Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00313/06.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IVA.
NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E POR OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL.
ARTIGO 19º Nº 3 DO CIVA.
Sumário:I) Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II) No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto, ou seja, existe um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
III) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos, desde que estejam em causa factos com interesse para a decisão de causa que não tenham sido contemplados na decisão posto em crise.
IV) O artigo 19º nº 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado só exclui o direito à dedução do imposto que resulte de operação simulada.
V) Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
VI) Estando em causa o imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em facturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transacção, cabe à administração tributária demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário.
VII) A administração tributária não cumpre o ónus que sobre si recai se os factos-índice invocados não estão suportados em dados objectivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 12-12-2011, que julgou procedente a pretensão deduzida por “J…, Lda.”, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com o acto tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente aos exercícios de 2001, no valor global de 15.094,87 euros.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 280-291 e 315-316), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Ressalvado o devido respeito, não se conforma a Fazenda Pública com o decidido, porquanto entende que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, por errada valoração da prova, bem como entra em contradição entre a matéria dada como provada e as respectivas conclusões.
B. Não poderia o Tribunal a quo ter dado como provada a factualidade constante nos pontos 6º, 8º, 14º, 15º.
C. Salvo o devido respeito a Fazenda Pública entende que não se encontra nos autos prova suficiente da existência de autos de medição, com base nos quais seriam emitidas as facturas pela sociedade “D...”.
D. A M.ma Juiz a quo não especificou as razões pelas quais desconsiderou os factos constantes do Relatório de inspecção e também não especificou as razões pelas quais valorou da forma que o fez a prova testemunhal, e relacionou as obras que refere em geral com cada uma das facturas discriminadas.
E. Na base das liquidações impugnadas encontram-se correcções, de natureza meramente aritmética, sendo que os motivos e os fundamentos aduzidos pela Administração Tributária (doravante, AT) para determinar as liquidações impugnadas constam do Relatório da Inspecção Tributária, e tiveram origem no facto de se ter constatado a existência de facturas na contabilidade da impugnante emitidas pelo “D...” comprovadamente reputada como emitente de facturação falsa
F. Incompreensivelmente não foram aceites os motivos nos quais a AF alicerçou a sua legitimidade para corrigir a matéria declarada, a falta de capacidade material e humana da empresa emitente das facturas para a realização das obras, a variedade de livros de facturas e a sua falta de preenchimento sequencial, a existência de facturas com data de emissão anterior à data em que foram tipograficamente impressas, falta de concretização das obras, etc...,
G. No tocante aos indícios de falsidade, conforme a jurisprudência tem afirmado repetida e uniformemente, estes podem ser recolhidos tanto na esfera material e económica do utilizador das facturas - no nosso caso a ora impugnante -, como também na esfera de quem as emite.
H. A Administração Fiscal demonstrou a pertinência do seu juízo, de que eram operações simuladas as inscritas nas facturas, pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes.
I. Cabia pois à impugnante o ónus da prova dos pressupostos de que dependia o seu direito à dedução do imposto rejeitado.
J. A prova testemunhal apresentada pela impugnante não foi suficiente para provar que os serviços mencionados nas facturas em questão foram de facto prestados nos montantes ali referidos.
K. De facto, da prova testemunhal produzida, embora as testemunhas de um modo geral sabiam identificar o tipo de trabalho prestado pela sociedade “D...” (arear, rebocar, assentar tijolo, etc) e sabiam enumerar de cor os locais onde esta eventualmente terá prestado serviços à impugnante, bem como identificar o representante da “D...”, sobre os serviços concretamente em causa nas facturas nada disseram.
L. Sendo evidente a insuficiência de mão-de-obra da “D...” para prestar tais serviços.
M. A prova documental apresentada, salvo o devido respeito, não demonstra igualmente que os serviços tenham sido efectuados na quantidade mencionada nas facturas.
N. Tratam-se de recibos e cópias de cheques (que não apresentam o seu verso de forma a se aquilatar quem efectivamente foi o beneficiário destes) e que, perante os indícios recolhidos pelos SIT, existe seria probabilidade de serem forjados unicamente para dar credibilidade às facturas desconsideradas.
O. Tal como os contratos apresentados, que não identificam a obra onde vão ser prestados os serviços, a não ser pelo local onde se realizaram. Não contêm um único elemento que identifique o dono da obra, a empreitada (tipo de prédio, por exemplo), a duração estimada dos trabalhos, o prazo de conclusão da empreitada.
P. A Fazenda Pública é da opinião que o conjunto da prova documental e testemunhal produzida, não constitui prova suficiente, para se dar como provadas as prestações de serviços inscritas nas facturas.
Q. Desta forma o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, errou ao concluir que a impugnante logrou provar que àquelas facturas corresponderam efectivamente aquelas concretas operações materiais.
R. Por tudo o anteriormente exposto, considera a Fazenda Pública ressalvando entendimento diferente, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea valoração da prova, mostrando-se violado, além do mais, o nº 3 do art. 19º do CIVA., pelo que desta forma a douta sentença recorrida não poderá manter-se.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.”


A recorrida “J…, Lda.” não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer “… devido a grande acumulação de serviço”.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar a apontada nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e por oposição entre a decisão e os fundamentos, o descrito erro quanto ao julgamento da matéria de facto e bem assim a pertinência da correcção à matéria colectável em sede de IVA com referência ao disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado com base nos elementos de prova documental e no depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência contraditória os seguintes factos:
1.º - A ora Impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva levada a efeito ao abrigo da Ordem de Serviço OI200504414, no âmbito de um processo de averiguações promovido pela Direcção de Finanças do Porto.
2.º - A Administração Fiscal (A.F.) sustenta que ocorreu por parte da ora Impugnante uma utilização abusiva de facturas emitidas pela sociedade “D... - Sociedade de Construções Unipessoal, Ld.a.” - cfr. resulta do teor do Relatório de Inspecção ínsito no Processo Administrativo (PA) apenso aos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3.º - Porquanto no decorrer da acção de fiscalização efectuada a essa sociedade “foram apurados factos que constituem indícios seguros de que as facturas emitidas pela D..., não correspondem a transacções reais, tratando-se de um mero negócio, de grandes dimensões, de venda de facturas” - cfr. resulta do teor do Relatório de Inspecção ínsito no Processo Administrativo (PA) apenso aos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4.º - Considerou a A.F. que as facturas elencadas no Relatório de Inspecção Tributária “titulam operações que não consubstanciam serviços efectivamente prestados pelas entidades emitentes, tratando-se por conseguinte de documentos falsos” - cfr. resulta do teor do Relatório de Inspecção ínsito no Processo Administrativo (PA) apenso aos autos.
5.º - O volume de negócios da Impugnante respeitante ao exercício de 2001 é de 369.281,09 euros e o volume das compras não aceites de 74.380,74 euros.
6.° - Nos dois exercícios o custo com o pessoal próprio foi reduzido, fixando-se em 27.869,27 euros.
7.º - A sociedade “D... - Sociedade de Construções, Unipessoal”, conforme resulta das propostas de orçamento e contratos de subempreitada (cfr. doc.s n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6, juntos aos autos pela Impugnante) prestou à Impugnante diversos trabalhos de areados, rebocos, pavimentação e assentamento de portais, na obra de Milheiros, na Maia, cfr. resulta dos contratos de empreitada (docs. n.ºs 2, 4, e 6, juntos aos autos pela Impugnante).
8.° - Pelos serviços prestados e referidos, foram emitidas as seguintes facturas pela “D...” após emissão e conferência do auto de medição:
- Factura n.°028, datada de 30/07/2001, no valor de 3.042.000$00 (15.173,43 euros) - cfr. doc.7, junto aos autos pela Impugnante.
- Factura n.°030, datada de 31/08/2001, no valor de 2.808.000$00 (14.006,24 euros) - cfr. doc.8, junto aos autos pela Impugnante.
- Factura n.°038, datada de 30/09/2001. no valor de 3.393.000$00 (16.924,21 euros) - cfr. doc.9, junto aos autos pela Impugnante.
- Factura n.°241, datada de 30/11/2001, no valor de 4.195.620$00 (20.927,66 euros) - cfr. doc. 10, junto aos autos pela Impugnante.
- Factura n.°243, datada de 31/12/2001, no valor de 4.008.420$00 (19.983,94 euros) - cfr. doc. 11, junto aos autos pela Impugnante.
9.º - Para pagamento da factura n.°028, entregou a quantia de 3.042.000$00, tendo sido emitido o recibo de quitação n.°028 e a declaração de pagamento/recebimento supra mencionada - cfr. docs. 12 e 13, juntos aos autos pela Impugnante.
10.º - Para pagamento da factura n.°030, entregou a quantia de 2.808.000$00, tendo sido emitido o recibo de quitação n.°030 e a declaração de pagamento/recebimento supra mencionada - cfr. docs. 14 e 15, juntos aos autos pela Impugnante.
11.º - Para pagamento da factura n.°038, entregou a quantia de 3.393.000$00, tendo sido emitido o recibo de quitação n.°038 e declaração de pagamento/recebimento supra mencionada - cfr. docs. 16 e 17, juntos aos autos pela impugnante.
12.° - Para pagamento da factura n.°241, entregou a quantia de 4.195.620$00, tendo sido emitido o recibo de quitação n.°22 1 e a declaração de pagamento/recebimento supra mencionada - cfr. docs. 18 e 19, juntos aos autos pela Impugnante.
13.° - Para pagamento da factura n.°243, entregou a quantia de 4.008.420$00, tendo sido emitido o recibo de quitação n.°227 e a declaração de pagamento/recebimento supra mencionada - cfr.docs. 20 e 21, juntos aos autos pela Impugnante.
14.° - Os trabalhadores da “D...” prestaram serviços para a ora Impugnante na zona de Ermesinde - cfr. depoimento de J….
15.º - Aí realizaram trabalhos de trolha - cfr. depoimento de J….
16.° - A “D...” tomou conta de uma subempreitada do Sr. J… - cfr. depoimento de M….
17.° - A ora Impugnante tinha uma obra grande e entregava trabalhos de subempreitada - cfr. depoimento de M....
