Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00293/23.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ATO DO OEF; PEDIDO DE INFORMAÇÃO; ATO IMPUGNÁVEL;
INTERPRETAÇÃO DO PEDIDO; ERRO NA FORMA DE PROCESSO;
CONVOLAÇÃO EM INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES E PASSAGEM DE CERTIDÕES
Sumário:
I - Nos termos do nº 2, do artigo 9º, da LGT o conceito de “lesividade”, para efeito de acesso à justiça tributária, abrange qualquer afetação de direitos ou interesses legalmente protegidos, conquanto tenham sido esgotados os meios administrativos legalmente exigidos, sendo certo que o nº 2 do artigo 95º, da mesma lei indica, a titulo meramente exemplificativo, os tipos de atos que podem ser lesivos.

II - O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual escolhido ao pedido, isto é, ao efeito jurídico que se pretende obter com a ação (cfr. artigo 581º, nº 3, do CPC), à providência de tutela jurisdicional requerida; se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.

III – A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem vindo a adotar um critério de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica do autor.

IV - Esta jurisprudência tem na mira assegurar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa), com reflexo no princípio pro actione, que visa obstar a que o rigor formalista na interpretação da lei adjetiva impeça a prolação de decisões de mérito (cfr. artigo 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

V – Se (i) o pedido, interpretado em conformidade com esta jurisprudência, é próprio do processo de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, (ii) a petição foi tempestivamente apresentada para esta forma processual e (iii) não é manifestamente intempestiva, deve proceder-se à convolação para aquela forma processual.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. "X - UNIPESSOAL, LDA."., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 04.07.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual julgou procedente, por provada, a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato reclamado e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância de reclamação, deduzida contra a resposta do Chefe do Serviço de Finanças ..., datada de 10 de maio de 2023, a um pedido de informação sobre a sua concreta situação fiscal.

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1.O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo douto Tribunal “a quo”, que julgou improcedente a reclamação apresentada pela ora recorrente, do despacho proferido a coberto do ofício n.º ...61, de 10.05.2023, porém, salvo o devido respeito, não pode, a aqui recorrente, conformar-se com os termos em que tal decisão foi proferida, porquanto face aos factos e ao direito aplicável, deveria a reclamação apresentada ter sido julgada procedente, por provada, devendo, por isso, o presente recurso proceder, face aos argumentos que infra se irão demonstrar, tudo com as demais consequências legais daí decorrentes.
2. Impende uma obrigação legal e constitucional sobre a AT de prestar todas as informações sobre a situação jurídico-fiscal dos administrados que estes lhe solicitam, entre as quais, o efetivo conhecimento do seu cadastro contributivo. – cfr. Art.º 67º da Lei Geral Tributária e art.º 268º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
3. Porém, a verdade é que, conforme constatado pelo Tribunal “a quo”, a ora recorrente “… ficou exatamente na mesma situação em que se encontrava antes de receber o referido ofício…”.
4. Ora, não é o facto de a AT dirigir o sujeito passivo para o seu portal das finanças que o exime de prestar a informação solicitada, pois, do referido sítio da internet apenas lhe vai ser passível consultar documentos, como certidões de dívida, sendo que, tais documentos não vêm acompanhados da fundamentação necessária em que se estribam para que o seu destinatário descortine totalmente o seu teor, isto é, o porquê de estar a ser objeto de tais execuções.
5. Nesta conformidade, e vendo-se na teia de várias execuções e processos contraordenacionais, solicitou, junto do órgão de execução competente, as informações necessárias para que pudesse, de forma plena e esclarecida, tomar consciência real e efetiva da sua situação jurídico-tributária, pois, a existência de tantos processos, quer de execução fiscal, quer de contraordenação, necessariamente, irão ter consequências e irremediáveis na sua esfera jurídica, capazes de lesar de forma séria grave e irreversível a esfera jurídica do contribuinte, causando-lhe prejuízo tal, que dificilmente poderá recuperar, porquanto, em última análise, o não pagamento das quantias alegadamente em dívida e provenientes de coimas, traduzir-se-á em sucessivas e subsequentes penhoras, algo que, poderia e deveria ser evitado, caso a FP prestasse as informações que lhe foram requeridas, escusando a ora recorrente de se ver obrigado a recorrer à via judicial e, assim, reclamar do despacho proferido a coberto do ofício já identificado.
6. Pelo que, em face do exposto, o despacho proferido a coberto do ofício n.º ...61, de 10.05.2023 configura um ato impugnável, lesivo da esfera jurídica da recorrente e, por isso, suscetível de reclamação, nos termos dos artigos 276º e seguintes do CPPT.
7. Não obstante, e caso não seja este o entendimento de V.ªs Ex.ªs sempre se dirá que se é convicção do Tribunal “a quo” que não existe qualquer ato imediatamente lesivo suscetível de afetar a esfera jurídica da reclamante, mas, em simultâneo, reconhece que a recorrente “… ficou exatamente na mesma situação em que se encontrava antes de receber o referido ofício…”, então, impendia sobre si a obrigação de convolar a presente ação em ação de condenação para a prática de ato, prestação das informações fiscais, sobre a reclamante, requeridas, estando verificados, inclusive, os pressupostos de que a convolação está dependente, nomeadamente, da idoneidade do pedido, da causa de pedir, e, também, da não caducidade do direito de ação. - A este propósito, veja-se o proferido no Ac. do TCA Norte, de 09.11.2017, in Proc. n.º 00552/11.0BEVIS, disponível para integral consulta em www.dgsi.pt.
8. Ora, face à ausência de informação prestada pela AT, reconhecida por aquele douto Tribunal, não vislumbra a ora recorrente, outro meio processual, para além da reclamação apresentada, tendo em conta os argumentos já aduzidos, que não a ação de condenação da AT na prática do ato, ato este que se consubstancia em prestar à ora recorrente informação completa, detalhada e fundamentada da sua situação contributiva.
9. Não pode a AT eximir-se a prestar informação conducente ao esclarecimento da situação contributiva do contribuinte nos termos por ele requeridos, sob pena de a AT criar, liquidar e executar, pasme-se, sem o conhecimento efetivo do sujeito passivo destinatário, não podendo, em conformidade, dispor do pleno exercício dos seus direitos e garantias que a legislação fiscal compreende, isto é, direito à informação, reclamar, impugnar, recorrer.
10. Sem a prestação da citada informação, fica o contribuinte no desconhecimento sobre o que sobre si impende, ficando impossibilitado de se defender de forma esclarecida de tais atos lesivos da sua situação jurídico-patrimonial, pelo que, em face do ora aduzido, deveria o Mmo. Juiz “a quo” ter ordenado a convolação dos presentes autos, em razão dos princípios de celeridade da justiça tributária, concessão de tutela jurisdicional efetiva e economia processual.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V.ªs Ex.ªs certamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a reclamação apresentada OU em alternativa, convole a presente reclamação em ação de condenação para a prática do ato, tudo com as demais consequências legais daí decorrentes.».

1.3. A Recorrida apresentou contra-alegações, que sintetizou nos termos seguintes:
«1. No caso concreto dos presentes autos, contrariamente à tese que a recorrente tenta incutir a este Venerando Tribunal, os esclarecimentos que lhe foram prestados pelo órgão de execução fiscal através do citado oficio nº ...61, não têm natureza de atos materialmente administrativos mas antes de atos informativos praticados ao abrigo do princípio da colaboração, uma vez que a notificação recebida pela ora reclamante se limitou a dar-lhe conhecimento das diligências efetuadas no âmbito dos processo de execução fiscal que foram instaurados contra a mesma, havendo para a definição de atos materialmente administrativos que distinguir um plano de atuação em que a administração exerce poderes de definição jurídica sobre determinada situação e outro plano distinto em que as manifestações de vontade da administração correspondem a meras atuações administrativas sem envolverem o exercício de poderes de definição jurídica com conteúdo decisório, como acontece com meros atos informativos.
2. Com efeito, os atos informativos prestados pela AT através do órgão de execução fiscal não respeitam a qualquer decisão que defina a situação jurídica do interessado, visando produzir unilateralmente efeitos jurídicos externos na sua situação individual e concreta. Daí que não sejam atos materialmente administrativos, não sendo lesivos nem justificando/admitindo reclamação judicial dos mesmos.
3. Perante a inexistência de um ato com potencialidade lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos da reclamante, forçoso será concluir pela improcedência da presente reclamação por inexistência de um prejuízo irreparável.
4. Sem prescindir, a questão principal que a recorrente tenta sindicar nos presentes autos prende-se com o alegado desconhecimento da origem dos processos de execução fiscal que foram instaurados contra si pelo órgão de execução fiscal. Mais alegando, que não conhece de forma clara e suficiente os pressupostos em que assentaram em concreto as execuções fiscais, as disposições legais aplicáveis e a dívida exequenda, pelo que o pedido de informação que dirigiu ao órgão de execução fiscal visava obter elementos que lhe permitissem colmatar o alegado “desconhecimento”.
5. Contrariamente à tese que a recorrente tenta incutir a este Venerando Tribunal sobre o alegado “desconhecimento” dos processos de execução que foram instaurados contra si pelo órgão de execução fiscal, é por demais evidente que a mesma tem um perfeito e exaustivo conhecimento da existência dos mesmos e dos factos que estão na base da instauração de cada um deles, tanto mais que reagiu judicialmente contra os mesmos, designadamente, através da dedução de várias oposições judiciais e reclamações ao abrigo do artigo 276º do CPPT, que se encontram a correr termos junto do TAF de Viseu–conforme resulta da informação elaborada pelo órgão da execução fiscal que acompanhou a subida da presente reclamação.
6. E perante estas evidências probatórias, legitmamente se coloca a questão de saber porque razão a recorrente nos presentes autos apresenta uma postura processual que em nada abona a realização da justiça e da descoberta da verdade material, tentando incutir ao Tribunal factos que não correspondem à verdade, designadamente o alegado “desconhecimento” da factualidade que despoletou as várias execuções fiscais contra si instauradas, quando na realidade já se encontra junto do TAF de Viseu a sindicar a exigibilidade da dívida e outros fundamentos que são suscetíveis de integrar o objeto da oposição judicial, relativamente a todas as execuções fiscais supra identificadas.
7. E mais se diga, embora a recorrente efetue uma abordagem genérica do alegado desconhecimento dos processos de execução fiscal, para além das várias oposições judiciais que interpôs contra as supra identificadas execuções fiscais, também em sede de reclamação dos atos do órgão de execução fiscal, elaboradas ao abrigo do artigo 276º do CPPT, a reclamante, deduziu entre outras, a reclamação nº 288/23.9BEVIS, no âmbito da qual identifica processos de execução fiscal, revelando ter conhecimento da existência dos mesmos, sendo de referir que naqueles autos a AT logrou apresentar evidências probatórias documentais que demonstram à saciedade que também naqueles autos a reclamante conhece a factualidade que invoca desconhecer, sendo certo que tanto naqueles autos como nestes, detém na sua disponibilidade todos os meios para aceder a todos os elementos e informações relativas ás várias execuções fiscais – vide resposta da AT no âmbito da reclamação nº 288/23.9BEVIS.
8. Atentas as evidências probatórias em apreço, impõe-se concluir que para além da reclamante ter sido citada no âmbito das várias execuções fiscais que correm termos junto do Serviço de Finanças ..., as referidas citações foram efetuadas no rigoroso cumprimento das formalidades ditadas pelos preceitos constantes dos artigos 189 a 192º do CPPT, tal significando que as mesmas cumpriram a função para as quais foram elaboradas e remetidas à reclamante.
9. Contrariamente à tese defendida pela recorrente, sempre esteve na sua total disponibilidade o direito a consultar e a ter acesso aos elementos relativos ás execuções fiscais que contra ela foram instauradas, tendo tal informação permitido que a mesma pudesse reagir às várias citações ali efetuadas através da interposição de várias oposições judiciais que correm termos junto do TAF de Viseu.
10. Atenta a prova produzida nos presentes autos, o sentido da decisão proferida pelo Tribunal “ a quo” é aquele que corresponde à verdade material dos factos, tendo por isso, realizado a devida justiça.
11. E porque a douta decisão recorrida fez uma correta interpretação dos factos controvertidos e uma correta aplicação do direito aos mesmos, deverá ser mantida na ordem jurídica.
12. Quanto à pretendida convolação dos presentes autos de reclamação em ação administrativa de condenação à prática do ato administrativo devido, para além de acompanharmos o entendimento que foi sufragado pela douta decisão recorrida, cumpre referir que no caso concreto dos autos, o órgão de execução fiscal não omitiu ou recusou prestar as informações que foram solicitadas pela recorrente, motivo pelo qual, não estão reunidos os pressupostos legais para que seja legalmente admissível a interposição de uma ação administrativa de condenação à prática do ato administrativo devido.
Termos em que deverá improceder a presente reclamação com todas as consequências legais daqui decorrentes.».

1.4. A DMMP teve vista dos autos e emitiu parecer, considerando o seguinte:
«(…)
C - Analisando:
Ora, como bem conclui o Ex.mo Sr. Juiz a quo, na sentença proferida, (decisão que, antecipe-se, nenhum reparo nos merece) (…) o ato reclamado tem um mero conteúdo informativo sobre o modo de obtenção e o local onde a reclamante poderá aceder à informação requerida, sem com isso introduzir modificação alguma na ordem jurídica (vide, neste sentido, o acórdão do STA, de 3 de abril de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 01359/18.9BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt) e foi proferido na sequência de um pedido de informação formulado pela reclamante (daí o seu carácter informativo).
(…)Na verdade, o ofício reclamado não pode ser entendido como uma “decisão de não prestar as informações solicitadas”, pois tal não resulta do teor do mesmo e, pelo contrário, o mesmo informa o contribuinte (ora reclamante) sobre o local e modo como as informações requeridas poderão ser obtidas.
E também não conseguimos vislumbrar como é que este ofício coarta, em absoluto o direito à defesa da reclamante, “causando-lhe prejuízo irreparável”, sendo certo que a reclamante também não o demonstra (e era sobre si que incumbia o respetivo ónus de alegação e de prova, nos termos do artigo 74.º da LGT, em conformidade com o artigo 342.º do Código Civil).
É certo que o ofício não disponibilizou diretamente toda a documentação e informação requeridas pela reclamante (como, talvez, a mesma pretendia e preferia), mas explicou como poderá obtê-la e, se tivermos em linha de conta as regras de experiência comum, até se compreende o teor do mesmo pois, o contribuinte (ora reclamante) tem uma conta própria, permanentemente disponível no portal das finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt) onde poderá aceder e consultar, de forma fácil e bastante acessível, toda a informação da sua atual situação jurídico-tributária, sem necessitar de recorrer (presencialmente ou por requerimentos) aos serviços de atendimento da Administração Tributária.
Do exposto, resulta que o ofício reclamado não teve qualquer repercussão negativa imediata na esfera jurídica da reclamante, não constituindo, por isso, um ato suscetível de lesar qualquer interesse legítimo ou direito da reclamante que possa ser objeto de reclamação deduzida ao abrigo do artigo 276.º e seguintes do CPPT.
Decisão esta que se nos afigura irrepreensível e encontra respaldo na doutrina e na jurisprudência citadas na mesma.
Tão pouco assiste razão ao reclamante ao pretender a convolação da presente reclamação para acção de condenação à prática de acto devido, acompanhando, de resto, também a este propósito, o entendimento que foi sufragado pela douta decisão recorrida, isto é, se a reclamante entende que o seu pedido de informação não foi integralmente satisfeito pela Administração Tributária (i.e. Serviço de Finanças ...), então, o meio processual adequado para satisfazer a sua pretensão seria a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista no artigo 104.º do CPTA (e não a presente reclamação consagrada no artigo 276.º e seguintes do CPTA). Mas, ainda que viesse a ser confirmada esta pretensão, não seria de aferir, in casu, da possibilidade da convolação da presente ação naquele meio processual, uma vez que não estamos perante um erro na forma do processo, visto que o pedido formulado pela reclamante (i.e. revogação do “despacho proferido, objeto da presente ação” – conforme peticiona no artigo 35.º da p.i. – é um pedido típico e adequado à presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal, previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT). Por último, cumpre ainda referir que no caso concreto dos autos, o órgão de execução fiscal não omitiu ou recusou prestar as informações que foram solicitadas pela recorrente, motivo pelo qual, não estão reunidos os pressupostos legais para que seja legalmente admissível a interposição de uma ação administrativa de condenação à prática do ato administrativo devido (cf. contra-alegações bem elaboradas pela Fazenda Pública).
Pelo que importará concluir que, sufragando na íntegra os fundamentos vazados, de forma exaustiva e criteriosa, na sentença do tribunal a quo, salvo o devido e merecido respeito por opinião contrária, sem mais delongas e necessidade de tecer quaisquer outras considerações, deve ser mantido o decidido em toda a sua extensão.
D- Termos em que, somos do parecer que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.».
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erros de julgamento de direito ao concluir, por um lado, que o ato objeto da reclamação não é contenciosamente impugnável e, por outro lado, que não é possível a convolação da reclamação em intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões.
*

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Como já foi referido, a Fazenda Pública invocou a falta de objeto por inexistência de ato lesivo.
E, com interesse para a boa decisão da mesma, dão-se como provados os seguintes factos:
A. Em 21 de abril de 2023, "X - UNIPESSOAL, LDA."., ora reclamante, apresentou perante o Serviço de Finanças ... um requerimento com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– facto não controvertido e cfr. documento junto com a p.i., de fls. 32 a 35 da paginação eletrónica e cfr. envelope com a referência alfanumérica “RL.......86PT”, com data de 21-4-2023, constante a fls. 35 da paginação eletrónica;
B. Através do ofício n.º ...61, de 10 de maio do 2023, o Chefe do Serviço de Finanças ... respondeu ao requerimento referido em A., nos seguintes termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. documento junto com a p.i., de fls. 36 e 37 da paginação eletrónica.
*
Factos não provados:
Com relevância para decidir da arguida exceção, inexistem factos não provados.
*
Motivação e análise crítica da prova produzida
Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes dos presentes autos, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal.».

3.1.2. Aditamento à matéria de facto
Por se afigurar necessário para a boa apreciação da causa, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, vamos aditar ao rol dos factos provados a seguinte factualidade que consta dos elementos juntos aos autos:
C) O ofício aludido na antecedente alínea B) foi remetido ao Ilustre Mandatário da Recorrente através de carta registada no dia 10.05.2023 – cfr. fls. 6/6 do documento da p.i. nº 007904851.
D) A p.i. dos presentes autos foi remetida ao Serviço de Finanças através de correio registado no dia 23.05.2023 – cfr. informação junta como documento da p.i. nº 007904852.
**
Estabilizada nestes termos a factualidade relevante, avancemos na apreciação do mérito deste recurso.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do erro de julgamento quanto à impugnabilidade do ato reclamado
A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo considerou que o ato objeto da reclamação não constitui um ato lesivo e, por isso, impugnável, apoiando-se no seguinte discurso fundamentador:
«(…)
O artigo 276.º do CPPT determina que “[a]s decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras a autoridades da administração tributária que no processo que no processo afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são suscetíveis de reclamação para o tribunal tributário de l.ª instância” (sublinhado nosso).
Nas palavras de JORGE LOPES DE SOUSA (in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume IV, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, págs. 270 e 271), o supra citado artigo 276.º reconhece “um direito global de os particulares solicitarem a “intervenção do juiz no processo”, através da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, relativamente a quaisquer atos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva. (…) Devem considerar-se imediatamente lesivos e, por isso, imediatamente impugnáveis contenciosamente, todos os atos que tenham repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos seus destinatários, quando a sua lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação”.
Por seu turno, o artigo 95.º, n.º 1, da LGT, confere ao interessado o direito “de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei” (sublinhado nosso).
Nos termos conjugados do artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, al. i), do CPTA (aplicáveis ex vi do art.º 2º, al. c), do CPPT), a inimpugnabilidade do ato impugnado constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
Contrariamente ao que sucede no âmbito do contencioso administrativo, em que o critério de impugnabilidade de um ato administrativo é constituído pela sua suscetibilidade de “produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta” (art.º 51.º, n.º 1, do CPTA), no contencioso tributário vigora a regra de que só serão impugnáveis os atos imediatamente lesivos.
Neste sentido, dispõe o art.º 9.º, n.º 2, da LGT, que “todos os atos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei” e o art.º 95.º, n.º 1, do mesmo diploma, estabelece que “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”. Também o art.º 54º do CPPT erige como critério geral de impugnabilidade de um ato a sua imediata lesividade, critério que é reafirmado em muitas outras disposições do mesmo compêndio legal (vide, a título de exemplo, os artigos 95º-B, 145º ou 147º, nos quais sempre se alude a ato lesivo). E no mesmo sentido deve ser interpretado o próprio art.º 276º do CPPT, pois a palavra “afetem” aí utilizada tem, naturalmente, o sentido de lesem ou prejudiquem.
A jurisprudência pacífica e consolidada dos tribunais superiores (vide, entre muitos, o acórdão do STA, de 30 de julho de 2008, proferido no âmbito do processo n.º 0553/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt) tem vindo a entender que, nos termos dos artigos 268.°, 4, da CRP, 95º, n.°1, e 103.°, n.º 2, da LGT, é reconhecido, de facto, um direito global de os particulares solicitarem a intervenção do juiz no processo, através da reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT, relativamente a quaisquer atos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva. Só devem considerar-se imediatamente lesivos, e, por isso, impugnáveis contenciosamente, os atos que tenham repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos seus destinatários e a sua lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação.
Nesta conformidade, cumpre notar que, no contencioso tributário, o critério da impugnabilidade dos atos continua a ser o da sua lesividade imediata, objetiva, atual e não meramente potencial, pelo que um ato impugnado é lesivo quando provada uma “alteração significativa na esfera jurídica da recorrente” (vide acórdão do STA, de 27 de novembro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 01725/13, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Revertendo ao caso sub judice, está provado que a reclamante dirigiu um requerimento ao Serviço de Finanças ... solicitando um conjunto de informações sobre os processos de execução fiscal e de contraordenação que contra si foram instaurados e que se encontram pendentes (cfr. alínea A. do elenco dos factos provados).
E também está provado que, na sequência do referido requerimento e em resposta ao mesmo, o Chefe do Serviço de Finanças ... emitiu o ofício n.º ...61, de 10 de maio de 2023, no qual veio informar, em síntese, que “as notificações e citações pessoas foram formalizadas via internet já que a contribuinte em causa se encontra registada no sistema de notificações via CTT, desde 7/10/2016, em cumprimento do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (…)” e que “sobre a identificação das dívidas em execução a mesma pode ser obtida via portal das finanças, conforme prevê a 1.ª parte do n.º 8 do artigo 190.º do CPPT. Também os dados dos processos de contraordenação poderão ser obtidos via notificações do portal das finanças na opção “notificações eletrónicas do próprio (…)” (cfr. alínea B. do elenco dos factos provados).
Ora, analisado o teor do ofício objeto da presente reclamação, não se vislumbra qualquer lesividade imediata, objetiva e atual na esfera jurídica da reclamante.
Na verdade, o ato reclamado tem um mero conteúdo informativo sobre o modo de obtenção e o local onde a reclamante poderá aceder à informação requerida, sem com isso introduzir modificação alguma na ordem jurídica (vide, neste sentido, o acórdão do STA, de 3 de abril de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 01359/18.9BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt) e foi proferido na sequência de um pedido de informação formulado pela reclamante (daí o seu carácter informativo).
Neste contexto, a reclamante, em bom rigor, ficou exatamente na mesma situação em que se encontrava antes de receber o referido ofício ou, no limite, podemos concluir que até ficou dotada de uma informação que, eventualmente, não dispunha, sobre o método de obtenção e localização da informação solicitada (mas sem lesar qualquer interesse legítimo ou direito na sua esfera jurídica).
Por isso, não podemos concordar com a reclamante quando alega que o referido ofício corporiza uma “decisão de não prestar as informações solicitadas (…)” e que “tem, de facto, influência na sua situação jurídico-patrimonial, coartando-lhe, em absoluto, o direito à sua defesa, causando-lhe prejuízo irreparável, razão pela qual, apresentou a reclamação que deu origem aos presentes autos” (vide artigo 8.º do requerimento de fls. 72 e seguintes da paginação eletrónica).
Na verdade, o ofício reclamado não pode ser entendido como uma “decisão de não prestar as informações solicitadas”, pois tal não resulta do teor do mesmo e, pelo contrário, o mesmo informa o contribuinte (ora reclamante) sobre o local e modo como as informações requeridas poderão ser obtidas.
E também não conseguimos vislumbrar como é que este ofício coarta, em absoluto o direito à defesa da reclamante, “causando-lhe prejuízo irreparável”, sendo certo que a reclamante também não o demonstra (e era sobre si que incumbia o respetivo ónus de alegação e de prova, nos termos do artigo 74.º da LGT, em conformidade com o artigo 342.º do Código Civil).
É certo que o ofício não disponibilizou diretamente toda a documentação e informação requeridas pela reclamante (como, talvez, a mesma pretendia e preferia), mas explicou como poderá obtê-la e, se tivermos em linha de conta as regras de experiência comum, até se compreende o teor do mesmo pois, o contribuinte (ora reclamante) tem uma conta própria, permanentemente disponível no portal das finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt) onde poderá aceder e consultar, de forma fácil e bastante acessível, toda a informação da sua atual situação jurídico-tributária, sem necessitar de recorrer (presencialmente ou por requerimentos) aos serviços de atendimento da Administração Tributária.
Do exposto, resulta que o ofício reclamado não teve qualquer repercussão negativa imediata na esfera jurídica da reclamante, não constituindo, por isso, um ato suscetível de lesar qualquer interesse legítimo ou direito da reclamante que possa ser objeto de reclamação deduzida ao abrigo do artigo 276.º e seguintes do CPPT. .» - fim de transcrição.
O Recorrente não põe em causa que o ato reclamado o deixou “… exatamente na mesma situação em que se encontrava antes de receber o referido ofício…”, mas defende que «não é o facto de a AT dirigir o sujeito passivo para o seu portal das finanças que o exime de prestar a informação solicitada, pois, do referido sítio da internet apenas lhe vai ser passível consultar documentos, como certidões de dívida, sendo que, tais documentos não vêm acompanhados da fundamentação necessária em que se estribam para que o seu destinatário descortine totalmente o seu teor, isto é, o porquê de estar a ser objeto de tais execuções.», acrescentando que «vendo-se na teia de várias execuções e processos contraordenacionais, solicitou, junto do órgão de execução competente, as informações necessárias para que pudesse, de forma plena e esclarecida, tomar consciência real e efetiva da sua situação jurídico-tributária, pois, a existência de tantos processos, quer de execução fiscal, quer de contraordenação, necessariamente, irão ter consequências e irremediáveis na sua esfera jurídica, capazes de lesar de forma séria grave e irreversível a esfera jurídica do contribuinte, causando-lhe prejuízo tal, que dificilmente poderá recuperar, porquanto, em última análise, o não pagamento das quantias alegadamente em dívida e provenientes de coimas, traduzir-se-á em sucessivas e subsequentes penhoras, algo que, poderia e deveria ser evitado, caso a FP prestasse as informações que lhe foram requeridas, escusando a ora recorrente de se ver obrigado a recorrer à via judicial e, assim, reclamar do despacho proferido a coberto do ofício já identificado.».
Ora, ressalvado o respeito devido por mais esclarecido entendimento, nos termos do nº 2, do artigo 9º, da LGT o conceito de “lesividade”, para efeito de acesso à justiça tributária, abrange qualquer afetação de direitos ou interesses legalmente protegidos, conquanto tenham sido esgotados os meios administrativos legalmente exigidos, sendo certo que o nº 2 do artigo 95º, da mesma lei indica, a titulo meramente exemplificativo, os tipos de atos que podem ser lesivos.
No caso que nos ocupa, como mais detalhadamente veremos adiante, resulta patente que, através do requerimento identificado no ponto A) dos factos provados, a Recorrente pretendeu exercer o seu direito à informação procedimental previsto no Código de Procedimento Administrativo (a partir do artigo 82º) e na Lei Geral Tributária (artigo 67º), bem como o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que está regulado pela Lei nº 26/2016, de 22 de agosto. Estes dois direitos estão também consagrados na Constituição (artigo 268º, nºs 1 e 2), assim como o direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º).
A Recorrente não se conforma com a resposta obtida pela AT por, a seu ver, não fornecer as informações solicitadas nem os documentos pretendidos, daí que entenda terem sido violados os aludidos direitos.
Uma vez que a lei permite o acesso direto à via contenciosa das decisões que não deêm integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (cfr. artigo 104º, nº 1, do CPTA), não sofre dúvida que o ato objeto destes autos é imediatamente impugnável.

3.2.2. Do erro de julgamento quanto à possibilidade de convolação
A Recorrente defende, igualmente, que impendia sobre o Tribunal a quo «a obrigação de convolar a presente ação em ação de condenação para a prática de ato, prestação das informações fiscais, sobre a reclamante, requeridas, estando verificados, inclusive, os pressupostos de que a convolação está dependente, nomeadamente, da idoneidade do pedido, da causa de pedir, e, também, da não caducidade do direito de ação».
Relativamente a esta questão, entendeu-se na sentença recorrida o seguinte:
«Por fim, sempre diremos que se a reclamante entende que o seu pedido de informação não foi integralmente satisfeito pela Administração Tributária (i.e. Serviço de Finanças ...), então, o meio processual adequado para satisfazer a sua pretensão seria a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista no artigo 104.º do CPTA (e não a presente reclamação consagrada no artigo 276.º e seguintes do CPTA). Mas, ainda que viesse a ser confirmada esta pretensão, não seria de aferir, in casu, da possibilidade da convolação da presente ação naquele meio processual, uma vez que não estamos perante um erro na forma do processo, visto que o pedido formulado pela reclamante (i.e. revogação do “despacho proferido, objeto da presente ação” – conforme peticiona no artigo 35.º da p.i. – é um pedido típico e adequado à presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal, previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT).» - fim de transcrição.
A Recorrente não afronta expressamente a sentença recorrida quanto ao invocado impedimento à convolação, que resulta do facto de, em face do pedido formulado, não existir erro na forma de processo, mas como alega, genericamente, que estão verificados os pressupostos para a convolação, iremos apreciar se a sentença enferma, nesta parte, de algum erro.
É sabido que o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual escolhido ao pedido, isto é, ao efeito jurídico que se pretende obter com a ação (cfr. artigo 581º, nº 3, do CPC), à providência de tutela jurisdicional requerida; se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.
Ora, como decorre do acórdão do STA de 28.05.2014, proferido no processo 01086/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1db08870f2199f4680257cec005730b7?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, que aqui seguimos de perto, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adotar um critério de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário:
- de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo nº 1508/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3ae0c6a1a8e08d4380257f32004f8db4;
- de 1 de Fevereiro de 2017 proferido no processo nº 200/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a57a7cfc746d5097802580bf0053c564.).
Esta jurisprudência tem na mira assegurar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa), com reflexo no princípio pro actione, que visa obstar a que o rigor formalista na interpretação da lei adjetiva impeça a prolação de decisões de mérito (cfr. artigo 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Analisando a p.i., constatamos que o pedido formulado é «julgar a presente reclamação procedente, por provada». Este é um pedido genérico, próprio de qualquer forma processual, com eventual retificação quanto ao meio processual concretamente em causa.
Olhando para as causas pedir invocadas, temos que a Recorrente alega, em resumida síntese, que “o reclamado não procedeu à notificação do ora reclamante nos termos requeridos, não dando resposta a nenhum dos quesitos” (cfr. artigo 6º da p.i.),o ofício notificado não veio acompanhado de qualquer prova documental que sustente a informação prestada e que permita assim ao contribuinte aferir a veracidade e validade da mesma” (artigo 8º da p.i.), “a resposta da administração não satisfez o pedido de notificação dos elementos solicitados”, nem veio acompanhada de qualquer prova documental (artigo 14º da p.i.), e que “o indeferimento da notificação do ato devidamente fundamentado e de notificação dos elementos documentais de suporte respetivos constitui uma clara violação dos princípios da informação e da colaboração” (artigo 15º da p.i.), sendo que sobre a AT impende o dever de informação e de colaboração (artigos 7º e 18º da p.i.).
A nosso ver, não sobram dúvidas em como a pretensão que a Recorrente pretende fazer valer consiste na prestação, pela AT, das diversas informações, elencadas no requerimento que consta do ponto A) dos factos provados, e documentos de suporte respetivos. Aliás, isso resulta também claro do teor dos artigos 31º 32º da p.i. onde a Recorrente refere que o meio judicial destinado ao reconhecimento judicial dos direitos à informação e de acesso aos arquivos encontra-se atualmente consagrado nos artigos 104º e seguintes do CPTA, sendo o mesmo aplicável na jurisdição fiscal ex vi do artigo 146º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Podemos, então, concluir que a pretensão da Reclamante é a de que lhe sejam prestadas as informações discriminadas no seu requerimento de 21.04.2023 e entregue a atinente prova documental. E, assim, ao abrigo desse entendimento jurisprudencial que consagrou a “interpretação flexível do pedido” (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, últimos três parágrafos da anotação 10 d) ao artigo 98º, pág. 92), ou seja, da pretensão expressamente formulada – no caso, de procedência da reclamação –, pode retirar-se como implícito o pedido de condenação da AT a prestar as ditas informações e entregar os documentos em que algumas delas constem.
No que respeita ao requisito da tempestividade para a nova forma processual, cumpre ter em conta que o prazo para apresentação da intimação para prestação de informações é de 20 dias (cfr. artigos 105º, nº 2, do CPTA, aplicável ex vi dos artigos 101º, alínea f), da LGT e 146º do CPPT) «(…) a contar da verificação de qualquer dos seguintes factos: a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido; b) Indeferimento do pedido; c) Satisfação parcial do pedido.».
O probatório (por nós aditado) dá-nos conta de que o Despacho objeto dos autos foi notificado à Recorrente a coberto de carta registada no dia 10.05.2023, pelo que se presume notificado em 15.05.2023 (1º dia útil seguinte ao 3º dia posterior ao do registo) (cfr. artigo 39º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e que a p.i. foi apresentada em 23.05.2023, daí que se mostre claramente observado o prazo legal de apresentação da p.i. para a forma processual adequada.
Acresce que a p.i. não se nos afigura manifestamente improcedente, pelo que nada obsta à convolação da presente reclamação em processo de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado pelo artigo 104º e seguintes do CPTA.
Assim sendo, é de conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para, se a tanto nada mais obstar, ser proferido despacho de convolação da reclamação em intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do nº 2, do artigo 9º, da LGT o conceito de “lesividade”, para efeito de acesso à justiça tributária, abrange qualquer afetação de direitos ou interesses legalmente protegidos, conquanto tenham sido esgotados os meios administrativos legalmente exigidos, sendo certo que o nº 2 do artigo 95º, da mesma lei indica, a titulo meramente exemplificativo, os tipos de atos que podem ser lesivos.
II - O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual escolhido ao pedido, isto é, ao efeito jurídico que se pretende obter com a ação (cfr. artigo 581º, nº 3, do CPC), à providência de tutela jurisdicional requerida; se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.
III – A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem vindo a adotar um critério de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica do autor.
IV - Esta jurisprudência tem na mira assegurar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa), com reflexo no princípio pro actione, que visa obstar a que o rigor formalista na interpretação da lei adjetiva impeça a prolação de decisões de mérito (cfr. artigo 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
V – Se (i) o pedido, interpretado em conformidade com esta jurisprudência, é próprio do processo de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, (ii) a petição foi tempestivamente apresentada para esta forma processual e (iii) não é manifestamente intempestiva, deve proceder-se à convolação para aquela forma processual.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para, se a tanto nada mais obstar, ser proferido despacho de convolação da reclamação em intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, seguindo-se os demais termos.

Custas a cargo da Recorrida, por aqui sair vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 27 de setembro de 2023

Maria do Rosário Pais – Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta