro de 2023].
A disposição em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou, pelo que é forçoso concluir pela improcedência da alegação da Recorrente.
O entendimento defendido pela jurisprudência assinalada é compatível com a exigência constitucional de liberdade de gestão, corolário da liberdade constitucional de iniciativa económica privada mitigada com o princípio civilístico da autonomia privada, pois estes princípios têm de se coadunar com os demais princípios que regem a atividade do Estado-Administração.
Note-se que relativamente à TOS a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do STA, é uniforme no sentido de concluir que os tributos liquidados visando a ocupação de via pública e, mais especificamente, o subsolo, revestem a natureza de taxas e, como tal, trata-se de crédito tributário indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, nos termos do art.º 30.º, n.º 2 da LGT.
Questão distinta é a natureza do acto de repercussão daquela Taxa, como disso se dá nota do acórdão do TC citado.
E, como tal, independentemente da cadeia de transmissão do acto de repercussão em questão nos autos, é certo que a impossibilidade e/ou possibilidade de repercussão da taxa aos consumidores é matéria que não contende com os princípios da iniciativa económica e da propriedade privada.
Ademais, resulta da legislação vinda a referenciar e das bases da concessão (Decreto-Lei 140/2006, de 26/07, e das bases das concessões nele consagradas (anexo IV), convocadas na Resolução 98/2008, de 3 de Abril de 2008) que se consagrou o direito do concedente, por via legislativa, alterar unilateralmente o contrato de concessão, consagrando, ainda, os meios ou modalidades através dos quais a reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão se deve efectuar, se e quando estejam verificadas as condições para que essa reposição tenha lugar.
Deste modo, por via da LOE2017 foi alterado unilateralmente o quadro legal conformador do contrato de concessão e a possibilidade de repercussão neste acolhido, proibindo a repercussão no cliente final da TOS, pelo que o apuramento do desequilíbrio financeiro do contrato e a sua amplitude, bem como a reposição do equilíbrio são questões que não contendem com a plena eficácia da proibição da repercussão da TOS na factura dos consumidores desde 01-01-2017, mas questões a tratar em sede de execução do contrato de concessão, cuja regulamentação prevê mecanismos para repor o equilíbrio, se houver necessidade de tal reposição, mas não impede a imediata entrada em vigor da proibição de repercussão que pretende proteger os consumidores e não se compadece com a demora da resolução das questões relacionadas com a reposição do equilíbrio do contrato de concessão.
Nem pode a Recorrente escudar-se no disposto no artigo 105.º, n.º 2 da CRP segundo o qual o Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato, pois resulta da legislação vinda a referenciar e das bases da concessão que se consagrou o direito do concedente, por via legislativa, alterar unilateralmente o contrato de concessão. Ante o exposto, no entendimento deste Tribunal o normativo em questão da LOE 2017 não contende com os referidos princípios.
Em suma, face a tudo o que vem dito e sem necessidade de mais amplas considerações, conclui-se pela improcedência das conclusões e, nessa medida, pelo não provimento do presente recurso jurisdicional e, consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela Recorrida em sede de ampliação do recurso.

2.3. Conclusões
I. A norma constante do artigo 85º, nº.3, da Lei do OE/2017 para 2017 (Lei 42/2016, de 28/12), ostenta validade ou conformidade constitucional e plena eficácia, assim produzindo efeitos desde 01/01/2017, passando a ser ilegal a repercussão da TOS nos consumidores.
II. A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo.
III. A circunstância da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) ser uma entidade privada, uma sociedade anónima, não determina a sua exclusão do âmbito de aplicação do artigo 43º, nº.1, da LGT, interpretado em conformidade com o artigo 22º, da Constituição.
IV. No contexto de facto e de direito que emerge dos autos, é de considerar a sociedade comercializadora de gás ora recorrida integrada no conceito de "serviços" consagrado no citado artigo 43º, nº.1, da LGT, em consequência, não existe qualquer obstáculo em reconhecer à sociedade recorrente o direito de reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios.
V. A norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do OE para 2017 não é inconstitucional, não sendo de desaplicar, quando interpretada no sentido de ser imediatamente aplicável, nem por violação do princípio da igualdade, confiança legitima, da proporcionalidade e proibição do excesso e da tutela da iniciativa privada e da propriedade privada.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente (por vencida).
Porto, 08 de fevereiro de 2024

Irene Isabel das Neves
Conceição Soares
Tiago Lopes de Miranda