18.° - O Sr. F...era um subempreiteiro que apareceu na obra e com o qual negociamos - cfr. depoimento de M....
19.° - O Sr. F...da “D...” teve homens a trabalhar para o ora Impugnante nas obras de Ermesinde, Milheiros, Aveiro e Vila Franca - cfr. depoimento de M....
20.° - O Sr. F… pagava ao pessoal da “D...” em dinheiro - cfr. depoimento de M... e C….
21.° - A empresa “D...” trabalhou para a ora Impugnante nos anos de 2001, 2002 e 2003 - cfr. depoimento de M....
22.° - O pessoal era deixado na obra pelo Sr. F… e à noite ele ia buscá-lo, normalmente numa carrinha - cfr. depoimento de C….
23.° - O Sr. F... nunca tinha pessoal certo - cfr. depoimento de C....
24.° - A “D...” prestava serviços em diversas partes do país - cfr. depoimento de C....
25.° - A “D...” fazia ao mesmo tempo diversas obras, porque desempenhava em cada uma delas tarefas específicas, como por exemplo assentar tijoleira - cfr. depoimento de C....
26.° - A “D...” não trabalhava só para a empresa do Sr. J…, nomeadamente trabalhou para uma empresa no Algarve chamada “L…” e para uma outra empresa em Ermesinde, cujo dono se chama M…, e para a “S…”, da Maia - cfr. depoimento de C....
27.° - O Sr. F... da “D...” ia ás instalações da Impugnante várias vezes - cfr. depoimento de M….
28.° - Era contra o acto de pagamento que eram processadas os recibos de quitação - cfr. depoimento de M….
29.° - Sempre que pagava em numerário à “D...” a Impugnante requisitava ao credor uma declaração de recebimento do numerário - cfr. depoimento de M….”
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, em função dos termos da alegação da Recorrente, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e oposição entre a decisão e os fundamentos.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que a M.ma Juiz a quo não especificou as razões pelas quais desconsiderou os factos constantes do Relatório de inspecção e também não especificou as razões pelas quais valorou da forma que o fez a prova testemunhal, e relacionou as obras que refere em geral com cada uma das facturas discriminadas, defendendo antes que existe contradição entre a matéria dada como provada e as respectivas conclusões.
No que concerne ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Tendo presente que esta nulidade apenas se verifica, como se disse, quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço, é manifesto que a Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, impondo-se sublinhar que a realidade apontada pela Recorrente envolve apenas matéria que poderá colocar o valor doutrinal da referida decisão.
Quanto à matéria da oposição entre os fundamentos e a decisão, cabe notar que o vício em questão apenas ocorre quando a decisão (sentença) padece de uma contradição intrínseca que consiste numa incompatibilidade da subsunção, da factualidade dada por provada e tida por relevante à decisão final que veio a ser tomada, ao quadro jurídico aplicável, na medida em que aquela – factualidade - impunha sentido decisório diferente e oposto ao que veio a ser acolhido; Numa palavra, a contradição tem de se verificar entre os fundamentos invocados em suporte da decisão e o sentido decisório desta última.
Na linha do que se vem de referir doutrinava o Dr. RBastos Cfr. Notas ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol III, 246. que “A oposição referida na alínea c) do n.º 1 é a que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir.”; No mesmo sentido ensinava o Prof. A. dos Reis Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 141., ao dissertar sobre esta temática e por cotejo com as contradições decorrentes de mero lapso material, que, no caso considerado no art.º 668.º, n.º 3, do CPC de 1939, - substancialmente similar ao art.º 668.º, n.º 1, al. c), do CPC actual -, «(…) a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.».
Esta doutrina mantém toda a actualidade, como se encontra reflectido, entre outros e a título meramente exemplificativo, no Ac. da 1.ª Secção, do STA, de 04-06-2009, tirado no processo n.º 0438/09 e onde e além do mais se consigna, com relevância à presente questão, que «Como é jurisprudência assente, esta nulidade só se verifica quando existe uma contraditoriedade lógico formal entre os pressupostos enunciados para a decisão e esta última (v. a título exemplificativo ac. do S.T.A. de 6/2/2007, rec. 575/06; ac. de 11/9/07 p.º 59/07).
Tal nulidade “reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência em termos tais que os fundamentos invocados pelo juiz devessem logicamente conduzir a resultado oposto ao expresso na decisão” (citado ac. de 11/9/07)».
Todavia, in casu, tal não sucede, pois que a decisão recorrida mostra-se perfeitamente enquadrada e os seus fundamentos conduzem à decisão assumida em sede de dispositivo, sendo que a alegação da Recorrente remete não para um vício de forma mas, antes e de facto, como já ficou dito, de fundo consubstanciado em erro de julgamento nessa medida inquinando o valor doutrinal da decisão proferida.

Avançando, cumpre notar que na sentença recorrida, concluiu-se que: “…
Perante a factualidade apurada em sede de acção inspectiva, conclui-se que os indícios apontados pela A.T. não eram bastantes, nem suficientemente consistentes para se poder concluir que as facturas em causa não titulavam operações reais e, consequentemente, também não permitiam afirmar que os custos documentados nessas facturas não estão devidamente documentados ou não se revelam indispensáveis à obtenção dos proveitos.
As operações realizadas pela Impugnante são reais, estão suportadas documental, contabilística, financeira e materialmente.
Pelo que, provada a materialidade das operações e a realização efectiva dos serviços titulados pelas facturas são irrelevantes as considerações que a A.F. emite no seu Relatório de Inspecção relativamente à inexistência da “D...”, da sua estrutura e do perfil do Sr. F... Lemos.
De todo o exposto, decorre, que a Impugnante logrou demonstrar que as facturas desconsideradas pela A.T. correspondem a serviços que lhe foram prestados por outras empresas, como forma de poder concluir as obras que lhe haviam sido adjudicadas.
Assim, não é de excluir a sua contabilização como custos originados no exercício em causa.
Pelo que, a ora Impugnante não poderá ser submetida à disciplina do n.°3 do art. 19º do CIVA.
A errónea quantificação da matéria colectável é um vício do acto tributário que legitima a sua anulação, nos termos do disposto no art.99°, alínea a), do CPPT. …”.

A partir daqui, cabe enquadrar a realidade em apreço, tendo presente que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 394-B/84, de 26/12, pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr.artº.1, do C.I.V.A.). O I.V.A. caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto. Além das características apontadas, o I.V.A. apresenta ainda a da neutralidade, dado que, mercê do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico. Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtractivo indirecto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artº.19, do C.I.V.A. (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.240 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e seg. e 411 e seg.).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas a incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. No que diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, o facto tributário que lhe é fundamento consubstancia-se em qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, a título oneroso, que seja efectuada no território nacional (cfr.artº.1, do C.I.V.A.).

Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Ainda no que diz respeito ao específico regime do I.V.A., igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por último, atendendo mais uma vez à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).
Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Neste domínio, em princípio, se os indícios denunciam que com forte probabilidade os emitentes das facturas não tinham capacidade empresarial para vender a mercadoria mencionada nas facturas, tanto bastaria para se criar um juízo sério de que aquelas transacções não existiram, ou seja, que aqueles emitentes não venderam à recorrente aqueles materiais, logo, a recorrente não os comprou, traduzindo assim a factura uma simulação de transacção entre o emitente e o utilizador da factura.

E assim dir-se-ia que bastaria à administração tributária, para cumprir o seu ónus, carrear factos relativos aos emitentes das facturas indiciadores da sua incapacidade para transaccionarem as mercadorias. E ficaria desonerada de averiguar qualquer facto na esfera do utilizador das facturas indiciador da sua participação ou conhecimento ou dever de conhecer da falsificação. Poderia limitar-se, como aconteceu no caso dos autos, a constatar na contabilidade do sujeito passivo a existência de facturas daqueles emitentes para, sem mais, considerar indevidamente deduzido o IVA, passando a competir ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.

Em suma, a ser assim entendido, a administração tributária, conhecedora que determinado sujeito passivo se dedicava à emissão de facturas falsas, poderia sem mais, desconsiderar os custos de qualquer outro sujeito passivo inspeccionado que tivesse contabilizado facturas daquele emitente.

Ora, como se refere, no Ac. deste Tribunal de 31-01-2014, Proc. nº 01380/05.7BEBRG, www.dgsi.pt, onde se esmiuçaram alguns dos elementos já apontados, referindo-se que “… Como ponto de partida da nossa análise, adiantamos desde já que, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, não constitui requisito do direito à dedução, nas operações internas, que tenha sido o emitente da fatura a transmitir os bens ou a prestar os serviços.

O que constitui requisito desse direito é que tenha sido o utilizador a adquirir esses bens e serviços. É o que resulta do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, segundo o qual «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos…».

Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.

Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.

Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.

Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas.

E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente. …

Ora a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Pode ser absoluta (quando não existe vontade de realizar negócio nenhum) ou relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio). E, neste último caso, pode ser subjetiva (quando o negócio dissimulado é realizado com outro sujeito) ou objetiva (quando o negócio dissimulado tem natureza ou conteúdo diverso, como sucede com a simulação de valor). …

É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.

Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.

A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.

Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».

O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.

E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil. …”.

Nestas condições, é jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

Tal significa que, antes de mais, cabe analisar da bondade da decisão recorrida quando conclui que “Perante a factualidade apurada em sede de acção inspectiva, conclui-se que os indícios apontados pela A.T. não eram bastantes, nem suficientemente consistentes para se poder concluir que as facturas em causa não titulavam operações reais e, consequentemente, também não permitiam afirmar que os custos documentados nessas facturas não estão devidamente documentados ou não se revelam indispensáveis à obtenção dos proveitos”, ou seja, a apreciação desta matéria começa pela consideração da conduta da AT no sentido de afirmar ou rejeitar a posição assumida pela decisão recorrida.

Com este pano de fundo, temos que constitui fundamento do recurso o erro de julgamento da aplicação do direito aos factos uma vez que a prova produzida não é de molde a contrariar os indicadores da inexistência das operações tituladas nas facturas que suportaram o exercício do direito
à dedução do imposto sobre o valor acrescentado nelas indicado, matéria que tem subjacente uma outra questão - esta meramente de direito - que é a de saber se, quando esteja em causa a existência das operações tituladas nas facturas, compete à administração tributária demonstrar que elas não existiram ou ao utilizador demonstrar que elas existiram, sendo que tem precedência lógica o conhecimento desta última questão, porque é da resposta que lhe for dada e da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo que derivará a resposta à primeira.

Nesta linha de análise, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.

Avançando para o caso concreto, não podemos deixar de ponderar, com as devidas adaptações ao caso em análise, a realidade apontada no Ac. deste Tribunal de 15-11-2013, Proc. nº 201/06.8BEPNF, www.dgsi.pt, onde se ponderou que não é controvertido [até porque resulta dos pontos II-C.5) e III-B do relatório de inspecção tributária para que remetem os factos provados supra] que a Recorrida contabilizou as facturas emitidas pela sua fornecedora e emitiu as respectivas declarações periódicas. O que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem.

Nenhuma dúvida, por isso, de que a Recorrida beneficiava da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.

Daí que coubesse à administração tributária, no âmbito da sua atividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apensar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos.

O que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da acção de fiscalização interna determinada pela ordem de serviço n.º OI200504414, de 2005-09-26.

Todavia, dessa acção de fiscalização, e na parte em que incidiu sobre a escrita da Recorrida também não foram extraídos elementos que infirmassem as declarações.

De salientar, desde logo, a profusa documentação anexada ao relatório, da qual resulta que a fiscalização tributária teve acesso às facturas que titulam as operações, mas também aos contratos de subempreitada celebrados entre as duas empresas (a Recorrida e a emitente das facturas) e às propostas contratuais que lhes serviram de base, aos extractos da conta-corrente da “D...” que evidenciam a sua movimentação. Sendo que nada foi apontado, quanto a estes documentos, como indicador de que os serviços correspondentes não foram efectuados.

Também não foi referenciada nenhuma ocorrência de que pudesse decorrer violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no decurso da inspecção, não havendo notícia de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos sobre a natureza dessas operações.

A ter sido efectuada outra análise à escrita da Recorrida, a ter sido averiguado o seu processo produtivo, a necessidade do recurso à subcontratação, a relação entre os serviços subcontratados a montante e as vendas a jusante, também nada foi extraído com relevo para as conclusões do relatório.

É, por isso, inequívoco que as únicas razões que levaram a administração tributária a concluir que as facturas em causa não respeitaram a serviços prestados dizem respeito à emitente dessas facturas e aos indicadores de que essa sociedade não teria meios para as executar.

Importa, porém, salientar desde já que esses indicadores não foram recolhidos pela Direcção de Finanças do Porto, em primeira mão. Foram recolhidos a partir de elementos que lhe foram enviados pela Direcção de Finanças de Aveiro e de que os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças do Porto não se apropriaram nos seus exactos termos (visto que não anexaram esse relatório ao processo administrativo nem transcreveram o seu teor), tendo-se limitado a resumir os indicadores que extraíram desse outro relatório e que aqui aparecem já glosados e em segunda mão (não sendo de excluir, por isso, que se tenham perdido alguns dados relevantes e que aqui já não se possam aproveitar).

Foi, assim, de uma informação interna a que o tribunal não teve acesso que os serviços de inspecção tributária extraíram os seguintes indicadores de que as facturas em causa não respeitam a serviços efectivamente prestados:

a. Confirmou-se junto do “IMOPPI” que o alvará de construção da emitente é falsificado;

b. A emitente nunca teve qualquer pessoal produtivo;

c. O volume de negócios declarado e a dispersão geográfica das obras são incompatíveis com a capacidade material e humana da emitente das facturas;

d. As fornecedoras da emitente das facturas também estão indiciadas como emitentes de “facturas falsas”;

e. As facturas não têm ordem sequencial e algumas são mesmo anteriores à constituição da sociedade emitente;

f. Estão preenchidas com diversas caligrafias e contém assinaturas e carimbos diferentes;

g. O sócio-gerente mostra carências económicas que não se coadunam com os valores facturados.

Ora, estes indicadores - tal como se encontram apresentados (relembramos que o tribunal não teve acesso à informação original e nem esta pode aproveitar ao acto) - são insuficientes para concluir que as facturas em causa não titulam serviços prestados. Vejamos porquê.

O recurso a uma falsificação de alvará de outra empresa indica que a sociedade emitente das facturas não recuaria perante a ilegalidade para prosseguir a actividade, mas não que não tivesse actividade. Por outro lado, a cópia exibida terá sido exibida por outro utilizador das facturas emitidas por essa empresa, desconhecendo-se em que período. E não se sabendo, por isso, se a “D...” usou do mesmo estratagema junto da Recorrida ou sequer se tinha ou não alvará de construção à data da execução das obras tituladas nas facturas que lhe foram emitidas.

A afirmação de que a “D...” nunca teve pessoal produtivo seria o mais forte indicador de que nunca exerceu actividade e, por isso, não podia ter executado os trabalhos titulados nas facturas. No entanto, o próprio relatório alude à remessa de folhas de remuneração para a Segurança Social, referindo a Recorrente a existência de uma apólice de seguro de acidentes de trabalho. Parece, de resto que o problema nunca esteve no facto de existirem trabalhadores declarados no período em causa, mas de constarem também como funcionários da principal firma utilizadora das facturas. Só que este tribunal não sabe que firma era essa (ou se era a Recorrida) e se esse facto punha em causa a declaração da emitente ou da utilizadora. E também não sabe se constavam como funcionários da empresa utilizadora no período a que se reportam as facturas em causa.

A inexistência de capacidade material e humana para a realização dos trabalhos declarados pela emitente sugere que havia “sobrefacturação”, mas não necessariamente que aquelas facturas em particular não fossem verdadeiras. Tal só sucederia se a incapacidade da emitente subsistisse considerando apenas as obras que lhe foram adjudicadas pela Recorrida, o que não resulta minimamente do relatório.

O facto de a “D...” ter documentado aquisições com facturas de outras empresas também indiciadas de facturas falsas, nada nos diz sobre a credibilidade dessas operações, porque os indicadores respectivos também não foram referidos, impedindo o tribunal de fazer algum juízo próprio sobre eles. Parece, de resto, que a fiscalização pretendeu apenas pôr em causa a credibilidade dos sujeitos (por estarem envolvidos em tais processos) mas, como referia o Prof. Saldanha Sanches (in «A Quantificação da Obrigação Tributária», pág. 361) a ausência de credibilidade subjectiva dos sujeitos não constitui fundamento da avaliação administrativa. Até, porque, se o perfil fiscal do sujeito passivo pudesse, em si mesmo, fundamentar as correcções, isso implicaria que a presunção do artigo 75.º da Lei Geral Tributária só valeria para os sujeitos passivos que nunca tivessem tido algum litígio com a administração tributária, o que não tem respaldo no texto da lei.

A referência a facturas que não têm ordem sequencial e que foram emitidas em datas anteriores à sua impressão e à própria constituição da sociedade emitente, não releva para o caso. Não apenas as facturas que aqui foram postas em causa foram emitidas pela sua ordem sequencial e depois da constituição da sociedade “D...” (2001-07-24), como também, com excepção da primeira, depois da data da sua impressão (Agosto 2001).

O mesmo se diga das caligrafias, assinaturas e carimbos. Não apenas não se imputa as diferenças anunciadas às relações comerciais entre a Recorrida e a “D...”, como também a análise dos documentos juntos em anexo não as evidenciam. E, de qualquer modo, não há qualquer indicação de que esses documentos em particular não tenham sido assinados pelos respectivos representantes legais.

Finalmente, as carências económicas do sócio-gerente da “D...” parecem estar relacionadas com a sua situação financeira na altura da inspecção (e não da emissão das facturas), como decorre da expressão utilizada «recente afectação de uma habitação social», sendo que o que interessaria realmente era conhecer os indicadores económicos à data dos factos.

De todo o exposto decorre que a administração tributária não conseguiu reunir indicadores susceptíveis de constituir (para utilizar a expressão do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002.04.17, já citado) «a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários» a que se reportam as facturas em causa. E, por conseguinte, da legalidade do ato impugnado.

Perante o que fica exposto, e que representa uma leitura mais bondosa da realidade em apreço, e na medida em que o exposto pela Recorrente nada tem de diferente e inovador neste âmbito, no sentido de permitir outro tipo de leitura da realidade em apreço, em função da sobredita fundamentação, não pode afirmar-se um qualquer juízo de censura sobre a decisão recorrida susceptível de viabilizar a pretensão da Recorrente.
Deste modo, fica prejudicado o conhecimento do mais suscitado nos autos, nomeadamente o erro de julgamento em sede de matéria de facto, na medida em que os pontos discutidos estão directamente relacionados com a outra questão porventura a considerar nos autos, ou seja, no caso de uma outra leitura sobre a conduta da AT, caberia então discutir se a Recorrida tinha logrado demonstrar a materialidade das operações em causa.
No entanto, como se viu, não tendo a AT demonstrado que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas descritas não correspondem à realidade, a discussão sobre a matéria termina imediatamente, tornando ocioso apreciar o erro de julgamento em sede de facto e de direito quanto à questão da prova da veracidade das transacções em causa.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 30 de Setembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves