Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02140/20.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO; ERRO NA FORMA DE PROCESSO.
Sumário:I - De acordo com o disposto no artigo 3º, n.° 3, do Código de Processo Civil, aplicável ao contencioso tributário por força do disposto no art.º 3.º do CPPT, resulta que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

II – Por outro lado, também resulta do artigo 121.º, n.° 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública”.

III - O dever de correção das formas processuais que impende sobre o Julgador está previsto no n.º 3 do art.º 97.º da LGT, sendo que obsta ao seu cumprimento a circunstância de já ter sido ultrapassado o prazo para a dedução do meio processual que seria o devido, sendo que esta circunstância transformaria a eventual convolação na prática de um ato inútil e, como tal, proibido por lei (cf. art.º 130.º do novo CPC ex vi art.º 2.º do CPPT).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – A. (Recorrente), com residência indicada na Rua (…), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se negou provimento à reclamação deduzida contra a penhora a que se faz alusão nestes autos.

A Recorrente, no presente recurso, formula as seguintes conclusões:

a) Foi instaurado o Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853 pela AT, por reversão, contra a Reclamante e seus dois irmãos por dívidas de IRC da “Sociedade R., Lda.” tendo a citação ocorrido em 7 de Março de 2013 – facto provado 6.
b) A Reclamante deduziu oposição à execução que correu termos sob o Processo nº 982/13.2BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – facto provado 5.
c) A progenitora da Reclamante que também era Executada no mesmo processo, depois de ter deduzido oposição em processo autónomo, decidiu aproveitar a facilidade conferida pelo DL 151-A/2013 de 31/10 para proceder ao pagamento da quantia em dívida, ainda que sob protesto.
d) A AT comunicou ao processo executivo nº 982/13.2BEPRT, - oposição à execução - pendente junto da Unidade Orgânica 4 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que a execução nº 3190201001081853 estava extinta – facto provado 7, tendo o Mmo Juiz a quo com base nessa informação da AT, decidido julgar a oposição extinta por inutilidade superveniente da lide.
e) Uma vez que tendo cessado por extinção a execução, conforme informou a AT o processo, a oposição que lhe era subordinada teria que ser igualmente declarada extinta, nos termos do disposto no artigo 277º do CPC.
f) Tendo sido julgada procedente a oposição apresentada pela progenitora da Reclamante, o Tribunal ordenou que a AT restituísse a quantia que havia sido paga ao abrigo do DL 151-A/2013 de 31/10, o que veio a ser feito.
g) Então a AT para reaver o capital restituído, entendeu fazer seguir a execução que declarara extinta, agora contra a Reclamante com um valor de cerca de 48.000,00 € e efetuou a penhora que é objeto da reclamação.
h) A Reclamante, depois da notificação da penhora de um saldo bancário no valor de 6.417,25 €, apresentou reclamação ao abrigo do disposto nos artigos 276º e ss do CPPT, uma vez que lhe estava completamente vedado o recurso a qualquer outro meio de defesa.
i) Convencida que a AT desconhecia o resultado de uma oposição apresentada pela Reclamante num outro processo que tinha sido julgada procedente, a Reclamante apresentou a sua defesa na reclamação contando todos os factos que tinham sido julgados procedentes na referida oposição na expetativa que a AT nos termos do disposto no artigo 277º nº 2 do CPPT revogasse o ato reclamado, o que não aconteceu.
j) Bem sabia a Reclamante que lhe tinha sido coartado o direito de defesa que a oposição consagra, quando da citação para os termos da execução.
k) A AT tinha declarado extinta a execução nº 3190201001081853 o que fez com que o processo terminasse os seus termos e uma vez terminado que foi o processo, a AT se pretendia cobrar a quantia que repusera à progenitora da Reclamante, por meio de reversão contra esta, teria que instaurar nova execução, só assim se conferindo ao executado todos os direitos e garantias de defesa que o processo executivo contém.
l) Especificamente está em causa o princípio do contraditório subjacente ao articulado de oposição previsto no artigo 203º do CPPT, que pode ser apresentada no prazo de 30 dias contados da citação ou da primeira penhora.
m) Só este meio processual confere ao executado um verdadeiro direito ao exercício do contraditório consagrado no artigo 3º nº 3 do CPC.
n) É um princípio jurídico fundamental do processo judicial que exprime a garantia de que ninguém pode sofrer os efeitos de uma decisão sem ter tido a possibilidade de ser parte do processo do qual esta provém e implica a necessidade de uma dualidade de partes que sustentam posições jurídicas opostas entre si, como é o caso da AT e da Reclamante.
o) É o direito efetivo de todos os cidadãos do “Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional efetiva”, consagrado nos artigos 20.º e 268.º da CRP, sendo ambos os referidos preceitos “Direitos Fundamentais”, que se impõem diretamente a todos os órgãos sejam públicos ou privados, por força do princípio do Estado de Direito Democrático.
p) O Tribunal a quo ao constatar esta realidade, deveria ter anulado a penhora efetuada pela AT, ordenando que esta instaurasse nova execução para ficar assegurado o direito de defesa da Reclamante.
q) À Reclamante já fora reconhecido o direito de ver arquivado o processo de reversão da execução, por sentença judicial transitada em julgado.
r) A Reclamante, ainda que, até Setembro de 2010 figurasse formalmente como gerente da sociedade, data em que fez registar a renuncia à gerência, não desempenhava, de facto, atos de gerência, antes coadjuvando o seu pai, fundador da sociedade e também gerente, infelizmente falecido em Abril de 2012.
s) Matéria já foi discutida em oposição às execuções que, por reversão, penderam no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a qual foi em todas julgada procedente, por estes motivos ora enunciados, nos processos 1000/136BEPRT que pendeu no TAFP UO 3, 981/13.4BEPRT TAFP UO 4 e 980/13.6BEPRT TAFP UO 5 cujas decisões foram juntas com o requerimento inicial.
t) Já foi provado em sede de julgamento que a Reclamante nada tinha a ver com a gerência da devedora originária, podendo vir a sê-lo na reclamação, por existir completa identidade de factos e de imposto e ser o único meio de defesa que a Reclamante dispõe para fazer valer os seus direitos.
u) A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 176º, 264º, 269º e 276º e ss do CPPT, artigos 3º nº 3 e 849º do CPC.

Termina a Recorrente pedindo que seja julgada procedente a presente reclamação, revogando-se a sentença recorrida.

Devidamente notificada da apresentação e subida do presente recurso a Representação da Fazenda Pública (RFP), não apresentou contra-alegações.
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Na sequência da decisão jurisdicional proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi o presente recurso dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão, se considerou hierarquicamente incompetente para decidir a presente questão.
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Ouvido o distinto Sr. Procurador-geral Adjunto nesta instância, este apresentou parecer pugnando pela improcedência do presente recurso (cf. fls. 262 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
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Dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto provada em 1.ª instância:

1. No Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853, instaurado contra a sociedade comercial “Sociedade de R., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº (...), para cobrança de créditos de IRC, em 11 de Agosto de 2020, foi efectuada a penhora de “Valores Mobiliários e Contas Bancárias”, depositados no “Banco Santander Totta S.A.”, no valor de € 6.417,25.
2. A., J. e J., na qualidade de revertidos, deduziram oposição judicial ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201201018159 instaurado no Serviço de Finanças do Porto 5, para cobrança de dívidas fiscais no montante de € 723,19, referentes a IRC de 2010, que correu termos sob o Processo nº 980/13.6BEPRT, junto da Unidade Orgânica 5, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e findou por sentença que julgou procedente a oposição apresentada, com a consequente extinção do respectivo processo de execução fiscal em relação aos oponentes.
3. M., na qualidade de revertida, deduziu oposição judicial ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201201018159 instaurado no Serviço de Finanças do Porto 5, para cobrança de dívidas fiscais montante de € 723,19, referentes a IRC de 2010, que correu termos sob o Processo nº 981/13.4BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e findou por sentença que julgou procedente a oposição apresentada, com a consequente extinção do respectivo processo de execução fiscal em relação à oponente.
4. M. deduziu oposição judicial ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853 instaurado no Serviço de Finanças do Porto 5, para cobrança de dívidas fiscais montante de € 31.715,45, referentes a IRC de 2009, que correu termos sob o Processo nº 1000/13.6BEPRT, junto da Unidade Orgânica 3, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e findou por sentença que julgou procedente a oposição apresentada, com a consequente extinção em relação à oponente do respectivo processo de execução fiscal.
5. A., J. e J., deduziram oposição judicial ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853 instaurado no Serviço de Finanças do Porto 5, para cobrança de dívidas fiscais montante de € 31.715,45, referentes a IRC de 2009, que correu termos sob o Processo nº 982/13.2BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
6. Dos elementos de prova juntos ao Processo nº 982/13.2BEPRT resulta que a Reclamante foi citada, como revertida, em 7 de Março de 2013, e os restantes Oponentes foram citados, como revertidos, em 8 de Março de 2013.
7. Pelo ofício nº 11562, de 10 de Dezembro de 2013, foi comunicado ao Processo nº 982/13.2BEPRT, que correu os seus termos junto da Unidade Orgânica 4 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que “(…) o processo executivo nº 3190201001081853 foi extinto por pagamento efectuado ao abrigo do DL 151-A/2013 de 31/10. O pagamento foi feito pela revertida M. (…) Mais se informa que a oponente efectuou o pagamento sob protesto, não reconhecendo a dívida objecto de oposição (…)”.
8. No Processo nº 982/13.2BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi proferida sentença que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
9. Notificados da sentença proferida no processo referido em 7, os aí Oponentes, apresentaram requerimento com o seguinte teor:
“(…) Oponentes nos autos à margem referenciados, vêm nos termos do disposto no artigo 614º do C.P.C., expor e requerer o seguinte:
1. Conforme foi informado este processo por requerimento de 20.12.2013, a progenitora dos Oponentes procedeu ao pagamento da quantia exequenda do
processo fiscal pendente nos serviços de finanças sob protesto, ou seja desde
logo se declarou que se pretendeu com o pagamento apenas beneficiar do disposto no Decreto-Lei n.º 151-A/2013 de 31 de Outubro, uma vez que esse pagamento não envolvia reconhecimento da dívida conforme documentação então junta.
2. Igual requerimento foi apresentado no processo executivo pendente no serviço de finanças conforme consta da informação prestada por esse serviço a este Tribunal.
3. Sucede que, ao contrário do que consta da mesma informação, a execução que deu origem á oposição não foi declarada extinta tout court.
4. Antes, porque o pagamento foi efetuado por um terceiro que não o executado originário e sob protesto, a execução ficou suspensa a aguardar decisão neste processo de oposição e bem assim naquele que foi instaurado pela progenitora dos ora Requerentes.
5. Daí que, entendem os Opoentes que o Tribunal foi induzido em erro ao ser informado que a execução está extinta o que determinou que se decidisse pela inutilidade superveniente da lide,
6. Quando, de facto nestas circunstâncias de pagamento da quantia exequenda pelo devedor subsidiário para benefício de um regime excecional, não determina a extinção da execução que fica suspensa a aguardar a decisão da oposição que porventura tenha sido apresentada, como é manifestamente este caso.
7. Aquilo que os Oponentes ora articulam quanto ao processo executivo foi confirmado no 5º Serviço de Finanças em consulta efetuada ao processo executivo ao balcão.
Nestes Termos Requer a V. Exa se digne mandar solicitar informação ao 5º Serviço de Finanças do Porto sobre a situação do processo executivo que se encontra suspenso e ainda pendente sob o nº 319021001081853,
Concluindo-se a final pela revogação do despacho de extinção da instância destes autos, substituindo-se por outro que determine o seu prosseguimento.”.
10. O requerimento referido em 9 mereceu despacho com o seguinte teor “Informe os requerentes que atenta a sentença proferida nada há a ordenar.”.
11. A presente Reclamação foi apresentada em 29 de Setembro de 2020.
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A título de fundamentação da matéria de facto provada, decidiu-se na sentença recorrida quanto aos factos não provados que:
«Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.»

E no que tange à motivação que:
«A convicção do tribunal resultou da análise crítica da prova documental junta aos autos, designadamente do processo de execução fiscal, dos documentos juntos aos autos pela Reclamante, bem como a matéria de facto de conhecimento oficioso do Tribunal, que dispensa a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil, nomeadamente a consulta dos processos judiciais mencionados no probatório através do SITAF.
O facto vertido em 1 emergiu provado com base no ofício dirigido à Reclamante a comunicar a penhora realizada a fls. 36 do processo físico.
O facto vertido em 2 resultou provado mediante análise da sentença proferida no Processo nº 980/13.6BEPRT, junto da Unidade Orgânica 5, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, junta pela Reclamante a fls. 6/12 do processo físico.
O facto vertido em 3 emergiu provado mediante análise da sentença proferida no Processo nº 981/13.4BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, junta pela Reclamante a fls. 14/22 do processo físico.
O facto vertido em 4 emergiu provado mediante análise da sentença proferida no Processo nº 1000/13.6BEPRT, junto da Unidade Orgânica 3, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, junta pela Reclamante a fls. 23/29 do processo físico.
O facto vertido em 5 resultou provado pela análise da petição inicial apresentada ao Processo nº 982/13.2BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pelos ali Oponentes, mediante consulta do referido processo através do SITAF, constando a referida petição a fls. 1/180 do referido processo.
O facto vertido em 6 provou-se com base nas citações dos revertidos e respectivos avisos de recepção que se encontram juntos ao Processo nº 982/13.2BEPRT, concretamente, a fls. 1/180 do SITAF, páginas 170/178 do documento electrónico.
O facto vertido em 7 emergiu provado atendendo ao teor do ofício constante de fls. 12 verso e 13 do processo físico.
O facto vertido em 8 resultou provado com base no teor da sentença constante de fls. 198/200 do SITAF, proferida no Processo nº 982/13.2BEPRT.
O facto vertido em 9 emergiu provado atendendo ao teor do requerimento apresentado pelo aí Oponente, no Processo nº 982/13.2BEPRT, constante de fls. 212 do SITAF do referido processo.
O facto vertido em 10 emergiu provado por recurso ao despacho proferido em sede do Processo nº 982/13.2BEPRT, constante de fls. 216 do SITAF do referido processo.
O facto vertido em 11 provou-se com base na informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Porto 5, ao abrigo do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fls. 3/7 do SITAF.»
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III – Questões a decidir.

No presente recurso cabe aferir das questões suscitadas pela Recorrente nomeadamente no que tange ao erro de julgamento imputado à sentença recorrida quando nesta se terá negado a possibilidade de utilização do meio processual da oposição à execução fiscal.
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IV – Do direito

O presente recurso vem interposto contra a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se decidiu, em suma, pela existência no erro da forma do processo e na impossibilidade de convolação do presente meio processual em processo de oposição.

Assim, primeiramente há que delimitar o âmbito do presente recurso tendo por premissa básica que o mesmo se deverá conter dentro do respetivo objeto, estando este último delimitado pelo âmbito da própria decisão recorrida e do teor daquele. Ora, se atendermos nas conclusões do presente recurso, podemos desde logo verificar que a Recorrente invoca um conjunto de factos e de ilações de facto, sem que evidencie o seu potencial antagonismo com o decidido em primeira instância (veja-se a este propósito nomeadamente o que a Apelante alega nas conclusões a) a d), f) a k) e r) a t) do presente recurso). Assim, na falta de indicação de tal potencial antinomia, não se pode concluir que existirá aqui alguma verdadeira intenção recursiva, seja esta factual ou de outra natureza.

Por outro lado, nalgumas das conclusões do presente recurso a Apelante formula um conjunto de raciocínios jurídicos, sem que os contraponha aos fundamentos jurídicos constantes da motivação legal da sentença recorrida (veja-se, por exemplo a conclusão inserta sob a alínea e)). Por isso, falha aqui, também, qualquer intenção recursiva.

Assim, naquelas duas vertentes do presente recurso, a ora Recorrente falha o alvo recursivo.

No entanto, no que se refere às questões invocadas nas conclusões l) a p) e u) do presente recurso, a ora Recorrente atinge o fulcro do objeto do presente meio impugnatório jurisdicional que é o da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto à qual aqui se faz alusão. Assim, lidas as referidas conclusões e a motivação que as suporta, podemos interpretar o presente recurso no sentido que a ora Apelante não se conformará com a sentença recorrida na medida em que na mesma se terá coartado a possibilidade daquela fazer uso do meio processual da oposição à execução fiscal.

Vejamos.
Da sentença recorrida e para melhor compreensão dos contornos do presente recurso, retira-se que:
“[…] A primeira questão que importa apreciar, posto que a sua eventual procedência prejudica o conhecimento do mérito, prende-se com a alegada existência de erro na forma de processo suscitada pelo Ministério Público.

ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 608º, nº 2, Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
A Reclamante formulou o pedido de extinção da execução, com fundamento no facto de nunca ter exercido a gerência de facto da devedora principal, nem ter contribuído para insuficiência de bens da mesma, e, em consequência, pede o levantamento da penhora.
Optou pela Reclamação prevista no artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O erro na forma do processo constitui nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, e afere-se pelo pedido.
Para apurar do meio processual adequado a cada pretensão, há que recorrer ao objecto do litígio, o qual é constituído pelo pedido e pela causa de pedir. A causa de pedir, é o facto jurídico do qual procede a pretensão deduzida (artigo 581º, nº 4, do Código de Processo Civil), enquanto que o pedido corresponde ao efeito jurídico pretendido (artigo 581º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Para apreciar este erro é irrelevante o erro de qualificação jurídica dos factos ou do efeito pretendido (artigo 5º, nº 3, e artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
O erro na forma do processo constitui nulidade que afecta todo o processo (artigos 193º e 198º do Código de Processo Civil), e consubstancia uma excepção dilatória inominada.
A impropriedade do meio processual é de conhecimento oficioso até à prolação de sentença (artigos 198º, nº 1, 193º, nº 1, e 200º, do Código de Processo Civil).
Concluindo-se pela existência de erro na forma de processo, e se a isso nada obstar, devem convolar-se os autos na forma de processo adequada (artigo 193º do Código de Processo Civil).
Conforme resulta do articulado apresentado, a Reclamante pretende a extinção da execução.
Como acertadamente se refere no parecer do Ministério Público, devidamente notificado às partes, “A reclamante pretende impugnar o ato de penhora dos saldos bancários da conta identificada nos autos, mas essencialmente invoca fundamentos próprios da oposição à execução (…)”.
Como é sabido o meio processual adequado para extinguir a execução é a oposição judicial – artigo 203º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Acresce que, estando em causa questões relacionadas com os pressupostos da responsabilidade subsidiária é no processo de oposição à execução fiscal que tais questões devem ser dirimidas, por força do previsto no artigo 151º, nº 1, e artigo 204º, nº 1, alínea i), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim sendo, é manifesto que a Reclamante não lançou mão do meio processual adequado para tutelar a sua pretensão.
Concluindo-se pela impropriedade do meio processual, importa apreciar da possibilidade de proceder à respectiva convolação, nos termos do disposto nos artigos 97º, nº 3, da Lei Geral Tributária, 98º, nº 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e 193º do Código de Processo Civil em prol dos princípios da tutela efectiva, “pro actione”, da obtenção da justiça material e do favorecimento do processo – Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Janeiro de 04, Processo nº 01559/03, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
A convolação só poderá ser determinada se na data em que a petição inicial foi apresentada ainda não estava esgotado o prazo para o exercício do direito de acção naquela forma de processual, sob pena de se praticar um acto inútil (artigo 130º do Código de Processo Civil), posto que a convolação justifica-se por razões de economia processual.
Como decorre do artigo 203º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a oposição deve ser apresentada no prazo de 30 dias contados, nomeadamente, da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora.
O prazo para deduzir a oposição à execução fiscal é um prazo adjectivo, sendo de se lhe aplicar as regras de contagem dos prazos do artigo 138º e artigo 139º, nº 5, do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” artigo 20º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ora, resulta da factualidade provada que a Reclamante foi citada, por reversão, em 8 de Março de 2013 (facto 6 do probatório), e a presente reclamação foi apresentada em 29 de Setembro de 2020 (facto 11 do probatório), pelo que se mostra largamente ultrapassado o prazo de 30 dias, sendo impossível a convolação do presente processo, por inútil.
Consequentemente, uma vez que se afigura extemporânea a utilização do meio processual adequado, torna-se inútil a convolação da presente reclamação de acto de órgão de execução fiscal em oposição à execução fiscal.
Acresce que, da factualidade provada resulta que a Reclamante havia apresentado já oposição ao Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853, a qual correu termos sob o Processo nº 982/13.2BEPRT, junto da Unidade Orgânica 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (facto 5 do probatório).
Todavia, em tal processo foi proferida sentença a concluir pela inutilidade superveniente da lide, em virtude da extinção do Processo de Execução Fiscal nº 3190201001081853 (facto 8 do probatório).
A Reclamante não recorreu de tal sentença, não obstante ter chegado a apresentar requerimento ao processo no qual concluiu pela revogação do despacho de extinção da instância desses autos (facto 9 do probatório).
Ora, pretendendo a Reclamante pôr em causa a decisão proferida em sede do Processo nº 982/13.2BEPRT, o meio de reacção próprio seria o recurso jurisdicional, enquanto meio de impugnação próprio das decisões judiciais, pelo que ao não ter apresentado recurso, aquela sentença transitou em julgado, ainda que tenha decidido apenas de forma.[…]”

Como resulta dos autos, na petição inicial apresentada pela ora Recorrente, na sua versão corrigida após a notificação para o efeito feita pela Tribunal, aquela formulou o seguinte pedido: «Termos em que requer a V. Exa. se digne julgar procedente a reclamação e extinguir a execução com o respetivo levantamento da penhora». Assim, interpretando-se o referido pedido e considerando que a causa de pedir daquele não divergiu, podemos concluir que a ora Reclamante pretendia vir extinta a execução por via da procedência da reclamação e, consequentemente, ver levantada a penhora.

Por outro lado, resulta dos autos, que a questão do erro da forma de processo e as suas eventuais consequências, foi matéria suscitada em sede de parecer apresentado pelo distinto magistrado do Ministério Público e do qual foram atempadamente notificadas as partes antes da prolação da decisão ora recorrida.

Vejamos, então se a sentença recorrida ofendeu os apontados princípios do contraditório e da tutela jurisdicional efetiva.
Ora, face ao disposto no artigo 3º, n.° 3, do Código de Processo Civil, Aplicável ex vi art.º 3.º do CPPT, resulta que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Por outro lado, também resulta do artigo 121.º, n.° 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário: “Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública”.

Ora, como se refere no acórdão do STA proferido no recurso n.º 01192/15, datado de 01.06.2016, o princípio do contraditório: […] Trata-se de um princípio basilar do processo, que hoje ultrapassou a concepção clássica, que o associava ao direito de resposta, para se assumir como uma garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa (Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, pág. 96.). Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, o princípio do contraditório é hoje entendido, não na sua dimensão negativa, de direito de defesa, oposição ou resistência à actuação alheia, mas na sua dimensão positiva, de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo, constituindo um dos mais elementares princípios que enformam todo o direito adjectivo e também o processo tributário (Para maior desenvolvimento quanto ao princípio do contraditório, designadamente de natureza doutrinal, e com citação de jurisprudência, vide, desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o acórdão de 3 de Março de 2010, proferido no processo n.º 63/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 445 a 451, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f4bfa574b6a7515802576e10040e44b.).[...]”

Assumindo aqui a supra citada orientação jurisprudencial quanto ao princípio do contraditório, apenas acrescentamos que este princípio basilar está assente no ditame constitucional previsto no art.º 20.º da CRP, sendo a tradução do objetivo de uma justiça que se pretende equitativa, princípio este também assente no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Com efeito, como referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in «CRP – Constituição da República Portuguesa – Anotada», Vol. I, 4.ª Ed. Rev., pag. 415 e 416: “[…] A doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e o resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de acção ou de recurso (cfr. Ac TC nº 148/87); (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e a provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas. […]”.

Na presente apelação, a ora Recorrente limita-se a afirmar que na sentença recorrida se lhe havia coartado o direito ao contraditório, na medida em que na decisão jurisdicional aqui em causa, não se lhe teria reconhecido o direito a deduzir um processo de oposição.

Porém, em rigor, na decisão recorrida não lhe foi coartada verdadeiramente a possibilidade de deduzir oposição à execução fiscal, antes se decidiu que a reclamação apresentada não seria convolada naqueloutra forma de processo porque já teria passado o prazo para a deduzir. Ora, quanto a esta questão, ou seja, quanto à inutilidade de convolação do processo na forma adequada decidida na sentença recorrida e atendendo ao pedido e à causa de pedir apresentadas pela então Reclamante na sua petição inicial, pouco ou nada aqui adiante a ora Recorrente. Ainda assim, se atendermos ao raciocínio expedido na sentença recorrida e nos dados de facto que a sustentam, a mesma tem suporte no dever de correção das formas processuais e que impende sobre o Julgador e que está estatuído no n.º 3 do art.º 97.º da LGT. Porém, este dever corretivo que incumbe ao Juiz, aqui esbarrou com a circunstância fundamental de já estar largamente ultrapassado o prazo de dedução do meio processual de oposição. Ora, tem sido unânime e reiteradamente afirmado pela jurisprudência desta instância e do STA, que em casos como o presente tal convolação redundaria na prática de um ato inútil e, como tal, proibido por lei nos termos do art.º 130.º do novo CPC ex vi art.º 2.º do CPPT. Com efeito, operar uma eventual convolação, para posteriormente se chegar à conclusão do naufrágio do meio processual que deveria ter sido ab initio deduzido, resultaria numa diligência processual destituída de sentido útil. Por isso, ao se determinar na sentença recorrida que não se iria proceder à convolação na forma processual devida, a mesma não enferma de erro de julgamento, não se tendo infringido o princípio do contraditório.

Já no que tange à suposta violação do ditame constitucional ínsito no art.º 20.º da CRP, também não se vislumbra, nem nos esclarece a Recorrente, como é que este normativo constitucional referente ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, veio a ser posto em causa pela sentença recorrida. Acresce que, como se referiu no acórdão deste TCA de 21.02.2019, proferido no processo n.º 2553/18.8BEPRT e relativamente ao supra enunciado princípio:”[…] Na verdade, esse princípio está consagrado na CRP, mas a sua efectivação não é anárquica, está sujeita a regras a estabelecer pelo legislador ordinário, tais como, por exemplo, a do uso do meio processual adequado, do estabelecimento de prazos para esse exercício, ou da necessidade de prévia utilização de meios graciosos. Posição contrária contenderia com o incumprimento de mais um princípio basilar do nosso contencioso administrativo e tributário - a existência de prazos para fazer uso do processo - com o que se pretende alcançar a segurança jurídica. […]”. Deste modo, igualmente consideramos que inexistiu qualquer violação do princípio constitucional supra indicado.

Deste modo, ter-se-á que concluir que improcedem aqui os fundamentos do presente recurso.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I - De acordo com o disposto no artigo 3º, n.° 3, do Código de Processo Civil, aplicável ao contencioso tributário por força do disposto no art.º 3.º do CPPT, resulta que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

II – Por outro lado, também resulta do artigo 121.º, n.° 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública”.

III - O dever de correção das formas processuais que impende sobre o Julgador está previsto no n.º 3 do art.º 97.º da LGT, sendo que obsta ao seu cumprimento a circunstância de já ter sido ultrapassado o prazo para a dedução do meio processual que seria o devido, sendo que esta circunstância transformaria a eventual convolação na prática de um ato inútil e, como tal, proibido por lei (cf. art.º 130.º do novo CPC ex vi art.º 2.º do CPPT).
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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 16 de setembro de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Vítor Salazar Unas
Ana Patrocínio